Left Behind escrita por Khaleesi


Capítulo 12
Capítulo 12 - The Way It Was Before


Notas iniciais do capítulo

OLÁÁÁÁ POVO BUNITO! Que saudade de vocês... Mais de um mês sem atualizar?! Não me matem por favor. Tive uns problemas pessoais ae, além da escola né que não ta nada fácil. Peço mil desculpas pela demora, espero que entendam.
Queria começar agradecendo à todos os 52 leitores maravilhosos que vem acompanhando essa história e me incentivando a continuar, mas em especial quero agradecer à Moony hoje, menina que recomendação foi essa? Eu quase morri do coração quando vi que tinham recomendado Left Behind, e ai venho ler, chorei horrores, você nã otem noção de como eu fiquei e ainda estou MUITO FELIZ por esse apoio, sério essa fanfic não existiria sem você e sem minhas leitoras maravilhosas: Kaya Levesque, Musa, Amélia, Paper Wings, LadyFiction, Impenn e muitas outras que tem me incentivado, amo vocês pessoal ♥
Agora vamos falar um pouquinho sobre TWD? A temporada acabou, e literalmente ACABOU comigo, para quem ainda não assistiu o episódio recomendo parar por aqui... Eu achei a temporada ótima tirando as cagadas que fizeram deixando aquele mistério sobre a morte do Glenn no início, e depois na mid-season e agora na season finale! Sério, é muita sacanagem, eu fiquei acordada até tarde para ver no que ia dar e simplesmente não mostraram quem morre pro fudidaço do Negan? Estou emputecida até agora porque vou ter que esperar até outubro pra ver quem morreu naquela bagaça!! Achei ótimo a tensão final a aparição do Negan e etc, mas isso foi uma puta sacanagem e espero realmente que TWD pare com esses joguinhos de audiência, porque é uma serie que realmente não precisa disso.
Enfim, desabafei aqui mas chega de papo, vamos logo ao que interessa! Ah, qualquer errinho que encontrarem me avisem por favor.

Dedico esse capítulo especialmente à Moony, obrigada mais uma vez gata, você fez meu mundo melhor.



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Capítulo 12 - The Way It Was Before

 

S A M

 

A brisa fria da manhã soprou meus cabelos quando deixei o bloco de celas. Os fracos raios solares pintavam as nuvens com tons alaranjados e rosados enquanto surgiam no horizonte. Atravessei o pátio cimentado e prendi os fios loiros para trás antes de alcançar o pequeno grupo que se reunia em frente aos portões. Daryl fazia os ajustes finais em sua moto enquanto Rick orientava Hershel, Glenn e Maggie sobre algumas medidas de segurança a serem tomadas caso a prisão fosse atacada novamente. Preocupava-me deixar Ellie, sabendo da possibilidade de o Governador e seus homens retornarem, porém eu confiava em sua capacidade de se defender sozinha… Não havia outra escolha.

Carl estava encolhido em sua jaqueta, escorando-se no carro e Michonne andava paralelamente às cercas observando os errantes que se contorciam tentando alcançá-la.

— Sairemos em alguns minutos — anunciou Rick ao me ver. Apenas assenti com a cabeça e aproximei-me de Daryl.

— Precisa de ajuda? — perguntei, apesar de o motoqueiro aparentar lidar muito bem com o veículo sozinho. Ele apenas ergueu o olhar e murmurou algo parecido com “não”, voltando atenção para o escapamento em seguida.

— É Samantha, não? — perguntou com sua voz rouca, sem tirar os olhos do que estava fazendo.

— Pode me chamar de Sam — sugeri, recebendo apenas um aceno de cabeça do em retorno.

Eu não sabia muito bem como me portar durante a viagem na companhia de Daryl. Não o conhecia, e pelo que sabia ele provavelmente não aprovava Ellie por ter batido em seu irmão, e talvez a mim também, por não ter feito nada a respeito. Não pensara duas vezes antes de me oferecer para acompanhá-lo na patrulha, pois realmente precisava das minhas roupas, tudo o que tínhamos havia ficado em Woodbury. Contudo, algo me dizia que não seria nada fácil lidar com o caipira.

Guardei as mãos nos bolsos do moletom cinza, sentindo o ar frio cortando minha nuca. Começava a esfriar na Geórgia, os ventos haviam mudado assim como a tonalidade do céu e das folhas nas árvores: ficavam cada vez mais secas, enrugadas e propensas a cair… Como se a natureza pudesse sentir nosso humor.

