Scribbled Lines escrita por Perséfone Black


Capítulo 2
Parte II




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Scribbled Lines

Linhas Rabiscadas

– Parte II –

Chove agora. Eu sei e você sabe. Encontro-­me exatamente no mesmo local da primeira vez em que nos vimos. Embaixo da árvore perto do lago. Um feitiço protege este pergaminho contra a chuva, mas a deixo castigar a pele despida de meus ombros.

A chuva também me lembra você. Principalmente as tempestades como essa. Disseste­-me que meus olhos são transparentes. Eu digo que os teus são tempestuosos. Detêm um frio e poder dignos de uma tempestade. Eles são profundos e explosivos. Tão mutáveis que chegam a enegrecer ao transparecer uma emoção perigosa, como raiva, ódio e desejo. Tão incríveis que se tornam mais claros, quase azuis, ao transmitirem emoções mais suaves, como carinho, paz e alento.

Eu também nunca os esqueci.

Mesmo ouvindo o Ron me chamar, não me movi um centímetro sequer. Eu preciso disso. Preciso tentar sentir a solidão com a qual me escreveste. Tento usar suas palavras para penetrar em sua mente, para compreendê­-lo melhor, para conhece-­lo como nunca desejou que alguém o fizesse.

Você sempre foi fechado, recluso, distante. Como a constelação que leva seu nome: brilhante, distinto e totalmente inalcançável. Como uma estrela em seus instantes finais antes de se findar numa explosão. Agora só lhe resta a solidão de uma estrela em decadência.

Mesmo vendo o fim inevitável, não tentas mudar. Não tenta agarrar­-se a vida e lutar por ela. Porque sempre foi covarde. Nunca quis realmente lutar por algo, nunca quis realmente algo. E, quando quis, desistiu dele. E isso eu nunca suportei.

Se deseja mesmo saber, era sobre isso que eu divagava quando me encontrou numa madrugada debaixo dessa mesma árvore e dessa mesma chuva. Eu pensava sobre o que me aguardava após Hogwarts, se eu teria coragem o suficiente para enfrentar um mundo inteiro. Eu pensava no porquê não me era permitido desmoronar quando tudo a minha volta quebrava e se rompia.

Eu me perdi no tempo­-espaço por um momento. Permiti­-me voltar ao passado para entender tudo isso. Sabe o que eu descobri? É tudo por culpa do medo. Medo de não ser aceito, medo de sentir e medo de morrer.

É tudo uma questão de hesitação ao passar de algo conhecido para o desconhecido. E as pessoas tendem a evitar o desconhecido por medo do ele possa nos mostrar.

E eu entendi que ninguém devia ter medo, era errado temer algo sobre o qual não se tem conhecido. Era burrice! Então, você veio. Eu vi em você o medo, principalmente, de sentir. De se entregar. Ah, você nunca foi bom ao lidar com sentimentos. Eu vi em seus olhos o receio que você tinha ao descobrir seu mundo ruindo pouco a pouco, ao ver os muros da fortaleza caírem e deixarem expostos algo que você não deixou ninguém tocar antes. O coração, a alma.

Talvez eu estivesse errada ao pensar sobre isso. Talvez você fosse apenas um garoto arrogante com olhos gélidos. O homem de gelo. Eu podia ver que você queria alcançar, mas tinha medo do que precisaria trilhar para isso. Covarde, como sempre foi.

Então, ganhei detenções. Algo conhecido seu, por isso não hesitou ao vigiá-­la no dia seguinte. Foi um acalento para você, algo conhecido num mar de incertezas. Eu percebi que valia a pena gastar meu tempo com você quando passou a me vigiar de perto, parecendo fascinado com algo novo que descobria. Vencendo, mesmo a muito custo, uma mínima parcela de seu medo.

Então, permiti­-me fazer o mesmo. Percebi que tens a mania de passar as mãos no cabelo quando está nervoso, bate o pé insistentemente quando está irrequieto e torce os lábios quando não gosta de alguém. Percebi que seus olhos são azul acinzentado, mas são tão volúveis que parecem mudar de tom a cada nova emoção. Que, apesar de tudo, você era capaz. E guardava esse potencial.

