O Máscara escrita por MileFer


Capítulo 8
Cinza


Notas iniciais do capítulo

Oláááá ❤❤❤❤

Fiiinaaaalmeeenteee um capítulo novo,né? ❤

Eu particularmente chorei um pouco com o final dele, mas isso não significa nada, não é???? KKKKKKK

Ahhh, e tem capa nova no pedaço! Gostaram?! Espero que vocês amem tanto quanto eu ❤

Recadinho importante nas notas finais :D



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Havia um abismo abaixo dos pés de Adélia, e ela tentava se equilibrar para não cair sobre uma enxurrada de vozes e escuridão.

Ela não sabia exatamente se aquela escuridão se tratava de um ambiente ou se eram seus olhos – os quais ela sentia que não conseguia abrir.

Tudo o que Adélia sentia era um aperto em seu peito enquanto soluçava; as lágrimas escorriam de seus olhos deixando rastros quentes e molhados em seu rosto, enquanto as vozes de seus pais lhe enchiam a mente. Havia imagens e lembranças deles lhe contando a verdade, mas a que mais lhe assustava era a imagem de Adam sorrindo cinicamente para ela. Ele a olhava nos olhos, sorria, ria e depois murmurava coisas sem sentindo.

Tudo se perdia em sua mente enquanto Adélia tinha a sensação de estar despencando de um lugar tão alto que mal conseguia distinguir.

Um estrondo violento fez Adélia saltar quando finalmente acordou do pesadelo. 

Atabalhoadamente, ela tentou se livrar dos múltiplos cobertores que a envolviam, mas estes pareciam pesar toneladas sobre seu corpo mole. Quando finalmente conseguiu se desvencilhar daqueles cobertores que mais se pareciam com uma rede de pesca, Adélia sentou-se na cama e respirou fundo.

O ambiente cheirava a lavanda, algo próximo à baunilha e café fresco. Adélia fechou os olhos enquanto uma tristeza arrebatadora esmagava cada pedacinho restante de seu coração. 

Ela não estava em casa. Cada pedaço de seu pesadelo era real; ela estava mesmo ali

Uma enxurrada de lembranças das noites anteriores caiu sobre ela como as lágrimas que passeavam por seu rosto e molhava os lençóis ao seu redor. 

Ela prometera a si mesma que seria forte; e isso incluía não chorar mais. Tinha de ser forte a partir daquele momento. Não importasse quanta saudade sentisse de casa e de seus pais, não importava se estava ali por uma maldição real ou não; tinha de ser forte em todas as ocasiões. 

—Perdão, senhorita - ela ouviu uma voz feminina sussurrar. - Não quis acorda-lá… Mas trouxe seu café. 

Adélia encarou a mulher que estava parada em sua frente, com as mãos apertadas em volta de uma bandeja dourada e cheia. Ela depositou a bandeja vagarosamente no colo de Adélia e se afastou cabisbaixa. 

O cheiro da fatia do bolo fez um ronco constrangedor despertar seu estômago. Corada, Adélia encarou a bandeja e depois a mulher, que parecia muito ocupada enquanto enfileirava frascos coloridos do que parecia ser perfume. 

—Isso é… - Ela engoliu em seco. - Para mim

A mulher apenas a respondeu com uma olhadela e um sorriso tímido.

Adélia nunca recebera café na cama - exceto quando estava muito doente. 

A forma como os pratos estavam perfeitamente organizados e luxuosamente cheios a fez sentir uma súbita náusea ao lembrar que aquilo vinha, de uma forma ou de outra, de Adam. 

Ela lembrou-se vagamente das respostas vazias e cínicas que ele a dava quando Adélia perguntava para onde ele a levaria. Certamente aquele era o lugar

Curiosamente, Adélia encarou o ambiente onde estava. 

