Hunter - A caçada começou escrita por Julia Prado


Capítulo 2
Uma floresta com um estranho?


Notas iniciais do capítulo

Olá!!!!
Amei os comentários! Queria agradecer a sophia, amando e Terumy M W Lahote pelos incentivos. É muito bom quando vocês comentam, então continuem comentando!
Como prometido, mais um capítulo para vocês, dessa vez editado, rs!
Espero que gostem!
;*



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Teria de fazer um lembrete logo cedo para John. Colocar as malditas cortinas no quarto. Assim que amanheceu acinzentado eu despertei. A luz bem na minha cara. Remexi na cama, esfregando os lençóis no rosto. Meus olhos deveriam estar um pouco inchados pelo choro noturno e pela noite mal dormida. Escutei os movimentos de Austin, os mais delicados e suaves possíveis. Ela tentava não me acordar. Tarde demais, eu já havia acordado e já havia notado também todo o movimento que a casa pareceu ganhar. Eles acordavam cedo demais por aqui. Mal tinha clareado.

Austin foi para o banheiro e eu escutei o chuveiro sendo ligado. Agora eu sabia que a prateleira vazia estava estufada de tantas coisas que eu havia comprado e me esquecido de que dividiria o quarto com alguém. Austin não se importou de dividir metade da segunda prateleira comigo. Cobri meu rosto com um gesto rápido. Eu ainda estava cansada, meus braços ainda doíam da direção por três horas e meia e da noite em que passei guardando as coisas.

Pensei em dormir mais um pouco.

Uh, mas me esqueci do quão educadamente pontual Jane era. Ela entrou silenciosa no quarto, sua mão delicada pressionou de leve o meu ombro.

– Gaele? - disse hesitante. Por um breve momento eu me senti mal de todas as explosões que tive com ela. Mas foi um breve momento, bem breve mesmo. Ele foi substituído por uma raiva que não era exatamente dirigida a ela. Mas o fato de onde eu estava. - Está na hora.

– Eu sei. - resmunguei e abaixei o lençol. - Já vou descer.

Jane sorriu gentil para mim, seus olhos pretos carinhosos e ternos. Ela saiu do quarto sem dizer mais nada. Joguei as cobertas para o lado. Estiquei meu corpo até ele estalar e então me levantei. O piso estava gelado e eu pulei de volta para a cama. Droga, esqueci que eles não tinham o piso aquecido. Isso ia ser um problema.

Um pouco mais preparada, voltei a colocar os pés descalços no chão, estremeci com isso, mas os mantive firmes. Austin saiu do banheiro e eu entrei, sem dizer nada. O meu mal humor falando mais alto do que minha educação. Escovei os dentes e joguei uma água gelada no rosto. O mirei por um momento. Então talvez aquele monte de cosméticos não teria inutilidade. Passei um tonificante na pele e depois um creme, para ver se aquela cor pálida passava. Ajudou um pouco, amenizou as olheiras também, meus olhos desinchando aos poucos. O meu cabelo, como eu previ, estava com os cachos embaraçados e desarrumados. Coloquei creme e os apertei, determinada a deixá-los apresentáveis e me recusando a prendê-los, eu consegui fazer com que os cachos voltassem a sua forma normal. No entanto, eu não consegui dar um jeito no volume dele. Não que fosse fazer alguma diferença, a umidade desse lugar o deixaria para cima de qualquer forma. E depois a chuva constante o molharia e abaixaria, para depois secar armado novamente. Era um ciclo que eu deveria me acostumar.

Voltei ao quarto e encontrei Austin já colocando as botas de chuva. Ela era rápido e prática. Mas com um cabelo bom daqueles ela realmente não precisava de muito trabalho. A teimosia do meu cabelo ia da chapinha à química. Eu já havia desistido de tentar mantê-lo sob controle.

Abri o armário e quase ri. As roupas estavam um pouco apertadas. Abri a gaveta e peguei minha calça jeans clara, uma blusa cinza de riscas pretas de manga longa, o suéter preto em gola V e o casaco de chuva cinza com o capuz negro. Calcei as botas de chuva e enrolei o pescoço livre com um gorro vermelho vinho. Bem quentinha e quase a prova de chuva. E tudo de primeiro uso, quase sorri novamente. Era tão bom extorquir Jack, ele poderia se sentir culpado mais vezes, no meu ponto de vista.

Minha mochila de escola era nova, eu soquei o caderno e o estojo dentro dela. A joguei no ombro e sai do quarto. As vozes baixas vinham da cozinha. Joguei minha mochila no chão enquanto eu me sentava na mesa para quatro lugares.

– Bom dia, filha. - John disse animado. Ele também estava em êxtase pela minha estadia.

– Bom dia. - falei o mais animada que pude, o que não foi muito convincente. John voltou seu olhar para o seu prato de bacon e ovos.

Eu peguei um pouco de cereal e leite. Meu estômago estava revirado com o dia que eu teria pela frente. A cozinha, assim como o resto da casa, era de madeira branca, trazendo um pouco de luz para um lugar tão simples. Era cheirosa e bem limpa. E pequena como o resto da casa.

– Fico muito feliz que tenha vindo, Gaele. - Jane disse depois de um momento em silencio. Tentei parecer animada também, mas o meu sorriso foi mais amarelado.

– Aquele carro... - John começou.

– Vou entregá-lo no final do mês, não se preocupe. - falei curtamente.

– É só que... Bom, gostaria de saber com que dinheiro o alugou. - John disse. - Se foi o de Jack, podemos pagar de volta a ele...

– Foi sim com o dele, pai. - eu disse um pouco mais irritada. - Um pagamento por todo o estresse que aquele bastardo me deu. Assim com todas as roupas do armário. Confie em mim quando eu digo que não precisa pagar de volta. Não fez muita falta na conta dele. - minha irritação saiu mais forte do que eu gostaria. De fato, desejei ter comprado um carro para ver se isso abalaria um pouco Jack.

– Eu só não gosto dele comprando você. - John disse irritado, meu temperamento sendo exatamente como o dele. Jane e Austin se mantiveram em silêncio, comendo sua refeição.

– E você fará isso? - perguntei o fuzilando com os olhos.

John inchou e ficou ainda mais vermelho.

– Agora você me escute aqui...

– John, estamos comendo. - Jane disse delicadamente.

Lentamente eu vi a pele de meu pai voltando ao seu tom marrom-avermelhado. Isso me irritou e eu enviei um olhar fulminante para Jane. Eu estava mais do que feliz em puxar alguma briga para extravasar a minha raiva. Por que é que ela tinha que se meter? Mas ela não me encarava, lançava ao John seu olhar severo.

Vaca.

– Você está certa, querida. - ele disse depois de um tempo a olhando. - O que eu estava tentando dizer é que consegui comprar um carro para você e Austin dividirem.

– Jura?! - Austin disse animada, seus olhos se acendendo. - De quem?

– Quil. Era do neto dele, mas ele conseguiu outro, então eu o comprei para vocês.

Estreitei meus olhos.

– É de que ano?

John pigarreou e eu já tinha toda a minha resposta naquilo.