Um desaparecimento temporário deu um freio na minha insistência. Você passou exatos dezesseis dias, vinte e três minutos e trinta e três segundos fora da escola. Eu sei. Eu contei o tempo. Quando voltou, estava em um estado deplorável.

Eu não podia deixa-­lo sozinho. Iria acabar, na melhor das hipóteses, inconsciente sobre uma cama de hospital. Eu poderia fazer aquilo por qualquer pessoa, mas o fiz por você. Mesmo inconsciente, cuidei de você. Arrumei um lugar para passar a noite e tratei de seus ferimentos. Você ficava tão melhor de olhos fechados. Não me reprovava ou repudiava. Parecia... Calmo, como nunca antes.

Eu adormeci e não o encontrei ao acordar.

Respirei fundo e não me permiti sentir sua falta. Estava me acostumando a sua presença constante e seus olhos costurados em minhas costas. Por mais que negasse, queria te ver de novo.

Não aconteceu da melhor maneira possível.

Foi depois do ataque a Toca. Uma de minhas lembranças mais nítidas. Eles entraram com alarde. Capas e máscaras lhes cobriam o corpo, varinhas eram sacadas das mangas para proferir maldições. Havia fogo, luz e desespero ao tentar proteger os entes queridos. Mas nem todos puderam ser salvos. Foi com um aperto no peito que eu vi o corpo de Charlie Weasley estendido sobre o gramado da Toca. Ron ainda duelava, assim como Ginny e os gêmeos. Eu nem tive tempo de prantear o meu irmão morto... Mãos me agarraram com brutalidade, tapando minha boca e deixando as marcas na terra.

Tudo se passou como um borrão a partir daí. Eu não tinha forças para forçar minha mente processar os diálogos que aconteciam ao meu redor. Não podia forçar meus olhos a ver o fim. Então, eu vi você. Outra vez, como alguém colocado ao seu lado nas horas mais oportunas. Um anjo negro.

Não mentirei, conforme me pediu. Nos seus raros períodos de ausência, Snape tomava conta de mim. Não me machucaram mais, mas a dor mais forte que eu sentia não podia ser medida na profundidade de um corte. Era maior e mais desesperada. Tudo o que eu queria era sair dali e consolar meus amigos, chorar junto a eles a morte de um irmão.

Não demorou muito e pude fazê-­lo. Você lembrou de mim enfurnada naquela cela. Veio, abriu-­a e me libertou. Indicou­-me o caminho e, só depois de terminada a batalha – com a fuga do Lord –, levou-­me até meus amigos. Seus olhos estavam grafite. Tristeza. Solidão. Desamparo.

Não finjo que entendo o que se passou durante sua prisão. Estarei mentindo se o fizesse. Eu tinha para quem voltar, eu tinha uma causa a defender. Você não tinha nada. Ninguém. A única pessoa que amou na vida estava em frangalhos nalguma cova rasa longe dali. Nem o corpo para velar lhe pertencia.

Não encarei como justo. Você tinha algo de bom, simplesmente havia de existir algo que prestasse em você! De qualquer jeito, com ou sem dívidas, eu não havia desistido de você ainda. Não há causa perdida se há um só tolo para lutar por ela.²

Foi com esse pensamento que voltei a Hogwarts. Para te encontrar. Para te dar algo de bom para se recordar. Para lhe trazer um alento nessa sua vida azarada. Para que pudesse dizer que, mesmo que por poucos instantes, você sentiu algo verdadeiro por alguém e foi retribuído.

Houve o baile. Usei um vestido da única cor capaz de me fascinar, mesmo em seu tom melancólico. Azul acinzentado. Porque aquela noite, acima de tudo, seria nossa. Arrumei­-me com esmero e desci de braços dados a Ron, que sorria.