Logo Rick aproximou-se, acompanhado de Glenn e Maggie. Daryl terminou os reparos na motocicleta e se levantou, limpando as mãos sujas de graxa nas em um trapo velho.

— Hora de ir — anunciou o líder, então dirigiu um olhar à Daryl. — Você conversou com Merle?

— Ele não vai causar nenhum problema — assentiu o motoqueiro. Em seguida, Rick ergueu as sobrancelhas para mim.

— Ellie também não — afirmei, tentando passar segurança em minhas palavras. Eu não podia ter certeza, pois Ellie era um verdadeiro imã para encrencas.

— Certo. Algumas estradas estão bloqueadas — continuou ele. — Se perceber que não dá pra passar, voltem. Não se arrisquem.

— Não vamos — Daryl pegou a mochila sobre o banco da moto e jogou nas costas, em seguida ergueu a perna e montou no veículo, sinalizando com a cabeça para que eu o imitasse. Aproximei-me e sentei-me na traseira da moto, sentindo-me desconfortável. Havia andado em uma moto apenas uma vez e a lembrança não era das melhores.

— Ei, fique com isso — Glenn retirou o coldre do cinto carregado com a pistola e me entregou. — Não pode sair desarmada.

Peguei-o de suas mãos e prendi ao meu cinto, sem saber o que dizer. Não esperava tal atitude do asiático, mas forcei-me a sorrir minimamente.

— Obrigada.

Rick nos lançou um último olhar antes de seguir para o carro.

— Nos vemos no fim do dia.

Observei enquanto ele adentrava o veículo com Carl e Michonne. Em seguida, Maggie e Glenn abriram os portões e eliminaram os errantes mais próximos, liberando a passagem. Segurei-me no colete de Daryl quando a moto avançou pelos portões, descendo o terreno levemente elevado, com Rick logo atrás. Ele acelerou pelo campo, ultrapassando os errantes que vagavam ao redor e enfim avançando pela passagem aberta onde costumava ficar o outro portão. Seguimos pela estrada de terra até alcançar o asfalto, onde Rick seguiu pelo caminho oposto. O veículo tomou velocidade, então envolvi o abdômen de Daryl com meus braços, sem muita segurança, porém ele nada expressou. Olhei uma última vez para a prisão com suas grandes torres erguendo-se perante a floresta antes de Daryl fazer curva e os prédios sumirem de vista.

 

***

 

As placas à frente sinalizavam a curta distância até o posto de gasolina mais próximo. Daryl reduziu a velocidade gradativamente e desviou dos poucos veículos abandonados ao longo da estrada até estacionar diante de uma das bombas de combustível. Desci da motocicleta afastando os cabelos bagunçados pelo vento do rosto e ajeitei a mochila vazia nas costas. Olhei ao redor enquanto Daryl cuidava do abastecimento da moto; era um lugar completamente desolado, amparado pela longa rodovia, mergulhado em um silêncio mórbido. As placas mostravam o preço levemente apagado do combustível… Era deprimente imaginar que um dia as pessoas tiveram que se importado com coisas tão simples como o preço de um produto e que agora isso não tinha o menor valor.

Afastei-me de Daryl, dirigindo-me aos banheiros e empurrei a porta que indicava o lavatório feminino. Era amplo, sujo e mal iluminado. Abaixei-me, conferindo o espaço aberto das quatro primeiras portas dos sanitários e conclui que não havia nada nem ninguém ali. Permiti-me relaxar por alguns instantes, apoiando as mãos no mármore empoeirado da pia, contemplando o silêncio. Ergui brevemente os olhos para o espelho embaçado e deparei-me com uma figura muito diferente do que estava acostumada. Os cabelos loiros estavam mais longos do que me lembrava, a pele pálida quase sem vida e pesadas olheiras marcando a região abaixo dos olhos… Lembrava-me muito um dos mortos que vagavam no mundo afora.

