A Dream Twice escrita por laurakr


Capítulo 15
Capítulo 14


Notas iniciais do capítulo

capítulo sobre a Annie =D
música: Misguided Ghosts - Paramore



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Sabe... Eu nunca me preocupei muito... Em querer recuperar as minhas lembranças. Eu nunca me preocupei muito em saber como era a minha vida, antes de me esquecer de tudo e conhecer o Lucas naquele hospital. A única coisa que eu sentia era curiosidade em relação a algumas coisas e um vazio... Como se algo muito importante não estivesse mais ali. Provavelmente era por ter perdido a memória. Porque talvez seja mesmo verdade que nossas lembranças nos dizem quem somos. Mas eu nunca dei muita importância pra quem eu era... Porque eu disse a mim mesma que não importava. Eu achei que deveria preencher a memória que me faltava, com uma nova. Com novas pessoas e com novos acontecimentos. Mas sabe... Aquele pequeno vazio que eu sentia... Nunca desapareceu de mim. Eu estou muito confusa. E muito triste também. Porque depois do que o Lucas me disse... Aquele vazio voltou. Só que voltou maior. Quase como um buraco negro, que atrai e suga todo tipo de coisa que se aproxima. Mas no meu caso, esse vazio só tem atraído e absorvido coisas ruins.   E dói tanto... Mas tanto... Que eu não sei mais o que fazer pra colocar toda essa dor pra fora de mim. Seria melhor se eu tivesse me descabelado de tanto chorar. Mas as lágrimas... Elas simplesmente não saem. Talvez elas conseguissem anestesiar tudo isso que estou sentindo. Porque a única coisa que restou dentro de mim... Foi o nada. E isso me fez perceber que... Eu estou sozinha. E nem mesmo tenho as minhas lembranças pra me fazer companhia. E eu procurei qualquer coisa na qual pudesse me aferrar, eu procurei desesperadamente por isso, mas não havia nada. Então eu me dei conta de que eu abri mão de uma parte da minha vida. Me dei conta de que se eu continuar fugindo disso e agindo como se não importasse, eu vou acabar ficando assim pra sempre. Sozinha. Sozinha... E vazia. E pela primeira vez depois de tanto tempo, eu me senti arrependida. Senti pela primeira vez, o quão importante é você se lembrar das coisas que aconteceram na sua vida. Senti... O quão amedrontador é perder os pequenos momentos – mesmo que tristes – que ficam guardados na sua cabeça. Pois são eles que te dizem quem você é, e são eles que vão te ajudar a não cometer os mesmos erros, e que vão te ajudar a crescer e seguir em frente. São eles que vão te dar a esperança de que tudo vai melhorar, e são eles que vão te fazer sorrir quando alguma coisa de ruim acontecer, porque assim você vai poder olhar pra trás e se lembrar de que um dia as coisas já foram melhores. E talvez isso te conforte. Talvez... Se eu ainda tivesse as minhas lembranças... Não estaria me sentindo tão sem identidade como estou me sentindo agora. E por isso... Eu decidi dar prioridade a minha vida, decidi que vou desistir do Lucas por enquanto. Porque até eu descobrir quem eu sou de verdade, eu não tenho o direito de exigir que ele goste de mim. Talvez, se eu recuperar a minha memória, as coisas ganhem um sentido novamente. Porque afinal, quem garante que essa é quem eu sou de verdade? E se um dia eu me lembrar de tudo e perceber que as coisas que eu pensava gostar, na realidade eu odeio? Eu tenho medo disso também, sabe? De que a minha vida não passe de uma mentira. De que os sentimentos que eu penso ter agora, não passem de idiotice. Talvez, se eu recuperar a memória, eu me dê conta de que o que sinto por ele é só gratidão. Talvez eu apenas tenha confundido as coisas?  Ou então, eu apenas tenha me apaixonado por ele, porque ache que ele me “salvou”. Quem é que garante que eu não gostava de outra pessoa, antes do acidente acontecer?

 

 

                                        Quando penso nisso... É realmente assustador.