Ele me conduziu, mesmo que sem jeito, em algumas danças. Ao sair para buscar bebidas, não hesitei em ir até você. Encontrava-­se jogado sobre uma cadeira, o smoking caído de um jeito tremendamente sedutor sobre sua pele clara. A gravata pendia frouxa de seu pescoço e a camisa negra tinha dois botões abertos. O copo de uísque vazio em sua mão direita foi esquecido quando pousou os olhos sobre mim. Pela primeira vez, não hesitou.

Estava dando certo. Você estava, finalmente, enfrentando todos os seus medos. O medo de sentir, de confiar, de entregar­-se. A mim. Foi com confiança e paixão que rodopiamos pelo salão ao som de minha música favorita, Sheherazade.

Estava tudo tão lindo, tão perfeito... Parecia um conto de fadas feito especialmente para nós. Como se tivessem construído uma redoma de cristal ao nosso redor. Mas a música acabou e, com ela, meu tempo. Não iríamos mais nos ver.

Essa certeza me fez levar maus lábios aos seus, beijando-­o com sofreguidão. Nossos lábios se moviam sobre os do outro com pressa. O anseio de sentir o outro muito maior que qualquer outra coisa. A separação iminente parecia apenas contribuir para o nosso desespero. Suas mãos percorriam minhas costas, puxando­-me para mais perto. Nossas línguas se encontravam com desejo. Não queria que acabasse. Mas tudo tem um fim.

Mas você não parecia estar de acordo que acabasse ali. Levou­-me à Sala Precisa entre beijos, toques e carícias pelos corredores... O som da chuva caindo lá fora embalava nossos carinhos, nossos desejos. Os toques atrevidos nos levaram a cama em pouco tempo.

Nalgum lugar de minha mente – que parecia estranhamente relaxada – eu sabia que aquilo era errado. Uma parte de mim, tão diminuta que se tornava desprezível no momento, me dizia que aquilo não era para acontecer. Mas eu não tive forças para impedir. A sua vontade em me sentir sua estava tão clara, intensa e verdadeira que não fui capaz de ignorar. O seu desejo uniu­-se ao meu, caminhando ambos de mãos dadas como fazíamos, mas eles estavam no controle da situação – e não havia nenhuma resistência, exceto por aquela pequena parcela de minha razão.

Em algum dos livros que li, do qual eu não lembro o nome, dizia que todos têm uma caixa de fósforos dentro de si, mas não podem acendê-­los sozinhos. E precisamos, como em qualquer outro fósforo, de oxigênio e de uma faísca para que ele acenda. Mas, em nosso caso, o oxigênio deve vir do hálito da pessoa amada e a faísca pode ser qualquer coisa.

A minha faísca poderia ser os teus beijos, os teus carinhos em meu corpo, o brilho de seu olhar ou um simples toque teu. A minha faísca poderia ser a música que tocou naquela noite, a nossa dança, as palavras que não dissemos. Eu sabia apenas que uma dessas coisas disparou o detonador e acendeu os fósforos.

O livro dizia que cada pessoa deveria descobrir quais são seus detonadores para poder viver, porque a chama de apenas um fósforo poderia nutrir a alma. Se não houvesse detonador para os fósforos, a caixa umedeceria e jamais poderíamos acender nenhum deles.

O que senti naquela noite contigo foi tão forte, intenso e inebriante, que eu poderia dizer que todos os meus fósforos se acenderam de uma única vez, fazendo com que me perdesse num mar de sensações sobre as quais eu não possuía nenhum controle. A chama foi de tal magnitude que produziu um resplendor tão forte que me deixou cega para o mundo que existia além de nós.

Ao sentir­-me próxima a tais sensações, eu lembro-­me de ter pedido algo.

"Olhe para mim. Quero que me olhe nos olhos quando eu for sua. Completamente sua".