Apesar de tudo, não podia reclamar de minha aparência cansada, estava há dias sem dormir, comia o suficiente para não morrer de fome e bebia o suficiente para não secar a garganta. As cenas mórbidas invadiam minha mente a todo instante, como se tentassem me lembrar o quão condenada eu estava a sofrer… Como se testasse quanta dor eu suportaria…

Um ruído no aposento desviou minha atenção para os fundos do banheiro. Alarmada, retirei a arma do coldre. O ruído tornou-se mais alto e logo consegui distinguir uma voz feminina rouca:

— Socorro…

Engoli em seco, pensando em chamar Daryl, porém não queria assustar quem quer estivesse por trás daquela porta. Aparentava estar fraca pela voz, talvez ferida… Precisava de ajuda. Sem deixar o receio de lado, caminhei lentamente até o último compartimento do banheiro, com a pistola em riste. Coloquei-me de frente à porta e aproximei-me.

— Quem está aí? — perguntei, tentando passar alguma autoridade.

— Socorro… — Repetiu a voz, quase em um sussurro.

Destravei a pistola e empurrei a porta vagarosamente, revelando uma errante parada em meio ao box. Antes que eu pudesse reagir, senti as mãos frias agarrando meus braços e avançando contra mim com uma fome insaciável. Recuei, tentando desvencilhar-me e debati-me contra a pia de mármore. A morta forçou seu peso contra mim, estalando a mandíbula, perigosamente próxima ao meu rosto enquanto eu tentava apontar a pistola para sua cabeça com dificuldade. A certeza de que eu morreria naquele instante passou por minha mente no segundo em que uma flecha atravessou seu crânio e suas mãos cadavéricas desprenderam-se de mim, levando-a ao chão, inerte.

Daryl estava parado diante da porta do banheiro, baixou a besta e aproximou-se para recuperar a flecha.

— Sabe como as coisas funcionam, hein? — debochou ele, porém não dei atenção, estava trêmula, em choque. Meus olhos estavam fixos no rosto magro e pálido da errante, era aparente que tinha feições jovens apesar das múltiplas feridas que descascavam a pele de sua face, e os fios de cabelo loiros despenteados eram evidentes… Talvez essa fosse minha aparência quando morresse… — Ei, você está bem?

Puxei o ar pelas narinas, sem conseguir tirar a voz feminina pedindo socorro de minha mente. Eu havia ouvido algo, não estava ficando louca… Ou talvez estivesse… Não havia mais ninguém ali, apenas mais um dos mortos-vivos. Contudo a voz fora tão real, eu não podia estar imaginando coisas.

— Não — respondi, com a  voz trêmula. Recuperei-me e tentei ignorar o olhar de estranheza de Daryl sobre mim enquanto me retirava do recinto.

Dirigi-me às portas da loja de conveniência, tentando pensar em outra coisa.

— Eu já conferi a loja — avisou ele. — Não tinha nada além de alguns pacotes de biscoito vencidos.

Suspirei pesadamente e tentei me recompor. Desta vez retornei à moto e aguardei para que ele montasse primeiro, porém Daryl parou ao meu lado franzindo o cenho.

— Por que não disse que nunca tinha enfrentado um errante antes?

— Porque eu já enfrentei um errante antes.

— Não é o que parece — suspeitou ele. — Você quase morreu...

— É, e você me salvou — cortei-o. — Podemos ir agora?

Eu podia imaginar que ele estava no mínimo irritado, porém sua expressão era indecifrável. Ele apenas guardou a besta e subiu na moto.

— Apenas coloque a cabeça no lugar — disse, com certa amargura. — Temos uma patrulha para terminar.

Montei no veículo segurando-me em Daryl e ignorando seu último comentário, apesar de saber que ele tinha razão. Logo o caipira deu a partida na motocicleta e voltamos à estrada. Eu me segurava firmemente enquanto o veículo tomava velocidade e o vento gélido cortava as maçãs de meu rosto. Ao longo de toda a rodovia era possível observar inúmeros carros abandonados em um trânsito interminável, muitos deles com seus motoristas e famílias mortos, debatendo-se contra os vidros. A viagem durou mais algumas horas até que eu reconhecesse os altos edifícios erguendo-se ao longe. Assim que adentramos a cidade abandonada, orientei Daryl pelas inúmeras ruas de Atlanta. A cada esquina havia um bando diferente de errantes, viaturas policiais esmagadas contra postes ou largadas em meio às ruas, tanques de guerra e o cheiro podre da morte presente em cada canto. Avançamos pelo município, evitando o contato com os errantes até chegar ao nosso destino.

