Serena escrita por Maria Lua


Capítulo 2
Primeira aula




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Ao passar pelos portões do Marie Curie meus olhos esbugalhavam-se. A grandeza do ambiente mal pode ser descrita, e tudo o que eu disser sobre não fará jus ao que aquele lugar de fato era.

Os portões pareciam ser feito em ouro maciço, modelado pelos próprios anjos da era colonial. A grama era perfeitamente aparada, as folhas das árvores desenhando estátuas das mais variáveis. O casarão mais parecia um palácio. Enormes torres, janelas grandes e de estilo romântico, mas de uma maneira mais sombria, época byronista da literatura. Tudo aparentava ser extraído de uma obra de terror do século XVIII. Entre o casarão e o portão há uma estrada de pedras lisas, de um padrão extremamente alto. Em todo o jardim viam-se moças vestindo vestidos até os joelhos. Elas liam, dançavam, brincavam, corriam. Estavam livres em seus grupos naquele universo tão aparentemente agradável. Havia freiras e algumas monitoras caminhando por ali. Carregavam um apito no pescoço. Larguei o carro no estacionamento e segui andando pela estradinha que dividia as alas dos jardins. Era satisfatório ouvir os cochichos e risadas em minha volta. Deve ser uma surpresa para as meninas haver um homem naquele lugar.

Ao me aproximar do casarão, notei que palácio é a palavra mais adequada para aquilo. As colunas deviam ter mais de cinco metros de altura, assim como as portas. Ao estar debaixo daquele teto, após o primeiro passo, alguém me reconhece.

– Charles Humphrey? – reconheci de imediato a diretora Wilkes. Não a conheço, sequer já a havia visto, mas aprendi um pouco sobre diretoras ao longo da minha vida, e elas se pareciam assim. Era um pouco cheia, bastante baixa, usava óculos chamados de “olho de gato”, puxados ao canto, marrons. Vestia as meias até os joelhos, seu terno muito bem composto era marrom, em um tom intermediário. Usava um batom marrom escuro – que, talvez, um dia tenha sido comprado escarlate – e prendia um coque escuro no topo da cabeça. Sorria para mim, em seus, talvez, quarenta anos de idade.

– Sim. A senhora deve ser a diretora Wilkes. É um tremendo prazer. – apertei sua mão rapidamente. Esse tratamento é chamado de “simpatia política”. Do tipo que agrada a ela e me consegue o que quero.

– O prazer é todo meu. Por favor, siga-me. Vou mostrar-lhe os seus aposentos. – a segui, continuando a ouvi-la durante a caminhada. – Ensinará a turma do primeiro ano do ensino médio. São garotas de quinze anos, deve lembrar-se de como as pessoas são rebeldes nessa idade. O seu guia de horários estará pregado em seu armário, e poderá consultar em qualquer horário do dia. O café da manhã será às seis e meia da manhã em ponto, encerrando-se às seis e cinquenta e cinco.

Em um longo corredor, de aparência extremamente rústica, entramos em uma das portas. Nela, havia uma placa de madeira com o nome “Sr. Humphrey” esculpido. A diretora me entregou a chave para que eu mesmo a abrisse. Ao entrarmos havia um grande armário de madeira em estilo clássico – muito possivelmente não haveria roupa suficiente para guardar ali. Era de fato muito grande. Havia também uma cama de solteiro grande. Não chegava a ser uma de casal, já que esse tipo de comportamento era considerado impróprio para esse colégio, mas caberiam duas pessoas ali tranquilamente. Na forra da cama, o semblante do colégio desenhado em couro marrom claro, como quase tudo naquele lugar. Havia uma grande estante de livros, parcialmente preenchido. E, também, uma mesa de estudos com abajur, materiais escolares e uma cadeira giratória. Havia m grande tapete no chão, próximo à suíte. A janela era grande, com espessas cortinas. Aproximei-me e vi a vista: deparo-me diretamente com o jardim. Conseguia ver várias das moças se divertindo. Sorri.