Era um quarto enorme - tão grande quanto o apartamento onde morava. Os móveis eram todos de um marrom-avermelhado, e as paredes eram todas cobertas por um papel de parede estampado com linhas curvas e escuras. Tudo era escuro naquele quarto - as paredes eram vermelhas e escuras, os móveis escuros e até mesmo seus lençóis eram escuros. Tudo variava de vermelho-vinho ao roxo, menos as cortinas da janela, que eram vermelhas como sangue, o que despertou nela um tremor. 

Ela pegou a xícara fumegante de café entre os dedos e bebericou; até mesmo o gosto meio-amargo do líquido a fazia se lembrar de Adam. Aquilo fez uma faísca despertar dentro dela. Quando um trovão titubeou pelo céu, ela quase derrubou o liquido quente sobre si mesma.

Adélia afastou a bandeja cuidadosamente e levantou-se da cama, caminhando até as enormes janelas que davam do chão até o teto.

O céu do lado de fora estava nublado, e o vento que balançava as árvores indicava que estava frio. Adélia deslizou seus dedos pela tranca das enormes janelas e abriu uma delas, estremecendo quando o vento frio golpeou seu rosto. 

Sem se incomodar com os respingos de chuva que começavam a cair, Adélia caminhou pela enorme sacada arredondada. 

O lugar não ficava tão alto como ela esperava, mas era difícil saber em que andar estava. Abaixo dela, havia trilhas de flores, mas que, em sua maioria, estavam fechadas ou murchas. Mas as que resistiram à chuva forte e gelada foram o suficiente para despertar um sorriso triste em Adélia. 

O jardim não era tão extenso como o que Adélia sonhara em ter, mas muito além dele havia árvores que Adélia não conhecia, formando algo próximo a uma floresta – que começava por trás de um enorme cercamento de ferro, assim como uma prisão. Ao longe, ela conseguia enxergar uma linha azulada e ouvir o barulho de ondas - ou pelo menos ela achava que fossem ondas. Era difícil distinguir graças ao barulho da chuva que começava a cair com mais força e alguns trovões que voltavam a ricochetear o céu. 

Senhorita? - Adélia sentira um puxão forte em seu braço arrastá-la para dentro do quarto. Assim que entrou, a mulher cobriu os ombros de Adélia com uma toalha branca e macia, enquanto se afastava a passos largos. - Não pode ficar do lado de fora quando o tempo está assim. É perigoso. Não sabe disso?

Adélia se sentiu como uma criança. Ser censurada não era algo que ela admirava muito; principalmente por alguém desconhecido.

—Quem é você? – Ela afastou a toalha de seus ombros e caminhou até onde a mulher estava.

Ao passar pela porta, Adélia não pôde conter um suspiro de surpresa ao dar de cara com o maior banheiro que já vira em sua vida. Apesar de não ser tão decorado como o quarto, aquele cômodo ainda era o banheiro mais luxuoso que Adélia já pisara os pés.

Não tinha janelas que iam do chão ao teto, mas ainda eram maiores do que as do seu antigo apartamento. Diferentemente do quarto, aquele banheiro tinha cores suaves nas paredes, e os móveis que tomavam o lugar eram todos brancos.

Adélia se aproximou da enorme banheira branca e observou atentamente o desenho do que parecia ser flores perdendo suas pétalas entalhadas no fundo. Ela nunca vira uma banheira antes – muito menos uma tão bonita como aquela. O desenho daquelas flores ao fundo tirava toda a sua simplicidade.

Ela sentou-se na beirada da banheira, enquanto aproximava-se o suficiente para tocar os desenhos ao fundo. Ela estava traçando as linhas e contornos das flores quando a mulher que a acompanhava a interrompeu.

A mulher era quase do mesmo tamanho que Adélia – uns poucos centímetros menor. Era magra e tinha uma pele muito pálida, o que contrastava com seus cabelos negros e olhos grandes esverdeados. Por um tempo, Adélia ficou observando-a andar por todo o banheiro com toalhas e frascos nas mãos; a mulher não parecia ser mais velha do que sua mãe. Adélia até poderia deduzir que ela tinha aproximadamente a idade de Suzane – senão mais nova. Era difícil dizer, pois quando a observava de costas, parecia mais velha ou só cansada, mas quando olhava para seu rosto, parecia mais jovem – e não menos cansada.