Daryl estacionou a moto e assim que descemos, eliminou um dos mortos que se aproximava com a besta, em seguida afastou-se para buscar a flecha. Retirei a pistola do coldre, carregando-a, então virei-me para encarar meu passado.

A média e charmosa casa azul postava-se entre as demais, com altas janelas de madeira polida diante da ampla varanda. O jardim mal cuidado cercava a entrada, a grama alta atrapalhava o caminho e as trepadeiras cobriam as paredes. Daryl aproximou-se e parou ao meu lado, observando a vista. Eu não sabia exatamente como reagir ou o que esperar… Ao olhar para aquela vizinhança, anos de vivência voltavam a minha mente; momentos felizes, memórias distantes que pareciam nunca ter existido um dia, tendo em vista o mundo atual. As últimas semanas em que permaneci naquela casa eram nítidas em minha cabeça: as cortinas sempre fechadas, portas e janelas trancadas, os noticiários mostrando o avanço da epidemia, as ruas desertas, vizinhos enchendo seus carros com bagagens e suprimentos e partindo para nunca mais voltar, até que chegou o dia em que meu pai decidiu ir embora também, para nossa segurança, e a essa altura as hordas já haviam dominado a cidade. Mas lá estava eu, de volta ao passado, relembrando dolorosamente do modo como as coisas eram antes do mundo acabar.

Soprei o ar pelas narinas e adiantei-me em direção à residência. Atravessei o jardim, sentindo a grama alta raspando em minhas botas. Subi os degraus da varanda e parei diante da porta com Daryl em meu encalço. Ele se abaixou e puxou a corda da besta, preparando uma nova flecha para ser lançada, em seguida sacou a faca e a pressionou contra a maçaneta, quebrando-a.

— Pronta? — perguntou.

— Não — respondi, erguendo a pistola e fazendo sinal para que ele liberasse a passagem.

Daryl empurrou a porta e imediatamente avancei para dentro do hall, apontando a arma para todas as direções. A ideia de que algum sobrevivente pudesse estar usando minha casa como abrigo me incomodava, porém me ocorreu que aquela casa não me pertencia mais, ninguém mais era dono de uma casa ou de um carro ou qualquer coisa, tudo pertencia ao mundo e especialmente, aos mortos.

O cheiro de mofo e poeira invadiu minhas narinas quando deixei o corredor e avancei pela sala. Daryl conferiu todos os cômodos do térreo antes de desaparecer na cozinha enquanto me limitei a parar em meio à decoração. Os móveis claros com aspecto rústico sempre me trouxeram uma sensação de tranquilidade. Os dois sofás aconchegantes dispunham-se nos extremos do tapete peludo localizado no centro da sala, e sobre ele, descansava uma pequena mesa de vidro com algumas revistas e as últimas edições lançadas de jornais antes de todos os meios de comunicação pararem, relatando os números assustadores de mortes e informações sobre greves e protestos contra o governo e os militares por não contarem a verdade sobre a epidemia. Tudo permanecia no exato lugar em que havíamos deixado tempos atrás, a televisão, a mesa de jantar, as velas decorativas sobre a mesinha de centro, as cortinas fechadas... Como se estivessem esperando por nossa volta.

Dirigi-me à cozinha, onde Daryl empilhava alguns enlatados sobre o balcão, os poucos que haviam restado. Quando deixamos a casa, meu pai insistiu para que não carregássemos muita bagagem. Como militar, estava a par da situação e sabia os lugares exatos onde encontrar provisões para sobreviver ao longo da estrada.

Daryl retirou os últimos suprimentos do armário aberto e depositou junto aos demais. Puxei a mochila vazia das costas e comecei a guardar os condimentos. Não percebi o quão aparente estava o meu abalo emocional até que me deparei com Daryl encarando-me.

— O quê? — perguntei, parando o que estava fazendo. O motoqueiro olhou ao redor.

— É uma casa legal — comentou. Eu sentia que ele queria me consolar de certa forma, contudo não fazia ideia de como fazer isso.

— Era — corrigi. — Agora são apenas paredes frias e cômodos vazios...

Puxei o zíper ao terminar o trabalho e joguei a mochila por cima do ombro.

