E o som estalado ecoou pela sala toda. Todos os olhares direcionados a mim. Minha mão ainda estava parada no ar, e a marca vermelha dos meus cinco dedos no rosto de Leonard se tornava cada vez mais visível.

 - O QUE VOCÊ PENSA QUE ESTÁ FAZENDO ANNIE? – Era Laila gritando, chocada com o acontecido.

Mas nem eu mesma sabia a resposta. Eu estava com raiva. E mesmo esse tapa, ainda não havia aplacado tal sentimento. O que mais me irritava, é que Leonard ainda permanecia parado. Enquanto a sala toda se agitara com o ocorrido, o próprio, ainda não havia dito nada.

- PEÇA DESCULPAS AGORA ANNIE! QUEM VOCÊ PENSA QUE É PRA FAZER ISSO COM O MEU NAMORADO? – Enquanto Laila gritava cada vez mais, eu a ignorava.

- Fica calma Laila – Lucas se aproximou e tentou acalmá-la, mas eu não estava prestando atenção, eu olhava para Leonard, que ainda não se mexia.

Aquilo causara um rebuliço e muitas pessoas de outras salas haviam vindo ver o que estava acontecendo. A sala estava um caos, e eu ficava cada vez mais irritada esperando uma reação qualquer da pessoa a minha frente.

- Você... – estava extremamente decepcionada e irritada – Você...

- Será que você poderia salvar alguém por mim Annie? 

A sala estava em silêncio agora, tentando ouvir o que eu tentava dizer, mas as palavras ficavam cada vez mais difíceis de expressar, conforme me lembrava do dia anterior.

- Ela deve estar chorando sozinha agora.

Então, eu explodi.

- NÃO FOI VOCÊ QUEM ME PEDIU, QUASE CHORANDO, PRA SALVÁ-LA ONTEM LEONARD? QUE DIABOS VOCÊ ESTÁ FAZENDO AQUI AGARRADO COM A LAILA?

Eu não podia deixar de me sentir angustiada, pela cena que me fizera tomar tal atitude. A única coisa que Leonard fez, ao ouvir meu questionamento, foi me olhar de um modo triste. Então essa... Era a resposta?

- Eu pensei... Que você realmente gostasse dela. – que idiota eu havia sido, por ajudá-lo.

Laila continuava a gritar coisas sem nexo e a fazer perguntas, mas eu estava com tanta raiva, que se prestasse atenção ao que ela dizia, certamente a próxima bofetada seria para ela. Não havia mais razão para ficar ali. Dei as costas para Leonard, e os alunos presentes abriram caminho para que eu passasse. Mas eu ainda tinha algo a dizer.

- Você tinha razão no que disse naquele dia Leonard Campdell. Nós definitivamente, não estamos na mesma situação.

Eu saí apressada da sala e Lucas veio atrás de mim. Ele havia me seguido até ali, tentando me convencer de que deveria desistir dele. Conforme tinha combinado com a Kate, eu esperei o sinal do intervalo para deixar as coisas claras com ele, mas ele não aceitou e tentou me impedir, então eu simplesmente saí correndo e ele me seguiu. Eu não esperava me deparar com Leonard no maior amasso com a Laila, e aquilo me irritou muito. Fiquei decepcionada, porque eu estava começando a confiar nele, pensei que não era tão ruim assim, já que foi ele quem me mandou atrás da Kate no dia anterior. Ainda mais... Depois que descobri que o menino que tinha falecido naquele acidente, era namorado dela. Eu realmente pensei que Leonard poderia fazê-la feliz. Mas então eu vejo que ele não passa mesmo de um idiota. Eu tomei essa atitude impensada, por ela.

- Ei Annie, me espera!- Era o Lucas me chamando.

- Mas que saco Lucas! Eu já disse que não vou desistir e...

Minha cabeça começou a doer e instintivamente levei minhas mãos sobre ela.

- Annie, o que você tem? – Lucas me segurava, extremamente preocupado – Annie!

Sangue. Eu via os carros passarem por mim como flashes e então tudo sumia. As imagens iam desaparecendo e reaparecendo na minha mente. Eu já havia sonhado com isso antes. Um carro, e a minha cabeça doendo muito, havia muito sangue, mas eu não parecia preocupada comigo.