– Olha, John... Pai, foi muito legal, mas se esse treco parar de funcionar eu não vou saber concertar, a não ser que Austin saiba arrumar carros. - falei.

– É bom sim. O neto de Quil é mecânico, tem uma oficina, ele arrumou o carro.

Dei de ombros.

– Se você diz.

Eu sabia que as duas picapes eram de Jane e John. Meu pai trabalhava em uma carpintaria, então precisava da picape. Jane trabalhava na escola primária da cidade, mas as picapes por aqui eram o que mais tinham. Todo mundo fazia de tudo um pouco. Como eu ainda estava com o carro alugado, dei uma carona para Austin nele. Parecia que ela ia a pé ou algo assim. Não era muito longe, mas o suficiente para ter suas calças molhadas e sujas de lama.

Dirigi em silêncio, seguindo as instruções dela durante o caminho para chegar até a escola. Se não fosse o pequeno movimento que o centro de La Push gerava, estaríamos na escola em dois minutos, contados. Era tudo muito perto. O que me distraiu nem foi o caminho. Ao chegar na Quileute Tribal School, ao final da Ocean Drive, a escola despontou pequena, com um estacionamento pequeno também. Era duas casas grandes, de pintura amarelada com o telhado em azul, mas ela ficava de frente para o mar, era só descer um pouco pela vegetação rala que você já estava na borda da praia. Como alguém poderia ficar nas aulas com uma praia de frente? Tudo bem, o clima não era à lá Los Angeles, mas mesmo assim, era praia, liberdade.

Os ônibus amarelos estavam parados na entrada da escola - o que eu realmente não entendia, por que alguém aqui precisava de ônibus? - não havia muitos carros no estacionamento, por isso consegui pegar uma vaga na frente da entrada. Estava muito cedo ainda, por mais que já houvesse estudantes zanzando pelo estacionamento. As aulas ainda demorariam meia hora para começar. Isso ia ser um purgatório.

Desliguei o carro e nós duas saímos. Agora tudo o que restara da tempestade de noite era uma fina camada de chuva, daquelas que gruda no rosto junto com alguns fios de cabelo. Um pouco atrapalhada com a mochila, fechar o carro e tentar limpar a chuva grudenta, eu acompanhei Austin pelo estacionamento. Eu não ia ficar na cola dela, mas só a segui por que ela pediu. Eu realmente não queria ficar na cola dela, nem sabia se ela tinha amigos. Sendo tímida como só ela.

Mas parecia que Austin era um poço de surpresas. Fosse por que a cidade era pequena demais, ou por que ela realmente era popular, Austin foi cumprimentada por todos que passaram por ela. É claro que os olhos de todos imediatamente se fecharam em mim, curiosos, sedentos por alguma novidade. E um pouco receosos também, eu bem sabia como o povo de La Push não via os forasteiros com bons olhos. Isso tudo se devia a cultura do local, sempre tão fechada em suas regras e crenças que possuía medo de qualquer um de fora, talvez eles pensassem que seus segredos fossem revelados, mas, honestamente, quem é que está se importando com a cultura da inóspita La Push?

– Essa é Gaele. - Austin apresentou a um grupo que estava na entrada da escola. - Filha de John. - ela explicou, fazia muito tempo que eu não vinha para esses lados, e das vezes em que vinha não procurava por amigos, geralmente me trancava na casa e só saia quando era para ir até a praia ou à floresta.

– Ah sim, John comentou com a cidade inteira que você viria! - um rapaz de altura mediana disse, a mesma pele marrom-avermelhada, cabelos negros e lisos, longos e presos em um rabo de cavalo, tinha os olhos escuros, mas amigáveis. - Sou Graham Amana. - eu o cumprimentei com um sorriso.

– Essa é a Lali Cameron - Austin disse apresentando uma garota baixinha, cabelos longos até sua cintura e lisos, de um castanho chocolate, assim como sua pele. Os olhos eram cor de mel, mas não pareciam muito felizes, na verdade, ela mal sorriu. - E este são Collin Littlesea e Brady Fuller. Estão no mesmo ano que nós.

– Hey, e ai! - Collin disse, era alto, muito alto, não parecia ter apenas 17 anos, parecia ter bem mais, mas, no entanto, seu corpo não parecia ter acompanhado a altura, havia algo de desajeitado no modo como ele estava parado, como se ainda estivesse se acostumando com àquele comprimento todo. Era bem esguio, os cabelos curtos nas orelhas, olhos castanhos claro.

– John falou muito de você para nós. - Brady deu uma piscadela gentil, era bem mais baixo que Collin, só que mais forte. Novamente, ele não parecia ter 17 anos, parecia mais, os músculos um pouco mais definidos. Onde é que ele se exercitava? Eu duvidava que havia uma academia decente por aqui. Eu duvidava que havia uma academia, ponto.

– É, parece que sim. - respondi sem jeito. Minhas habilidades em fazer amizade não eram as melhores.

Eles ficaram lá um bom tempo, conversando sobre banalidades. Músicas, lugares que foram nas férias e tudo o mais. Brady e Collin pareciam ser muito unidos, os dois tinham uma áurea de cumplicidade muito grande, quase irmandade. Lali não falou muito comigo, mas não precisei saber o porquê, Graham estava interessado demais em saber sobre a minha vida em Los Angeles, e por mais que os outros também estivessem, eu sabia quando estava sendo paquerada.

O que não melhorou o meu dia em nada. As pessoas que passavam por mim nos corredores pareciam cada vez mais ávidas para me acompanhar nas aulas, abrir portas, jogar cantadas baratas ou apenas me cumprimentar, mesmo que nunca tivessem me visto antes. O bom de tudo isso era que eu consegui encontrar todas as minhas salas - não que fosse muito complicado, já que a escola era minúscula. O ruim é que eu estava chegando um pouco atrasada pelas interferências que vinha sofrendo no caminho.

Também descobri que estava em um nível muito mais avançado em Los Angeles, eu só teria uma matéria nova quase no final do ano, o que não me ajudava em muita coisa. Mas tudo bem, um ano não ia me prejudicar tanto. Fosse por que sabiam que Austin era minha "irmã" e queriam ser legais comigo, ou porque havia tão poucos alunos que não havia uma burocracia bem discriminada, mas a secretária fez questão de me contar que eu estava em todas as aulas com Austin, só para que eu não me sentisse mal durante o meu ano. O que, de certa forma, foi legal da parte dela, mas eu não sabia se Austin iria gostar. Eu não gostava de pessoas na minha aba, e com certeza não queria ser esse tipo de pessoa com ela.

Porém, como sempre, Austin era uma caixinha tímida de surpresas. Dava para ver em seus olhos que ela havia ficado deliciada com a minha presença nas aulas. Não estava nem um pouco desconfortável em me acompanhar nos corredores, com aquelas pessoas querendo conversar. Na hora do intervalo nós caminhamos juntas até o refeitório, que possuía um bom tamanho, mas mesmo assim as mesas ainda pareciam um pouco apertadas ali.

