A conspiração escarlate escrita por Drafter


Capítulo 7
Um encontro, um confronto




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Kurama olhava pensativo para a pasta que Hiei havia lhe entregado. Descartou entregar os documentos à polícia humana. Se haviam demônios poderosos envolvidos, não tinha nada que eles poderiam fazer. Chegou a pensar em sugerir Koenma acionar o Esquadrão de Defesa do Mundo Espiritual para o caso, apesar da maneira como trataram Yusuke depois de seu retorno do Makai. Algo, no entanto, o dizia para esperar e ele decidiu que devia colher mais informações antes de reportar as novidades à Botan.

Começaria por retornar ao bar a procura daquele homem e tentar extrair algo de útil. Qualquer pista já seria valiosa. E ainda havia a jovem morena, que ele pretendia dissuadir a perseguir o sujeito e afastá-la de uma vez por todas daquele caso.

(...)

Kurama já estava no bar quando Kiki chegou. Ela logo o viu sentado em uma das mesas do canto, seus longos cabelos ruivos contrastando com a atmosfera obscura do lugar. Andou apressada até ele, usando o mesmo casaco de moletom da noite anterior, dessa vez com uma jaqueta de couro preta por cima e o gorro sobre a cabeça, escondendo parte do rosto.

— Pode trazer uma cerveja? — ela pediu à garçonete que passava por eles. Sentou-se de frente para Kurama, olhando para baixo, e o cumprimentou.

— Tudo bem?

A garçonete voltou, trazendo uma garrafa de cerveja e um copo de vidro. Kiki se serviu, bebendo um copo inteiro de uma só vez, antes de se servir de novo sob o olhar atento de Kurama.

— Eu me dei conta de que ainda não sei seu nome — ele disse, olhando com curiosidade para ela.

— Faz diferença?

— Pra mim faz — ele respondeu de maneira gentil.

Ela hesitou, virando o rosto.

— Kiki — disse por fim.

Kurama sorriu.

— Prazer, Kiki. Meu nome é Shuichi Minamino... — ele começou, mas interrompeu a frase ao ver a menina franzir as sobrancelhas em uma expressão confusa — O que foi?

— Achei que seu nome fosse Kurama — respondeu, bebendo mais um pouco da cerveja.

O rosto dele se endureceu na mesma hora, enquanto olhava atônito para ela tentando esboçar alguma reação.

— Além de manipular dados, eu também leio pensamentos, sabia? — ela disse, percebendo o espanto do rapaz.

Kurama continuava encarando a jovem, o sorriso tendo desaparecido do seu rosto. Definitivamente não estava esperando por aquilo e começou a achar que talvez devesse ter mais cuidado com ela.

— Calma, é brincadeira! — ela disse, depois de soltar uma gargalhada — Não precisa ficar assim!

— Não estou entendendo.

— Antes de seguir você depois da escola, tentei ouvir a conversa do Urameshi. Ouvi esse nome e achei que estavam se referindo à você. Só joguei um verde. 

— Você é mesmo esperta... — ele admitiu.

— Isso quer dizer que eu acertei? Qual é o seu nome afinal?

— Tanto faz, pode me chamar como quiser — respondeu. Não estava interessado em revelar sua verdadeira identidade para a garota. Apesar da evidente energia espiritual dela, quanto menos se envolvesse em tudo aquilo, melhor para todos.

Kiki ainda sorria com o canto da boca enquanto terminava o último gole de cerveja. Jogou o corpo para trás, se apoiando no encosto da cadeira. Distraidamente, abaixou o gorro do casaco, tentando procurar a garçonete. Kurama se assustou com o que viu: o olho esquerdo da menina estava com um hematoma arroxeado em volta, o rosto inchado de um machucado ainda recente.

— O que aconteceu com você? 

Ela então se deu conta de que havia esquecido do machucado que tentava esconder sob o gorro. Virou o rosto, nervosa.

— Nada, só uma briga!

— Você está bem?

— É só um machucado à toa, esquece.

Um silêncio constrangedor tomou conta da dupla por alguns instantes e ela tamborilou os dedos na mesa tentando afastar aquela sensação.

— Bem, e então, cadê aquele sujeito, já apareceu? — ela tentou mudar de assunto.

— Ele está ali — respondeu tranquilamente, acenando com a cabeça.

— O que? Ele está aqui esse tempo todo e a gente perdendo tempo com essa conersa fiada?

— Não grite, você vai chamar muita atenção — ele a censurou — Eu estou o observando desde que chegou. Por enquanto, não temos o que fazer.