—Você trabalha para Adam, não é? – Adélia teve receio de parecer enxerida quando a mulher a encarou. Por um momento, ela pensou que a mulher não fosse responder nada, mas então abaixou a cabeça e murmurou.

—Sim.

Adélia sentiu pena dela.

—Por quê? – Adélia não conseguia imaginar um motivo que levara alguém tão jovem e bonita como aquela mulher a trabalhar ali.

A mulher franziu as sobrancelhas e piscou várias vezes, como se a pergunta de Adélia a tivesse deixado confusa.

—Me desculpe – Adélia começou, sentindo-se estúpida. – Não é da minha conta...

— Pelo meu filho. – A mulher respondeu, encolhendo os ombros. – Trabalho aqui por ele.

Adélia assentiu, sentindo suas bochechas arderem de vergonha. Mas aquela pequena confissão fez algo próximo a compreensão despertar nela. Talvez ela odiasse tanto quanto Adélia estar ali, mas precisava fazer aquilo por alguém que amava.

Adélia sentiu um sorriso fino brotar em seus lábios.

—Também não gosto de estar aqui – ela confessou, esperando que a mulher concordasse com ela; pelo contrário. A moça voltou a andar pelo cômodo como se estivesse muito atarefada, ignorando completamente a petulância de Adélia.  

Adélia encarou seu colo, envergonhada.

Ela observou a mulher colocar uma pilha de toalhas ao lado da banheira – no que parecia ser uma cômoda – e derramar liquidos coloridos dentro dela.

—Qual o seu nome? – Adélia perguntou, enquanto afastava-se para que a mulher ligasse as torneiras douradas que espicharam água morna em Adélia.

—Me chamo Jeniffer, senhorita – ela disse, virando-se para Adélia. – O seu banho está quase pr0nto. Deseja terminar o seu café enquanto isso?

Adélia sentira uma ponta de impaciência na voz de Jeniffer enquanto a esperava se decidir, o que fez ela negar rapidamente sua proposta.  

Jeniffer assentiu e se retirou, deixando-a sozinha.

Adélia virou-se para o enorme espelho que refletia sua imagem posto atrás de si. Não estava próxima o suficiente para poder encarar as bolsas pesadas ao redor dos olhos, que se formaram de tanto chorar aquela e todas as noites desde que se lembrava. Ela fazia um esforço enorme para tentar capturar uma imagem sequer de qualquer momento antes de tudo aquilo acontecer, mas todas as imagens que lhe viam à mente apareciam como borrões.

Ela tentava se lembrar de sua vida moldada pelas mentiras de seus pais, mas esta parte sua parecia ter desaparecido há décadas atrás, e não há quase dois dias.

Enquanto desviava sua atenção do espelho, Adélia lançou um olhar para todo o cenário onde estava. Ela encarou a banheira que outrora achara incrível e desligou as torneiras ricamente entalhadas ali, depois caminhou até o quarto.

Agora com a janela aberta, o lugar não parecia tão sombrio como Adélia pensara, embora ainda estivesse frio e estranhamente vazio – mesmo com Jeniffer sacudindo os lençóis de sua cama, distraída enquanto murmurava uma canção.

Adélia não quis interrompê-la, embora preferisse mil vezes arrumar sua própria cama.

Um tanto desconsertada, Adélia voltou para o banheiro fechou a porta – só para garantir que estaria em um momento privado – e se despiu, entrando na banheira.

**

Depois de trocar de posição pela milionésima vez, Adélia resolvera deitar-se na cama, enquanto afastava o livro grosso e velho de si.