Um pouco mais tranquila com o dia nem tão complicado que eu estava passando, a minha fome voltou e eu comprei comida. Austin, por mais que conversasse com todos e sorrisse para todos, tinha o seu próprio grupo de amigos. Que eram os mesmos da entrada. Com algumas adições de minuto a minuto, pessoas que vinham, sentavam, conversavam e depois saiam.

– E aí, já está se sentindo sufocada? - Brady perguntou gentilmente. Ele parecia ser bem mais legal do que Collin, que estava sempre fazendo uma piada, por mais que nunca fosse desagradável.

– Um pouco. - admiti sorrindo para a mesa. - É sempre assim com pessoas novas?

– Isso quando você pressupõe que alguém quer vir para cá. - ele brincou e eu ri um pouco.

– E aí, vocês dois topam uma praia depois da aula? - Graham perguntou, mas eu senti seus olhos em mim, por mais que ele se referisse a Brady e Collin.

– Não vai dar cara, temos um assunto para resolver em Port. Angels, talvez depois. - Collin disse simplesmente, estava largado em sua cadeira, os olhos na sua bandeja vazia, mas que antes estava lotada de comida. O modo como ele disse me fez franzir o cenho.

– É, quem sabe uma próxima.

– Vocês vivem dizendo isso. - Lali resmungou. - Você vai? - perguntou para mim, era a primeira vez que ela falava comigo diretamente.

Dei de ombros.

– Sei lá. - eu não estava muito no clima, a minha vibe estava mais para depressiva-comendo-sorvete-na-cama. Contudo, foi a coisa errada para se dizer. Eu deveria ter dito que sim e depois ter cancelado, por que assim que disse, Graham e Brady começaram a insistir. E isso que nem o Brady ia.

– Vai sim, vai ser divertido para você! - Brady dizia solidário.

– É, pegar um pouco de sol, sabe como é. - Collin me deu uma piscadela, eu ri.

– Eu vou pensar no assunto. - mas eu já tinha a minha decisão. Ia sim ficar em casa, mofando lá, e quem sabe fazer o dever de casa. Eu bem que poderia pedir para minha mãe me enviar meus antigos livros, assim nem com a lição de casa eu iria me preocupar.

O sinal tocou cedo demais. Arrastando um pouco os pés eu me encaminhei para a próxima aula que, além de ser com Austin, era com Collin também. O bom de se ter Collin por perto era a risada garantida, mesmo que fraca. Ele falava muita besteira - típico de garotos na idade dele - mas também conseguia uma piada eficiente de vez em quando.

Eu estava quase dormindo na aula cívica quando o sinal tocou. Dei um pulo na cadeira, surpresa pelo primeiro dia de aula já ter acabado. Passou muito rápido em alguns momentos e muito lento em outros. Bocejei enquanto guardava meu material. Esfreguei os olhos e me levantei da cadeira.

O pessoal começou a seguir em direção à praia, mas eu consegui fugir. Falando que precisava ligar para minha mãe o mais rápido possível, deixei Austin aos cuidados de Graham - o que me pareceu levemente errado - e fui em direção ao meu carro. Havia um certo congestionamento entre os carros de alguns e os ônibus escolares. Mas não foi isso que me fez suspirar de irritação. Atrás do meu carro havia uma moto preta reluzente, uma Harley antiga, com certeza, mas em bom estado. Ótimo, aliás. Eu só sabia sua marca por que Jack havia comprado uma certa vez, mas mamãe o fez vender quando ele caiu na primeira tentativa. Eu nunca rira tanto na minha vida como naquele dia.

Com passos um pouco mais duros e mal humorados - a chuva estava um pouco mais constante - eu me encaminhei cheia de coragem para o carro, pronta para uma briga. Ah, eu estava louca para descontar em alguém. Parecia que toda a atmosfera calma, pacífica e serena eram ao contrário do que eu sentia. Eu gostava do ritmo de Los Angeles, que não era frenético como o de New York, mas também não era essa lentidão e serenidade toda.

Brady e Collin estavam um pouco mais a frente, indo em direção ao meu carro também. A moto era deles? Franzi o cenho. Meu ataque deveria ser dirigido para outro, então.

Mas eu não o vi de imediato. A moto não era dos dois amigos e sim de um terceiro. Ele estava encostado despreocupadamente na lateral do meu carro, os braços cruzados, olhava para Brady e Collin. Pareciam se conhecer. Eu hesitei por um momento. Minha coragem murchando um pouco. O homem era aquele tipo que não se arranja briga. Era alto, mais alto que Collin, de ombros largos, o corpo claramente definido e bem cuidado, mas de uma forma mais natural, como se os músculos tivessem crescido conforme ele também crescia. Usava uma calça jeans surrada, botas pretas, camisa preta e uma jaqueta. Mas tudo parecia... Fino demais. Esse cara deveria ser maluco, o frio daqui estava me fazendo bater um pouco os dentes, mesmo com o casaco quente.

Eu não hesitei apenas pela aparência de bad boy do homem, mas sim pelo o que ele emanava. Era constante, pulsante. Um perigo natural, que emanava dele em ondas, atingindo qualquer um que se aproximasse demais. Tanto é que as pessoas não se aproximavam muito, embora parecessem o conhecer, pois ele cumprimentava algumas delas. Seus cabelos eram negros e curtos. Os olhos da mesma cor, de um negro profundo e fechado. Eram bankers. Tudo entrava, nada saia.

Apenas a alguns passos do meu carro, eu retomei minha coragem, mas ela não estava em sua força total. Eu me sentia estranhamente inquieta.

O homem só reparou na minha presença quando eu cheguei perto demais, mais do que os outros. Seus olhos se cravaram nos meus. Ele não me olhou, não bateu o olho. Cravou os olhos. Intenso, sufocante. Senti o ar fugir de meus pulmões por alguns minutos. Ele continuou me encarando, seus olhos parecendo se retrair conforme os minutos passavam. Eu não consegui ler eles, não consegui entendê-los. Mas havia uma coisa clara em todo aquele físico: ele era problema.

– Ah. Jake essa é a Gaele, filha do John. - Brady disse calmamente, as mãos nos bolsos. Eu despertei com isso.

Mesmo com a boca seca, consegui colocar a melhor carranca que eu pude.

– Gaele, este é Jacob Black, filho do Billy.

Olhei com o cenho franzido para Brady. Quem diabos era Billy? Ele não esperava que eu realmente soubesse certo? Brady, no entanto, não entendeu meu olhar. Voltei, meio relutante, a olhar para Jacob, que ainda não tinha dito absolutamente nada, apenas balançado a cabeça em reconhecimento. Agora suas feições pareciam mais controladas, não tão intensas. Um leve divertimento cobria seus olhos negros.

– Está na frente do meu carro. - eu disse um pouco rude. Ser rude era bom, parecia acalmar um pouco a sensação inquietante que me assolava em ondas, como se as ondas de perigo que emanavam de Jacob se transformassem e me atingissem.

– Certo. - ele disse calmamente, a voz rouca, baixa, quente. Desencostou do meu carro e ficou na frente de sua moto.