Eu queria que visse a minha decisão, eu queria que percebesse que eu estava me entregando completamente a ti, sem receios ou reservas. Inteiramente sua. Porque eu queria que fizesse o mesmo. Queria que tivesse vívida em sua mente a lembrança de que, mesmo que por um momento, eu te amei. Mesmo que tenha durado apenas o tempo eterno do êxtase pleno, eu te amei também. Foi glorioso, mágico, divino, perfeito. Quando emergimos, desejamos não tê­-lo feito.

Eu te dei uma boa lembrança, eu te dei algo em que acreditar, algo pelo qual viver. Eu te mostrei, naquela noite, algo que ia além de sua compreensão, mas pelo qual não devias sentir medo. Eu te dei o que ninguém mais deu. Eu ofereci a você a sensação de amar e ser amado também. Eu te dei amor, mesmo que por apenas uma noite. E isso vale muito mais que qualquer joia. E é muito maior que todo o resto.

Não havia mais como adiar. Não havia meios de protelar aquele adeus tão sufocante. Eu não consegui dizer­-te. A palavra não conseguiu sair de minha boca. Minha voz me abandonou. Então, tudo o que pude fazer foi dar­-lhe as costas e ir embora, lançando-­te um último olhar repleto de pedidos de perdão e despedidas. Eu saí daquela sala a passos firmes, sabendo que havia te salvado de seus próprios medos. Sentindo o céu desabar sob minha cabeça, eu escrevo estas palavras para que saiba o motivo de eu ter feito o eu fiz. Porque a noite do baile apenas me tornou dependente de você. Eu te dei amor sem medir as consequências disso. O amor é como uma droga forte que causa dependência. Como acontece com qualquer outra droga forte, ele se torna mais interessante quando nos tornamos seus prisioneiros. E ele é perigoso.

A sua ausência passou a me corroer e perturbar, como uma missão não cumprida. Algo mal resolvido, inacabado. Ronald me ajudava a suportar, sendo o homem perfeito que eu sempre quis que ele fosse.

Mas algo faltava, algo não estava certo, algo me sufocava. Com alguém que passa muito tempo usando uma forte droga e de repente vê-­se sem ela. Abstinência. Vontade insana e irrefreável de ter aquela droga mesmo que fosse uma única vez.

E eu tinha a oportunidade, e aquela estranha necessidade empurrou-­me até o pôr-­do-­sol em Azkaban. Era perfeito, uma transição. Eu não precisava ficar ali. Bastava apenas livrar­ me da droga. Traçar limites na minha vida. Você iria embora. E eu ficaria bem.

Eu agi como se estivesse sob efeito de uma droga forte. Sem medir as consequências, dominada por instintos, com insensatez. Como você esperava, chovia. As gotas de chuva caiam incessantemente do céu enegrecido. Trovões fortes castigavam os meus ouvidos. E luz provinha dos relâmpagos que clareavam o céu em fúria. O sol, perdido em meio às nuvens pesadas, se punha ao longe. Descia calmamente no firmamento, diminuindo ainda mais a luz no lugar. O som do mar quebrando as ondas nos rochedos que cercam Azkaban propunha algo agourento.

Os dementadores circulavam o local, deixando atrás de si decomposição e desespero. Meu coração pesava em meu peito com vislumbres do que viria a acontecer. Era angustiante e aterrador. Eu imaginava você preso à barra de ferro no centro do enorme círculo, perdendo os sentidos enquanto sua pior lembrança era a única coisa que veria. Quando os mantos negros se aproximariam de ti e arrancar­-lhe-­iam a alma, causando uma dor que superaria tudo o que já houvesse sentido. E você entraria num estado de letargia e inconsciência eternas.

Você entrou no recinto com a cabeça erguida, apesar de tudo. Estava magro e sujo. Seus olhos, entretanto, continuavam os mesmos. Estavam enegrecidos pela dor, mas não havia medo. Gélidos e tempestuosos como eu me recordava. Eles me deram a certeza do que fazer ao vê­-lo ser acorrentado. As lembranças vinham à mente como um vento incansável correndo por uma caixa de correio aberta.