 

 

Mas não é como se só se dando conta disso, fosse fazer com que a dor sumisse. É bem difícil, e eu não sei mais o que fazer. Também não sei o que fazer pra conseguir me lembrar do que aconteceu. Se eu apenas tivesse alguma base de como minha vida era antes... Seria melhor. Mas é estranho... Como eu só sei coisas sobre mim, de quando era pequena. E é estranho como a minha mãe se recusa a me dar certas informações. Também é estranho, não ter nenhum vestígio meu, de quando tinha entre onze e quatorze anos. Porque é que há tantas fotos minhas quando pequena, e depois dessa época, é como se tudo tivesse se apagado? É claro, que eu já tinha me feito todas essas perguntas. É claro que eu já tinha pensado bastante sobre isso. Mas era inútil, porque nunca tive uma resposta. Talvez eu devesse perguntar a outra pessoa? Tentei reunir o máximo de pistas possíveis. Desde fotos de família, desenhos que fazia quando criança, até os pesadelos e sonhos esquisitos que costumava a ter. Dentre essas coisas, vieram muitas teorias. O que aconteceu na escola alguns dias atrás por exemplo. Definitivamente, não era normal. Porque não é possível uma pessoa começar a sonhar acordada em uma manhã de sol no meio do corredor da escola. Mas ao mesmo tempo, aquilo não poderia ser uma lembrança. E eu preferia que não fosse mesmo. Porque só de pensar, eu sentia aquele vazio se alargando cada vez mais pelo meu corpo. É claro que eu deveria pensar nas possibilidades, mas não fazia sentido. O que eu vi quando olhei para o banco de trás daquele carro... Foi sangue... Muito sangue... Cobrindo a Kate. Mas não era só o sangue... Porque alguma coisa a estava rodeando. Mas eu não saberia dizer se aquilo era uma pessoa. Porque tudo ficava embaçado e eu só conseguia me concentrar nela... Coberta de sangue e muito machucada. E a minha cabeça começava a doer, toda vez que eu pensava nisso. Mas confesso que é estranho. Eu vinha sonhando com isso desde que encontrei com ela naquela festa. Mas nunca conseguia ver nitidamente quem era a pessoa, até eu dar aquele tapa no rosto do Leonard. E pode parecer besteira, mas gritar com ele me foi familiar... Como se eu já tivesse feito aquilo antes. O que é mais impossível ainda, já que eu e Leonard nunca tínhamos nos falado até a Kate se transferir pra essa escola. Aliás, se eu pensar bem... Tudo mudou muito depois que ela veio pra cá. Como se as coisas tivesse começado a se mover. Como se ela tivesse pausado um filme, e voltado para assisti-lo depois de muito tempo. Eu sei que não faz o menor sentido, mas é assim que eu me sinto. 

Sabe, ás vezes parece que há uma conspiração contra mim. Como se as pessoas soubessem de coisas que eu não sei. Eu me sinto de fora, quando vejo o Lucas e a Kate conversando. Eu me sinto de fora, porque o Leonard gosta tanto dela enquanto o Lucas me diz pra ficar longe dele. Eu me sinto de fora por que... É como se eu visse as coisas acontecerem tão facilmente na vida dos outros, enquanto a minha continua aqui, parada. Como se, eu não fizesse parte do mundo em que eles vivem. Como se tivesse sido esquecida ou deixada de lado. Eu já cheguei a me perguntar... Se o Lucas não gosta da Kate. Porque ele se preocupa tanto com ela? Porque os dois parecem ter um tipo de cumplicidade tão estranha? Como se um entendesse perfeitamente como é ser o outro. Eu não consigo entender esse tipo de coisa. Mas agora... Eu entendo o Leonard. Entendo o porquê de ele estar com a Laila. Se eu tivesse alguém em quem pudesse me apoiar pra tentar esquecer o que sinto pelo Lucas, talvez eu fizesse a mesma coisa que ele fez. Mesmo sabendo que isso não adiantaria de nada. Porque eu sei que ele gosta dela. Ele não teria me dito aquelas coisas... Não teria me pedido pra ir atrás dela... Se não sentisse nada por ela, se não se importasse com ela.