– Valeu. - passei por ele e fui até a porta do motorista, foi só ai que notei que minhas mãos tremiam um pouco. Provavelmente era o frio.

Entrei no carro, coloquei o cinto e esperei que Black retirasse a moto dele, mas ele parecia estar conversando com os dois. Fechei os olhos e respirei fundo algumas vezes. Liguei o carro, só para mostrar que eu queria realmente sair dali. Os três olharam para trás, pareciam ter se lembrado de onde estavam. Olhei pelo retrovisor, os olhos de Black se cravarem nos meus novamente. Mantive a respiração calma. Como um desafio implícito, coloquei a marcha ré. Soltei um pouco a embreagem, pronta para sair. O carro deu aquela leve subida. Jacob continuou ali, embora Brady e Collin já tivessem se afastado.

Os dois disseram alguma coisa para Black, que fez com que sorrisse apenas um pouco. De canto. Acelerei sem sair do lugar. Ele riu. O bastardo riu. Então moveu sua moto para o lado e me deu espaço para sair. Tentando não cometer nenhuma gafe na direção, ao mesmo tempo que procurava não encarar nenhum deles, eu sai do estacionamento lentamente, tomando o cuidado para não bater em ninguém.

Minhas mãos continuaram a tremer durante todo o trajeto.

***

Finalmente eu estava como deveria estar. Tirei toda aquela roupa pesada. Vesti o meu moletom cinza, uma blusa de manga branca e minhas botas de frio, ugg australiana. Quentinha e pronta para uma sessão de pura depressão, em frente à TV da sala, com um sorvete em mãos. Eu estava descendo as escadas, com uma manta nos braços, quando fui até a cozinha pegar o sorvete.

Quase gritei.

Onde estava o maldito sorvete? Eles não comiam sorvete?!

Fechei os olhos, respirei fundo e contei até dez. Isso ia acabar com a minha programação. Eu poderia assistir à TV sem o sorvete, mas não seria a mesma coisa. Eu precisava de alguma besteira para preencher minha mente. Jane tinha uma política de junk food apenas nos finais de semana. Bom, dane-se ela. Joguei a blusa de moletom nos braços e peguei minhas chaves, eu iria comprar o maldito pote de sorvete. Eu compraria todo o sorvete dessa cidade, só de raiva.

Coloquei o capuz do moletom enquanto passava pela chuva. A camurça da minha bota manchou um pouco, mas eu não liguei, chapinhei pela chuva e entrei no carro. Dirigi rapidamente até o centro. Passei de loja em loja, mas eles não tinham sorvete. Até que entre em um restaurante, não estava cheio e não poderia ser considerado um restaurante e sim uma lanchonete, mas o nome dizia Riley Restaurante, então eu não iria reclamar, contanto que tivessem sorvete.

Sim!

Ah, quase me abracei e abracei o garçom, quando ele me mostrou a geladeira de sorvetes. Não era um Ben & Jerry's, mas estava valendo. Peguei dois potes e me encaminhei para pagar. Mas havia uma pequena fila. Eu não me importei. Estava feliz com meus sorvetes. Eu os aninhava como se fossem meus filhos. Seriam meus por um bom tempo, eu iria saboreá-los quando chegasse em casa, e não iria dividir com ninguém, absolutamente ninguém. Iria comer eles todinhos...

Se essa merda de fila andasse!

Dei uma espichada para o lado, procurando ver qual era o problema. Aparentemente a caixa estava com um problema com a máquina de cartão. Ah, meu Deus! Quem iria pagar em cartão aqui? Mal pega o sinal do meu telefone! Eu esperava que meus sorvetes não derretessem, não por mim, mas pela vida preciosa da caixa. Comecei a batucar os pés enquanto esperava, a fila finalmente andou. Eu nem preciso dizer que meu olhar para o cara que tentou passar cartão de crédito foi, no mínimo, violento. A minha pouca roupa para uma época pouco gelada não estava ajudando também, eu estava começando a bater os dentes.

Quando coloquei os sorvetes em cima do balcão - e a caixa começou a colocá-los dentro de sacolas - alguém passou por trás de mim. Eu não me importei muito, desde que não quisesse furar a fila.

– Ei, Chelsea! - escutei uma voz rouca e levemente conhecida.

Olhei por cima do meu ombro. Só para ter o desprazer de encontrar com Jacob Black. Ele me olhou por um tempo também, como se tivesse me reconhecido. Novamente seus olhos se cravaram em mim; minhas mãos começaram a tremer. No entanto, Black parecia preferir fingir que não tinha me visto. Voltou a se virar para a caixa.

– Tem como passar isso aqui para mim? Estou com um pouco de pressa. - ele estendeu uma caixa de refrigerante. Isso era palhaçada?

– Claro, Jake! - ela disse sorrindo mais do que solícita, isso poderia dar como assédio sexual minha filha!

– Claro, Jake! - eu disse também, minha voz ficando irritada e sarcástica. Tomei o engradado das mãos dela. Joguei no peito dele. - Pode passar sim. Quando chegar a sua vez.

Ele me olhou levemente chocado, mas novamente seus olhos não pareciam refletir toda a sinceridade dele. Era como se seus pensamentos não fossem apenas ocultos, e sim inalcançáveis. Voltei meu olhar para a caixa, que estava me olhando irritada.

– Agora passa a minha compra. Não estou de pé nessa fila à toa. - bati a mão no balcão com o dinheiro.

A tal Chelsea olhou para Black, e - era possível? - parecia que estava pedindo permissão. Black deu de ombros, seus olhos não se afastando de mim, mas eu não poderia confirmar isso, pois fiz o maior esforço do mundo para não encarar ele... E para não mandar ele ir se ferrar também.

Chelsea cobrou a minha compra e me liberou. Eu sai como se nada estivesse acontecendo, contornei Black com meus sorvetes e fui em direção a saída. Ele provavelmente ia passar na frente de outro cliente bobão que o deixasse fazer isso. Ah, não! Mas não comigo! Não com os meus sorvetes.

E parecia que eu teria mais problemas do que havia previsto com o Black tentando passar na minha frente. Aquilo era perseguição? Sua moto estava, mais uma vez, parada na traseira do meu carro, impedindo a minha saída. Duas vezes em um dia só. Já estava até vendo que a minha estadia não seria tão tranquila por aqui.

Joguei os sorvetes no banco de trás. Olhei pelas janelas salpicadas de chuva do restaurante. Jacob parecia conversar com alguém da fila. Ah, mas não ia ficar assim. Eu geralmente não era uma pessoa agressiva, preferia lidar com meus inimigos, ou situações que normalmente requeressem uma atitude mais violenta, com racionalidade e uma boa dose de inteligência.

Arregacei as mangas na minha blusa, segurei a moto pelo guidão, soltei o pezinho dela e a movi não somente para o lado, mas decidi ir um pouco mais distante. Levei a moto até a traseira do restaurante, pensando que ele passaria um bom tempo procurando por aquela joça. E ele não colocaria mais atrás do meu carro. Era uma solução melhor do que passar por cima da moto, provavelmente arranharia a pintura do meu carro.