- Annie, olha pra mim! – Ele estava em pânico, e eu não fazia idéia do que exatamente estava acontecendo.

Era sempre assim, um barulho muito alto de algo se estilhaçando, e quando eu abria os olhos, via minhas duas mãos cobertas de sangue. Então eu os arregalava como se tivesse me lembrado de algo, e olhava rapidamente para trás...

- Annie...? – ele colocou a mão na minha testa e pareceu aliviado ao me ver tirar as mãos da cabeça – O que aconteceu? Você está bem? Sua cabeça tá doendo? Porque essa cara de assustada? Ei... Você está chorando?

- Me... Tira daqui. Eu quero sair daqui. – Foi a primeira vez... Que eu consegui ver... O que havia no banco de trás daquele carro – EU QUERO SAIR DAQUI LUCAS!

- Tudo bem Annie, eu já entendi, agora fica calma – ele me dizia isso, mas parecia estar mais assustado do que eu – Agora me fala, o que aconteceu?

Como eu explicaria? Nem eu mesma sabia o que estava acontecendo... Eu só queria apagar o que havia visto, da minha cabeça. Comecei a chorar novamente, sem dar a ele uma resposta. Pensei que fosse gritar comigo, mas ao invés disso, me abraçou.

- Vai ficar tudo bem, tá? Só se acalma e para de chorar.

Ele é... Realmente bobo. Como se eu pudesse parar de chorar depois dele ter feito isso. Não me importo, se foi por pena, eu apenas me agarrei mais e mais nele e me afundei naquele abraço. Talvez pudesse mesmo... Me esquecer de tudo. Talvez... Se eu continuasse assim...

- Vamos, eu te levo pra enfermaria

- Tudo bem...

Mas então tudo foi desaparecendo, e a ultima coisa que eu me lembro de ter visto, foi um aglomerado de pessoas a minha volta. Depois disso, eu acordei na enfermaria.

- Aah, então você acordou? – Era a enfermeira da escola.

Eu não sentia vontade de falar, olhei em volta, procurando por Lucas.

- Não se preocupe, o seu amigo está em aula, – Ela sorriu gentilmente – foi extremamente difícil convencê-lo a te deixar aqui sozinha sabe, ele deve gostar muito de você.

Eu sorri com o comentário.

- Ele é assim com todo mundo...

Ela me fitou por um tempo e eu me levantei da cama onde estava.

- Posso voltar pra minha sala?

- Pode sim querida, não foi nada demais. Apenas estresse.

Estresse ela diz... Então o que foi aquilo? Mas eu não queria preocupar ninguém então voltei normalmente pra sala, tentando não demonstrar quão perturbada estava. Tão absorta em pensamentos, que quando percebi o sinal já havia batido e só estávamos eu e Lucas na sala.

- Você... Está melhor? 

Se ele quer tanto que eu desista dele, porque me trata assim, hein? Por que... Se importar tanto? Eu coloquei uma das mãos sobre minha testa e suspirei.

- Eu não consigo te entender sabe... – Estava exausta.

- O que foi Annie? – E ele, confuso.

Me levantei e fui até ele.

- Porque você tem que se importar tanto com as pessoas? Porque se aproxima delas com esse sorriso idiota, se não tem a intenção de ficar por perto pra sempre? Você... Quer que eu desista de você não é?

- Será... Que nós podemos conversar sobre isso outra hora Annie? Eu estou realmente preocupado com você, e não quero discutir.

Ele estava sério, e eu não soube o que dizer.

- O que exatamente aconteceu com você?

Embora não tivesse certeza, eu não mentiria pra ele.

- Você acha que é possível... Ter um pesadelo enquanto está acordado?

Me sentei e continuei a falar.

- Sabe, eu sempre tive esse sonho... Onde eu estou no banco da frente de um carro. Eu estou muito feliz no começo, mas de repente tudo começa a girar, e ouço esse som... De alguma coisa se estilhaçando. Tem muito sangue, por todo o lado, principalmente em mim, mas eu nunca pareço me preocupar com isso. Toda vez, é como se... Tivesse algo mais importante com o que se preocupar, então eu olho pro banco de trás do carro e acordo. Nunca consegui ver o que havia lá...