 

- Leonard? O que está fazendo agachado desse jeito no meio do corredor? Tá passando mal ou algo do tipo?


- Será que... Você poderia me fazer um favor?        

                                                    

Ele não estaria naquele estado deplorável, e nem teria pedido a minha ajuda.

 

- Posso... Mas o que aconteceu?


- Eu fiz uma coisa muito... Idiota...


E sua voz também não estaria falhando daquela maneira.

 

- Você está sempre fazendo coisas idiotas, isso não é novidade nenhuma.


- Eu beijei a Kate... E ela deve estar chorando sozinha em algum lugar agora...


- Ou te amaldiçoando.


- Provavelmente os dois... Você pode ir atrás dela?


E a verdade é que se eu também não me importasse com ela, não teria feito isso.

 

- Obrigado... Annie.

 

O que é mais estranho ainda, do que qualquer outra coisa... É esse sentimento. Eu me sinto confortável, quando estou perto dela. E sinto que... Poderia ser divertido, se Leonard, Lucas, Kate e eu... Fossemos amigos. E toda vez que eu penso em nós quatro juntos, a visão se torna tão... Certa, que me assusta. Mas ultimamente, eu tenho me sentido cada vez mais de fora. Eu tenho visto os três mais juntos essa semana. Embora ninguém perceba, porque o Leonard está sempre com a Laila, dá pra ver que ele está mais próximo da Kate. E dá pra ver também, que o Lucas não se importa mais com isso. É como se todos tivessem se tornado amigos, e eu tenha sido excluída. Mas não é só pelo Lucas que eu estou sendo “ignorada”. Na segunda-feira eu entrei na sala de aula após o intervalo e lá estava Leonard, Lucas e Kate discutindo alguma coisa com a Laila.

 

- Aaan florzinhaaa – Laila disse quando me viu na porta – olha só, chegou na hora certa!


Os três pareceram assustados por me verem ali, e aquilo me magoou muito. Não disseram nada, e só olhavam pra Laila amargamente.

 

- Bem Leonard, você que sabe. Eu te perdôo dessa vez, mas já sabe as condições não é?


Laila os fitava, e parecia estar se divertindo por algum motivo. Kate me olhou de relance e tentou disfarçar, logo depois ela olhou para os dois e falou um pouco mais baixo:

 

- Talvez já esteja na hora de acabar com isso.


- Você não precisa se forçar Leonard, eu dou um jeito. – era Lucas agora que sussurrava.


Aquilo era tudo muito estranho, e ao mesmo tempo extremamente irritante. Leonard olhou sério para mim, e não os respondeu. Dirigiu-se a Laila, quando falou:

 

 - Tudo bem, eu não me importo.

 

Depois disso Laila sorriu e ele saiu de lá abraçado com ela. Kate e Lucas pareciam chateados com a decisão dele, mas não falaram nada. Como eu tinha decidido que desistiria permanentemente do Lucas, também não disse nada e apenas sentei no meu lugar. Kate saiu da sala um pouco transtornada e não se despediu. O que quer que fosse não devia ser coisa boa. Durante a semana toda, foi como se o vazio que eu sentia dentro de mim tivesse contaminado tudo ao meu redor. Porque nada mais parecia me interessar. E eu tentava manter minha cabeça longe de tudo. Mas mesmo assim, não conseguia evitar olhar pro Lucas. E toda vez que eu fazia isso, a dor aumentava e eu ficava me lembrando do que havia acontecido. Era irritante também, porque no intervalo ele não ficava mais ali. Sempre ia pra sala da Kate. E quando tentei espiá-los – não pude evitar – vi que Leonard e Laila também ficavam na sala. Talvez todos estivessem se dando bem e eu apenas estivesse fantasiando que havia algo de errado pra não me dar conta de que eu estaria sempre sozinha. Então... Se era isso, eu não iria me meter. Me concentraria em tentar lembrar de alguma coisa.