Voltei para o estacionamento com o sentimento de dever cumprido. Talvez a folhagem e lama que eu tinha colocado no assento não fosse realmente necessária, mas aquilo era um aviso bem claro. Entrei no meu carro como se nada tivesse acontecido, dei a marcha ré e sai de lá, mais feliz do que antes. Além de ter conseguido meu sorvete, eu ainda tinha conseguido, de brinde, extravasar um pouco da minha raiva.

* * *

E foi com os sorvetes diários que eu consegui sobreviver a duas semanas inteiras em La Push. Com toda a sua chuva, frio e lama. Eu poderia muito bem ganhar um prêmio de mérito ou alguma coisa assim. Mas não, o que eu consegui ganhar foi: entregar meu bom Peugeot com ar condicionado por um Chevrolet Vectra 2000. Quero dizer, isso era melhor do que eu havia imaginado. Ele só tinha quatorze anos, melhor do que 200 ou algo assim - como eu realmente achei que ele fosse. Mas mesmo assim. O Vectra tinha um cheiro estranho de tabaco, madeira e mar. Mas era apenas isso. De resto ele estava funcionando muito bem, na verdade. Boa aceleração, não estava com problemas no motor nem nada parecido. Isso ia servir, eu só ia ficar um ano aqui mesmo. O carro passaria para Austin de qualquer forma.

De certa forma era o meu segundo final de semana em La Push. E eu tinha a impressão de que ia passar ele como os outros: dentro de casa. Mas me enganei. Novamente Austin me surpreendeu a, literalmente, mandar eu ir me trocar que nós íamos sair. O que não era nada natural dela, Austin sempre me pareceu mais passiva do que mandona. Ou talvez ela fosse, mas já estava de saco cheio de encontrar potes de sorvete pelo quarto.

Segundo Austin, era aniversário de Billy Black, pai de Jacob Black. E haveria uma festa em sua casa... Bom, seria mais uma tentativa de festa, já que o tamanho das casas de La Push não suportavam mais do que seis pessoas em um mesmo ambiente. Eu realmente não queria ir, e John estava em momento em que ele tentava não me impor nada, provavelmente com medo de eu tentar suicídio caso alguém me pressionasse demais. E isso estava funcionando para mim, mas aparentemente não para Jane e Austin. As duas pareciam fazer diversas tentativas para me ver um pouco fora do quarto. Jane mais ativa do que Austin, que preferia agir de um modo mais tímido.

Sendo, basicamente, expulsa pelas duas - que depois conseguiram reunir a ajuda de John -, eu me levantei e fui tomar um banho. Era sábado, pelo amor de Deus, eu queria dormir! Lavei os cabelos com uma demora ainda maior, só para ver se assim eles desistiam de me esperar e fossem sem mim. Doce engano, Austin entrou determinada no quarto e disse que não importava quanto eu demorasse, eles ainda estavam querendo me levar.

Quando realmente vi que não tinha mais o que fazer, desliguei o chuveiro e fui me trocar. Não precisei nem checar pela janela do quarto - que agora tinha cortinas, eba! - para saber que estava chovendo e frio lá fora. Coloquei uma calça jeans escura e apertada, botas azul marinho de frio - com um pelo bem quentinho dentro -, uma blusa com mangas curtas branca em V, um sweater cinza longo de linha e corte V, sobretudo marrom lama, um lenço de lã cinza. Joguei meu telefone no bolso do casaco e sai do quarto.

Todos já estavam me esperando. Eu fiz um acordo, iria com eles se fosse em meu próprio carro, assim se eu quisesse voltar não seria um problema. Infelizmente, parecia que aqui em La Push não havia democracia. Fui quase jogada dentro do carro por John, que se encheu comigo. Isso trouxe um breve momento de risada entre nós. Ver John perder a linha era sempre um programa mais interessante a novela mexicana.

Parecia que Billy Black vivia na Reserva Quileute, que ficava a uns 10 minutos da nossa casa. Era um local que não tinha nada além de floresta, e olha que onde eu morava tinha bastante. Mas ali passava a escola, passava a praia, passava as casas principais da Reserva e só depois se chegava ao local. Ficava na By-Yak-Way, em uma das últimas casas, que tinha seu jardim conjunto com o matagal de La Push. A casinha era de madeira e pintada de vermelha, mas bem lascada, com molduras brancas. Possuía uma pequena varanda, que já tinha algumas pessoas ali, ainda havia uma parte mais para trás da casa, por que John não estacionou junto com os outros carros que estavam parados na frente, ele foi um pouco mais para baixo. Ali pude ver uma continuação, mas estava com a entrada fechada, como uma garagem.

Assim que sai do carro, desejei voltar. Provavelmente era a floresta, mas ali parecia mil vezes mais gelado do que quando eu sai de casa. Eu apertei mais o casaco em mim, me atrapalhando na hora de fechar os botões, desisti de tentar e só os apertei contra o corpo. Assim que chegamos na entrada da casa, onde havia muitos homens que eu nem sabia quem eram, eu já soube que não era apenas Austin popular, mas John também.

Foram trocados muitos cumprimentos e fui apresentada a pessoas que eu tinha quase a certeza de que não conhecia e nem me lembraria de seus nomes, mas sorri para todos. É claro que os famosos comentários como "peguei você no colo quando era bebê", foram falados aqui e ali, mas procurei manter o otimismo e um bom sorriso educado nos lábios. Na verdade, minha bochecha estava com caibra, por isso eu não conseguia tirar o sorriso do rosto.

Entramos na casa e, como eu previ, ela não suportava muitas pessoas, mas mesmo assim elas tentavam. Imediatamente também me senti assolada por um calo abrasador. Eles talvez quisesse diminuir um pouco o aquecedor, já que quase sofri um choque térmico ao entrar... Tudo bem, tudo bem, meu humor não estava em seu melhor, eu posso reclamar mais um pouco, juro que paro depois de mais duas reclamações.

Novamente eu fui apresentada a muitas pessoas que me conheciam de longa data, mas que eu não me lembrava - nem me lembraria - de ninguém. Por sorte, um alívio na verdade, Colin e Brady estavam na festa... De shorts e regata. Passei mentalmente um zíper na boca, eu não ia mais reclamar. (Ok, só um leve comentário: eles estavam falando sério? Short e regata em La Push? Ok, alguém está querendo ficar doente).

Vi Jacob Black na cozinha com algumas mulheres, fingi que não tinha acontecido nada há duas semanas. Embora eu tinha certeza que recebi um olhar não somente divertido, mas zangado também. Eu senti vontade de rir ao me lembrar da lama e folhagem em sua moto.... Ele não podia reclamar, quem sujou as mãos fui eu.

E depois que fui apresentada a todo mundo... Eu me senti perdida. Não conseguia ficar na sala, pois já tinha muita gente lá - e acho que um pessoal de Forks também estava aqui. Na varanda, naquele frio, era impossível, os homens estavam fumando. O que me restava era ficar na cozinha com Austin, Brady e Colin. Eu me mantive em silêncio enquanto todo mundo conversava, ria. Completamente a parte de tudo aquilo. Por um momento eu me senti mal. Eu realmente desejei - por um brevíssimo momento - poder fazer parte daquilo. Poder conversar e rir, agir como se aquilo fosse parte da minha vida. Mas não era, e não seria. Em um ano não se pode construir os laços que eles tinham. Eu era a intrusa aqui.

