Madrugada Lua Nova por Edward Cullen escrita por csb


Capítulo 1
CAPÍTULO 01 - FESTA




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1.FESTA

 

 

Se eu parasse para pensar nos últimos meses de minha vida não seria nada fácil encontrar uma explicação plausível para tantos acontecimentos improváveis. Para alguém como eu, acostumado à monotonia irritante do dia a dia de mais de cem anos de uma existência absolutamente sem expectativas, isso não era algo possível de se imaginar previamente. E ainda que eu tivesse tentado, não poderia ter pensado que em tão pouco tempo, minha própria vida ganharia um sentido diferente para mim. De repente, meu mundo, antes pálido e descorado, recebeu um colorido alegre e vibrante.

O novo tom do espectro tinha nome: Isabella Swan, meu milagre particular.

— Edward... — sussurrou Bella, os olhos cerrados, adormecidos, os pensamentos voando longe em um sonho indecifrável. Confuso, até.

Exatamente como em qualquer outra noite dos últimos meses, eu estava agora no quarto de Bella, deitado em sua cama, vendo-a dormir em meus braços como um anjo: a respiração entrecortada perfurando o escuro, chegando a meus ouvidos feito melodia — a mais perfeita cadência de notas.

Não pude deixar de sorrir.

Eu estava acostumado com os delírios noturnos de Bella, e, por isso, já esperava que, em algum instante da noite, ela fosse chamar por mim. Mesmo assim, não consegui ignorar o prazer que me inundou. Cada vez que Bella pronunciava meu nome, cada vez que, inconscientemente, insistia em verificar se eu ainda estava ali, ao seu lado, parecia como da primeira vez, quando eu invadi seu quarto às ocultas para vê-la dormir — na época em que cheguei a cogitar a hipótese idiota de tentar esquecê-la — e ela sussurrou “Edward”, sonhando. Exatamente como da primeira vez, uma espécie de frenesi ardente e lento desandou a correr dentro de mim, provocando-me espasmos musculares por onde passava. Era bom.

Os braços moles envolveram meu peito duro, aconchegando-se. O toque era terno, suave; e eu sentia o calor do corpo dela — mesmo por cima do cobertor que separava nossas peles de temperaturas opostas: a minha fria como gelo, a dela quente feito fogo.

Eu a fitei, admirando-a por um longo momento. Depois contornei vagarosamente seu rosto em forma de coração, meus dedos longos e brancos deslizando da orelha até o queixo. O leve rubor de suas bochechas, os lábios delineados, a pele macia como algodão, quase translúcida. Tudo em Bella era tão perfeito, tão delicadamente desenhado, que eu não cansava de me perguntar se eu merecia tamanha sorte.

Pouco provável. Frente a um passado nebuloso como o meu, um passado de que eu me envergonhava profundamente, erre prêmio era a prova concreta de que o mundo não tinha mesmo critério algum de justiça. Ainda bem.

Bella era meu tesouro improvável.

Era por ela que eu agora vivia, ou melhor, existia — porque ainda alimento dúvidas de que um corpo sem alma como o meu, um corpo de vampiro, possa realmente estar vivo. Penso que a palavra existir se encaixa melhor.

Eu não precisava possuir instintos aguçados para perceber que o amor é um sentimento tão forte, tão perturbador que, aparentemente não possa estar ligado somente a um tipo de matéria insensível. Com Bella, descobri-me inteiramente capaz de amar — de uma forma que eu não sabia ser provável. E essa constatação contraditória não se acomodava muito bem às teorias em que eu acreditava havia décadas.

Talvez fosse por isso, por conhecer tão bem as inexplicáveis loucuras do amor, que Carlisle insistisse tanto na questão de um futuro pós-morte à nossa espécie. Por acreditar que essa força avassaladora, essa urgência desesperada pelo toque do outro, pelo beijo e presença, são necessidades ligadas a algo maior — qualquer coisa que se aproxime de uma alma.

Conhecendo agora o amor, uma pontinha de esperança se instalara dentro de mim. Mas ainda assim, ela era insignificante. Para mim, a criatura imortal que habitava meu corpo estava longe de merecer tamanha graça.

— Vovó — disse Bella, delirando. — O que você está fazendo aqui?

Abafei um risinho. Vovó? Estaria ela sonhando com sua avó? Será que a enxergava como uma pessoa real, em detalhes? Eu ficava encantado com a capacidade de sonhar dos humanos. Confesso que possuía uma pontada de inveja. Tão fascinante... Tão surreal... Não conseguia me lembrar da sensação; não depois de tantas décadas acordado.

— Por que está repetindo meus movimentos, vó? — disse isso e logo mudou de posição, o corpo visivelmente aturdido. Bella estava agitada, aflita... Ainda assim, não era nada que me fizesse crer que ela estivesse tendo um pesadelo. Talvez fosse apenas uma irritação inconsciente pelo dia que se iniciava. De fato, ela passara um bom tempo atormentada pela sombra desse inescapável instante: Bella tinha verdadeiro pavor do dia em que completaria 18 anos.

Durante todo o verão — o verão mais chuvoso da história de Forks —, esse havia sido o assunto que mais desagradara a nós dois. Por motivos diferentes, claro. Bella tentava me convencer, com seus argumentos infantis e inúteis, de que eu tinha de transformá-la em vampira o mais depressa possível. E eu recusava categoricamente a fazê-lo.

O que ela pensava? Será que não percebia que sua idade pouco importava para mim? Bella envelheceria e eu teria 17 anos para sempre. E daí? Isso não alteraria as coisas...

Pelo contrário, quanto mais eu dividia meu tempo com Bella, mais meu amor por ela crescia, de modo que eu não via problema algum nessa questão. Nada que pudesse fazer com que eu oscilasse em minha decisão. Embora Bella insistisse tanto, eu jamais a condenaria a ser como eu, uma criatura doentia. Porque a imortalidade não tem tanta graça quanto possa parecer. Bella não sabia, mas o preço para conquistar a eternidade seria sua própria alma...

Só de pensar, só de imaginar a possibilidade de tirar a alma de Bella deliberadamente, senti um tremor de ódio, como se as moléculas brigassem inquietas em meu corpo de pedra. Eu não seria esse monstro. Não seria o ponto final da vida de minha amada. Nunca.

A luzinha verde do relógio de cabeceira piscou, chamando-me de volta à realidade. Era o sinal; a hora de voltar para casa. Seria difícil respeitar os desejos de Bella no dia seguinte. Como não parabenizá-la por seu aniversário? Como não presenteá-la? Eu queria entender o que ela ganhava mantendo essa postura tão teimosa...

Soltei-me delicadamente dos braços macios que me envolviam e ajeitei a coberta sobre o corpo de Bella. Reclinei o rosto, tocando suavemente meus lábios frios em sua testa.

— Sonhe com os anjos, meu amor — murmurei bem baixinho, mas ela pareceu escutar.

— Eu amo tanto você — disse ela, ainda inconsciente.

— Não tanto quanto eu amo você...