– Espero que se sinta à vontade com o cômodo. Qualquer alteração necessária seria interessante se me avisasse. Meu número de telefone está na agenda em cima da mesa. Nos veremos no almoço, às doze e dez. Em ponto. – ela pediu licença e saiu. Minutos depois bateram na porta, e lá estavam minhas malas. As desfiz com certa rapidez, acomodando tudo em seus lugares, indo em seguida tomar uma ducha. Após trocar de roupa, penteei os cabelos e saí. Estava maravilhado com tudo. Não conseguia desviar os olhos das estátuas, da arquitetura do lugar. Segui pelos corredores, desvendando-os, até chegar aos corredores de aula. Fiquei observando as classes pelas janelas, e havia um certo padrão. Com exceção de uma professora, que a propósito é bastante jovem e bonita, todas eram velhas, baixas, com uma expressão amargurada. Notei, também, que nas aulas onde havia essas senhoras as moças estavam em silêncio, sentadas, dispersas. Já na aula da jovem professora, todas interagiam. Não apenas entre si, mas com a aula. Ela acabava se tornando muito mais produtiva, divertida, leve. Parei alguns instantes em frente a essa porta, até que fui notado pela professora. Ela olhou para mim, sorriu e veio em direção à porta. Fiquei sem graça de imediato, dei alguns passos para trás e até cogitei fugir, mas ela já havia aberto a porta.

– Olá! Sr. Humphrey, certo? – ela esticou a mão para mim.

– Sim, muito prazer. E a senhora... Senhorita... É? – perguntei, com a voz travando.

– Serena Doolitle. Apenas um “t”. O que vai ensinar? – perguntou sorridente. Meus olhos não sabiam onde fixar-se: em seus cabelos loiros, volumosos, longos, ou em seus olhos azuis e com imensa profundidade. Até mesmo em seus dentes havia notado: perfeitos, juntamente com o sorriso que se erguia em seus lábios.

– Literatura, para o primeiro ano. E você? Que aula está dando? – perguntei, apontando para a sala onde ela havia saído, que agora estava uma baderna silenciada pela porta fechada.

Ela olhou para a sala e riu.

– Bom, teoricamente estou na aula de história. Primeiro ano, hein? Então ainda nos veremos, em breve. Agora tenho que voltar para a minha... Aula. – a cada frase, uma nova risada. E eu já adorava aquele som. – Até mais, Sr. Humphrey. – ela piscou o olho para mim e entrou na sala. Era considerado antiético flertar com uma colega de trabalho?

Segui andando, observando tudo que podia até o meio dia, quando encontrei o salão de refeições. Sentei-me com todos os professores, freiras e com a diretora. Notei que tinham, sim, professoras que não sejam idosas, mas que eram escassas, e de qualquer maneira nenhuma com menos de trinta anos ou com um quadril que caiba na cadeira. E, aparentemente, todas usavam uniformes muito parecidos com os das alunas, com exceção da camisa. Havia também um professor homem, que provavelmente tem mais que sessenta e cinco anos de idade. Ou de sala de aula. Apesar de me julgar por esse fato, esperei até uma da tarde para encontrar com Serena Doolitle com apenas um “t”, novamente. Mas ela não apareceu. Não conheço sua rede de horários, ou seus imprevistos, mas estava ansioso para me encontrar com ela ao menos no jantar. Mas, agora, tinha que ir para a minha primeira aula.

Peguei meu material em meu quarto e parti para a sala de literatura. Fui o primeiro a sentar, o que me deu tempo para anotar meu nome no quadro e organizar meus livros na mesa. Assim que as alunas do primeiro ano turma A entraram eu iniciei com a apresentação.

– Boa tarde a todas. Imagino que tenham sido avisadas de que eu serei o novo substituto da professora Elliot. – ouvi murmúrios entre elas como, por exemplo, “já não era sem tempo”, ou “nem a aposentadoria nos livrou dela, só doença mesmo...” e outros tão maldosos quanto. – Apesar de eu ser muito jovem, tenham a certeza de que a cobrança será tão dura quanto com qualquer outra matéria. E espero que... – fui interrompido pela porta sendo aberta.

– Me desculpe o atraso, professor. Mas... Acostume-se. – era ela. Aquele anjo loiro entrou na minha sala de aula. Não tinha certeza se em meu rosto estava tatuada uma grande interrogação ou brilhos de contentamento.

– Professora Doolitle. – eu falei, e ouvi muitas risadas altas após isso na sala. Ela riu também e se sentou na primeira carteira em frente a minha mesa. Não pude conter o choque tanto quanto não pude manter minha boca fechada.

– Pode prosseguir. – ela disse, após alguns momentos constrangedores em que fiquei parado enquanto as alunas riam de mim e faziam comentários. Percebi que eu precisava ter alguma reação, então afastei qualquer pensamento confuso em minha cabeça e segui tanto com a apresentação quanto com a aula. Era um dia e tanto.


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