Estava quase morrendo de tédio e tristeza ao meio-dia, e depois de várias tentativas frustradas de conversar com Jeniffer falharem, ela resolvera ler um dos livros que havia sobre uma mesinha rodeada por duas poltronas próximas às janelas.  O livro que escolhera – grande, de capa verde e velha – era tão chato quanto o silêncio que emanava pelo ambiente. Ela até tentara desfrutar de seu almoço, mas depois de algumas garfadas, se lembrara da comida da mãe e dos momentos que passaram juntas na cozinha, inventando receitas. Aquilo a encheu de uma tristeza tão grande que Adélia pensou que ia se engasgar com a bile que subia por sua garganta; mas lembrou-se de que teria de ser forte e, por incrível que pareça, não chorou.

Naquele momento, estava sozinha no quarto. Jeniffer havia desaparecido sorrateiramente enquanto Adélia lia o dicionário chato de francês – o que a fazia se lembrar das aulas que tivera no Instituto Florence. Ela não era tão boa no espanhol como era no francês, embora sempre quisesse aprender tal língua. E como seus pais a haviam inscrito no curso de francês, ela não teve outra opção se não aprender a gostar da língua.

Ela soltou um suspiro e fechou os olhos. Toda vez que ficava quieta, o silêncio a fazia se lembrar de casa e, como queria ser forte, Adélia tentava ao máximo evitar ficar quieta. Mas as opções de distrações mais próximas que tinha não haviam feito nada para fazê-la se sentir melhor. Estava mais chateada do que antes.

Mesmo quando estava em casa com seus pais, sem nada para fazer, ela não sentia tanto tédio e tristeza quanto sentia agora.

Pensar naquilo a fez querer chorar outra vez, mas ela lutou contra a bile que a sufocava de novo.

Tenho de ser forte— repetira para si mesma até sentir seus olhos pararem de arder por causa das lágrimas. Aquela era a sua casa agora, e ela sabia disso; mas aceitar era mais difícil do que segurar as lágrimas.

Alguns segundos mais tarde, Adélia sentiu-se exausta de ficar deitada na cama o dia todo, esperando que um milagre ou qualquer outra coisa a tirasse daquele lugar.

Da última vez em que passara por aquele corredor longo e escuro, Adélia estava apagada. Mal se lembrava de como havia chegado ali. Mas tampouco se importava em saber.

Mas naquele dia em especial, ela resolvera abandonar quarto e explorar o que pudesse daquele lugar sombrio. O corredor tinha paredes cinza e desbotadas em alguns lugares. Não havia mais nada ali, exceto três janelas enormes que iam do teto até o chão, cobertas pelo o que parecia ser uma grossa camada de papelão que mal bloqueava a luz por causa de alguns rasgos, e três portas fechadas. Adélia fechou a porta atrás de si silenciosamente e, receosa, caminhou até a primeira porta.

Depois de sacudi-la, ela desistira da primeira porta e partira para a segunda; esta estava destrancada, mas ao adentrar no cômodo ela não se surpreendera ao não encontrar nada ali dentro – exceto uma janela coberta por finas e sujas cortinas. Curiosamente, ela caminhou até a janela, quase escorregando com os pés descalços sobre a poeira do chão. A janela tinha a mesma varanda arredondada de seu quarto, e no mesmo lugar. Ela lutou contra a fechadura, mas estava trancada – ou enferrujada. Não fazia diferença; não poderia ir até lá fora por causa da chuva.

Ela saiu daquele cômodo vazio e escuro e caminhou lentamente até o terceiro quarto, com um pouco mais de coragem do que antes. Aquela porta abrira facilmente, o que fez Adélia hesitar.

A fechadura não estava trancada como a da primeira porta, ou emperrada como a da segunda; estava sendo aberta facilmente. Mas, por mais estranho que aquilo parecesse, ela entrou.