Pousei mais uma vez os lábios em sua pele, encaixando a palma da mão no vão de seu pescoço. Bella era doce como o mel, o hálito perfumado entontecendo meus sentidos; enlouquecendo-me. Prendi a respiração para apreciar com segurança as batidas de seu coração molhado — cada pulsação soava cadenciada em meus ouvidos.

Poderia haver no mundo algum homem mais feliz com seu próprio destino? Eu duvidava... Eu era a criatura mais feliz do universo. Eu tinha mais que tudo porque tinha Bella...

Saltei pela janela do quarto e corri como raio pela floresta escura, abraçando a madrugada e o vento gelado que envolvia minha pele de igual temperatura. Ignorei o lampejo de calafrio que percorreu meu corpo por meio segundo quando o pensamento seguro veio até mim: nada nesse mundo tinha o poder de quebrar minha cúpula particular de felicidade...

Nada.

 

— Alice, o que significa isso? Lanternas japonesas na entrada da casa? Vasos de flores ladeando a varanda da frente?

— Olá, Edward — disse ela, ignorando completamente meus questionamentos enquanto enfiava várias rosas dentro de uma peça de cristal.

Sacudi a cabeça, desacreditado. Em seguida, fiz uma avaliação minuciosa do ambiente a minha volta e assisti à onda de irritação se desenhando em minha face pelo reflexo do espelho:

— Alice — suspirei —, Bella não quer festa de aniversário, nenhuma comemoração; não quer absolutamente nada.

Ela franziu o cenho, lançou-me um olhar indecifrável — sem dizer uma única palavra —, e depois continuou seus afazeres, espalhando velas por toda a escada da sala. Alice tinha uma concentração incrível para selecionar ou ocultar suas idéias quando lhe fosse mais conveniente — o resultado de anos de experiência. Ela fazia isso agora, por exemplo, privando-me da leitura de seus pensamentos.

Eu a segui.

— Escute — continuei num tom de voz um pouco mais alto —, ontem Bella me proibiu de comprar qualquer presente e continua insistindo na idéia de que nem mesmo um “feliz aniversário” será bem-vindo. Você ainda não entendeu?

Novamente o silêncio — tanto o de voz quanto o mental.

Argh! Talvez fosse por isso que Alice e Bella tinham construído uma amizade tão forte: por serem tão parecidas. Estaria eu condenado a lidar com a mente teimosa das mulheres para sempre? Fosse por minha namorada ou por minha própria irmã?

Não sei como eu não havia notado antes, mas um enorme bolo cor-de-rosa estava sobre a mesa, também enfeitada. Fiquei perplexo. Eu teria de encontrar uma maneira surreal para lidar com essa situação sem desagradar uma das partes. O último aniversário de verdade que havíamos tido fora o de Emmett, em 1935. Logo, Alice estava mesmo muito animada com tudo aquilo... Seria possível encontrar uma forma amigável de resolver o impasse?

— Alice, você precisa me ouvir — insisti, aproximando-me dela. — Você não sabe o problema que vai me causar... Não quero me desentender com Bella... Mas gostaria que você fosse complacente, que entendesse o meu lado...

Ela riu com malícia, a linha dos lábios entortando-se no rosto de fada. E então disse:

— Você precisa confiar mais em mim. — A voz angelical era de uma certeza irritante.

— Não entendo.

— Edward, Bella virá à festa hoje à noite. Não se preocupe. Ela já está decidida, tá legal? Eu posso ver... — ela revirou os olhos. Era difícil manter uma discussão equilibrada com alguém que possuía habilidades extraordinárias em prever o futuro.

Ainda assim insisti:

— Você está enganada. Bella resiste à idéia.

— Isso é o que você pensa. Foi o que ela disse a você, não foi? — Ela riu. — É tão típico de Bella...

— Ela não está gostando nada de completar 18 anos. Tente me entender... Não é algo que ela precise dizer claramente, embora diga a todo instante. Mas o fato é que eu sinto por conhecê-la tão bem.

— Acho que sua capacidade de ouvir os pensamentos das pessoas o deixou insensível a alguns sinais de Bella, já que ela é a única pessoa do mundo com a mente completamente fechada a esse seu dom precioso. Tente se esforçar, Edward. Deixe de preguiça.

— Você está me confundindo.

— Preste atenção. Tente acreditar em mim, sem precisar conferir meus pensamentos. Você está parcialmente correto: Bella não gosta mesmo da idéia de envelhecer. Para falar a verdade, ela odeia toda essa história de não poder ser como nós. E você sabe qual é a minha opinião sobre o assunto. Nunca a escondi... — Alice apoiava Bella. — Mas uma coisa eu posso garantir a você: Bella virá esta noite, mesmo não sendo seu plano “A”, mesmo não considerando o dia como o mais maravilhoso de todos os tempos... Ela virá por mim, por você. Por todos nós. Confie em mim...

— Deixe-me ver...

— Ah, Edward! Você não tem jeito mesmo, não é?

Então um jorro de imagens estáticas inundou minha cabeça através dos pensamentos de Alice. Bella aceitando presentes, Bella em nossa sala de estar, Bella sorrindo — eu juro, ela estava sorrindo...

Viu? Não disse?, ela costumava conversar comigo em pensamento, embora o contrário não funcionasse: Alice não podia me ouvir. Eu não gostava, pois o som de sua voz — o som real — deixava-me mais confortável, privava-me da sensação de que eu estava sendo indiscreto, como se estivesse ouvindo os segredos alheios.

Ela balançou os cabelos do alto de minha cabeça.

— Ah! Estou tão empolgada com toda essa arrumação.

Eu não tinha mais argumentos, porque raramente Alice se equivocava em suas previsões. E tampouco consegui ignorar a pontada de irritação em meu peito: se ao menos eu pudesse ler a mente de Bella — como lia a de qualquer pessoa do universo —, não estaria agora fazendo papel de idiota nessa situação...

— Edward?

— Tudo bem, Alice. Acredito em você — finalizei. — Onde está todo mundo? — Não existiam vozes em minha cabeça.

— Carlisle está no hospital. Jasper e Esme foram colher mais algumas flores... Emmett e Rosalie estão por aí, aproveitando a madrugada.

— Aproveitando a madrugada?

Eu não sei onde estão, Edward. Deixe-me trabalhar. Tenho muito que fazer.

Subi as escadas em direção ao quarto na esperança de gastar minhas horas de espera fazendo qualquer coisa que me distraísse. Pelo menos um pouco.

 

Quando a luz do sol reluziu timidamente por debaixo das nuvens de minha cidade chuvosa, deixei o livro sobre a bancada do quarto — “Romeu e Julieta” que eu lia pela centésima vez —, e segui para o banheiro, sem parar para conversar com Alice que lançava olhares furtivos em minha direção.

Aniversário hoje! Mal posso acreditar!, pensou ela.

Eu ainda não estava inteiramente convicto de que toda aquela situação não me causaria um enorme problema. Não era falta de confiança em Alice; não era isso. Eu não sei explicar de onde vinha a sensação de que alguma coisa estava para acontecer, ou o que era o calafrio corrente que me perseguia na mesma intensidade com que eu teimava em ignorá-lo. A angústia era ruim, incomodava; assustava...