— Vamos ao que interessa — apanhei a menor chave no suporte preso à parede e retornei à sala, dirigindo-me à porta ao lado das escadas Girei as chaves na fechadura e a empurrei, liberando acesso a mais degraus que conduziam ao porão. Pegamos nossas lanternas e iniciamos a decida, iluminando alguns pontos da escadaria de cimento. Quando aterrissei em chão firme, apontei a lanterna para a parede oposta. Era possível enxergar as pequenas partículas de poeira através do feixe de luz. Havia suportes nas paredes sustentando três armas de artilharia pesada, no canto do cômodo repousava uma espécie de vitrine, exibindo revólveres e pistolas de todos os tipos e tamanhos, algumas delas eram antigas peças de guerra e eu não tinha certeza de que ainda funcionavam. Em uma estante na parede oposta estavam guardadas diversas caixas de munição, um colete à prova de balas e algumas bombas de fumaça. E ele estava ali, em cada pedacinho daquele porão eu podia enxergar meu pai, o que só servia para me lembrar da dor de perdê-lo.

— Eu mencionei que ele era meio fanático por armas e essas coisas? — Daryl e eu nos entreolhamos, ele parecia um pouco impressionado com a coleção. — É… Bem, divirta-se.

— Onde você vai? — perguntou quando me movimentei para deixar o cômodo.

— Qualquer lugar longe desse porão.

Virei-me e subi os degraus com o auxílio da lanterna. Retornei à sala, e dessa vez, subi os degraus para o segundo andar.

A superfície de madeira da escadaria estalou sob o peso de meus pés até o momento em que parei diante do estreito corredor. Senti uma breve ansiedade corroendo meu estômago ao pousar os olhos na porta fechada que levava ao meu quarto. Resolvi deixá-lo por último e direcionei-me ao banheiro. Peguei apenas o necessário: escovas de dente, creme dental, algumas toalhas e as poucas aspirinas que ainda restavam no armário. Juntei tudo, enrolando em uma das toalhas e em seguida dirigi-me ao quarto de Ellie. As paredes de um verde claro calmo não refletiam exatamente sua personalidade, porém era sua cor preferida. Havia alguns quadros amadores de sua autoria, alguns feitos quando era criança, coloridos e rabiscados, já outros eram realmente bonitos, com alguns erros eminentes, contudo mostravam seu talento na pintura… Suspirei, pensando em como gostaria de vê-la pintar novamente. Ao lado da cama bagunçada repousava uma televisão velha e seu tão amado console de videogame, com as caixas de jogos esparramadas pelo chão. Peguei-me sorrindo brevemente ao relembrar-me das horas que passávamos trancadas naquele quarto, nos divertindo no mundo virtual dos jogos ou simplesmente largadas na cama, assistindo a um bom filme. Balancei a cabeça para afastar os pensamentos e direcionei minha atenção à cômoda onde estavam guardadas suas roupas, pegando casacos para o inverno e peças variadas e tentando organizá-las na mochila.

Deixei o quarto de minha irmã e o próximo destino foi o quarto de meu pai. A porta estava entreaberta, então apenas a empurrei levemente e adentrei o recinto, parando ao da cama de casal com os lençóis esticados... Era incrível como ela era cuidadoso e disciplinado com tudo; até mesmo no fim do mundo não conseguia deixar a cama bagunçada ao sair de casa. Tentei evitar olhar muito para os móveis e paredes e direcionei-me diretamente ao armário. Ao abri-lo, estiquei o braço e peguei um dos casacos devidamente esticados nos cabides. Sorri brevemente ao perceber que eu mesma havia lhe dado aquele casaco, como presente de aniversário. Passara meses juntando todo o dinheiro que conseguia para comprar algo decente a ele... Abracei-me ao tecido, sentindo seu reconfortante cheiro e fechei os olhos, agarrando-me brevemente à sua memória.

— Eu sinto sua falta — pensei alto, a voz embargada pelo aperto em meu peito.

Dobrei cuidadosamente o casaco e guardei-o na mochila, deixando o quarto em seguida.

