Serena escrita por Maria Lua


Capítulo 22
Espetacular, Espetacular!


Notas iniciais do capítulo

Feliz Natal! Pessoal, vou viajar ainda hoje, mas vou me manter postando ou todos os dias ou dia sim, dia não. Ah! Já estou bem de doença, cortei o cabelo no ombro e engordei finitos quilos com a ceia. Espero que gostei desse. Boa leitura!



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Todos estavam perplexos. Era algo inesperado, mas somente por conta de sua reputação. Quem diria que Serena, que nunca assume seus erros, assumiria o de outro alguém? E dessa vez, que pela primeira vez toda a escola saberia, que havia testemunhas, Serena sairia impune? Não poderia. Desmancharia o nome do colégio se permitissem que uma aluna incendiasse a área e permanecesse ali, estudando. Mas também não poderiam a expulsar quando não se há sinal de seus responsáveis. O que aconteceria a ela?

Virei para ela – seu rosto transbordava firmeza. Seus cabelos estavam presos de maneira que podíamos notar cada mínimo detalhe. Seus olhos estavam bem fixados na diretora, seus lábios cerrados, sobrancelha arqueada em desafio, juntamente ao queixo, erguido. Seus seios moviam-se bem rapidamente com a adrenalina de sua respiração. Eu podia ver a sua garganta movimentando-se enquanto ela engolia por nervosismo. É claro, apenas eu notava esses seus detalhes. Estava tão familiarizado ao seu corpo que admirava qualquer coisa nova – e sequer havia ido aos “até que enfim” com ela.

Durante uns instantes, todos se silenciaram. Em seguida, que novidade! Cochichos. A diretora fez cessar rapidamente ao levantar o dedo para o céu.

– Sr. Humphrey. Srta. Doolitle. Minha sala. Agora. – falou pausadamente, e nós a seguimos.

Enquanto caminhávamos fiquei encarando Serena na tentativa dela notar e me encarar de volta, para exercer qualquer comunicação. Ela notou, é claro, mas sequer desviou o olhar. Parecia forçar-se a encarar algo bem distante, na mesma postura esguia do instante anterior. Quando entramos ficamos aguardando a diretora falar, sentada em sua cadeira. Parecia a minha primeira noite ali. Ela baixava a cabeça e colocava a mão na testa, exausta. Exausta da situação.

– Por que os cigarros estavam no quarto do Sr. Humphrey? – falou, dirigindo-se a Serena. O que ela diria?! Tudo ficaria um tanto suspeito. Antes de Serena começar, a diretora acrescentou. – Estavam juntos, atrasados, na noite do incêndio. Cigarros no quarto do professor, aluna confessa crime. Observei, e não se falam desde o incidente. O que eu não estou sabendo?

– Diretora Wilkes... Eu sei o que isso parece, e mantenho o que disse antes. Eu sou a culpada. Eu. Apenas eu. Tentei culpar o professor Humphrey pondo os cigarros no quarto dele enquanto ele dava aula, mas minha consciência pesou e tive que confessar. – falou. Ficamos em silêncio. – Então, se me dá licença... – ela ia levantar, até que a diretora a parou.

– Srta. Doolitle... Conhecemos-nos há muitos anos. Sei seu histórico com álcool e cigarros, e sei que esteve teoricamente limpa por muito tempo. Sei que ultimamente tem se esforçado para ser melhor, e sempre suspeitei da participação de seu amigo e professor nessa área. Porém, apesar de já ter acobertado destruições de propriedade privada da senhorita antes, desta vez será impossível. Saiu no jornal local da cidade, a polícia quis intervir para descobrir o que houve, e os pais estão revoltados com a presença de cigarros no recinto. Terei que tomar alguma providência. – falou.

Serena estava perplexa, olhos arregalados. E eu não estava diferente! Para me proteger!

– O... O que pretende fazer? – perguntou trêmula.

– Terei que contatar a sua madrasta. Até lá você vai ter que viver em custódia de uma assistente social. Assim que sair dessa sala eu vou telefonar para uma, e até amanhã você vai com uma até a sua tutora legal aparecer. – disse.

– Mas diretora... – comecei, assustando a ambas. – Isso não é justo. Os cigarros estavam em meu quarto!