A tempestade parecia se tornar mais perigosa à medida que o momento se aproximava. As palavras do orador do Ministério flutuavam em minha mente como uma chuva infinita num copo de papel.³

Você partiria. Esta foi a única coisa que passou pela minha mente ao ver os dementadores te cercando, logo que o auror saiu dali.

Desci os degraus da arquibancada com os pés apressados, a mente quase entrando em colapso. Meus pés não pareciam rápidos o suficiente, o movimento constante de minhas pernas não parecia ser o bastante. Eu estava atropelando os meus próprios passos na pressa em chegar até você.

Não me dei conta dos gritos horrorizados das pessoas ao me verem correr pela estreita plataforma de metal que ligava a plateia ao réu, usada pelos familiares do prisioneiro para buscar os corpos vazios ao fim da seção. Não me importei com os comentários, cochichos ou gritos do orador. Só era capaz de me dar conta da sua presença acorrentada e cercada de dementadores.

Seus olhos logo pousaram sobre mim. Surpresa. Admiração. Divertimento. Mesmo à beira da morte, era capaz de zombar de mim. A visão de sua alma refletida em sua íris cinzentas me deu a certeza de ainda estavas ali. De que eu ainda tinha chances de te amar de novo, como desejava desesperadamente.

Nada mais importava quando me vi tão perto de ti que pude tocá-­lo. Um sorriso irônico me deu as boas vindas, os olhos tão tempestuosos quanto o céu em fúria. A chuva que caía sobre nós apenas realçava o belo quadro que o momento constituía em minha mente. Era um instante que imediatamente transformava-­se em recordação, tão forte era nosso desejo de guarda-­lo pela eternidade.

Sem pensar nas consequências, razões ou limitações, joguei-­me sobre você, tomando seus lábios nos meus com pressa. Não havia Ministério, pessoas ou dementadores capazes de tirar de mim a sensação de sentir sua boca movendo-­se sob a minha fervorosamente. A chuva que caía sobre nós trazia­-nos uma sensação familiar, fazendo aquele momento ainda mais prazeroso.

Sem aviso prévio, sua língua adentrou a minha boca com paixão, retribuída em toda a sua intensidade. Senti minhas pernas amolecerem quando sua língua se pressionou contra a minha com fervor. Eu queria sentir as mesmas emoções de outrora, e elas vieram mais fortes, intensificadas pelo desespero do momento.

Você tem a capacidade de reduzir-­me a pele, fazendo incendiar todas as minhas terminações nervosas, deixando meu cérebro em pane com sensações tão incríveis. Não importava o ar, não importavam as pessoas, não importavam as palavras. Apenas você e eu. E a chuva que nos envolvia.

Mesmo sem usar as mãos, sentia­-o agarrando-­se a mim. Sentia-­o entregando-­se por inteiro, dependendo de mim tanto quanto eu estava dependendo de ti. Como alguém sob efeito de uma droga muito forte – o amor insano que se apossara de nós.

Eu tinha em minhas mãos, naquele momento, a sua vida. E você tinha o meu coração. Você sentia isso com cada gota de sangue que corria pela suas veias, você sentia que me pertencia. Eu sei e você sabe. Porque eu senti o mesmo.

O sangue passou a correr menos veloz, a mente começou a dar­-se conta do zumbido que nos cercava. O beijo foi diminuindo de intensidade, até que esvaiu-­se. Percebi que aquela cena não era confortável aos olhos alheios.

Com um comando firme, um dos aurores te libertou das incômodas algemas. Senti sua mão escorregar pelo meu braço até alcançar a minha, entrelaçando nossos dedos e me causando um arrepio.

Em meus olhos, fogo. Nos teus, tempestade.

De mãos dadas, debaixo da chuva, nos dirigimos até o Ministro em pessoa. Você tinha um sorriso presunçoso na face e um brilho zombeteiro nos olhos. Eu corrigi minha postura e lancei um feitiço, fazendo-­me audível a todos os espectadores.