Mas os dias foram passando, e nada mudava. Eu sentia que estava me tornando cada vez mais miserável. Nem mesmo as aulas de teatro estavam adiantando. Porque eu tinha que vê-lo na escola todos os dias, e ele nem se importava com isso. Eu queria que nunca tivesse dito nada pra ele. Queria ter pensando direito antes de me declarar. Talvez teria sido melhor se eu me aproximasse como amiga, porque dessa maneira eu poderia pelo menos tê-lo por perto. Mesmo que doesse, mesmo que eu soubesse que nós nunca teríamos nada, pelo menos eu poderia estar ao lado dele, e não me sentiria como estou me sentindo agora. Como se fosse um peso pro mundo. Como se a minha vida só tivesse razão quando raramente o via olhando para mim. Eu tinha arrumado um costume estranho, desde que decidira aceitar a realidade dos fatos. Todos os dias depois da escola, eu me sentava no banco de uma praça que ficava no caminho pelo qual passava para ir para casa, e ficava lá por um bom tempo, observando as pessoas. Eu via todo tipo de gente. Crianças brincando, senhores de idade jogando dama nas mesinhas, garotos jogando futebol... E pessoas que costumavam passar por ali, assim como eu. Ficava tentando imaginar o que acontecia na vida dessas pessoas, e me perguntava... Se eu costumava fazer o que alguma delas faziam. Tentava me lembrar de alguma coisa, qualquer coisa... Mas como sempre, nada aparecia. Era frustrante. Mas depois de um tempo acabei me acostumando. Duas semanas já haviam se passado e logo, entraríamos de férias. Mas os dias eram tão sem-graça, que eu praticamente não os via passar. Como se não tivessem significado na minha vida. O que de fato, não tinham.

Levantei-me do banco quando percebi que o sol estava mais forte, apesar de tudo não deveria me atrasar para o almoço. A minha mãe já estava bem preocupada comigo. Nós tivemos uma discussão e no dia seguinte eu não estava muito bem, mas fui á escola mesmo assim. Era uma sexta-feira e tinha tudo para ser exatamente como as outras. E teria sido mesmo, se eu não tivesse decidido falar com a Kate. O sinal para a saída bateu, e eu fui a última a sair, refletindo se deveria mesmo ir conversar com ela. Talvez ela pudesse me ajudar, e talvez alguma coisa mudasse. Fiquei um bom tempo esperando ela passar pelo corredor para ir embora, mas ela não veio. Nem ela e nem o Leonard haviam passado por ali, disso eu tinha certeza. Resolvi que não me importava mais em atrapalhá-los, já que eles não conversavam mais comigo e fui á sala deles. No meio do caminho, enquanto passava, pude ver pela fresta da porta de uma sala, que Lucas estava lá dentro. 

 

- Então quer dizer que você chantageia o Leonard pra ser seu namorado, mas fica se pegando com outro no final da aula? Qual o seu problema?

 

Eu parei ao ouvir a voz dele e me aproximei da porta.

 

- Shiiiiiiiiu – pude ouvir uma risada – você não vai querer que os outros saibam, não é?

 

Aquela risada não me era estranha, tentei arriscar e espiar um pouco, e pude ver que a garota que estava com ele era a Laila.

 

- Afinal, o que você quer? Eu pensei que você gostasse do Leonard, e por isso a palhaçada toda, mas se você nem gosta dele, porque é que-

 

Ela se aproximou dele e colocou o dedo indicador sobre seus lábios enquanto sorria e fazia outro “shiu”. Eu quase arrombei aquela porta e podia me imaginar arremessando várias carteiras em cima dela, mas então eu me lembrei que o Lucas tinha me pedido pra ficar longe, e que isso não era da minha conta. Continuei espiando e ele parecia irritado com a atitude dela.

 

- Mas eu gosto do Leonard. Gosto de como ele é popular.

 

- Se era só isso você poderia ter arrumado qualquer outro.