Suspirei pesadamente quando voltei ao corredor e encarei a porta de meu próprio quarto. Girei a maçaneta lentamente e a abri, parando diante do batente. As paredes azuis, os pôsteres de bandas e filmes, a estante repleta de livros, o violão escuro repousando sobre o sofá, as fotos aleatórias enfeitando as paredes… Eu sentia falta de cada pedacinho daquele lugar. Adentrei o cômodo e sentei-me sobre o colchão macio, deslizando os dedos sobre o cobertor. Não aguentando, deixei-me cair sobre a cama e abracei uma das almofadas dispostas na cabeceira. Olhei brevemente para a janela; os feixes de luz solar traziam um ar calmo ao ambiente, e as cortinas claras realizavam um movimento quase imperceptível sob a ação do vento. Em seguida pousei os olhos sobre o violão, e tentei me lembrar da ultima vez que havia tocado…

Levantei-me e dirigi-me ao sofá, pegando o instrumento e posicionando-o nos braços. Dedilhei algumas cordas, sentindo o suave tom das notas preenchendo minha mente e fazendo-me viajar para o passado. Toquei uma breve melodia, em baixo tom para que Daryl e os mortos do lado de fora não pudessem ouvir. Ao terminar, encarei tristemente as cordas do instrumento por alguns segundos até que um ruído chamou minha atenção. Imediatamente devolvi o violão ao sofá e puxei a pistola do coldre, imaginando se novamente eu seria enganada por meus instintos. Porém, desta vez não era um pedido de socorro que eu ouvia, mas sim um choro baixinho, seguido por fungadas abafadas. Tentei controlar a tremedeira em minhas mãos e segui o som, parando em frente ao guarda-roupa. Ergui a pistola, desejando estar errada sobre o que encontraria e puxei a porta.

— Por favor, não me machuque! — Pediu uma voz chorosa. Instintivamente apontei a arma para a pequena garotinha encolhida no estreito espaço livre do armário, arrependendo-me logo em seguida. Ela ergueu os olhos verdes e marejados para mim, fazendo uma angústia profunda apertar meu peito. Os cabelos loiros despenteados, a aparência abatida e as roupas surradas mostravam que sua situação não era das melhores. Parecia extremamente assustada.

— Eu não vou... — Baixei a pistola, devolvendo-a ao coldre. Em seguida estendi a mão. — Prometo.

Ela olhou receosa para minha mão antes de pegá-la e aceitar ajuda para deixar o pequeno espaço. Assim que se pôs de pé, baixou os olhos para os próprios pés.

— Você está sozinha? — perguntei, com delicadeza. Ela balançou a cabeça.

— Minha mãe… — Ela fungou e enxugou os olhos. — Eu me perdi dela… E meu pai… E-ele está… — Mais lágrimas inundaram seus olhos.

— Eu… Sinto muito… — Tentei reconfortá-la. A verdade era que eu não sabia exatamente como tratar uma criança assustada. — Como você se chama?

— S-Samantha… — respondeu ela, surpreendendo-me.

— Que engraçado — comentei, tentando animá-la — Eu também me chamo Samantha…

Um mínimo sorriso formou-se em seus lábios e se foi tão rápido como apareceu.

— Certo… Ahn, há quanto tempo está sozinha?

— Alguns dias — ela voltou a encarar o chão. — Eu achei que ficaria segura aqui…

— Você fez certo em se esconder — tentei incentivá-la. — Acontece que… Eu morava aqui antes de tudo acontecer, então… Eu voltei para ver como as coisas estavam.

Ela ergueu o olhar para mim e em seguida olhou ao redor.

— E-este quarto é seu? — Perguntou, com timidez. Afirmei com a cabeça. — É bem legal…

— Sabe, eu trouxe um amigo comigo, ele está no andar de baixo… — Antes que eu terminasse a frase as feições assustadas voltaram a tomar seu rosto e ela recuou.

— Não, por favor… Não chame ele… — pediu ela. — Eu não quero…

— Tudo bem, não tem problema… Eu sei que está com medo, mas nós não somos pessoas ruins. Temos um lar, podemos te levar para lá. Ficará segura. Ou podemos tentar encontrar sua mãe.

— Não — uma única lágrima deslizou por sua bochecha. — Ela não pode ser encontrada.

Franzi o cenho, tentando entender o que aquilo significava, porém não insisti.

— Certo então o que acha de vir conosco? Vamos cuidar bem de você, eu prometo.

— Tem… Mais pessoas, nesse lugar?

— Sim, somos um grupo grande — forcei-me a sorrir. — Eu tenho uma irmã um pouco mais velha que você, talvez vocês possam ser amigas, o que acha?