Contei­-lhes a verdade. As palavras pareciam saltar de minha boca sem que eu precisasse pensar nelas. O que foi ótimo, eu não sei o que teria feito se parasse para pensar nas circunstâncias.

Disse-­lhes que não havia assassinado Alvo Dumbledore, que prezou pela minha segurança quando estive em cárcere e que me libertou, enfrentado os próprios comensais para isso. Contei-­lhes que, mesmo sob o risco de ser preso no ato, entregou-­me sã, salva e sem um arranhão sequer a Ordem da Fênix. Duvidaram de mim. Ordenei que me prendessem como cúmplice, já que eu estava mentindo. Fui apoiada por Minerva McGonagall, que confirmou tudo o que eu disse.

Finalmente, eu libertei você. Salvei sua vida.

Hoje, sob a mesma árvore e sob a mesma chuva, eu lembro de você e sinto o mesmo desespero de antes. A mesma paixão, a mesma luxúria que é estar em seus braços.

Eu poderia dizer que agi sob o efeito de uma droga muito forte – nosso amor insano. Se ele não fosse insano, não teria graça. Nunca chegamos à fase dos beijos se tornarem mais obrigação que prazer, as carícias tornarem mirradas e os orgasmos, fingidos. Mas os encontros esporádicos ficavam cada vez mais raros, embora a entrega fosse mais intensa no reencontro. Você voltava a ficar distante e egoísta, embora eu sentisse a mesma sensação de plenitude ao estar contigo.

E como acontece com qualquer outra droga, o nosso amor é perigoso. Nós nos tornamos isolados em um mundo particular, presos nos defeitos e vícios. Os que estão sob domínio de uma droga muito forte – heroína, erva­-do-­diabo, nosso amor insano – frequentemente se veem tentando manter um precário equilíbrio entre discrição e êxtase. Nós tentamos manter esse equilíbrio, enquanto avançamos nas cordas bambas de nossas vidas.

Infelizmente, eu não pude prosseguir. Nós simplesmente nunca daríamos certo, Draco. Você era explosivo demais e eu não sabia como lidar com isso. Manter o equilíbrio é difícil mesmo em um estado sóbrio, fazê-­lo num estado de delírio como estávamos é ainda pior. A longo prazo, foi impossível.

Eu tentei estender o nosso tempo juntos o máximo possível, mas, no final, o mundo levou tudo de volta. Eu tinha de aproveitar o tempo que me restava, não podia desperdiça-­lo lamentado o fato de não ter conseguido mudar você.

Eu queria que soubesse, Draco, que eu te amei. Não minto quando digo isso. Não se salva alguém por algo menos que amor. Saiba, Draco, que o que eu senti por você foi verdadeiro, foi sincero, foi puro. Eu quis te dar esse amor. Eu quis que tivesse algo de bom a se lembrar, algo de sublime na sua vida. Você já sofreu tanto que merecia essa lembrança. Merecia sentir, mais que saber, que amou e foi amado, mesmo que tenha durado apenas um pôr-­do-­sol.

Peço que me perdoe. Peço que perdoe essa alma que não sabe mais como prosseguir com esse amor que inventamos. Peço que me perdoe pelo fato de fazê-­lo sofrer, mesmo que essa não tenha sido a intenção. Peço, mais que tudo, que não se deixe enganar por maus pensamentos. Eu te amei, Draco, intensamente. Até onde pude. Hoje, não posso mais.

Esta é a nossa despedida. Sinto muito se não consegui te consertar. Mas saiba que eu o amei. Intensa e completamente. Mesmo que tenha durado somente o interlúdio entre o fim do dia e o início da noite. Eu te amei, mesmo que tenha durado apenas um pôr-­do-­sol.

Por favor, me perdoe, Draco.

Hermione Jean Granger.


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Notas finais do capítulo

² ­ Créditos ao filme Piratas do Caribe pela frase "Não há causa perdida se há um só tolo para lutar por ela".

Thank you all pelas visualizações, reviews e acompanhamentos. Espero que curtam o capítulo, é o penúltimo.
=*



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