Tomei um banho demorado, tentando não pensar no assunto, deixando a água lavar as impurezas exteriores — como vampiros não transpiram, a sujeira de meu corpo nunca vinha de dentro. Em seguida, enrolei-me na toalha branca e felpuda, e retornei ao quarto. Eu estava pensando em vestir uma calça de brim escuro e o tricô azul claro, presente de Esme. Mas quando abri as portas do guarda-roupa, lá estava outra surpresinha... Levei as sobrancelhas ao alto da testa, desacreditado. Como ela podia ser tão detalhista?

Havia ali dois conjuntos de roupas que estavam separados, pendurados em um cabide preto, envoltos por um plástico grosso. Do lado de fora, havia um pequeno bilhete. Era ridiculamente fácil reconhecer a letra perfeita de minha querida irmã: Alice mais uma vez.

 

“Querido Edward.

Comprei estas roupas para você. Espero que confie em meu bom gosto! Você precisava mesmo de alguma coisinha nova para esse dia especial ou Bella poderia se decepcionar com seu descaso.

Não fique bravo comigo. Eu juro que não mereço...”

 

Soltei um grunhido abafado e logo ouvi os risinhos debochados vindos do andar de baixo. Em certas ocasiões, possuir sentidos tão aguçados quanto os de minha espécie é a pior coisa do universo. Alice havia escutado minhas lamentações; o ranger irritado de meus dentes. Nessas horas, eu detestava imensamente tudo isso... Todas essas estranhezas e poderes especiais... Eu não tinha privacidade alguma dentro de minha própria casa, não podia gritar, nem mesmo ficar irritado sem que alguém notasse, e, naquele momento, eu tinha razão suficiente para estar bravo.

Os pensamentos de Alice invadiram minha cabeça, era a mesma voz de fada, como se ela estivesse ali, ao meu lado: “Seja bonzinho, Edward. Aceite o presente com carinho!”

Quem não se renderia àquela voz?

Ainda contrariado, puxei o plástico e dobrei as roupas sobre a poltrona. O bom gosto de Alice era mesmo primoroso... O presente era lindo e de uma marca conhecida, que ela adorava — o que realmente eu não podia discutir, porque os cortes do tecido e as costuras, ambos eram excelentes e faziam com que as roupas caíssem muito bem em meu corpo de mármore.

“Tudo bem”, disse a mim mesmo. “Se Alice quer assim...”

Desamarrei a toalha e a joguei com precisão dentro do baú, do outro lado do quarto — eu jamais erraria o lance. Caminhei novamente até o armário e peguei a roupa de baixo; pelo menos alguma coisa que eu podia escolher por mim mesmo. Eu estava grato por Alice ter me poupado dessa vergonha: o que eu faria se ela tivesse aparecido com um monte de cuecas novas para mim? Seria no mínimo constrangedor...

Rapidamente, vesti a camisa e a enfiei para dentro da calça. Prendi o cinto, pus as meias (novas também) e os sapatos de verniz preto... Por fim, o suéter de lã cinza escuro que agora entraria para minha lista de roupas preferidas.

De frente para o espelho, arrumei meus cabelos cor de bronze da maneira usual: desgrenhados, com alguns fios caindo levemente sobre a testa. Eu sabia que Bella gostava assim...

Edward, a voz musical outra vez em minha mente. Já está pronto? Posso subir para ver como ficou? Estou curiosa...

Teimosa e impaciente. Não havia melhor descrição para Alice.

— Pode vir... — sussurrei, a voz inaudível a qualquer humano.

Em menos de meio segundo, Alice apareceu, recostou o pequeno corpo no portal do quarto e fez uma avaliação calma e completa de meu visual, sem conseguir esconder a cara de surpresa e satisfação. Ela estava encantada; pude ler seus pensamentos.

— Edward, você está... — ela suspirou. — Ah, Edward, você está lindo! Mais lindo do que nunca! Jamais achei que isso fosse possível... Ficou inacreditavelmente perfeito nesse suéter cinza... O que achou? Gostou?

Apertei as linhas dos lábios, fingindo dúvida. Eu gostava desse joguinho de mistério e, francamente, eu era muito bom nisso. Sempre conseguia arrancar a expressão de dúvida da cara dos outros. Bella reclamava muito...

— Fale logo, Edward! Você está me deixando nervosa — disse ela e depois veio saltitando pelo quarto como uma talentosa bailarina clássica. Repousou as mãos gentilmente em meus ombros, ficando cara a cara comigo. Nossos olhos se cruzaram e eu percebi como as pupilas dela estavam num tom de caramelo mais escuro. Eu não sabia que Alice estava tanto tempo sem caçar.

— Alice, seus olhos estão escuros... Tem passado fome?

Ela largou os braços, visivelmente aborrecida pelo desvio no assunto.

— Faz um tempinho que não caço. Jasper também...

— Jasper? — perguntei irritado. — E vocês ainda querem receber Bella hoje à noite? Que irresponsabilidade, Alice... Francamente, como pode brincar com a sorte assim? Vamos cancelar a festa!

Jasper tinha mais problemas para se encaixar em nossa dieta especial — ao contrário da maioria dos vampiros, nossa família caçava somente animais. Era muito mais difícil para ele resistir ao cheiro de sangue humano do que para nós, que éramos adeptos à alimentação “vegetariana” havia muito mais tempo.

— Ei, ei... — ela tocou meus ombros outra vez. — Acalme-se, Edward. Está tudo sob controle. Jasper não vai machucar Bella. Posso garantir... Ele está acostumado ao cheiro dela.

Franzi o cenho, mas ela não pareceu se importar.

— Agora diga, Edward. Quero saber o que achou das roupas? Não vai me matar de curiosidade, vai?

— Alice, é muito difícil matar alguém naturalmente imortal... Você conhece muito bem os únicos artifícios que temos nesse caso. E, sinceramente, não estou nem um pouco a fim de picotar seu corpo e jogar os milhões de pedacinhos numa fogueira. Não agora... Já tenho compromisso.

Sem brincadeirinhas, por favor... A voz em pensamento era debochada.

Houve um minuto de silêncio em que Alice me encarava, esperando a reposta. Os lábios apertados de ansiedade.

— Gostei — disse por fim. — Obrigado.

Ela me abraçou com força e beijou minha bochecha com carinho.

Não pude deixar de sorrir. Alice tinha uma habilidade incrível em conseguir o que quisesse... Quem negaria os desejos de uma fada encantadora e linda? Talvez ela tivesse super-poderes que ainda me eram desconhecidos. Pode ser...

— Agora vamos logo para a escola, Edward Cullen. Aposto que Bella já está a caminho.

— Tudo bem. Não importa. Vamos chegar primeiro, você duvida?

Ela balançou a cabeça negativamente e riu. Passei o braço por sua cintura e descemos juntos em direção à garagem.

 

Demorou o que me pareceram longos e intermináveis minutos para que a picape Chevy 53 de Bella surgisse na pista e parasse no estacionamento conhecido, atrás da Forks High School.