O que me salvou mesmo foi a bateria quase cheia do celular. Naomi Clark, minha melhor amiga de Los Angeles, conseguiu superar seu breve ódio por mim e minha decisão de ter vindo para cá. Estava falando comigo novamente, me enchendo de inveja sobre o sol da Califórnia e o mar com água agradável. Ela fazia isso de propósito, a traidora, mas eu sabia que era o único modo que ela tinha para não dizer em alto e bom som que sentia minha falta mais do que poderia falar. E eu entendia isso, por que também não havia dito nada. E então, até onde eu tive bateria, consegui conversar com ela e até sorrir um pouco. Mas, antes da minha bateria ir para o espaço, eu a avisei e tive que cancelar meu breve e solitário momento com meu smartphone.

Voltei ao mundo real. Onde eu continuava uma intrusa.

– Então, Gaele, está gostando de La Push? - eu acho que o nome dela era Sue, ou Suzanne... Não tinha muita certeza. Não era muito velha, embora já tivesse pés-de-galinha, deveria ter seus 47 anos.

– Ah... Hm... Claro. - eu disse o mais simpática que consegui. - Está sendo bem legal.

Eu acho que ninguém caiu naquilo, por que todo mundo me olhou com aquela cara de quem diz tudo-bem-vai-passar. Eu mantive meu olhar erguido e firme, realmente não queria que ninguém me olhasse daquela forma. Eu estava aqui por vontade própria, sabia o que ia passar quando tomei minha decisão.

– Por que saiu de Los Angeles? - eu acho que o nome dela era Kim, mas eu, novamente, não tinha certeza. Devia ser três anos mais velha do que eu, ou mais.

– Ah... - eu hesitei quando todo mundo voltou a prestar atenção em mim. Elas não queriam ajuda para lavar uma louça não? - Eu não me dou muito bem com meu padrasto. Preferi sair de lá antes que eu o matasse. - dei de ombros - Falta só um ano para eu ir à faculdade, então eu iria sair de casa de qualquer forma.

– Eu me lembro de sua mãe. Era muito gentil. - Emily disse. Eu me lembrei dela não por causa de sua gentileza no olhar, mas pela cicatriz que desfigurava seu belo rosto no lado direito. Eu fora avisada pelo meu pai, no carro, de que Emily Young havia sofrido um acidente com um animal na floresta, que eu não deveria ficar encarando. E eu não fiquei, mas não era algo fácil de se esquecer a partir do momento que se olhava.

– Ela ainda fala muito daqui. - eu admiti. - Diz que sente falta. - e eu não entendia como alguém podia sentir falta disso daqui.

– Ah, seria maravilhoso se ela viesse nos visitar! - Emily disse sorrindo novamente, deixando, milagrosamente, seu rosto muito mais bonito. - Nós trabalhamos juntas em uma escola em Hoquiam por um tempo.

Eu sorri, sem saber o que dizer. Observei curtamente Emily. E ela realmente era linda. Tinha a pele cor de cobre, longos cabelos negros e olhos amendoados. Por mais que a cicatriz fosse chocante, algo doloroso de se ver, acho que Emily não seria mais bonita sem aquilo. Era como se já fizesse parte dela e parte de sua beleza. A cicatriz era a sua singularidade.

– Ela ainda leciona? - Sue perguntou.

– Não. Parou depois que se casou com Jack. - dei de ombros.

– E você, já sabe que faculdade vai fazer?

– Biologia ambiental. Ainda estou me inscrevendo para as faculdades. - na verdade, me inscrevendo era eufemismo, eu estava assinando uma faculdade após a outra, não importava nem se ela fosse na Itália (por insistência de John eu deixei as faculdades da Europa fora da lista).

Colin, que tinha ido pegar algumas bebidas lá fora, voltou e me deu uma garrafa de Coca-Cola. Ele passou o braço nos meus ombros enquanto tomava seu refrigerante, o que não me incomodou. Eu já havia reparado que Colin era uma pessoa de muito contato, então não interpretei isso como algum tipo de flerte. E Colin e Brady eram realmente muito legais, eu estava conseguindo me divertir um pouco com eles nas horas de escola - e em uma única vez em que eu fui à praia com eles, também sendo uma das raras vezes em que eles iam.

Eu fui, bem aos poucos, me soltando um pouco, principalmente com Colin e Brady sempre tentando me animar. De qualquer forma, eu ainda estava a margem daquela festa. Quando a pequena cozinha se tornou quente demais - eu já havia retirado meu casaco marrom - decidi que estava na hora de passar algum tempo fora da casa, sem esse calor excessivo. Todo mundo estava tentando se espremer dentro do cômodo, provavelmente estava próximo do parabéns ou qualquer coisa que eles fizessem aqui. Eu só precisava sair por alguns minutos, só para respirar um ar puro. Abri a porta da varanda e sai, sendo tomava por um vento gelado e refrescante.

A chuva havia parado, o que era bom. Desci as escadas e comecei a andar pela propriedade, não era algo muito educado de se fazer, mas eu realmente precisava de um tempo sozinha. Passei por onde tínhamos estacionado o carro, a lama ali era mais fofa, o que com certeza seria um problema para a minha ugg australiana. Continuei a descer, passando pela garagem fechada e chegando aos fundos da casa. Ali dava para a enorme floresta quileute. Olhei para trás, havia um quarto que dava para os fundos, ele parecia pequeno visto aqui de fora, mas eu não poderia confirmar, já que estava tudo escuro.

Curiosa como sempre, continuei a andar e fui até o final, na orla da floresta. Eu hesitei antes de entrar. Realmente não queria que meu pai e ninguém da festa desse um ataque de raiva por descobrir que eu estava me embrenhando na floresta no meio de uma festa, mas agora que eu estava ali, parecia idiotice não entrar. Dei alguns passos, e depois outros, e assim fui seguindo. A cada novo passado eu sentia uma mistura de adrenalina com prazer. Era como se eu voltasse, depois de muito tempo, para casa. Sendo aceita de braços abertos. Então, como um passe de mágica, todo o meu nervosismo, depressão e tristeza passaram enquanto eu estava ali. Era tão calmo e tão solene, que parecia irreal. Eu não conseguia acreditar que qualquer pessoa achasse essa floresta perigosa ou sombria, para mim, ela era como um lar.

Meus passos eram altos demais, a folhagem não estava seca, mas havia muitos galhos no chão, que eu quebrava sem querer. No entanto, ao parar para analisar o caminho que tinha feito - não pretendia me afastar muito da casa dos Black - ouvi um galho se quebrando. E não foi eu. Virei meu corpo na mesma hora, interessada e um pouco assustada. O problema era que, pela floresta ser grande demais e silenciosa demais, o som se propagou e eu não soube ao certo de que lado ele veio. Meu coração começou a acelerar, um tipo de adrenalina nada legal descendo por minhas veias. Pensando em quando eu era uma criança, decidi que estava na hora mesmo de voltar. Eu mal me lembrava do ataque quando menor, mas não queria reviver as emoções quando adulta.