— Como assim, não temos o que fazer? Eu vou lá resolver isso! — e ela se levantou de um pulo.

— Sente-se. Você não vai resolver nada agindo assim. Temos que ser pacientes.

Ela soltou um palavrão e se jogou de volta na cadeira, cruzando os braços em um gesto infantil.

— Eu não vim até aqui pra ficar só olhando!

— Pode ir pra casa, se preferir, mas não vou deixar que uma atitude precipitada estrague os planos — ele falou calmamente, alheio ao brusco lampejo de raiva.

— Do que você está falando? Que planos?

— Apenas confie em mim.

Ela resmungou, pegando a garrafa de cerveja vazia e xingando baixinho. Acenou pra garçonete, apontando para a garrafa. Estava começando a se arrepender daquela história e cogitou seriamente ignorar o conselho de Kurama e ir até o homem, que bebia animadamente no balcão do bar.

A nova garrafa de cerveja chegou na mesa e Kiki bebeu com raiva quase metade, direto do gargalo.

Ao mesmo tempo, Kurama ignorava a atitude imatura da menina a sua frente. Ele não queria arriscar perder o homem de vista novamente e por isso sabia que um confronto direto àquela hora não era a melhor estratégia.

— Diga, desde quando você tem habilidade para mover objetos? — ele perguntou, tentando puxar assunto para amenizar a situação. Temia que ela acabasse chamando a atenção do homem e colocasse tudo a perder.

— Não enche!

— Você pode continuar emburrada como uma menina mimada ou conversar comigo para passar o tempo. Eu sugiro...

— Eu sugiro que você cale a boca! — esbravejou.

Kurama suspirou, tentando se conter. "Não me admira que tenha ganhado um olho roxo...", pensou, enquanto decidia qual a melhor tática para retomar o controle da situação.

Já Kiki bufava, dividida entre ir pra casa, acertar um soco bem nos olhos verdes do ruivo a sua frente ou ir tomar satisfação com o homem que levara seu dinheiro na noite anterior. Sabia que essa história de ajuda não daria certo. Ela só sabia resolver seus problemas sozinha.

— Kiki, eu entendo que esteja com raiva — ele voltou a falar — Por favor, é importante que sejamos pacientes agora. Esse homem... talvez esteja envolvido em algo grande, algo perigoso, e não quero perder a chance de descobrir alguma informação.

— Que coisa perigosa? Por que tanto segredo? Escuta aqui, quem é você afinal?

— Eu não posso falar agora. Por favor, confie em mim, só isso que te peço. Prometo que vamos recuperar seu dinheiro — ele olhou fundo em seus olhos castanhos. Ela estava agitada, mas sustentou o olhar dele por alguns segundos, desafiadora. Apesar dos modos gentis, o olhar de Kurama transmitiam uma frieza que a deixou intrigada.

— Ok! — ela disse, por fim — Mas eu não volto para casa de mãos vazias hoje, estou avisando. 

Ficaram em silêncio por alguns minutos, antes que ela falasse novamente:

— Desde pequena... 5 ou 6 anos, por aí.

Ele devolveu um olhar curioso, sem entender.

— Você perguntou desde quando eu faço aquele meu lance com objetos — explicou, um pouco sem jeito — Descobri isso quando era criança.

— Ah sim! Você deve praticar bastante, enganando todos daquele jeito...

Aquelas palavras a fizeram abrir um sorriso convencido. Realmente se orgulhava da sua habilidade com objetos pequenos, algo que a divertia nos momentos de tédio.

— Pena que não da maneira correta.

O sorriso se apagou na mesma hora.

 

— Desde quando você sabe o que é maneira correta?

— Eu notei que teve dificuldade com a tampa da lixeira ontem... pelo visto você não consegue manipular coisas mais pesadas ou muito grandes. Estou certo?

— É porque eu nunca precisei! — Kiki ficou sem graça com a observação certeira dele e virou o rosto, evitando seu olhar. 

Então Kurama mudou seu semblante repentinamente. O homem que ele observava acabava de levantar e ir de encontro a uma criança que entrava pelo bar, com uma mochila nas costas. O menino, com no máximo oito ou nove anos, parecia intimidado pela atmosfera do ambiente e completamente assustado. Kiki se virou na mesma hora para ver o que tinha chamado a atenção de Kurama e, juntos, observaram a cena.