De onde eu estava, encostado e imóvel em meu Volvo prata, notei a usual chuva de ferrugem cair do teto molhado da picape quando Bella bateu a porta. Na verdade, o presente de aniversário que ela recusava categoricamente, implorando com todos os argumentos irrelevantes que eu bem conhecia, era um carro novo.

Bella caminhava lentamente em minha direção, os olhos fixos em mim, mas, de repente, desviou o foco. Não tive dúvidas de que ela agora mirava em Alice, que estava ao meu lado — radiante de empolgação — e carregava um pequeno embrulho prateado nas mãos. Em menos de meio segundo, Alice pulou à frente para recebê-la. Fiquei para trás, ainda assim, escutei a conversa nitidamente.

— Feliz aniversário, Bella!

Logo a expressão de preocupação se espalhou pelo rosto de Bella. Isso estava mesmo muito errado...

— Shhh! — sibilou ela.

Teimosamente, Alice ignorou os pedidos de minha namorada:

— Quer abrir seu presente agora ou depois?

— Nada de presentes — protestou Bella sem olhar diretamente para Alice. As duas começaram a andar juntas em minha direção.

— Tudo bem — disse Alice. — Mais tarde, então. Gostou do álbum que sua mãe mandou para você? E a câmera de Charlie?

Confesso que, por vezes, eu invejava a capacidade de Alice em prever o futuro. Aquele seria o tipo de pergunta que eu adoraria fazer; um tipo interessante de brincadeirinha particular.

Estendi a mão para Bella e senti toda a urgência de seu toque quando nossas peles se tocaram: fogo e gelo. Ela me fitou com os olhos de chocolate — estudando-me como sempre fazia — e eu ouvi seu coração vacilar. Apenas sorri de volta, sem dizer abertamente que havia escutado a hesitação de seus batimentos: não queria — e tampouco precisava — constrangê-la.

Ergui a mão livre e acompanhei o contorno de seus lábios rosados com a ponta dos dedos.

— E então, como discutimos, não tenho permissão para lhe desejar um feliz aniversário, é isso mesmo?

— É isso mesmo.

— Só estou verificando. Você bem que podia ter mudado de idéia. A maioria das pessoas parece gostar de aniversários e presentes.

Alice riu e disse:

— É claro que você vai gostar. Todo mundo deve ser gentil com você hoje e fazer suas vontades, Bella. Qual é a pior coisa que pode acontecer?

— Ficar mais velha — respondeu.

Fechei a cara. Como ela podia ser tão teimosa e insistente...

— Dezoito anos não é muito velha — disse Alice. — Em geral as mulheres não esperam até ter 29 anos para se aborrecer com os aniversários?

— É mais do que Edward — murmurou Bella.

Suspirei.

Aquilo era no mínimo ridículo. Eu iria amá-la para sempre! Será que isso era tão difícil de ser entendido? Quantas vezes eu teria que dizer que Bella era minha vida agora? Que eu nunca iria abandoná-la, mesmo quando ela ficasse velhinha e enrugada? E alguma coisa me dizia que esse era seu grave pavor. As mulheres se preocupam tanto com os detalhes...

Alice continuou:

— A que horas você vai estar em casa?

— Não sei se vou para casa.

— Ah, por favor, Bella! Não vai estragar toda a nossa diversão desse jeito, vai?

Alice reclamava, fazendo muito bem o papel de desentendida, como se não soubesse que Bella acabaria comparecendo à surpresinha que ela preparara. Que habilidade!

— Pensei que no meu aniversário eu pudesse fazer o que eu quisesse — rebateu a outra teimosa... Se no fundo ela também sabia que ia acabar cedendo, por que tanta confusão?

Resolvi entrar na conversa:

— Alice, vou apanhar Bella em casa depois da escola.

— Tenho que trabalhar — protestou Bella.

— Na verdade, não tem — disse Alice, convencida. — Já falei com a Sra. Newton sobre isso. Ela vai trocar seus turnos. E me pediu para lhe dizer “Feliz aniversário”.

— E-eu ainda não posso ir — gaguejou Bella, fazendo-me reprimir um risinho. Eu tinha de tirar o chapéu para Alice, porque o trabalho seria a primeira desculpa de Bella. — Eu, bom, ainda não vi “Romeu e Julieta” para a aula de inglês.

Alice perdeu a paciência:

— Você conhece “Romeu e Julieta” de cor.

— Mas o Sr. Berty disse que precisávamos ver uma representação para apreciá-lo plenamente... Era o que Shakespeare pretendia.

Revirei os olhos. Essa era boa!

— Você já viu o filme — insistiu Alice.

— Mas não a versão dos anos 60. O Sr. Berty disse que era a melhor.

De repente, Alice ficou séria e a voz aguda inundou minha cabeça:

Edward, faça alguma coisa, por favor! Não fique aí parado com essa cara de deus grego. Isso não está ajudando em nada... Bella vai ceder, tenho certeza, mas será mais rápido se dermos uma forcinha...

Balancei levemente a cabeça em sinal de recusa — Alice que se virasse sozinha com suas invenções complicadas. Ela perfurou-me com os olhos e virou-se para Bella outra vez, como se falasse com uma filha birrenta:

— Isso pode ser fácil ou pode ser difícil, Bella, mas de uma forma ou de outra...

Alice estava passando dos limites, por isso não me contive e entrei na conversa:

— Relaxe, Alice. Se Bella quer ver o filme, então pode ver. É o aniversário dela.

— Viu? — acrescentou Bella, fazendo bico como uma menina de cinco anos.

— Vou levá-la por volta das sete — continuei.

O rosto de Alice cintilou em alegria novamente.

— Parece ótimo — concluiu ela. — Nos vemos à noite, Bella. Vai ser divertido, você verá.

Alice deu um beliscão na bochecha de Bella e desapareceu para sua primeira aula com um sorriso reluzente no rosto, não sem antes lançar os pensamentos em mim:

Os méritos são meus, irmãozinho... Não pense que venceu sozinho essa parada. E nem ouse ceder aos desejos de Bella. Ah, e arrume a gola da blusa: ela está torcida! Tchauzinho...

— Edward, por favor... — pediu Bella. Afugentei as vozes em minha cabeça e concentrei-me somente em minha amada, pousando os dedos frios em seus lábios para silenciá-los.

— Discutiremos isso mais tarde. Vamos nos atrasar para a aula.

Passei o braço em sua cintura e caminhamos juntos para o prédio da escola.

Ao longo do dia, não voltei a tocar no assunto “aniversário”. Bella tampouco se importou, mantendo-se estranhamente quieta, de modo que não era difícil concluir que, provavelmente, ela arquitetava planos de fuga em sua cabeça. No almoço, sentamos todos juntos: Alice, Bella e eu. Agora, a mesa era ocupada somente por nós três, já que meus outros irmãos tinham, teoricamente, se formado.

Quando as aulas terminaram, acompanhei Bella até a picape, apressando o passo para abrir a porta do carona para ela. Tudo combinado previamente com Alice: enquanto ela levava meu carro para casa eu tentava impedir qualquer fuga ardilosa de Bella que ainda assim insistia em não colaborar:

— É meu aniversário, não posso dirigir?

— Estou fingindo que não é seu aniversário, como é seu desejo.