- E... O que... – Lucas parecia ter dificuldades para terminar a frase - Você... Quis dizer, com ter um pesadelo acordado?

- Foi real demais... Tudo isso que eu te contei... Que eu sempre sonhei... Eu vi tudo isso passar diante dos meus olhos... Eu consegui ver... - Aquela sensação horrível havia voltado.

  - O que você viu Annie?

 - Eu consegui ver, o que tinha... No banco de trás daquele carro.

Não estava prestando atenção no Lucas até agora, e fiquei surpresa quando o fitei. Ele estava pálido. Hesitei em responder sua pergunta.

 - Você não precisa se preocupar com isso Lucas... Foi só... Um sonho... Um surto, por causa do estresse... – eu tentei acalmá-lo, ele parecia assustado  - Eu nem fiquei tão chocada assim... Foi apenas que... Não gosto desse tipo de sonho, por causa do meu acidente, então...

- O que você viu Annie? – ele não me deixara terminar.

Apertei os lábios... Não queria dizer aquilo em voz alta. Ele suspirou pesadamente e colocou uma de suas mãos sobre minha cabeça, me confortando.

- Está tudo bem... Se você não quer falar, eu não vou mais insistir... Desculpe.

Me levantei da cadeira e o encarei novamente. Na verdade eu queria, queria muito falar sobre o que aconteceu... Estava tão assustada... Não era normal algo como aquilo acontecer... Eu estava com medo... Será que sou louca? Talvez fosse a única explicação plausível. Eu me senti sozinha, me senti perdida, eram tantas coisas acontecendo, e eu queria que ele me abraçasse e me dissesse que tudo ia ficar bem. Mas eu sou sempre assim não é? Querendo que ele fique do meu lado, sem me importar com o que ele quer. Eu preciso ser forte. Não quero mais nada dele por pena. Se eu não agir mais como coitada, ele não vai mais ter esse tipo de sentimento.

- Você não precisa mais se preocupar com isso Lucas, eu estou bem. Eu só gostaria de te pedir... Pra que não faça mais nada desnecessário, só porque você tem pena de mim.

- Eu não tenho pena de você Annie.

- Então porque você faz essas coisas? Porque se preocupa comigo?

- Porque... Eu sou assim, eu me preocupo com as pessoas.

Sempre isso... Sempre a mesma coisa...

- Isso quer dizer, que você sai por aí abraçando todas as pessoas com as quais você se preocupa?

Ele ficou vermelho? ELE FICOU VERMELHO?

- Não seja idiota, isso é porque... É você Annie. Eu me importo mais com você do que com as outras pessoas, eu te considero uma... Amiga importante.

- Não é isso que eu quero ser pra você. Eu não quero ser somente uma amiga e você sabe disso.

Não me perguntem da onde eu tirei coragem pra dizer tudo isso. Embora eu já tivesse me declarado, era mais vergonhoso, agora que ele sabia de tudo, e eu não poderia sair correndo dessa vez. Mas, ele não respondeu e apenas olhou tristemente pra mim.

- Não adianta você me olhar assim Lucas, eu não vou mais fugir só porque você fez essa cara. Eu definitivamente vou fazer você ficar ao meu lado porque quer e não por pena.

Reuni toda a coragem que pude e o puxei pela gola do uniforme - podia sentir meu rosto queimar de vergonha - e ele me olhou assustado, mas não o deixei reagir a tempo. Colei meus lábios nos dele em um selinho rápido – do jeito que eu fico nervosa perto dele, isso já é uma vitória e tanto, eu pensei que fosse ter um enfarte e as minhas pernas até ficaram meio bambas, mas eu tinha que mostrar determinação – e antes de soltá-lo e sair correndo, eu disse:

- Dá próxima vez que você me abraçar, definitivamente, eu farei com que não queira mais me soltar!

E tudo o que restou depois que eu saí, foi um Lucas sem reação, praticamente congelado no meio da sala.