O lugar não estava vazio; pelo contrário. Estava amarrotado com coisas cobertas com plástico transparente e lençóis brancos. Ela caminhou até a janela – que não tinha uma cortina nenhuma – e decidiu abri-la. Um arrepio percorreu o corpo de Adélia quando um vento frio e alguns respingos de chuva tocaram sua pele, mas ela sorriu. Ela nunca brincara na chuva, nem mesmo quando era criança. Mas sentir um pouco de ar fresco e chuva naquele lugar quase a fez chorar.

Adélia deu um passou para frente, pronta para ir direto para debaixo da chuva, quando um barulho oco a fez saltar de susto.

Ela imediatamente recuou, sentindo seu coração martelar dentro de seu peito como nunca.

—Tem alguém... – ela engolira em seco; pensava que estava sozinha. Não saberia como reagir se alguém a pegasse ali. – Tem alguém ?

Depois de um tempo sem ouvir mais nada, Adélia relaxou, dando-se conta do quanto suas pernas tremiam de nervoso. Distraidamente, ela tocou com as pontas dos dedos um objeto que se parecia com uma mesa – o maior da sala. Estava coberto com um lençol branco, que Adélia logo resolvera puxar.

Era um piano, marrom e brilhante. Ela nunca vira nada igual – mesmo no Instituto Florence, onde tivera aulas de música. Ela nunca sequer sonhara com um piano. Gostava do som que ele ecoava e das músicas que sua professora tocava, mas nunca se interessara em aprender. Adélia sabia tocar um pouco, mas não o suficiente para impressionar-se ou impressionar alguém.

Relutantemente, ela se colocou em frente a ele, não sem antes de lançar um olhar desconfiado para a porta que deixara entreaberta.

Adélia fechou os olhos e mordeu os lábios, deixando que seus dedos viajassem pelas teclas. Primeiro, ela tocou cada uma com a ponta de seu indicador, e depois tentou lembrar-se das notas que sua professora ensinara. Mas não conseguia se concentrar o suficiente para deixar que a única música desabrochasse dentro de si. Estava chateada demais, ou magoada; não sabia ao certo o que sentia. Mesmo que tivesse sentindo-se bem naquele momento, Adélia sabia que havia apenas uma linha segurando-a para não cair em prantos. E, quando essa linha se rompesse, ela certamente ira chorar até sua cabeça doer, ou até dormir. Não importava; ela choraria até perder a consciência, por mais forte que tentasse ser.

Frustrada, Adélia caminhou até outro ponto no quarto. O objeto estava perto da janela, coberto por um lençol menor. Estava escondido, mas não o suficiente para fugir da curiosidade dela. O objeto tinha o formato de um vaso de flores e, quando Adélia o pegou, surpreendeu-se com sua leveza. Parecia ser feito de barro, pintado de branco e trabalhado em detalhes florais. Não era tão grande ao ponto de ela não conseguir mantê-los nos braços por muito tempo.

Segurando em suas bordas, ela aproximou o objeto do rosto, para analisar melhor os entalhes pintados de azul. Adélia não entendia muito de arte, mas poderia dizer com segurança que aquele jarro de flor era muito bonito e que certamente chamaria atenção em qualquer lugar que estivesse. Distraidamente, ela desenhou com as pontas dos dedos cada detalhe ao alcance de sua visão, deliciando-se com as ondulações dos desenhos.

Mas, subitamente, um barulho mais alto a assustou, fazendo-a soltar um arquejo. O vaso escapou-lhe dos dedos e se espatifou no chão.

Ela cobriu a boca com as mãos, para conter outro arquejo de surpresa. O barulho de barro se espatifando se estendeu por todo o cômodo, tão alto que Adélia poderia deduzir que metade da população mundial o ouvira. Seu coração estava tão disparado que ela teve de pôr uma mão trêmula sobre seu peito, para contê-lo.

Ela lançou um olhar para a porta, que balançava graças ao vento forte que vinha da janela aberta. Certamente o que ouvira antes fora o barulho do vento batendo em alguma coisa; estava tão paranóica que começara a imaginar coisas. Mas como poderia ter certeza? De tão enorme e sombrio que aquele lugar parecia, Adélia podia esperar que qualquer coisa estranha acontecesse ali.