— Se não é meu aniversário, então não tenho que ir para a sua casa hoje à noite. — Bella fez a primeira tentativa.

— Muito bem... — Fechei a porta do carona e passei por ela para abrir a do motorista. — Feliz aniversário.

— Shhh — pediu ela, meio indiferente.

Fiquei mexendo no rádio enquanto ela dirigia. Sacudi a cabeça: o aparelho era mesmo uma porcaria. Praticamente uma inutilidade...

— Seu rádio tem uma recepção horrível.

Bella fechou a cara.

— Quer um bom sistema de som? Dirija seu próprio carro. — As palavras saíram tão ríspidas que escondi um risinho, apertando os lábios na tentativa de disfarçá-lo. Aquele não era o tipo de comportamento que se encaixava bem à meiguice de minha namorada.

Quando, finalmente, Bella estacionou a picape em frente à sua casa, peguei seu rosto em minhas mãos. Coloquei a ponta dos dedos suavemente em suas têmporas, nas maçãs do rosto, na linha do queixo. Aproximei-me, sentindo seu cheiro doce e sussurrei:

— Devia estar de bom humor, hoje é o seu dia.

— E se eu não quisesse ficar de bom humor? — perguntou-me, a respiração entrecortada.

— Isso é péssimo.

Pousei meus lábios nos dela. Gentilmente, apertei-a contra mim, cuidando para não esmagá-la — eu tinha de redobrar a atenção quando nossos corpos se encontravam; tinha medo de ser traído por minha excessiva animação. Mas foi Bella quem se agitou, entusiasmada demais. Seus dedos suaves e quentes se entranharam em meus cabelos, e um arrepio frio atravessou minha espinha em meio segundo. Tentei me controlar para não parecer rude demais, mas não consegui e não tive como evitar o recuo. Afastei meu rosto e tentei insistentemente sair do abraço enquanto ouvia meus apelos inconscientes e racionais: eu jamais podia ultrapassar a fronteira segura com Bella, porque qualquer erro poderia custar-lhe a vida — ou a alma.

— Seja boazinha, por favor — sussurrei em sua bochecha.

Novamente, apertei os lábios contra os dela, cruzando seus braços em sua barriga. Pude ouvir o frágil martelar de seu coração.

— Acha que um dia vou superar isso? — perguntou ela. — Que meu coração um dia vai parar de tentar pular pelo peito sempre que você tocar em mim?

Uau! Que comentário! Bella ficava impossivelmente mais sensual a cada dia...

— Eu realmente espero que não. — respondi, presunçoso.

Ela revirou os olhos.

— Vamos ver os Capuleto e os Montéquio se dilacerando, está bem?

— Seu desejo é uma ordem.

Esparramei-me no sofá enquanto Bella passava o filme, acelerando nos créditos de abertura. Quando ela se sentou a meu lado, passei os braços em sua cintura e a puxei mais para perto. Peguei a manta oriental do encosto do sofá e a envolvi, para que ela não congelasse junto a meu corpo.

— Sabe, nunca tive muita paciência com Romeu — comentei.

— O que há de errado com Romeu? — perguntou ela, visivelmente ofendida.

— Bem, antes de tudo, ele está apaixonado por essa Rosalina... Não acha que isso o deixa meio volúvel? E então, minutos depois do casamento, ele mata o primo da Julieta. Não é muito inteligente. Um erro depois do outro. Será que ele poderia destruir a própria felicidade de uma forma mais completa?

Bella suspirou, indignada.

— Eu... eu... gosto muito do Romeu — sussurrou ela quase inaudível, as bochechas corando.

Era ridiculamente fácil perceber que o verbo gostar tinha sido usado de uma maneira forçada na frase e minha desmedida curiosidade não me permitia aceitá-lo em silêncio.

— Quando você diz “gosto muito do Romeu”...

Bella hesitou — seus olhos fugindo dos meus —, depois pensou por um instante e então disse:

— Você acharia graça...

Toquei seu rosto, deslizando os dedos vagarosamente do canto da orelha até o queixo. Seu corpo estremeceu.

— Bella, não confia em mim?

Encontrei seus olhos novamente e um sorriso torto ajeitou-se em sua boca.

— Eu... Antes... Bem, antes de conhecer você eu tinha uma espécie de queda por Romeu. Não me entenda mal.

Suspirei.

— Essa inesperada revelação só faz por aumentar um nome em minha lista de criaturas indesejáveis...

— Você tem uma lista de criaturas indesejáveis? — Sua expressão era de surpresa.

— Sim. E o nome “Mike Newton” está na primeira linha, escrito em tinta vermelha e letras garrafais, se é que você me entende...

Ela riu quando compreendeu o espírito da coisa. Depois perguntou, timidamente:

— Quer que eu veja o filme sozinha?

— Não, vou assistir com você, de qualquer jeito. — Passei os dedos por seu braço. — Vai chorar?

— É provável, se estiver prestando atenção.

— Então não vou distraí-la.

Somente mantive os lábios em sua cabeça, afastando-os de vez em quando para sussurrar alguma frase de Romeu. Diverti-me quando ela chorou, enfim.

— Devo admitir que tenho um pouco de inveja dele aqui — eu disse enquanto secava suas lágrimas com uma mecha de seu cabelo.

— Ela é linda. — Bella não compreendeu.

— Não o invejo por causa da garota... Só pela facilidade do suicídio — esclareci. — Para vocês, humanos, é tão fácil! Só o que precisam fazer é engolir um vidrinho de extrato de ervas...

— Como é?

— Foi uma idéia que tive certa vez e eu sabia, pela experiência de Carlisle, que não era simples. Nem tenho certeza de quantas maneiras ele tentou se matar, no começo... Depois de perceber no que se transformara... E ele claramente ainda goza de excelente saúde.

Bella me encarou.

— Do que está falando? — perguntou. — O que quer dizer, essa história de que pensa nisso de vez em quando?

Eu não pensava nisso de vez em quando. Havia sido somente uma vez; aquela vez. Talvez eu tivesse me precipitado expondo meus pensamentos dessa maneira e agora me parecia inevitável continuar o assunto.

— Na primavera passada, quando você estava... — A lembrança era terrível. — Quanto você estava quase morta. É claro que eu tentava me concentrar em encontrar você viva, mas parte de minha mente fazia planos alternativos. Como eu disse, não é tão fácil para mim, como é para um humano.

A julgar por sua expressão, as imagens do passado voltaram à sua mente. Bella ficou absorta em pensamentos e por fim, balançou a cabeça tentando afugentar o que quer que lhe estivesse causando dor e angústia.

— Planos alternativos? — repetiu.

— Bem, eu não viveria sem você. — Era tão óbvia a afirmação que o som fluía tranqüilo por meus lábios. — Mas não tinha certeza de como fazer... Eu sabia que Emmett e Jasper  não me ajudariam... Então pensei em ir à Itália e fazer algo para provocar os Volturi.

Ela ficou séria.

— O que é um Volturi? — perguntou.

