Adélia,

Sinto que fui impulsivamente insuportável nestes últimos dias, incomodando-a com minhas rudes palavras. Receio tê-la afetado com minha atitude, e viso nesta última carta uma explicação breve sobre o acontecido, deixando em suas mãos a decisão de perdoa-me ou não.

Primeiramente, devo informar-lhe que seu silêncio me incomoda e, se fui imprudente ao importuná-la, saiba que foi por pura agonia. Não era minha intenção transferi-lhe tal sentimento, mas fui egoísta ao imaginar que merecia uma explicação por vê-la afastando-se de mim.

Não a culpo por isso. Acho-a muito esperta por tal decisão.

A segunda coisa a qual sinto-me no dever de explicar é sobre sua partida.

Sei que quer isto mais do que qualquer coisa neste momento. Sei que sente falta de sua vida e sinto-me desgraçado por mantê-la aqui, por torná-la infeliz.

Era meu dever informar-lhe sobre tal assunto em nosso último encontro, mas agora vejo que não suportaria vê-la feliz por se ver livre de mim. Há de ser uma covardia minha despedir-me por escrito.

Não quero importuná-la mais do que isso, mas sinto o dever de explica-lhe o porquê sou assim.

Como sabe, minha querida, sou amaldiçoado, e não sei ao certo até que ponto isso poderá atingi-la. Se me escondi por tanto tempo de tudo e todos, principalmente de você, foi por medo. Como já deve ter percebido, sou muito mais covarde do que pode imaginar. Convivi com isso durante anos, carregando esse peso de ser quem sou sozinho e infeliz. Você se surpreenderia com a quantidade de pessoas que tentaram e falharam miseravelmente me ajudar.

Eu nunca me perdoaria se a machucasse, Adélia. Durante todo esse curto tempo que passamos juntos, eu vivi escondido de você para evitar que coisas ruins lhe acontecessem. 

 Há tantas coisas que eu gostaria de lhe falar, – não por escrito, nesta curta carta - mas sinto que desperdicei tempo demais sentindo medo.

 Você me proporcionou sentimentos inimagináveis para uma pessoa sem coração como eu, e eu a agradeço por isso. 

Mas agora, sem mais delongas, tudo o que eu devo dizer-lhe é um 'adeus' amigável, e agradecer-lhe por todo o prazer que sua companhia me proporcionou. 

 Prometi que a deixaria falar com seus pais, e sinto-me honrado em dar-lhe o poder de fazer isso pessoalmente. 

 Seja feliz, Adélia.

 De seu eterno amigo, 

 Rafael Blessed. 

OBS: Muito em breve lhe enviarei informações sobre sua partida.