Assim que me virei para sair, um homem ficou a minha frente. Eu sufoquei o grito, mas a cara de choque foi impossível de segurar. Ele estava encostado na árvore, despreocupado. Eu nunca o tinha visto antes, e no entanto, ele não me parecia completamente estranho. Minhas mãos apertaram o fino suéter que eu estava usando. Aos poucos minhas feições foram se controlando melhor, por mais que eu ainda não soubesse quem ele era.

O homem era alto - tão alto quanto Black- e tinha uma pele cor de cobre, os olhos eram claros, na cor de mel, mas não pareciam produzir nenhuma luz ou brilho, era a mesma coisa do que olhos negros e inexpressivos. Os cabelos, longos até seu pescoço, eram de um tom castanho claro. Ele era forte, muito forte.

Minha boca estava seca e eu não conseguia produzir os sons que desejava. Tomei uma longa respiração para acalmar meu coração e então, com o ar da floresta, me veio a coragem que faltava.

– Quem é você? - perguntei.

Ele continuou a me olhar de um modo estranho. Parecia me avaliar, mas não como Black fizera - de um modo que também era estranho-, o olhar do homem era mais, mil vezes mais perigoso. Ele não só me avaliava, parecia refletir sobre o que via. Minha irritação subiu um pouco por não ter a minha resposta. Eu olhei por cima do ombro dele, a casa não estava tão distante, eu conseguia ver suas luzes daqui, mas ele estava no meu caminho para ela.

– Estava na festa do Billy? - perguntei, mas eu já tive a minha resposta muito antes de terminar a perguntar, o cenho dele se franziu em desagrado.

– Qual o seu nome? - perguntou, sua voz era mais grave do que eu imaginava, de uma rudeza grande, e, ao mesmo tempo, eu tive a estranha sensação de que ele não costumava falar muito. O modo como pronunciou as palavras era como se ele perdera o hábito da fala.

Eu falava ou não? Decidi por mentir.

– Claire. - falei sem pensar. - E você? - olhei mais uma vez por cima de seu ombro, dava para correr até a casa de Billy? Se eu gritasse, eles me ouviriam? Provavelmente não.

O estranho pareceu acompanhar meus pensamentos. Virou seu corpo de lado.

– Não precisa se preocupar. Não vou te machucar. - falou, mas havia algo por trás de seus olhos quando ele disse isso, um brilho de animação quase, um divertimento secreto.

Eu hesitei. Ele me atacaria se eu passasse por ele? Quais eram as minhas chances, de qualquer forma, se ele fosse me machucar, o faria. Dei alguns passos para o lado, me distanciando dele, e comecei a caminhar de volta. O vento da floresta bateu em meu rosto, varrendo algumas preocupações, era quase como um carinho materno, só que úmido e com cheiro de terra. Como mágica, eu me senti protegida por um breve momento enquanto o vento me circulava, levantando meus cabelos. Passei pelo homem, que me olhava com os olhos um pouco semicerrados, parecia confuso, intrigado. Não gostei disso, apressei o passo e mantive um olhar sobre meu ombro. No momento em que virei a cabeça para olhar para trás, ele não estava mais lá. Pisquei confusa. Aquilo não havia sido uma miragem, com certeza. Tinha, a poucos segundos, um homem bem ali, um homem que eu acompanhava pela visão periférica, como que ele tinha sumido desse jeito, sem nem fazer barulho?

Agora com a situação entrando em minha mente, penetrando cada fortaleza de meus neurônios eu consegui assimilar tudo. Senti o medo que deveria ter sentido há poucos minutos. Eu corri. Corri o mais rápido que pude, cheguei a orla e não parei por ali, subi o pequeno declive da casa dos Black aos passos longos. Quando terminei de subir, choquei meu corpo com o de mais alguém, que também estava correndo. Eu perdi o equilíbrio com a força do impacto e estava caindo para trás, quando a pessoa me segurou bem próxima.

Os braços eram quentes, mais quentes do que meu casaco dentro da casa. Eram firmes também, e traziam uma estranha sensação de proteção. Olhei para cima, dando de cara com Jacob Black. Eu também não tinha notado - no meu desespero para sair da floresta - que a chuva havia aumentado. Só daquela corrida até aqui eu já estava encharcada, e Black estava começando a ficar também.

Ele me manteve próximo, suas duas mãos grandes na base de minha cintura. Eu demorei mais do que um minuto para notar que ele ainda me segurava, que eu ainda estava nos braços dele. Quando finalmente a fixa caiu - meu cérebro estava trabalhando com a velocidade reduzida aqui em La Push -, me afastei de Black, empurrando seu corpo para trás. Eu já tinha o meu equilíbrio de volta, não precisava mais da ajuda dele. Bom, mais ou menos, como acontecia quase sempre, eu sentia minhas mãos tremendo, assim como minhas pernas também. Mas atribui isso ao vento gelado e a chuva fria. Não tinha nada a ver com a pessoa de Black em si.

– Estávamos procurando por você. - Black disse, o tom rouco dele me aquecendo mais do que deveria, mas também me lembrou do homem na floresta, o que não foi uma boa lembrança.

– Fui dar uma volta. - juntei meus braços perto de meu corpo.

– Vem, você vai acabar doente. - diz e me conduziu para a varanda da casa. Ele abriu a porta da varanda e esperou que eu passasse. Minhas pernas estavam tremendo demais e pareciam estar com chumbo, demorou um pouco para que eu subisse em segurança pelos pequenos degraus.

Black fechou a porta e ficou me olhando. Parecia intrigado, ele se aproximou mais de mim. Dei, involuntariamente, um passo para trás. Oh não, isso aqui não era um maldito filme romântico, eu não ia ter um momento-tensão-sexual com Black. Ele parou de andar, mas exibiu o sorriso mais travesso que eu já vi algum homem exibir.

– Você parece esquiva. - analisou ele.

– E você parece prestes a invadir meu espaço pessoal. - retruquei. Agora que eu não estava muito próxima de Black, comecei a sentir o frio que eu deveria. Meu corpo inteiro começou a tremer.

Black colocou as mãos dentro dos bolsos da calça.

– Acho que nunca fui acusado disso antes. - refletiu divertido, seus olhos não deixando os meus por um segundo. Era inquietante.

– Você parece ser acusado com muita frequência para falar assim.

– Geralmente sou. - seu sorriso se tornou mais malicioso e maior. - Vamos entrar, você está tremendo.

– Eu estou bem. - falei com rispidez. Em um momento de impetuosidade, também falei antes de pensar. - Como está sua moto?

Se ainda era mais possível, seus olhos se tornaram extremamente divertidos, era como se ele quisesse gargalhar. No entanto, apenas os olhos refletiam isso, a boca voltou aos poucos ao estado normal, sem expressar absolutamente nada. Ele parecia pensar antes de falar.