— Os Volturi são uma família — expliquei. — Uma família muito antiga e muito poderosa de nossa espécie. São a coisa mais próxima que nosso mundo tem de uma família real, imagino. Carlisle morou com eles por pouco tempo em seus primeiros anos, na Itália, antes de se estabelecer na América... Lembra a história?

— É claro que lembro.

— De qualquer modo, não se deve irritar os Volturi — continuei. — A não ser que se queira morrer... Ou o que quer que aconteça conosco.

Vida eterna? Continuação da alma? Pouco provável... Não dividi esses questionamentos com Bella, que já lidava com informações demais naquele momento. Em poucos segundos, seu semblante de raiva transformou-se em puro pavor e eu fiquei ainda mais arrependido de minha excessiva sinceridade quando ela pegou meu rosto nas mãos e levantou a voz:

— Você nunca, nunca, jamais pense em nada parecido de novo!  Não importa o que possa acontecer comigo, você não pode se machucar!

— Eu jamais a colocarei em risco de novo, então esta é uma discussão inútil — eu disse, na tentativa de encerrar o assunto, mesmo sabendo que, na verdade, o risco jamais poderia ser descartado por completo. Por mais que eu me esforçasse, sempre haveria a chance de falha...

— Me colocar em risco! — insistiu Bella. — Pensei que tínhamos combinado que todo o azar era minha culpa. Como se atreve a pensar desse jeito?

— O que você faria se a situação se invertesse? — perguntei e ajeitei o corpo para ouvir melhor a resposta. Agora ela teria de usar a imaginação.

— Não é o mesmo caso.

Não me contive e comecei a rir, mas ela permaneceu séria e contra-atacou:

— E se alguma coisa acontecer com você? Gostaria que eu acabasse comigo mesma?

Enrijeci. O assunto tomara um rumo desagradável.

— Acho que entendo seu argumento... Um pouco — admiti. — Mas o que eu faria sem você?

— O que estava fazendo antes de eu aparecer e complicar sua vida.

Essa era boa. Complicar a minha vida... Como? Se ela era a melhor parte de minha existência?

— Parece tão fácil do jeito que você fala.

— Devia ser. Eu não sou assim tão interessante.

Eu estava prestes a explodir em raiva ao ouvir tanta baboseira sem nexo, mas contive a fúria.

— Discussão inútil — lembrei mais uma vez.

Mariners  contra os Sox essa noite... Que jogo!, a voz conhecida entrou em minha mente e começou a se aproximar, ficando mais intensa a cada fração de segundo.

Ajeitei minha posição no sofá.

— Charlie? — adivinhou Bella.

Sorri e respondi a pergunta balançando a cabeça para cima e para baixo. Não demorou um minuto para que o som da radiopatrulha perfurasse o ar. Bella pegou minha mão com firmeza.

Charlie entrou em casa, segurando uma caixa de pizza.

— Oi, pessoal! — disse ele, sorrindo apenas para Bella. — Pensei que ia gostar de uma folga da cozinha e dos pratos em seu aniversário. Está com fome?

A indiferença de Charlie era algo com o qual eu já estava habituado. Ele não gostava de mim e tampouco fazia questão de esconder o sentimento. Raramente ele me incluía em seus diálogos, quando não ignorava completamente minha presença. À exceção de Bella — e esse seu comportamento incomum até hoje me intrigava —, as pessoas pareciam ter um tipo de sexto sentido em se tratando de minha espécie... Como se pudessem sentir o perigo por perto, a ameaça. Charlie ainda tinha outros motivos, mas não era o primeiro e nem seria o último a me ignorar.

Bella agradeceu pela pizza, sentou-se à mesa e comeu com gosto enquanto eu a olhava, fingindo falta de apetite. Charlie também se acostumara às minhas estranhas indisposições alimentares e, conseqüentemente, poupava-me de seus questionamentos.

Embora eu já imaginasse a resposta, a cordialidade não me permitia ignorar a pergunta:

— Importa-se se eu pegar Bella emprestada esta noite?

— Tudo bem... Os Mariners vão jogar contra os Sox esta noite — explicou-me o que eu já sabia. — Então não serei boa companhia... toma. — Ele pegou a câmera fotográfica que havia comprado e a atirou para Bella.

Será que Charlie não conhecia bem a própria filha? Isso não era o tipo de brincadeira que se podia fazer com alguém que mantinha formidáveis evidências de falta de coordenação...

A câmera passou raspando na ponta dos dedos de Bella e eu a peguei antes que se espatifasse no piso.

— Boa pegada — observou Charlie. — Se fizerem alguma coisa divertida na casa dos Cullen hoje, Bella, devia tirar umas fotos. Sabe como sua mãe é... Ela vai querer ver as fotos mais rápido do que você pode tirá-las.

Passei a câmera para Bella, sorrindo.

— Boa idéia, Charlie — completei.

Ela ligou a câmera, apontou-a para mim e bateu sua primeira foto.

— Funciona. 

— Que bom — disse Charlie, lançando os olhos e os pensamentos decepcionados em minha direção. Achei que eu merecesse a primeira foto, mas tudo bem... Quem entende a mente de uma jovem apaixonada? Bom, eu poderia entender se Bella não possuísse um escudo inexplicável em volta da cabeça... — Ei, dê um alô a Alice por mim. Ela não tem aparecido.

— Faz três dias, pai — lembrou Bella. — Vou dizer a ela.

— Tudo bem. Divirtam-se.

Com a expressão vitoriosa, peguei a mão de Bella e a puxei da cozinha antes que ela inventasse uma desculpa inescapável.

E então aconteceu de novo.

Caminhávamos em direção à picape, nossas mãos entrelaçadas, quando uma pontada de dor lancinante atingiu a boca de meu estômago — um tormento forte e agudo que entrou e saiu do cérebro em menos de meio segundo. Era o mesmo sentimento angustiante, o arrepio inquieto que estava me perseguindo e que eu não sabia explicar de onde vinha.

— Edward? — disse Bella.

Somente o silêncio.

— Edward? Você está bem? — insistiu ela.

— Sim... Desculpe-me. — Balancei a cabeça, afastando qualquer pensamento ruim.

— O que foi? Você ficou estranho? Abstrato...

— Não foi nada... — menti enquanto a agonia terminava de passar.

Sorri timidamente e abri a porta do carona. Dessa vez ela não discutiu.

Dirigi para o norte, atravessando Forks; testando — e forçando — todos os limites de velocidade do Chevy pré-histórico. Era terrível... Fiz uma experiência mais ousada, tentando ultrapassar 80Km/h, mas só o que se ouviu foi o ronco do motor, gemendo de reprovação. Não seria uma má idéia se a máquina pifasse de vez, assim Bella teria de aceitar meu presentinho de bom grado...

Como se lesse meus pensamentos ela resmungou:

— Vá com calma.

Forcei o motor mais intensamente, só para que fosse necessário gritar — argumento melhor não poderia haver:

— Sabe o que você ia adorar? Um pequeno e lindo cupê Audi. Muito silencioso, muita potência...

Ela tapou os ouvidos com as mãos depois de revirar os olhos. Reduzi a velocidade.

Dando de ombros, reclamou novamente:

— Não há nada de errado com minha picape. E por falar em supérfluos caros, se sabe o que é bom para você, não gaste dinheiro nenhum com presentes de aniversário.