 

Ela então começou a passear os dedos pelos ombros dele e se aproximou. É assim que ela seduz todos esses garotos?

 

- Tem razão... Pensando bem... Você até que não é de se jogar fora e é bastante popular. Sem contar que tem todo esse negócio seu e da Annie e seria bem excitante pra mim, se ela te visse comigo.

 

Eu não sei se era pela situação, se era pelo Lucas ou se era pelo ódio que eu estava sentindo da Laila, mas as lágrimas que eu não tinha conseguido soltar começaram a cair naquele momento. Pude ver que o Lucas não se movia. Ele não fazia nada pra evitar o que estava por acontecer, e ela continuava lá, com aquele sorriso malicioso no rosto enquanto ele a olhava sombriamente. Eu tentei não fazer nenhum barulho, enquanto via seus lábios se aproximando dos dele. Mas quando pensei que o pior fosse acontecer, ele a empurrou. Eu poderia ter dado um grito de alegria naquela hora, se a Laila não tivesse se aproximado novamente dele novamente, mais brava do que nunca.

 

- Você se esqueceu do que está em jogo aqui?

 

Ele a fitou com repúdio.

 

- A sua diversão?

 

Ela sorriu e colocou os dois braços em volta do pescoço de Lucas.

 

- Não. A felicidade da Annie.

 

Eu não fazia idéia do porque de ela estar falando isso, mas me chamou atenção, e eu me aproximei mais da porta pra tentar ouvi-la melhor. Eu pude ver ela se aproximar mais e sorrir ameaçadoramente antes de falar:

 

- Ou você vai querer que eu a deixe triste contando que o Tony morreu e que seus preciosos amigos estiveram mentindo pra ela durante todo esse tempo?

 

E aí... Ela o beijou. E as minhas pernas cederam sem que eu pudesse perceber. E por mais que eu quisesse, por mais que eu tentasse... Não conseguia encontrar forças pra me levantar e sair dali. Eu não conseguia discernir o que eu estava sentindo. Traição, rejeição, amor não-correspondido, mentiras, amizade, amor, lágrimas, vazio, dor, falta de ar... Talvez uma mistura disso tudo. Minha cabeça começou a doer devido a tantas lágrimas que escorriam pelo meu rosto. Levei as duas mãos a ela, tentando fazer com que tudo aquilo sumisse, mas não adiantava. Era como se alguma coisa estivesse entalada na minha garganta. Parecia que tudo pelo que eu estava passando havia subido pela minha traquéia e as lágrimas – apesar de tantas – já não eram capazes de colocar aquilo tudo pra fora. Aliás, parecia que a dor estava vazando através das lágrimas, e que o resto me faria explodir. Senti uma mão me puxando e tentando me levantar, mas eu não conseguia. Minhas pernas estavam amortecidas e era como se eu pesasse uma tonelada. Então ele acrescentou outra mão e me levantou, me tirando dali enquanto falava:

 

- Ei Annie, o que aconteceu hein? – calmo demais como sempre, até mesmo nesse tipo de situação - O que você estava fazendo ali no chão?

 

Então, quando ele me perguntou o porquê, eu só consegui responder pra mim mesma. E o que eu tinha visto e ouvido passou como um filme pela minha cabeça, que começou a doer mais e mais. E tudo aquilo entalado na minha garganta pareceu duplicar.

 

- Porque você tá desse jeito?

 

E cada vez que ele me perguntava isso, tudo começava a se repetir novamente. Então, quando eu consegui olhar para ele – mesmo sem conseguir de fato enxergá-lo – eu senti como se tivesse me lembrado de algo muito importante. Talvez fosse isso. Talvez... A resposta fosse essa. Eu puxei minha mão abruptamente e me desvencilhei de Leonard. Comecei a correr o mais rápido que pude, enquanto repetia diversas vezes a mim mesma, o que havia me lembrado. Eu tinha medo de me esquecer novamente. Corri desse modo até chegar em casa, assustando minha mãe quando entrei pela porta apressada e subi até o meu quarto. Quase cai quando puxei uma das caixas que ficavam em cima do guarda-roupas, e a mesma fez um tremendo barulho quando caiu no chão, esparramando tudo o que havia dentro dela. Desesperadamente comecei a procurá-lo.

