O Máscara escrita por MileFer


Capítulo 7
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Notas iniciais do capítulo

Oin.......... ♥

Não preciso nem dizer que esse demorou, não é? rsrs Esse é um dos capítulos mais importantes para mim, então se eu pudesse marcar com uma estrelinha aqui eu marcaria com mil - sério, ele é importantíssimo, e eu espero que seja para vocês também.
Enfim, desculpe pela demora ♥ e boa leitura!

OBS: Se vocês quiserem, eu recomendo que leiam esse capítulo ao som da musica da Gabrielle Aplin, que se chama Home (por isso o título do capítulo) que eu acho que vai ficar muito legal de ler.



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Assim que saiu do prédio onde morava, Adélia hesitou. Um vento forte soprava seu rosto, fazendo-a se perguntar se deveria trocar sua jaqueta jeans por algo mais pesado e confortável – como um moletom ou qualquer coisa que tivesse em seu guarda-roupa.

O dia estava no seu fim, e o céu ficava cada vez mais escuro; mas nada daquilo impediu que Adélia fugisse de casa – por pelo menos algum tempo. Ela não queria exatamente fugir; somente andar pelo Brooklyn, ir aos mesmos pontos que seus pais costumavam levá-la nas férias – que se resumiam apenas em parquinhos, museus, lanchonetes e etc – embora ela soubesse que não conseguiria ver tudo naquele dia. Ou talvez nunca mais.

Adélia avaliava cada prédio com atenção redobrada. Ela olhava cada fachada e cada cor que estivesse ao seu alcance. Até mesmo os restos de lixo entre os prédios lhe davam nostalgia.  

Ela não queria ir embora. Não queria ir para lugar mais nenhum.

Thiago não lhe explicara quase nada a respeito da partida de Adélia; apenas disse que eles não iriam ficar mais juntos, pois ela teria que partir. Ela não sabia para onde; nem mesmo poderia deduzir. Mas, fosse para onde fosse, o lugar já lhe dava calafrios.

Qualquer lugar em que ela fosse obrigada a ir com pessoas desconhecidas e longe de seus pais lhe dava calafrios – exceto, é claro, o Instituto Florence. O Instituto Florence era seu segundo lar, e lá os rostos já lhe eram tão conhecidos que Adélia mal tinha tempo para temer suas companhias. Afinal, eram todas meninas e algumas Madrinhas velhas. O que poderia ser tão ameaçador quanto o que ela teria de enfrentar?

Apesar de passar pouco tempo ali, Brooklyn havia se transformado em sua casa também. Os sons de carros buzinando, crianças brincando em sua rua e pessoas discutindo havia se tornado parte da história dela. Adélia crescera ali; como poderia deixar tudo para trás tão de repente?

Quando uma brisa fria soprou-lhe o rosto, ela abraçou a si mesma e fechou os olhos, inspirando o cheiro que ela lhe trouxe – era um misto de tempero no fogo com o cheiro que os carros deixavam para trás quando davam partida, lixo e algo mais.  Quando Adélia olhou para trás, ela sentiu seu peito se apertar. Estava se afastando demais de casa.

Um misto de culpa a fez parar e hesitar no meio do caminho. Quando resolvera sair e clarear os pensamentos, Adélia não avisara seus pais. Eles não estavam na sala e, quando ela voltou para seu quarto para trocar seus shorts por um par de calças jeans, ela encontrou a porta do quarto deles fechada. Adélia logo deduzira que eles estivessem descansando, e não quis perturbá-los – mesmo para avisar que iria sair de casa.

Eles iriam ficar preocupados, mas se Adélia lhes explicasse que precisava daquilo, certamente eles iriam perdoá-la. E ela também não planejava ficar muito tempo fora; apenas o suficiente para respirar um pouco e liberar seus pensamentos.

Ela soltou um suspiro. Deveria estar em casa, pensando em casa. E não vagando pelas ruas do Brooklyn, sozinha e ao anoitecer. Mas só de imaginar-se presa dentro de seu quarto, Adélia sentia-se sufocada demais para pensar com clareza. Depois de lançar mais um olhar de hesitação em direção a rua que a levaria de volta para sua casa, ela suspirou exasperada e continuou a andar, determinada.