Eles viram quando o homem acompanhou o menino até uma mesa próxima e ofereceu uma bebida. O garoto, ainda com um olhar amedrontado, recusou, inseguro. Os dois começaram a conversar, o homem sorrindo e tocando as mãos do garoto tímido, tentando acalma-lo. Aos poucos, ele relaxou a postura e compartilhou uma risada com o homem à sua frente.

Kurama encarava os dois, estudando cada um minuciosamente. As imagens da pasta vermelha voltaram à sua mente quase instantaneamente, por mais que ele tentasse afastá-las. Ele não conseguiu evitar pensar que o que acontecia bem à sua frente estava intimamente ligado àqueles documentos hediondos encontrados por Hiei.

Kiki acompanhava o olhar de Kurama, mas não entendia o que aquilo significava. Chegou a abrir a boca para fazer uma pergunta, mas o ruivo olhava a cena com tanta intensidade que ela mudou de ideia e decidiu ficar calada, esperando alguma reação dele.

Quando o homem e o menino se levantaram, ela imediatamente olhou na direção de Kurama, esperando a deixa para fazer o mesmo.

— Vamos — ele se limitou a dizer, jogando umas notas em cima da mesa para pagar as bebidas. Levantou, saindo apressado e Kiki o acompanhou sem hesitar. Ainda não tinha compreendido o que estava acontecendo, mas estava curiosa demais para perder um segundo daquela ação.

A dupla não saiu pela porta principal do bar; em vez disso, se dirigiu para os fundos, usando uma saída escondida, através de uma porta de madeira escura que se mesclava com parede, sumindo nas sombras. Não fosse a projeção da luz quando ele abriu a porta, eles nem teriam notado aquela passagem.

Kurama seguiu os dois de perto, saindo pelo mesmo lugar segundos depois. A porta dava para uma área externa, espécie de pátio localizado na parte de trás do estabelecimento. O ar frio da noite chegou aos pulmões de Kiki, que correu para alcançá-los.

— Solte a criança — ordenou Kurama, com uma voz firme.

O homem se virou, procurando a origem daquelas palavras.

— Você de novo? — ele ri.

— Eu não vou permitir que leve esse garoto. Vamos, solte-o!

— E como planeja me impedir, moleque?

O Rose Whip de Kurama já estava pronto nas mãos do youko. Num gesto rápido, ele lançou seu chicote à frente. O homem rapidamente se teleportou alguns metros para trás, escapando da arma.

— É o melhor que pode fazer?

Kurama, no entanto, não respondeu, o chicote ainda vibrando no ar. O rosto do homem se enfureceu ao perceber o erro que cometeu: de maneira precisa e suave, o Rose Whip envolveu a criança que acompanhava a cena aterrorizada, e a puxou para perto da porta, caindo nos pés de Kiki.

— Tire ele daqui! — ele gritou para a garota às suas costas — Rápido!

Ela não teve tempo de raciocinar; apenas pegou o menino pelo braço e correu pela mesma passagem de antes, voltando para o bar. Tentou evitar o olhar dos clientes que viraram o rosto diante da correria da dupla e saiu pela porta principal, de frente para a rua.

— Você está bem? — ela perguntou quando enfim alcançaram a calçada da frente do bar, a mão ainda fechada nos pulsos da criança.

— Que-quem é você? — o garoto olhava amedrontado para a Kiki, tentando se afastar o máximo possível.

— Eu estou só te ajudando — ela disse, no fundo ainda incerta do que estava acontecendo — Você não é muito novo para estar aqui não, pirralho?

— Não me chame de pirralho! Eu-eu fugi de casa! Cansei dos adultos acharem que mandam em mim!

Kiki se surpreendeu com a abrupta coragem que surgiu no menino ao falar essas palavras. Não pode deixar de sentir uma certa empatia: ela também já tinha passado por essa fase e as consequências não tinham sido nada boas. Entendia muito bem esse sentimento de revolta juvenil, da mesma maneira que sabia que uma criança daquela idade não tem um discernimento muito bom sobre as coisas da vida e tendia a cometer más escolhas — principalmente quando influenciada pelos outros. Apertou seu pulso com mais força e o puxou pra perto de si.

— Olha aqui, moleque, eu não sei quem é você ou por quem quer fugir de casa. Tenho certeza de que tem seus motivos, mas deixa eu te falar uma coisa: tudo que você acha que sabe hoje, amanhã vai perceber que estava errado. Você vai levar muita porrada nessa vida, mas ainda tá novo demais pra isso. Aproveita que você é criança e vai curtir sua infância, vai brincar com seus amigos e estudar, porque depois que você jogar isso fora, não volta mais, entendeu?