Seu olhar viajou outra vez para o barro espalhado pelo chão de mármore. Havia algo grave li. Muito grave. Ela não sabia a quem exatamente aquele objeto pertencia; aquele vaso não parecia ser o tipo de Adam. Mas aquilo não importava naquele momento.

Ela havia quebrado um objeto que sequer sabia a quem pertencia, em um cômodo onde provavelmente não deveria estar.

Sentindo um misto de pânico se misturar a sua exasperação, Adélia começou a pensar em possibilidades de esconder aquilo. Talvez devesse sair vagarosamente e fingir que nada daquilo acontecera; ou,o mais responsavelmente possível, ir procurar Jeniffer e assumir sua culpa. Talvez ela soubesse o que fazer. Por uma fração de tempo, ela distraíra-se com os próprios pensamentos, enquanto reunia os pedaços inteiros do vaso antes bonito.

—O que a senhorita está fazendo aqui?

Adélia sentiu um gelo em sua espinha quando aquela voz masculina entoara por todo o cômodo, pegando-a completamente desprevenida. Ela estava abaixada, ainda recolhendo os restos do vaso, quando passos do dono da voz se aproximaram dela.

Adélia nunca fora de rezar, mas naquele momento tudo o que ela pôde fazer foi fechar os olhos com força e pedir que algum ser supremo viesse a seu apoio.

—Mocinha, estou falando com você – ele falou outra vez, mais perto dela. – O que está fazendo aqui?

Relutantemente, Adélia abriu os olhos e levantou-se, dando de cara com um homem de meia-idade parado em sua frente, encarando-a com um olhar desconfiado. Era difícil dizer o que sua expressão impassível significava.

Adélia apertou os pedaços de barros contra o peito, dando-se conta só naquele momento que ainda estava com eles nas mãos. O homem lançou um olhar franzido para sua camisa branca que acabara de ficar suja, desviando-o em seguida para os pedaços que Adélia jogara a seus pés.

Nenhum dos dois parecia saber o que dizer naquele momento. Adélia estava tremendo, enquanto o homem permanecia impassível.

Fique calma— ela repetira para si mesma várias vezes, mas seu coração continuava disparado em seu peito, ignorando-a completamente. Fique cala, fique calma...

—E-eu... – ela começara, sem saber direito o que responder.  – Eu s-sinto muito. Quero dizer, eu só estava... Anh... – Ela estava prestes a chorar. – Só estava andando por aí...

—Não deveria estar aqui – o homem disse, severamente. – Diga-me, por que está aqui?

—Eu só...hum... estava curiosa para...

Para o quê? – Ele insistiu, lançando-a um olhar desconfiado. – Para vir quebrar um vaso?

—O quê?! – A voz de Adélia soou mais aguda do que ela pretendia. – Não! Eu só estava curiosa... Eu só, hum... Queria andar por aí. – Quando o homem ergueu as sobrancelhas para ela, Adélia se apressou em completar: - Eu só me assustei, não quis quebrar o vaso!

—Mas não deveria estar aqui – ele insistiu.

—Eu não sabia! Sinto muito – ela retrucara, sentindo-se irritada. A verdade era que, de alguma forma, ela sabia que não deveria estar ali; mas incriminar a si mesma parecia ser uma atitude pouco convencional naquele momento.

Ansiosamente, ela deu um passo para frente, pronta para ir embora. Mas antes de passar pela porta, ela se deteu ao ouvir seu nome sendo soado de uma maneira estranhamente familiar.

—Adélia – o homem a chamou e, inevitavelmente, Adélia parou e se virou vagarosamente para encará-lo. – Não ande por aí...

Adélia assentiu e correu para seu quarto, jogando-se na cama enquanto uma falsa sensação de alívio por estar ali a preenchia.