 Estava cansada de ter todo aquele controle sobre ela. Não eram apenas seus pais; agora tinha Adam também. A imagem daqueles relatórios sobre sua vida fez uma irritação percorrer os nervos de Adélia como um arrepio em sua pele. Ela acelerou os passos, ao passo que todos os pensamentos que a fizeram sair de casa voltava em peso.

Por que eu?

Não lhe parecia justo ser a escolhida; muito menos não saber que estava em uma espécie de seleção. Não era justo que nada daquilo estivesse acontecendo com sua família. Ela simplesmente não conseguia acreditar que não havia um jeito de fugir daquilo.

 Aquilo fez Adélia hesitar novamente.

De repente, foi invadida por uma sensação de liberdade e ousadia. Ela poderia simplesmente fugir.

Estava livre naquele momento para ir aonde bem quisesse. Poderia ir ao parque e sentar-se em um dos bancos, ou poderia pegar um ônibus e ir para o outro lado da cidade - onde ninguém saberia quem ela era. Poderia escolher não voltar para casa, mas então imaginou seus pais procurando-a por toda a cidade, desesperados. Um sentimento de culpa a invadiu; não deveria estar pensando naquelas coisas.

Por mais desesperada que estivesse para fugir de tudo aquilo - da verdade, de Adam e da maldição - Adélia não poderia se dar ao luxo de seguir o que suas emoções lhe mandavam fazer. Primeiro que não sobreviveria um dia sozinha em Nova York; segundo que não queria abandonar seus pais.

"Nós tentamos fugir disso, Adélia. Eu juro. Mas não podemos" seu pai lhe dissera "Adam nos mataria se fugíssemos. E Deus sabe lá o que ele faria com você..."

Adélia sentiu seu coração acelerar de medo. Parte dela queria acreditar que Adam não iria tão longe - isto é, matar pessoas. Mas a outra parte dela tremia ao imaginar do que Adam era realmente capaz. Seus pais lhe disseram que ele era um monstro; perigoso e inteligente demais. Afinal, ele havia acabado com a vida de seus pais. Tinha feito os pais deles serem mortos, e agora...Adélia fora escolhida por ele para quebrar uma maldição por ele.

Adélia sorriu para a calçada abaixo de seus pais, sentindo graça de toda aquela história. Mas então a imagem do rosto molhado de lágrimas de seu pai invadiu sua mente, e ela sentiu sua garganta apertar. Antes mesmo que se desse conta, ela já estava soluçando.

Soluçava com tanta força que teve de encostar-se à parede de um prédio, sem se importar se se sujaria ou com as pessoas que passavam e lançavam para ela olhares curiosos.

Como poderia fugir daquilo? Fora criada a vida toda para aquilo... E nem sabia!

—Ei, você está bem? - Adélia pulara de susto quando sentiu uma mão quente apertar seu ombro.

Rapidamente, ela tratou-se de se recompor. Enxugou o rosto e virou-se para a figura que a encarava:

—Estou sim. – Respondeu, fungando. Uma mulher alta e morena franziu a testa para ela, confusa.

É óbvio que não— ela deve ter pensando.

—Tem certeza? - Perguntou, apoiando uma mão enveludada no ombro tremulo de Adélia. – Me chamo Chloe. Posso te ajudar...

—Obrigada, Chloe. Mas eu estou bem.

Adélia caminhou rapidamente para a rua que a levaria de volta para casa, cruzando os braços para se proteger do vento frio que anunciava uma chuva pesada pela frente.

—Tem certeza? Você me parece perdida...

—Estou bem - Adélia respondera para a mulher que tentava acompanhar suas passadas rápidas, deixando-a para trás alguns segundos mais tarde. - Eu moro aqui. Não estou perdida.

A mulher encolheu os ombros e ficou parada, encarando Adélia se afastar.

A súbita gentileza daquela mulher para ajudá-la a comoveu.  No fundo, Adélia desejou profundamente que ela pudesse ajudá-la de verdade; queria poder desabar nela todos os seus problemas e esperar que Chloe lhe mostrasse uma solução. Ou um conselho. Qualquer coisa que a ajudasse faria uma enorme diferença para ela.