O garoto olhou assustado diante do desabafo da desconhecida e balançou a cabeça, em sinal de concordância. No fundo, estava apavorado com os acontecimentos da noite e desejou poder voltar para casa o mais cedo possível. Queria pedir para que a moça o soltasse, que o deixasse ir embora, iria prometer nunca mais fugir de casa, mas estava mudo de medo.

Ao mesmo tempo, Kiki voltou a pensar no duelo que estaria acontecendo no pátio. Não iria embora até que seu par reaparecesse — e por via das dúvidas, iria manter o menino com ela. Estava assustada também, mas ao mesmo tempo ansiosa e — ela custou a admitir — preocupada com Kurama. 

No pátio externo, a luta ganhava fôlego entre os dois combatentes. O cenário deixou o youko mais confiante: o terreno era cercado por uma vegetação rasteira e algumas folhagens que subiam nos muros ao redor, e ele sabia que poderia usar aquilo em seu favor. Enquanto se movia rapidamente pelo espaço, tentando confundir o inimigo, ele buscava localizar seus pontos fracos. A inteligência — ele logo percebeu — não era seu forte na batalha, e escondia isso através de golpes vigorosos, mas previsíveis.

Não demorou para Kurama traçar sua estratégia, e, com sua energia, conseguir manipular as folhagens longas e espessas que adornavam o lugar. Elas começaram a se locomover, enroscando-se e crescendo a medida que avançavam no terreno. Logo, estavam formando lanças pontiagudas que subiam verticalmente do chão em direção ao inimigo. Com um gesto, Kurama ordenou o primeiro ataque, facilmente evitado pelo oponente. O segundo e terceiro ataques vieram e novamente erraram o alvo.

A ação deixou o homem ainda mais confiante, e ele riu ao perceber a facilidade com que escapava das investidas de Kurama. Este, por sua vez, mantinha-se impassível, olhos fixos no adversário e concentração absoluta. Ignorava as provocações e novamente se preparou para atacar. Ainda com um largo sorriso de vitória no rosto, o rival de Kurama mais uma vez se teleportou, escapando por pouco do golpe, para logo em seguida ser acertado em cheio. Ele urrou de dor, sem entender o que tinha acontecido.

Uma haste formada pelas folhagens havia se erguido por baixo dele, cravando sua ponta fina e afiada em seu ombro direito. O sangue escorria pelo braço enquanto ele ainda gritava atordoado.

— Não foi difícil perceber que você seguia um padrão — Kurama justificou, andando na direção do homem, que o olhava com raiva — é rápido nos movimentos, mas não no raciocínio. O tipo mais fácil de vencer.

O homem lutava para se libertar da arma de Kurama, e antes que ele conseguisse fugir, as plantas novamente o atacaram, ferindo o ombro esquerdo. A dor pungente foi o bastante para impedi-lo de se teleportar para longe.

— Quem é você e o que iria fazer com aquele menino?

Mesmo em aflição com os ferimentos, o homem esboçou um sorriso.

— Não devia se preocupar tanto... ele estava em boas mãos.

— Canalha! — Kurama gritou, as folhagens ao redor se movendo ameaçadoramente na direção do rival. Elas pararam a centímetros do seu rosto.

— Vai me matar? Se eu fosse você, mudava de ideia... temos pessoas poderosas do nosso lado.

— Eu não preciso te matar... posso aumentar sua dor sem acabar com a sua vida — as plantas, sob comando de Kurama, se aproximaram ainda mais do homem, agora apontadas para seus olhos — De quem você está falando? Quem está envolvido nisso?

— Idiota... você está comprando uma briga que não é sua. Nunca vai conseguir interrompê-los, eles estão espalhados por toda a parte. Temos humanos, demônios e seres espirituais do nosso lado. Acha que me derrotar vai detê-los? Você não sabe nada sobre eles...

— Quem são eles?

Ele riu mais uma vez.

— Vai... à... merda...

Kurama apertou os olhos.

— Mudei de ideia... você não merece viver.

Com um gesto, o demônio coordenou o ataque simultâneo de vários braços da vegetação que o circundava. Em sincronia, as plantas atingiram o corpo do homem, perfurando vários pontos vitais e o matando instantaneamente. Ele andou até o corpo sem vida à sua frente e vasculhou seu bolso, retirando uma carteira. Sacou um maço de dinheiro e jogou o objeto vazio no chão.

— Acabem com ele — ele ordenou, enquanto se virava para sair do pátio. As plantas cobriram o corpo do homem, o soterrando em meio às folhagens.


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