***

Rafael brincava com um pedaço delicado de barro entre os dedos, enquanto Fordy tomava mais um gole de seu chá de cheiro estranho.

Aquela tarde parecia ser nova para Rafael, como se alguma coisa nova houvesse sido adicionada ali, chamando sua atenção a todo o momento.

—Imagino que seu pai não deva saber disso – Fordy comentou, tentando chamar a atenção de Rafael. – Era um dos vasos preferidos dele, sabe-se lá por quê.

—Não ligo para o que meu pai pensará, Fordy.

Rafael livrou-se do pedaço restante do vaso e limpou as mãos em um lenço; não estava nem aí se era o preferido do seu pai ou o inferno que aquilo lhe causaria se Adam realmente se importasse. Estava mais preocupado com outros detalhes.

—Sabe, talvez devêssemos deixá-la se adaptar primeiro – Fordy disse, dessa vez atraindo toda a atenção de Rafael para si. – Ela me pareceu muito assustada ao me ver...

Rafael não pôde deixar que um riso escapasse de sua garganta.

Imagine se ela me visse...

— Talvez ela só precise de um tempo – Fordy continuou, ignorando completamente a reação dele. – Tenho certeza de que suas criadas a ajudarão a lidar com a situação.

Rafael, que antes tinha seu olhar direcionado para a paisagem vazia e cinza através de sua janela, desviou seu olhar para Fordy, semicerrando os olhos.

—Ajudá-la a lidar com isso? – Duvidou, apontando para o próprio rosto medonho. – Fordy, você mais do que ninguém sabe como é impossível lidar com isso. Nem mesmo meu pai consegue lidar com isso.

—Me refiro à situação, senhor, e não a você – Fordy retrucou, com um meio sorriso.

—Não faz diferença – respondeu, entredentes.

Fordy riu e bebericou de novo seu chá. Rafael o achou estranhamente contente depois de voltar de seu encontro com a garota; fazia quase dois anos que não o via assim. Era estranho, por um lado. Mas pelo outro, ele também queria se sentir contente daquele jeito.

Mas a felicidade era o único luxo que Rafael não recebia. E do qual não fazia questão receber.

Ele encarou sua xícara cheia e seus biscoitos intocados, sentindo-se nauseado demais para eles.

Talvez não tenha sido uma boa ideia mandar que Fordy fosse visitá-la naquele dia. Rafael sabia que fazia poucas horas desde que ela chegara. Mas, bem profundamente, ele tinha uma curiosidade imensurável de saber como ela era. Involuntariamente, seus olhos caíram sobre a foto que Fordy havia feito questão de deixar entre eles na mesinha de centro.

—O senhor sabe que deveria ter ido no meu lugar, não é? – Fordy disse, repousando sua xícara sobre a mesinha.  Estava claro no olhar do garoto que, de uma forma ou de outra, ele sabia daquilo.

—Não seja estúpido,Fordy. – Ele retrucou e, por mais firme que tentasse soar, Fordy sabia que Rafael jamais seria como o pai – pois ele mesmo havia garantido que aquilo não aconteceria. Mas, o que o denunciara naquele momento foi o tom magoado em sua voz.

—Não estou sendo, garoto – ele disse, deliciando-se com aquele momento de incerteza dele. – O senhor sabe, eu sei que sim. Bom, talvez deva chamá-la para jantar, sim? Isso não seria ruim...

—Ah, Fordy! – Rafael levantara-se tão de repente que quase tropeçara na mesinha de centro. – Eu disse para não ser estúpido.

—Isto é uma ordem, senhor? – Fordy o encarou enquanto terminava seu chá, inabalável pela reação dele.

—Sim, é uma ordem. E não se atreva a desobedecê-la!

Rafael caminhou até a janela e apoiou-se nela, sentindo seu peito inflar.

Odiava quando Fordy o fazia se sentir estúpido. Mas, naquele momento, aquilo o magoara de certa forma. Ele sabia que não era a intenção do velho, mas ainda assim... O fato de Fordy ter esperanças por ele deixava Rafael profundamente despido. A forma estranha que Fordy tinha de ter esperanças por ele fazia com que o próprio Rafael sentisse uma fagulha da mesma em si.