Ela olhou-me com receio antes de balançar minimamente a cabeça.

— Ótimo, então vou chamar o Daryl…

— Não! — Ela segurou minha mão. — Por favor…

Fixei o olhar em suas feições assustadas por alguns instantes antes de ceder.

— Tudo bem… Mas não precisa ter medo, não vamos fazer mal a você.

— Eu sei, eu só… Podemos esperar um pouco?

— Claro — afirmei, tranquilizando-a. Ela soltou minha mão e sentou-se no chão, apoiando as costas na cama e lutando contra as lágrimas que insistiam em brotar de seus olhos. Tirei a mochila das costas e dirigi-me ao guarda-roupa. — Vou pegar algumas coisas para a viagem — informei.

Dobrei algumas peças e casacos e organizei-as no pouco espaço que restava na bolsa, fechando-a com dificuldade. Em seguida, sentei-me ao lado de Samantha, apoiando os braços nos joelhos dobrados.

— Você ainda tem pais? — surpreendi-me com a pergunta e tentei não olhar para a pequena garota.

— Não — respondi, com pesar. — Meu pai está… morto… E minha mãe provavelmente também.

Ela suspirou.

— Eu espero que minha mãe esteja bem — fungou ela. — Os monstros estavam nos perseguindo e nós… Nos separamos.

— E o seu pai? — perguntei o mais suavemente possível. — Ele…

— Ele foi morto por um homem louco. — A simplicidade com que ela soltou aquelas palavras me assustou… Era terrível imaginar uma garotinha indefesa tendo que passar por tais situações.

— Eu… Sinto muito… — minha voz falhada dava indícios de que as lágrimas estavam por vir, afinal a pequena garota e eu tínhamos histórias parecidas, principalmente ao se tratar da morte de meu pai. Puxei o ar com força pelas narinas, ignorando a incessante vontade de desabar. — Você vai ficar bem, é uma sobrevivente — ela ergueu os olhos para mim e me forcei a sorrir. — Vamos cuidar de você.

Samantha abriu a boca para dizer algo, mas foi interrompida pelo chamado de Daryl no andar de baixo.

— Sam! Vamos embora!

O medo estampou-se no rosto da garota e ela recuou.

— Ei, vai ficar tudo bem. Vamos cuidar de você, está bem? Mas você tem que confiar em mim.

Ela olhou receosa de mim para a porta do quarto.

— Eu sei que não quer ficar aqui sozinha — continuei. — Vamos te levar para nossa casa, vai estar segura lá. Apenas confie em mim, está bem?

Mesmo ainda parecendo assustada, ela concordou com a cabeça. Nos levantamos e devolvi a mochila às costas.

— Já estou indo! — Anunciei para Daryl, então me virei para Samantha. — Pronta?

Ela enxugou as últimas lágrimas e balançou a cabeça novamente. Virei-me para deixar o quarto e senti suas pequenas mãos segurando a minha. Resisti ao impulso de soltar-me por não estar acostumada ao contato físico com estranhos, limitando-me a seguir em frente. Olhei uma última vez para o meu quarto, sentindo um peso no peito por deixá-lo mais uma vez e continuei o caminho pela escada, evitando contato visual com o quarto de meu pai.

Guiei a pequena Samantha pelas escadas até que chegamos ao andar inferior e ela olhou para todos os lados, alarmada.

— Ei, tudo bem? — perguntei. Ela engoliu em seco.

— Tudo bem — confirmou, embora ainda estivesse insegura. Eu não tirava sua razão, era difícil confiar em estranhos tão facilmente naquele mundo, e ela era madura por entender isso.

Seguimos pela sala, onde pude notar que a porta da entrada estava aberta e Daryl preparava a moto do lado de fora. Olhei para Samantha, reconfortando-a e não podendo evitar pensar o quanto ela me lembrava de mim mesma, parecia um reflexo vivo… Eu era a irmã mais velha por fora, forte e decidida, quem tinha que ter tudo sob controle, porém por dentro eu era apenas uma garotinha assustada, órfã dos pais, que não sabia o que estava fazendo. Exatamente como ela.

Continuei o caminho, saindo pela porta e descendo da varanda. Samantha endureceu os pés no chão quando avistou Daryl e escondeu-se atrás de mim.

— Está tudo bem — murmurei e ela apenas balançou a cabeça positivamente. Desviei o olhar da pequena garota para o motoqueiro. — Daryl… Temos companhia.