Adélia estava no último quarteirão perto de casa quando uma fina garoa começou a cair. Junto com o vendo forte, as gotas de chuva faziam a pele de Adélia se arrepiar quando tocavam seu rosto exposto e já molhado pelas lágrimas.

Relutantemente, ela subiu os degraus do prédio.

Ela esperava que, assim que entrasse em casa, seus pais ainda estivessem dormindo. Mas ao passar pela porta Adélia fora logo recebia por mãos que agarraram seus ombros e a sacudira.

—Onde você estava? - Depois que parara de ser sacudida, Adélia pôde processar o rosto de sua mãe. Não estava chorando, mas suas bochechas estavam coradas. Seu enorme moletom sacudia por volta de seus braços enquanto ela tremia.

Adélia abrira a boca para responder, mas nada saiu. Esperava que sua mãe ficasse brava com ela, mas ao encarar Suzane tudo o que Adélia viu foi tristeza.

—Eu...hum... Fui dar uma volta...

—Ah, minha querida... - Suzane passou seus braços acolchoados pelo moletom por volta do pescoço de Adélia, enquanto a pressionava com força contra seu corpo. Adélia retribuiu o abraço sem jeito, enquanto afundava o rosto no ombro da mãe.

Todo aquele sentimento que ela tentara evitar a manhã inteira voltara em peso naquele momento. Havia nostalgia no abraço da mãe, e tristeza também. O coração de Adélia afundou em seu peito, enquanto batia devagar como se estivesse cansado. Ela quis chorar, mas mordeu os lábios com força enquanto espremia os olhos para afastar as lágrimas.

Suzane se afastou da filha e acariciou seu rosto, com os olhos marejados.

Não estava pronta para dizer adeus...

—Adélia! - Uma voz masculina entoou.

Quando Adélia finalmente olhou para trás da mãe, viu um homem alto e bonito em pé ao lado de seu pai.

Adam tinha um sorriso irritante no rosto, enquanto a encarava fixamente.

A última vez que a vira fora há dois dias; ela lhe pareceu mais viva naquele dia. Sua pele estava mais bronzeada e seus cabelos muito mais bonitos. Agora parecia que a garota não dormia há décadas. Seus cabelos estavam embolados e seu rosto parecia cansado demais para uma jovem. Adam estalou os dentes, desgostoso.

 -Suponho que já saiba de tudo – ele começou, enquanto ajeitava o paletó e sentava-se na poltrona velha onde estivera. – Mandei um dos meus guardas atrás de você quando soube que fugiu.

Adélia respirou fundo. Tão fundo que sentiu seu peito doer quando se encheu de ar.

Não acreditava que estava finalmente cara a cara com aquele monstro.  Durante a noite ela imaginou como seria se o reencontrasse. Pensou que gritaria com ele; que explodiria de raiva. Mas agora que estava ali, no mesmo ambiente que ele, Adélia simplesmente não conseguia reagir. Tudo o que fez foi se aproximar de Adam e Thiago.

—Eu não fugi – respondeu, cruzando os braços para se proteger.  Toda a raiva que sentira um momento atrás se transformara em um bolo seco em seu estômago. Estava enjoada só de olhar para Adam e sua postura arrogante.

—Ah, assim é melhor – ele respondeu, com um sorriso.

Fez-se um momento de silêncio. Nem Thiago nem Suzane tinham alguma coisa para dizer. Sabiam que não adiantava mais implorar – não tinham mais nada para oferecer a Adam. Já lhe tinham dado tudo: tanto suas vidas como a da própria filha. E agora eles só podiam observar em silêncio enquanto Adélia partia.

—Imagino que todos os nossos assuntos já tenham sido tratados...

—Para onde pretende me levar? – Adélia surpreendeu-se com sua própria coragem. Tinha várias perguntas para fazer, e agora tinha finalmente alguém que poderia respondê-las. Ela sentiu um medo súbito quando Adam abriu a boca para respondê-la.