Bom, não era a primeira e certamente não seria a última vez que eu ouviria suas lamentações. Apenas assenti:

— Nenhum centavo.

— Ótimo.

— Pode me fazer um favor? — perguntei.

— Depende do que for.

Suspirei e forcei a expressão de seriedade.

— Bella, o último aniversário de verdade que tivemos foi o de Emmett, em 1935. Relaxe um pouco e não seja difícil demais esta noite. Todos estão animados.

Pensei em Alice, principalmente.

— Tudo bem. — Ela me fitou de esguelha. — Vou me comportar.

— Preciso avisá-la — continuei, pigarreando alto.

— Por favor.

— Quando eu digo que estão todos animados... Quero dizer todos eles...

— Todos? — perguntou ela, visivelmente pasma.

Eu sabia de onde vinha a preocupação. Ao contrário de Alice, minha outra irmã, Rosalie, não enxergava com bons olhos meu relacionamento com “a humana” — como costumava se referir a Bella. Sinceramente, eu não a culpava por achar que meu comportamento não condizia com o pacto sagrado dos vampiros: conservar a camuflagem de nossa espécie. Mas eu não tinha alternativa: ficar ao lado de Bella havia se tornado uma necessidade incontrolável em minha vida — e eu desistira de lutar contra isso havia muito tempo.

O problema era que Rosalie despejava, injustamente, sua raiva em Bella, destratando-a das mais diversas maneiras. Isso me incomodava. Muito. Que culpa Bella podia ter? Eu era o único irresponsável de toda a história...

Eu desejava loucamente uma humana, daria minha existência por ela e, ao mesmo tempo, lutava a cada segundo contra a vontade de tirar-lhe a própria vida.

Insanidade? Pode ser... A meu jeito, eu preferia entender como amor...

— Terno ser é o amor? Áspero demais, rude demais, violento demais e lancinante como um espinho — murmurei uma frase de Romeu.

— O que foi que você disse?

— Nada...

Ela não ficou convencida, tampouco se importou; deixou passar facilmente — quando Rosalie entrava no assunto, era praticamente impossível que Bella se focasse em qualquer outra coisa. Eu sabia disso, mas as circunstâncias do momento haviam me obrigado a alertá-la: seria muito pior se ela entrasse em casa e desse de cara com minha querida irmã, linda e loura ao lado de Emmett, forçando um sorriso no rosto perfeito — se é que ela se esforçaria em fingir qualquer coisa.

Qualquer clima de tensão entre mim e Bella era terrível, porque o conflito, mínimo que fosse, nos distanciava e parecia evidenciar nossas diferenças — as tantas que de fato existiam.

— Pensei que Emmett e Rosalie estivessem na África — continuou ela, visivelmente sufocada.

— Emmett queria estar aqui.

— Mas... Rosalie?

— Eu sei, Bella. Não se preocupe, ela vai se comportar bem. —Embora eu não tivesse certeza da afirmação, dizê-la em voz alta parecia torná-la mais verdadeira. E eu precisava me agarrar a uma esperança, mesmo que inventada em minha própria cabeça.

Bella ficou quieta, pensativa.

Sem saber mais o que dizer, resolvi mudar o assunto.

— E então, já que não me deixa comprar o Audi para você, não há nada que gostaria de aniversário?

As palavras saíram num sussurro:

— Você sabe o que eu quero.

Parecia muito simples: ela queria apenas a eternidade.

Mas que teimosia? Por que isso agora? Será que não existia no mundo nem um presente material — e normal — capaz de agradá-la?

— Hoje não Bella, por favor.           

— Bom, talvez Alice me dê o que eu quero.

Deixei escapar um grunhido alto, levemente ameaçador.

— Este não será seu último aniversário, Bella — jurei.

— Isso não é justo!

Trinquei os dentes. Para quem possuía uma linda alma, viva e inteira, o senso de justiça de Bella era bem desajustado.

Parei o carro em frente à entrada principal.

Bella avaliou a decoração e uma linha tímida de nervosismo se desenhou em sua boca. Fiquei preocupado.

Ela certamente devia estar pensando nos visíveis exageros de Alice — que tinha o poder enigmático de complicar as coisas para mim. Fingi não notar nada de diferente na casa. Tentei manter os olhos baixos, sem foco, embora os pensamentos alheios, que agitavam minha mente como sinos de fadas, não passassem despercebidos:

Rápido Edward! Traga Bella para casa. Estou ansiosa! Era Alice.

Por vezes, eu desejava que Alice também fosse capaz de ler meus pensamentos, só para que eu pudesse ter a chance de mentalizar palavras rudes ou agressivas que pouco combinavam com meu comportamento primoroso — e que por isso mesmo nunca eram ditas em voz alta.

Esperei mais um pouco. O coração de Bella batia acelerado e eu precisava que ela se acalmasse. Precisava de tempo.

Bella mirou a luz forte que saía das janelas, depois acompanhou com os olhos a fila de lanternas japonesas que reluziam no beiral da varanda. E, por fim, as flores ladeando a casa — que não passariam por invisíveis jamais.

E então estremeceu.

Respirei fundo, buscando a calma em algum lugar dentro de mim.

— Isto é uma festa — lembrei a ela. — Procure levar na esportiva.

— Claro...

Bati a porta do motorista e corri para abrir a do carona, oferecendo a mão para que ela pudesse descer.

— Tenho uma pergunta.

Mais uma? O que poderia ser agora? Fiquei nervoso.

— Se eu revelar este filme... — disse ela em tom de brincadeira, jogando a câmera para cima. Redobrei a atenção. — Vocês vão aparecer nas fotos?

Suspirei, aliviado. Bella me surpreendia. Ia de um assunto ao outro, do mau ao bom humor com habilidade e presteza incríveis.

Não respondi, somente ri, alegremente. Se ela entendeu a resposta, não sei dizer. Apenas permaneceu em silêncio.

Vocês estão demorando, Alice novamente.

Ei! Saí logo da picape, maninho, resmungou Emmett. Ainda tenho um aparelho de som para instalar nessa velharia ou Bella terá tempo suficiente de recusar o presente!

Venha rápido, Edward, disse Jasper. Ou Alice vai esmagar a minha mão.

Perguntei-me por que Jasper não estava se utilizando de seus preciosos dons para controlar a ansiedade de Alice. Talvez ele estivesse sob ameaça... É, provavelmente era isso.

Todos esperavam na enorme sala de estar branca e, assim que entramos — as mãos de Bella agarradas às minhas como duas partes inseparáveis —, eles a receberam com um coro alto de “Parabéns pra você”. De canto de olho, notei sua bochecha corar, os olhos tímidos mirando o chão. Bella ficava ainda mais linda quando envergonhada. Parecia uma bonequinha meiga, moldada por um tipo raro de porcelana fina e quebrável. Perfeita... Eu poderia admirá-la, embaraçada em seu comportamento acanhado, por toda a eternidade — se pudesse ler meus pensamentos, ela ficaria aborrecida com o egoísmo injusto que esse meu desejo carregava.