 

“Caderno marrom, caderno marrom, caderno marrom...”

 

- Aqui!

 

Depois de encontrá-lo, fui até o meu porta-jóias e peguei a corrente dourada cujo pingente era uma chave da cor prata. “Que coisa mais esquisita... Eu não usava isso, usava mãe?” Foi o que perguntei quando a vi pela primeira vez depois que voltei do hospital. Estava tremendo e não tenho certeza de como consegui abrir o cadeado do caderno no estado em que me encontrava. Olhos e nariz extremamente vermelhos de tanto chorar e descabelada também. O meu material havia ficado na escola, mas eu não estava me importando. Após abrir o cadeado, retirei-o e me apressei em abrir a pequena “caixa” que protegia o caderno. Desastradamente tirei o caderno de dentro dela e a joguei por ali. Quando o abri apressada, um envelope da cor branca caiu do mesmo. Já havia sido aberto e em sua parte de trás, estava escrito caprichadamente: nunca me esquecerei de vocês. Um medo enorme se apossou de mim nesse momento, mas eu sabia que ali haveria uma resposta. Então eu o peguei, mãos tremendo, e notei que havia um papel dentro dele. O puxei para fora. Era a foto de quatro adolescentes. Quatro amigos. Dos meus amigos. E como se estivesse adormecido, algo dentro de mim acordou. Acordou, e toda aquela dor entalada na minha garganta começou a se apossar de mim novamente. Mas dessa vez eu não consegui refreá-la. Dessa vez não foram só as lágrimas que eu deixei escapar. Levei minhas mãos á cabeça novamente e comecei a gritar. Porque se eu não fizesse aquilo, tinha certeza de que explodiria. Meu peito explodiria se eu não colocasse aquela dor pra fora. Se eu não gritasse com todas as minhas forças, se eu não fizesse toda a dor que estava sentindo ser expressada de alguma forma, talvez eu não agüentasse. Talvez eu me despedaçasse ali mesmo sem um modo de me reconstruir.

Podia ouvir minha mãe tentando me acalmar, mas quanto mais ela falava, mais eu gritava, mais eu chorava e mais e mais, meu peito doía. Eu não me lembro por quanto tempo fiquei fazendo isso, mas eu chorei muito. Chorei e gritei ao ponto de perder as forças. Minha mãe me abraçou e continuou a tentar me acalmar. Eu me lembro de ouvi-la se desculpando também. Mas eu já tinha perdido as forças e nem se quisesse, conseguiria dizer algo. Ela me colocou na cama e eu dormi por um bom tempo. Não me lembro de ter sonhado com alguma coisa naquela noite, embora houvesse tantas nas quais poderia pensar. Quando acordei, minha mãe tentou um diálogo, mas eu não tinha vontade de conversar. Eu precisava colocar todos os meus pensamentos em ordem. Porque eles ainda não faziam muito sentido pra mim. Todos estiveram mentindo durante os últimos dois anos. E ninguém nunca pensou realmente em como eu me sentiria quando lembrasse de tudo. Porque a dor e a culpa, agora, me consumiam. 

 

- Eu não pude nem mesmo... – a voz começara a falhar e as lágrimas a caírem incontrolavelmente - ... No seu enterro... Tony...

 

As lágrimas, a dor, a culpa, as lembranças, a falta de ar... Parecia um ciclo. Continuou durante toda a noite e voltava a se repetir sempre que eu pensava em qualquer coisa relacionada a esse assunto. Exatamente por isso, eu não conseguia colocar meus pensamentos em ordem. A única coisa da qual eu tinha certeza... É que não seria capaz de perdoar as mentiras contadas.

 

 

 

 


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Notas finais do capítulo

pra falar a verdade eu nem ia escrevê-lo mas acabou saindo assim do nada...