Ele se virou, alarmado e franziu o cenho.

— Do que você está falando?

Dei um passo para o lado, para que ele pudesse vê-la.

— Esta é a Sa… — Então aconteceu. De um segundo para o outro, o leve aperto em minha mão desapareceu como se nunca realmente estivesse lá. Não havia ninguém atrás de mim se escondendo… Ela havia sumido.  — … mantha?

Virei-me bruscamente, procurando por todos os lados.

— Sam? — Corri para dentro da casa novamente, procurando-a por todos os cantos, mas não havia nenhum sinal dela. Voltei para a rua, olhando de um lado a outro.

— O que você está fazendo? — perguntou Daryl, confuso.

— Isso não é possível… Ela estava aqui! Estava comigo o tempo todo!

— Você enlouqueceu garota? Não tinha ninguém aí.

— Não… — O desespero começava a tomar minha mente. — Eu tenho certeza… Ela estava segurando minha mão… Estava bem atrás de mim!

Daryl olhou-me com receio por alguns segundos antes de balançar a cabeça.

— Não tinha ninguém atrás de você.

— É claro que tinha, era uma garotinha e ela estava assustada… Ela deve ter fugido quando te viu...

— Acho que eu teria notado se tivesse uma pirralha correndo por aí! — exaltou-se Daryl.

— Eu não sou louca, tá bem?! — elevei o tom de voz, enquanto movimentava-me sem rumo, tentando encontrar alguma explicação lógica para tudo aquilo. Senti meus joelhos fraquejarem e sentei-me na calçada, cobrindo o rosto com as mãos. — Ela estava bem aqui — murmurei para mim mesma. — Eu não estou louca… Não estou louca…

— O que há com você, garota? — Perguntou Daryl.

Esfreguei a testa, tentando raciocinar para onde ela poderia ter ido… Mas não havia como ela ter fugido tão rapidamente sem percebermos… Eu teria notado.

— Eu não sei — confessei com a voz fraca. — Mais cedo, naquele banheiro… Eu tinha ouvido alguém. Uma mulher pedindo socorro, e quando eu fui verificar… Era só mais um deles — Daryl mantinha o olhar fixo em mim, porém sem nenhuma expressão. — E agora eu achei essa garota no meu armário… Eu conversei com ela, estava assustada, tinha perdido os pais e… — parei de repente, entrando em uma espécie de choque. — Ela se chamava Samantha. Havia se perdido da mãe e seu pai foi morto por um homem louco — eu repassava as palavras em minha mente. — Ela era igualzinha a mim… — Senti uma gota quente rolando por minha bochecha. — Eu estava imaginando tudo? — perguntei em um sussurro. — O que está acontecendo comigo?

Ergui o olhar para Daryl, que não parecia surpreso com a minha loucura momentânea, ao contrário de mim que estava a ponto de arrancar os próprios cabelos… Eu estava realmente delirando e havia imaginado tudo? Continuei fitando Daryl, procurando alguma resposta.

— Ela estava aqui — murmurei para mim mesma.

— Não tinha ninguém aqui além de nós.

Olhei ao redor mais uma vez, não acreditando no que estava acontecendo.

— Ninguém? — repeti.

— Não.

Olhei para a entrada da casa e novamente para os dois extremos da rua.

— Acho que todos nós ficamos loucos um dia, hein? — comentou ele, com a usual voz rouca. — Vamos logo embora desse lugar.

Assenti, secando as lágrimas acumuladas em meus olhos e levantando-me da calçada. Daryl subiu na moto e encarou-me por alguns segundos enquanto eu tentava me livrar das gotas quentes que insistiam em cair de meus olhos.

— O quê? — perguntei, fungando.

— Você é tão esquisita quanto a sua irmã.

Soltei um riso abafado, aliviando um pouco a tensão.

— Cala a boca.

Subi no veículo, segurando-me em suas costas e logo o motoqueiro deu a partida, distanciando-se da casa. Seguimos pela longa e estreita rua monótona que guardava o meu passado, e dessa vez não olhei para trás.


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Notas finais do capítulo

Eaí pessoas, o que acharam? A menina era real ou a Sam ta ficando doidinha mesmo? Deixem ai suas teorias e comentário maravilindos!

Até o próximo!