–Humphrey... Dê-se por satisfeito. Está liberado, com o currículo limpo, e ainda tem a tarde de folga. Eu só não o liberei ainda porque quero falar a sós ao liberar Serena. Aguarde. – a diretora falou, e em seguida dirigiu-se à loira mais cabisbaixa que já havia visto. – Querida... Vá, arrume suas malas, despeça-se de suas amigas. Eu vou até o seu quarto depois do jantar para atualizá-la sobre sua madrasta.

Serena levantou-se e saiu silenciosamente. Eu não a reconheci. Nunca a vi escutar nada sem refutar, sem se impor. E eu entendia o porquê. O seu passado a assustava. Não sei quem foi a sua madrasta, por onde anda, o que fez, mas Serena temia ter que voltar a conviver com ela, e imediatamente eu me senti como Walt Disney – aquele que poderia lhe dar um final feliz. Quando ela já estava longe, voltei-me para a diretora com firmeza.

– A senhora não pode estar falando sério. – falei.

– Sr. Humphrey eu vou ser franca com o senhor. Você tem mais de dez anos a mais que Serena, tem grande amizade e influência sobre ela. É maior de idade, responsável. Eu vou lhe pedir algo que talvez seja pedir demais, e acredito que seja negado. Mas preciso pedir. – falou. – Uns meses atrás eu conversei com a assistente social do colégio, e ela estava preocupada com a rebeldia da menina. Porém, quando você chegou, tudo mudou. Ela mudou. Estávamos felizes até então. Não sei se vocês brigaram ou o que houve, mas isso tem que ser consertado. Há um ano descobrimos que a madrasta, a Sra. Doolitle, simplesmente não existe.

Eu fiquei em silêncio, tentando engolir. Minha mente travou. Era uma informação que eu não esperava.

– O quê? Como assim não existe? Está dizendo Serena a inventou? – perguntei indignado.

– Não. Ela existiu. Serena sempre foi muito aberta com os psicólogos, o que manteve sua esquizofrenia bem contida, especialmente com medicamentos. O problema é que a madrasta desapareceu. Mudou de nome, país, transferiu boa parte da sua fortuna para outra conta, o que a tornou suspeita do assassinato do seu marido, pai de Serena. – sua voz era calma. Como?! Como falava tão calmamente? Estava simplesmente falando sobre crime, desaparecimento, e abandono! Eu não conseguia pensar em nada além do destino de Serena. Ela, com certeza, nunca poderia saber disso.

– Já que não vai encontrá-la... Vão mandar a Serena para um orfanato? – perguntei receoso. Tinha medo de isso ser confirmado. Não podia imaginá-la com medo, assustada com a idéia de conviver com novas pessoas. E pior: sem mim. Poderia ser mandada para qualquer país, qualquer lugar.

– Não... Aí está a proposta. Precisamos de um tutor durante três anos. Alguém que cuide dela, a mantenha, que seja responsável por suas ações, por suas medicações, por seu futuro. É irrefutável que você se importa com a menina, que quer o seu bem. A assistente social disse que você é novo para ter o papel de pai, mas quem seria mais adequado? Quem mais ela aceitaria? – disse. – Então... O senhor gostaria de ser o tutor de Serena?

Gelei. Estava sem ações ou palavras. Provavelmente sem pensamentos também. Em minha cabeça latejava “sim, sim, sim!”, mas não sabia como seria. Como eu seria amante e pai da menina ao mesmo tempo. Eu a amava, e isso me confundia.

– Mas... – ela continuou. – Serena ainda será expulsa. Com o dinheiro que foi deixado na conta dela para pagar as despesas do colégio poderiam comprar uma casa, ela iria para o colégio municipal ou qualquer outro, e o senhor receberia uma ótima recomendação para onde quer que fosse. – ela falou. Tudo parecia melhorar.

Fiquei imaginando-me morando com Serena, dividindo a casa, a cama, a vida, e depois dos seus dezoito anos quebraríamos o disfarce, nos assumiríamos. Viveríamos tudo aquilo que eu sempre li e ouvi dizer, uma real vida de amantes em um perigoso disfarce. Seria como Moulin Rouge – esconderíamos nosso amor até o fim do Espetacular, Espetacular! Porém, sem previsão de final trágico.

– Sim. – falei com firmeza.

– Sim?

– Sim. Eu quero ser o tutor de Serena.


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