— Um lugar especial – respondera, olhando-a de cima abaixo.

Adélia franziu a testa, irritada. Quando Adam esboçou um sorriso, ela percebera que ele estava jogando com ela.

—Por que não me conta a verdade? – Retrucou. Adam apenas ergueu uma sobrancelha em resposta.

A primeira impressão que tivera dela havia se esvaído totalmente naquele momento. Quando a cumprimentara em sua calçada, Adélia lhe pareceu ser o tipo de garota tímida e quieta – até frágil. Imaginou que era tudo o que lhe fora prometido. Mas ao vê-la ali, com aquela postura desafiadora fazendo perguntas inconvenientes a ele o deixara com uma fagulha de irritação.  O Instituto Florence o garantira que ela era a melhor de sua turma – desde as aulas de etiquetas até as que ele pouco se interessava em saber. Ele jamais exigiria nada menos que uma garota educada para cumprir o Acordo; e, segundo as Madrinhas contratadas por Adam para cumprir suas ordens, Adélia era educada, simpática e inteligente – e até bonita para as Madrinhas. Embora não fosse sua preferida inicialmente, Adam a escolheu. Mas agora diante daquela criatura petulante, Adam torceu os lábios em desaprovação.

Ela havia se tornado ainda menos favorável para ele. E era extremamente fácil para ele desgostar de pessoas – mesmo que essas sejam pessoas que ele nunca vira na vida.

—Acredito que já fora orientada adequadamente, Adélia – ele lançou um olhar de relance para Suzane e Thiago, que estavam em pé um ao lado do outro.

Ambos estavam ainda sem reação diante daquela cena. Parecia ser um dos piores pesadelos de Thiago. O clima ali estava frio e pesado, como se estivesse chovendo ali dentro. Ele queria dizer alguma coisa para Adélia; queria ir até ela e beijar o topo de sua cabeça e lhe dizer que a amava. Queria poder dizer que a ajudaria... Mas não conseguia. Ele sentia-se doente; todo o seu corpo doía, uma dor que ia muito além da dor física. Sempre que encarava Adam sentia seu sangue ferver, e toda aquela raiva já o estava deixando tonto e enjoado.

Como nenhum dos três respondera a seu comentário, Adam prosseguiu:

—Que seja – disse, levantando-se da poltrona onde estivera sentado. – Já esperei tempo demais.

Ele checou o relógio em seu pulso; o ponteiro marcava 19h15min. Já havia passado tempo demais ali para seu gosto, e a pouca paciência que tinha começara a se esgotar.

— Espere – Adélia o interditou quando Adam deu um passo à frente, em sua direção. – Eu quero saber a verdade! Quero saber tudo...

O tom de exigência em sua voz fez Adam bufar de irritação. Quem aquela garotinha insolente pensava que era para exigir alguma coisa dele? Ela sequer sabia quem ele era de verdade!

—Para onde você está me levando? – Ela deu um passo em direção a ele. Adélia tremia de nervosismo e medo; ao ver Adam levantar-se do sofá só a fizera tremer mais. Desesperadamente ela o interditou. Queria mais tempo. Precisava de mais. Não estava pronta... – Por que me escolheu? Por que eu?

—Você saberá quando chegar lá.

Adam passou por ela e caminhou até a porta e a abriu. Ele lançou a Adélia um olhar irritado e impaciente.

—Vamos – Disse, entredentes. Como Adélia sequer fez menção de se mexer, ele bufou e, tentando não perder o controle, repetiu: - Eu disse vamos. Agora.

 As lágrimas escorreram pelo rosto de Adélia naquele momento. Ela não queria acreditar que estava realmente acontecendo. Não queria acreditar que sentia tanto medo de Adam naquele momento que não ousaria retrucar diante de sua aspereza. Ela abraçou a si mesma de novo enquanto o encarava. Ele parecia mais alto e mais forte. Seus olhos cinza estavam tempestuosos como o tempo do lado de fora, e seu rosto levemente franzido o deixava mais intimidador.