– Bem. Sabe, aconteceu algo realmente interessante com ela esses dias. Alguém, e eu não faço ideia de quem seja, furtou ela por breves minutos, só para colocar atrás do restaurante. Claro, não posso me esquecer da sujeira que deixaram em cima também.

– Mistério, mistério. - ironizei. Mas eu não podia mais negar. Estava realmente precisando de um ambiente quente e uma toalha. E, pela coceira na garganta, eu já sabia que minha próxima semana em La Push seria ainda pior do que a outra.

Eu me virei pronta para entrar na casa dele. Mas Jacob me impediu, sua mão se fechando em meu braço. Eu puxei, mas virei para olhá-lo.

– Por que estava correndo? – ele perguntou com o cenho franzido. A ideia pareceu ter-lhe ocorrido agora.

Dei de ombros.

– Percebi que tinha ficado muito tempo fora e que vocês provavelmente estariam procurando por mim. Por que? – estreitei meus olhos para ele. O que ele tinha a ver com isso?

Jacob não deu de ombros, mas o movimento que fez com a cabeça foi quase isso. Ele não comprou o que eu disse, ficou me encarando por um tempo, como se apenas com isso ele conseguisse ler por trás de minha resposta. Bom, boa sorte com isso! Eu não ia falar sobre o homem maluco na floresta, a última coisa que eu queria agora era bancar a maluca.

Jacob soltou meu braço e eu entrei na casa, sem olhar para trás. Eu podia ser uma boa mentirosa quando queria, mas acho que hoje não era para ser. Lá dentro apenas meu pai estava procurando por mim, o resto parecia muito entretido com a festa. Billy, que ficava em uma cadeira de rodas velha, sorria o tempo todo, muito feliz por ter todas aquelas pessoas ali por ele.

Meu pai não disse nada, mas abriu a boca para falar, foi Jane quem interferiu e dessa vez eu agradeci. Não queria fazer uma cena na frente de todos. Poderíamos conversar em casa depois.

– Você precisa se secar. – Jacob disse atrás de mim. Eu dei um pulo, não esperando ouvir sua voz tão perto.

– Estou bem – rolei os olhos, mas minha garganta já estava começando a incomodar. Maldita chuva! Eu não queria ficar doente na semana que vem... Mas, por outro lado, se isso fosse me fazer perder algumas aulas eu estava mais do que feliz.

– Vai mesmo obrigar a chamar seu pai? – havia muita diversão na voz dele.

Tentando manter o máximo de dignidade enquanto eu caminhava, segui Jacob pelas pessoas. A maioria estava entretida demais em suas conversar para notar eu passando, mas Austin, Brady e Collin não. Eles lançaram um olhar confuso para mim. Balancei a cabeça como resposta. Não era como se eu pudesse responder também. O que eu ia falar: “ah galera, relaxa! Só fiquei molhada na floresta com um estranho de olhar assassino!”. Não, não era algo no qual eu podia revelar.

O corredor era pequeno e bem estreito, com espaço suficiente para a cadeira de rodas de Billy passar. O quarto de Jacob ficava no final do corredor, mas eu neguei veemente entrar nele. Eles tinham um banheiro no corredor que ia ser mais do que suficiente. Jacob riu com a minha recusa, mas me entregou uma toalha e me deixou usar o banheiro.

Ele era do mesmo tamanho do de John perto da sala. Pequeno e simples. Eu já estava me acostumando com essa arquitetura simples e eficiente de La Push. Sequei meus cabelos o melhor que pude, depois tirei o casaco. As roupas debaixo estavam úmidas, mas não ensopadas, elas secariam em minutos. O problema mesmo era a minha bota. Poderia considerar ela um caso perdido, era de camurça e estava cheia de lama e chuva. Eu tentei limpá-la o melhor que pude com o papel higiênico, mas não consegui ir muito além de tirar a lama. Eu teria que deixá-la de molho assim que chegasse em casa, para não estragar.

Quando julguei que estava decente e não levantaria nenhuma suspeita da minha saída eu saí do banheiro. Jacob ainda me esperava, estava encostado na parede do corredor, de braços cruzados mas bem relaxado.

– Achei que tinha morrido lá dentro. – brincou.

Senti minhas bochechas corarem, mas não disse nada além de um agradecimento pela toalha. Ele deu de ombros e voltou pelo corredor, indo em direção a lavanderia. Eu voltei para a cozinha, onde Brady, Collin e Austin estavam conversando. Meu estômago roncou um pouco de fome, mas eu ainda tinha minha cabeça no estranho na floresta. Não havia me passado despercebido que ele tinha ocultado seu nome.

Também senti que ele não queria ser visto, que seu encontro comigo tinha sido inesperado.

– O que aconteceu? – Collin perguntou.

– Collin! – Austin disse acotovelando ele.

– O que? Você também estava curiosa!

– Ah meu Deus! – Austin corou e balançou a cabeça envergonhada.

Consegui rir disso.

– Eu sai um pouco e tomei chuva, Jacob Black foi atrás de mim para avisar que meu pai estava me procurando. – isso poderia me arrecadar um prêmio master de edição.

Eles voltaram a uma conversa que estavam tendo aparentemente antes de eu chegar. Deixei que me levassem pela conversa sobre os benefícios de ter um carro manual. Eu estava em desvantagem ali, odiava o carro manual, tinha um sério problema com embreagem e essas coisas, mas ocultei isso, rindo das justificativas insanas que cada um dava. E eu achava que não entendia de carros!

O dia passou rapidamente. Emily e Sue começaram a servir alguns tira-gostos, o que aplacou um pouco a minha fome. Depois foi a hora de cantar parabéns. Não parecia, mas Billy estava fazendo 62 anos. Eu nunca, em um milhão de anos, daria essa idade para ele. Billy poderia aparentar com conforto 55 anos. Havia sim algumas rugas de expressão em seu rosto, mas nada que dissesse hey-tenho-62-anos.

Depois que o bolo foi servido eu consegui aplacar um pouco da minha fome, mas assim que chegasse em casa eu já estava pensando em abrir a geladeira e fazer o melhor sanduíche que La Push já viu! John ainda testou um pouco minha paciência por não querer ir embora tão cedo, mas será que ele não entendia que após o bolo ser cortado era praticamente um bota fora do anfitrião? Provavelmente não.

Eu tentei ignorar a imagem da floresta que parecia muito mais viva para mim agora do que antes, como se o seu tom verde musgo e lamacento não estivesse brilhando tanto. Também tentei ignorar os olhares que Jacob me lançava do outro lado da sala, parecendo estar atento a qualquer movimento estranho que eu fizesse. Fiquei imaginando o motivo por trás de tanta atenção no que eu estava fazendo, mas tinha uma forte suspeita de que Jacob não tinha comprado a minha história quando sai correndo da floresta.

De repente me senti muito ridicula e maluca. E eu não gostava de nenhum desses dois sentimentos.


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Notas finais do capítulo

E é isso ai gente! Espero que tenham gostado e que tenha aguçado um pouco da curiosidade de vocês.
Não se esqueçam de deixar comentários e sugestões, estou super aberta a elas.
Beijos e até semana que vem!!
;*



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