Mas ele não podia simplesmente se dar ao luxo de acreditar naquilo. Fordy era velho; podia ter vários anos de vida e, dentro de cada um deles, poderia ter vivido de forma diferente. Mas era diferente para Rafael. Ele só conhecia uma forma de viver.

Para ele, não havia a chance de errar e consertar o erro – como Fordy um dia lhe ensinara.

É errando que se aprende, garoto. E todo mundo erra.

Ele lembrava-se vagamente de cada lição de moral que Fordy lhe ensinara, mas aquela em particular nunca poderia ser praticada por Rafael; nunca mais.

—Fordy? Lembra-se quando me disse que nós aprendemos com os nossos erros? – Perguntou, encarando-o.

Fordy pensou por um momento, assentindo em seguida.

—O que acha disso? – Fordy perguntou, dando-se conta que, nem que fosse por uma fraçãozinha, ele poderia estar considerando suas ideias.

—Eu vou seguir o seu conselho. – Rafael anunciara, para a surpresa de Fordy.

O velho não pode evitar que a pespectativa tomasse conta de si, enquanto Rafael pensava. Ele lembrava-se da última vez. Lembrava-se claramente do quanto o sofrimento do pobre garoto havia se tornado palpável naquele momento. Tudo parecia assustador até para um velho como ele; imagine para um jovem garoto.

Desde aquele dia, Fordy temeu que ele nunca mais fosse voltar ao que era antes. Temeu por ele e por seu maldito pai, que sempre parecia indiferente ao filho, que não tinha culpa nenhum de seus erros. Mas Fordy também sempre soube que Rafael era diferente – e não por causa de sua maldição ou do estrago que ela lhe causou. Era algo dentro de si que o tornava diferente.

—É? Como pretende fazer isso? – O velho perguntou, erguendo-se do sofá para ouvir melhor o que ele tinha para lhe dizer.

—Meu erro foi ser a maldição dela, lembra-se Fordy? – Fordy franzira a sobrancelha ao ouvir aquilo.

—Não me lembro disso, senhor.

Rafael soltou um riso seco e enfiou as mãos nos bolsos. Odiava decepcioná-lo, mas às vezes é necessário decepcionar as pessoas que amamos quando queremos o bem delas.

—Não vou cometer o mesmo. – Ele dissera, firmemente. – Não posso ser a maldição de outra pessoa, Fordy. Eu não quero isso para mim e nem para ela. Ninguém merece isso!

—Desculpe, senhor, estou confuso. O que quer dizer com isso? – Fordy soou mais sério do que pretendia, e um tanto mais magoado.

—Eu quero que ela vá embora,Fordy. O mais brevemente possível.


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Notas finais do capítulo

Antes de tudo, tenho um aviso importante para dar (e particularmente triste).
Eu sei que tenho demorado muito para postar, e eu realmente odeio isso, por que adoro vocês lendo minha história ❤ mas é que, com o inicio das aulas, meu tempo se resumiu aos estudos, as atividades de casa, os trabalhos,etc.; e eu não tenho mais um vida social (que se resumia em escrever todos os dias para vocês rsrs). Meu tempo agora para curtir se resume naquelas poucas horas que tenho depois de estudar para uma prova e fazer um trabalho/atividade acadêmica, ou seja, aquele breve tempinho entre a madrugada e a hora em que acordo kkkk (meu pobre soninho :/ ).
Resumidamente, peço mil desculpas para vocês, de coração ❤ estou fazendo um esforço para escrever e postar o mais rapidamente possível!

Enfim, queria agradecer a todos os comentários motivadores (e que me fazem chorar de emoção) que tenho recebido aqui, mesmo sem estar postando. Sério, vocês são melhores que chocolate ❤❤❤❤❤❤



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