Ela nunca sentira tanto medo na vida como sentia naquele momento. Ela pensou que o medo que sentira quando seus pais lhe contavam seus segredos e sobre o Acordo era o maior de sua vida. Mas com Adam ali em sua frente, intimidando-a, Adélia sentiu que aquele sim era o maior medo que já sentira, e que provavelmente sentiria durante sua vida toda. Faltava apenas um passo para que ela perdesse tudo o que tinha. Um passo para perder a vida que considerava perfeita e que construíra junto com seus pais adotivos ali naquele apartamento humilde, naquele lugar que jamais esqueceria. Faltava apenas um passo para Adélia deixar todos os seus sonhos para trás, todas as suas esperanças e expectativas.

Faltava pouco para Adélia mergulhar no abismo desconhecido que sua vida se transformaria.

—Espere – Ela disse, limpando o rosto das lágrimas. – Eu... Preciso de algo antes de... – ela engoliu em seco. – Antes de partir.

Adam semicerrou os olhos.

—Você terá tudo o que precisa lá – respondera, impaciente. Ele deu um passo na direção de Adélia, mas esta recuou com uma rapidez surpreendente.

—Não – ela disse, quanto ia em direção as escadas. Ela lançou um olhar a sua mãe, que a seguiu automaticamente pelas escadas.

Quando Thiago fez um gesto para segui-las, Suzane um interrompeu com um olhar. Confuso, ele preferiu confiar na esposa.

Adélia entrou em seu quarto como um raio. Não sabia muito bem o que procurava; mas sabia bem que tudo o que ela queria era algo que a lembrasse de casa.

Ela vasculhou suas gavetas e seu guarda-roupa, mas estavam praticamente vazios.

—Imaginei que fosse querer levar alguma coisa daqui – Suzane respondera a dúvida que ela tinha estampada no rosto. – Pus suas coisas em uma mala, Adélia. Como sempre fazia quando suas férias acabavam...

Adélia assentiu freneticamente e sentou-se na cama para tentar conter a tremedeira nas pernas.

—Eu não quero ir – confessou, encarando sua mãe. – Eu não quero ir com ele. Tenho medo dele.

—Eu sei, querida – Suzane se aproximou dela e a abraçou ao sentar-se na cama ao lado de Adélia. – Eu também tenho medo dele. E o seu pai. Mas nós somos fracos, Adélia...

—Não são! – Adélia a interrompeu. – Vocês não são fracos...

—Somos sim, querida. Mas você prefere ver só o que há de bom em nós por que nos ama – Suzane acariciou o rosto dela carinhosamente. – Essa é uma qualidade raríssima hoje em dia,Adélia.

—Isso não é verdade. Veja Adam! Não vejo nada de bom nele...

—É por que não há – sua mãe respondera. – E mesmo que ele tenha alguma coisa boa dentro de si, nós jamais descobriríamos.

Adélia comprimiu os lábios. Sua mãe sempre tivera algo a lhe dizer, e só de vez em quando Adélia guardava algo profundamente dentro de si – embora adorasse conversar com ela e receber seus conselhos. Mas tudo o que sua mãe lhe dissesse naquela hora seria guardado em seu coração.

Suzane levantou-se da cama e puxou uma caixinha branca de dentro do bolso traseiro de sua calça jeans.  Era simples e pequena, com o nome de Adélia gravado em letras caprichadas na tampa.

—Isto era da minha avó – Suzane disse, entregando-a a Adélia. – E depois da minha mãe. E depois meu.

Adélia segurou a caixinha nas mãos, sentindo o significado daquilo. Não importava o que fosse, ela jurou a si mesma que guardaria para sempre consigo.

—Agora é seu. – Suzane anunciara, sorrindo ao ver os olhos de Adélia brilhar ao ver o par de pérolas imaculadas dentro da caixa.

 -Mas estes são os brincos que ganhei no meu aniversário! – Exclamara, surpresa ao vê-los ali. Mal se lembrava do momento em que os tirara ou onde os deixara.  

Ela sempre achou que fossem brincos comuns, já que seus pais não tinham condições de lhe darem uma jóia de alto valor de mercado. Mas quando sua mãe anunciara que fora de sua avó, Adélia pôde sentir a preciosidade daquele objeto. 