Depois de alguns segundos, acompanhei seus olhos se erguerem lentamente e percorrerem o ambiente com ansiedade. Seu doce coração pulsava acelerado, descompassado. Passei o braço em torno de sua cintura, encorajando-a, e beijei com afeto o alto de sua testa — nesse instante, sua respiração, que já apresentava sinais de desfalecimento, parou completamente e eu me afastei de imediato. Fiquei meio perdido, sem saber o que fazer para amenizar seu constrangimento, já que minhas técnicas usuais de ajuda pareciam piorar a sensação de desconforto que ela sentia naquele momento.

Carlisle e Esme, meus pais, estavam perto da porta. Esme abraçou Bella com cuidado, o sorriso estonteante na boca, enquanto Carlisle pôs o braço nos ombros de minha namorada:

— Desculpe por isso, Bella — ele sussurou. — Não conseguimos refrear Alice.

Ei, agora sou eu quem assume toda a culpa?, reclamou Alice em pensamento. Isso não é justo... Não sou a única animada aqui... Todos estão adorando! Disfarçadamente, eu a fitei. Ela sorria com o canto da boca.

Eu não estava nem um pouco preocupado com os pensamentos irônicos de Alice. Não dessa vez. O que me incomodava muito mais era a expressão séria e fechada do rosto de Rosalie, quem agora andava em nossa direção — o braço esquerdo tentando inutilmente contornar metade das costas de Emmett, conduzindo-o para frente. Ao contrário dele, que exultava de felicidade, Rosalie não encarou Bella, tampouco sorriu.

Garota sem sal, pensou Rosalie, fazendo-me reprimir a vontade de atirar-lhe umas boas ofensas.

— Você não mudou nada — disse Emmett com uma falsa decepção. — Eu esperava uma diferença perceptível, mas aqui está você, com a cara vermelha de sempre.

Com a cara envergonhada de sempre. Rosalie acrescentou em silêncio. O que você vê nessa garota, Edward? Francamente... De maneira disfarçada, levei a mão onde outrora havia batido meu coração. Rosalie revirou os olhos.

— Obrigada, Emmett — disse Bella, corando ainda mais.

Ele riu.

— Preciso sair por um segundo. — Emmett parou para dar uma piscadela para Alice. — Não façam nada de divertido na minha ausência.

E você, hein, maninho? A voz de Emmett em meu cérebro. Uau! Namorando uma mulher mais velha, hein... Tentador... Aposto que já percebeu muita diferença.

Tive tempo de fechar a cara e grunhir baixinho antes que ele saísse de vista.

Alice soltou a mão de Jasper e pulou para frente, todos os dentes cintilando de alegria — evitei seus olhos escuros para não me aborrecer. Jasper sorriu também, mas manteve distância. Com um movimento quase imperceptível de cabeça eu o agradeci, apreciando seu zelo e consideração.

— Hora de abrir os presentes — declarou Alice. Ela pôs a mão no cotovelo de Bella e a roubou de mim, conduzindo-a para perto da mesa com o bolo e os pacotes.

Bella sorriu, fingindo felicidade, mas sua interpretação era terrivelmente péssima.

— Alice, pensei ter dito a você que não queria nada...

— Mas eu não dei ouvidos — interrompeu ela. — Abra. — Ela entregou uma caixa prateada à Bella, que mirou a etiqueta onde estava escrito que o presente era de Emmett, Rosalie e Jasper.

Constrangida, Bella me fitou de esguelha e, em seguida, rasgou o papel, surpreendendo-se ao ver a caixa vazia — mais um plano infalível de Alice...

— Hmmm... Obrigada.

Todos abafaram uma risadinha.

— É um sistema de som para sua picape — explicou Jasper. —Emmett está instalando agora mesmo para que você não possa devolver...

Tive de admitir que Alice tivera uma idéia inteligentíssima. Talvez, se eu fosse um pouco mais teimoso — e bem menos covarde para enfrentar a fúria de minha amada — um cupê Audi novinho estaria agora na garagem e Bella seria forçada a aceitar o presente.

— Obrigada, Jasper, Rosalie — Bella agradeceu. — Obrigada, Emmett! — Gritou mais alto.

Do lado de fora, Emmett gargalhou estrondosamente e tirou um sorriso espontâneo dos lábios de Bella.

Aposto que ela está rindo agora!, seus pensamentos misturando-se aos meus. Aprenda com o grandão aqui! Eu sei do que as mulheres gostam...

— Abra agora o meu e de Edward — disse Alice, empolgada.

Bella me encarou com um olhar venenoso:

— Você prometeu.

Fui salvo por Emmett que entrou triunfante pela porta:

— Bem a tempo! — disse ele.

Emmett se espremeu ao lado de Jasper, que também tinha chegado um pouco mais perto para ver melhor.

— Não gastei um centavo — garanti à Bella. Era quase verdade...

Bella respirou fundo e virou-se para Alice:

— Pode me dar então — disse isso e pegou o pacotinho, revirando os olhos para mim enquanto passava o dedo sob a beira do papel e puxava a fita. — Droga! Cortei o dedo.

Uma única gota de sangue saiu do corte minúsculo.

Foi o bastante.

Prendi a respiração e por uma fração de segundo, examinei a cena em câmera lenta, girando o corpo cento e oitenta graus. À exceção Carlisle, todos os outros tinham os rostos retorcidos; as vozes e os gritos de desespero entupindo minha mente. Todos exprimiam a tortura particular de lutar contra o cheiro do sangue humano quente e derramado. Repentinamente, porém, uma daquelas faces se transformou.

Sangue... Jasper pensou, deslizou a língua pelos dentes afiados e avançou.

Então tudo aconteceu muito rápido.

— Não! — gritei.

Sem me preocupar em dosar a força, atire-me sobre Bella jogando-a de costas contra a mesa, que desabou, espalhando o bolo, os presentes, os cristais e os pratos.

Jasper se lançou sobre mim, batendo os dentes a centímetros dos meus, os olhos mortais. Seu peito rugiu mais alto quando eu o empurrei para frente com toda a energia que me era possível.

Emmett veio em meu socorro, agarrando Jasper por trás em um aperto de aço. Mas Jasper lutava, os olhos desvairados focados em Bella.

Houve um barulho atrás de mim. Virei o corpo e quando o fiz, arrependi-me no mesmo instante.

Bella acabava de tombar no chão junto ao piano — com as mãos, ela tentava se proteger dos cacos. Agora, não era somente uma pequena porção... O sangue vermelho e brilhante jorrava de seu braço; pulsava dentro de meus olhos doentios.

Alice e Esme gritaram.

Totalmente enfraquecido, eu permiti que a lembrança do gosto do sangue de Bella tomasse meus pensamentos, fazendo minha cabeça girar, minha garganta arder em brasa. E resistir tornou-se impraticável.

Instintivamente, meus pulmões se abriram e minhas narinas infladas foram inundadas pelo cheiro doce — o melhor cheiro do mundo.

Num lapso de loucura, rugi bem alto; o gosto do veneno se alastrando pela boca. E, de repente, eram seis os vampiros febris e vorazes. E eu me incluía entre eles.

 

 


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