—Ah, obrigada mãe... – disse, fungando. Ela levantou-se em um pulo e abraçou a mãe, que a recebeu de braços abertos. – Eu vou guardá-las pra sempre. Eu prometo!

Suzane sorriu, assentindo. Aqueles brincos tinham um grande valor para ela, e fora exatamente por isso que os dera a Adélia.

—Adélia, preciso que me prometa uma coisa – Suzane captou o olhar da filha e segurou seu rosto, enquanto respirava fundo. Adélia assentiu; faria qualquer coisa por seus pais. – Prometa que continuará vendo o melhor das pessoas. - Adélia franziu o cenho.– Essa é uma das qualidades que mais admiro em você, e eu não suportaria ver você perdê-la por causa disso tudo.

Ela não esperava aquilo.

—Mãe – começara, sentindo um misto de frustração ao ter que lhe explicar o que a incomodava naquela promessa. – E se as pessoas quiserem me machucar? Não posso ver o lado bom de todo mundo. Simplesmente não posso. Eu seria tola se...

—Adélia, isso não faz de ninguém um tolo! – Suzane dissera, soando mais exasperada do que pretendia. – Isso faz uma pessoa esperta! Você vai descobrir se me fizer essa promessa.

Adélia hesitou. Sempre levara suas promessas a sério, mas aquela promessa em especial não lhe parecia sensata.  Não poderia sair por aí na expectativa de ver sempre o lado bom das pessoas. De que forma não se magoaria ao se dar conta de que, talvez, certa pessoa não tenha um lado bom? Era impossível...

—Ainda não entendeu? – Suzane disse, sem poder conter uma risada. – Adélia, é você quem desperta o melhor das pessoas. Você sempre verá o melhor por que você desperta o melhor. Não vê a mim e ao seu pai? O que éramos antes de você?

Adélia sentiu seus olhos arderem. Nunca se imaginara como a pessoa que sua mãe descrevia. Ela nunca imaginaria que tinha tanto impacto na vida deles como eles tiveram na vida dela. Ela sempre preferia se descrever como uma garota simples e fácil de conversar, e não bondosa carinhosa e que desperta o melhor das pessoas. Se fosse outra pessoa lhe dizendo aquilo, Adélia teria negado na mesma hora. Mas sempre acreditara na mãe, e estava emocionada demais para respondê-la no momento. Tudo o que pôde fazer foi abraçá-la mais uma vez.

Quando Adélia chegou ao último degrau da escada, fora logo para o encontro do abraço de seu pai. Ela enterrou o rosto no peito arfante dele, que ignorou a pontada de dor nas costas para receber a filha em seus braços.

Ele beijou o topo de sua cabeça, mas preferiu não dizer nada. Sabia que sua voz sairia embargada se tentasse dizer o que queria. Mas, ao olhar nos olhos de Adélia, ele compreendeu que ela também sentia o mesmo por ele, e aquilo fora o suficiente para arranca-lhe algumas lágrimas.

Sua conexão com Adélia era muito mais que especial. Não era algo que precisava ser construído ou planejado durante um tempo. Era algo dimensional. Quase natural. Mas, acima de tudo, repleto de amor paterno.

Adélia se afastou de seus pais e encarou o ambiente ao seu redor. A sua casa...

Ela segurou o livro que sua mãe lhe dera junto ao peito, e sentiu-se satisfeita com o peso-leve das pérolas em suas orelhas. Aqueles objetos eram tudo o que ela tinha quando partisse. Eram agora um pedaço de sua casa que levaria consigo até o fim.

Ao encarar Adam, ela ainda sentiu medo. O medo que fazia seu coração bater com tanta força que ela mal poderia suportar. O medo que congelava seu sangue.

Mas tinha de fazer aquilo. Como uma prova de amor por seus pais.

—Estou pronta – anunciara para Adam, que assentiu irritado e a conduziu para fora do prédio.

Ao chegar à calçada, Adélia prometera a si mesma que não olharia para trás. Ela seria forte, pois aquela era um questão que exigia força.

Adam a conduziu até um carro preto estacionado perto de seu prédio. Vagamente, Adélia se perguntara como não o percebera ali.

Haviam dois homens ao lado da carro e, ao verem ambos se aproximarem, um foi para o lado do motorista enquanto outro abria a porta do carona para eles entrarem. Quando foi a vez de Adélia de entrar no carro, ela hesitou.

Não havia mais saída; não poderia mais fugir. Por mais amedrontada que estivesse se sentindo, ela sentou no banco traseiro, ao lado de Adam – que a ignorava completamente enquanto mexia em seu celular. Silenciosamente, Adélia desejou que ele permanecesse entretido até o fim daquela viagem – que ela desejava que durasse pouquíssimo tempo.

Não vou olhar para trás, dissera para si mesma quando o carro arrancou pelo Brooklyn. Não vou olhar...

Se eu precisar ser corajosa, serei corajosa. Não importa o que aconteça.

Ela fechou os olhos e apoiou a cabeça no vidro do carro, enquanto sentia o cansaço abatendo-a como os ventos bem-vindos do verão.   

♢♢♢

Algumas horas depois...

Mesmo desmaiada no banco de trás, Adélia ainda suava e tremia como se estivesse tendo um pesadelo.

Adam a encarava fixamente, sentindo um misto de indiferença com curiosidade. Também, não poderia negar, estava começando a sentir um pouco de desgosto por ela.  Ao olhá-la, tão quieta – embora ainda pudesse ouvir alguns gemidos escaparem de sua boca de vez em quando -, ele quase podia enxergar um pouco de seus pais adotivos. E a antipatia que sentia por ambos era, quase automaticamente, transferido para a pobre garota ao seu lado.

Mas, ele também não poderia negar, ela era bem mais bonita do que ele negava admitir. Ela era até mais bonita do que sua última (e primeira) candidata.Não que a beleza delas lhe importasse; era até um pouco frustrante para ele imaginar seu filho com uma garota bonitinha. Mas ele não poderia fazer nada; se exigisse beleza de suas candidatas, o preço seria mais alto. Se ele estivesse no estado em que seu filho infeliz se encontrava, ficaria feliz com qualquer uma que o livrasse daquele horror.

Adam esticou o braço por cima do corpo encolhido da garota, que estava abraçada consigo mesma como se pudesse se proteger, e puxou um dos longos cachos de Adélia. Ele praticamente deliciou-se com as ondas estreitas que se enrolavam em seus dedos, como anéis de ouro. Ele puxou um cacho longo e o enrolou no dedo indicador, um tanto admirado com a forma como o pôr-do-sol fazia aquele cacho brilhar, como se fossem fios de ouro. 

—Senhor – Styrka, o gêmeo no banco do passageiro, o distraiu. Adam resistiu à vontade de xingá-lo, limitando-se apenas a resmungar um “o que foi dessa vez?” muito irritado. – Estamos quase chegando. Deseja que avisemos que estamos levando-a?

—Sim. – Respondeu, secamente. – E me passe seu canivete.

Sem contradizê-lo, Styrka passou um objeto metálico e reluzente para ele.

Adam puxou a lâmina afiada e a deslizou pelo cacho dourado e brilhante que outrora estava enroscado em seu dedo. Ele a colocou com cuidado em seu lenço de seda prateada para não despenteá-lo. Ele o embalou em seu lenço e o guardou no bolso de seu blazer escuro.

Era para ser uma cortesia para Thiago e Suzanne - e já estava até imaginando a reação deles ao receber aquele pequeno pedaço de sua filha.Devotados como eram, certamente iriam guardar aquele cachinho como se fosse ouro de verdade.

Ele sorriu; um sorriso discreto e involuntário, que só aparecia quando seus planos ocorriam de acordo. Adam quase já podia sentir que havia ganhado. Estava tão mais tranqüilo que decidiu que sairia de féria assim que a garota fosse presa em sua antiga mansão.

Assim que tudo acabasse, Adam não iria mais precisar se preocupar com os fantasmas de seu passado, nem com os fantasmas que assombravam e amaldiçoavam seu futuro.

Poderia, enfim, dormir em paz, sem que ela o assombrasse.


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