Jon achava que nunca a patrulha da noite teve tantos desertores. Todos os irmãos que haviam sido responsáveis pela sua morte tinham fugido quando ele voltou à vida. Dos que estavam presentes no momento das facadas somente Olly ficou. Melhor assim...

Ele ainda estava deitado quando Melisandre veio trocar seus curativos. Os locais das facadas estavam quase cicatrizados. A mesma força que o trouxe de volta tratou de deixar os machucados quase curados.

A sacerdotisa entrou carregando algumas ataduras de seda. Ela estava com um largo sorriso no rosto e disse ao o ver acordado:

–Como vossa graça está ?

Jon estranhou ser chamado desse jeito. Ele passou a vida toda sendo tratado como bastardo, não parecia certo ser tratado como rei. Não apenas como rei, mas como um herói prometido. Ele podia ter renascido, mas ainda era um bastardo.

–Não sou nenhum rei...- sussurrou Jon, mais para si mesmo do que para Melisandre

–Não é rei ainda. Mas no futuro será. Vossa Graça derrotará o maligno exército do senhor da noite. As vis criaturas de gelo vão sucumbir diante de sua espada tomada pelo fogo do Senhor da Luz. Após sua gloriosa vitória todos os sete reinos se curvaram perante o senhor e o trono de ferro será seu.

Nem em seus sonhos mais profundos Jon havia sonhado em se sentar no trono de ferro. Quando era criança sonhava em se tornar um Stark. Em deixar de ser bastardo. Sonhava em um dia virá lorde como seu pai. Com o tempo entendeu que nada disso iria ocorrer. Ser lorde é um sonho alto demais para um bastardo. Se ser lorde é um sonho alto e impossível, o que diria de ser rei?

–Mesmo renascido ainda sou bastardo, senhora. Posso derrotar os Outros. É minha missão. Porém nunca poderei governar...

Melisandre não disse nada, apenas sorriu. O sorriso de quem sabe alguma coisa. Depois de trocar os curativos em silêncio, falou:

–O senhor reparou que sua aparência mudou?- colocou uma bacia de prata com água para que Jon visse seu reflexo, depois completou- Olhe. O Senhor da Luz cuidou para que sua reinvidicação pelo trono não seja questionada.

Jon sabia que havia algo diferente com ele. Mas ainda não tinha tido a oportunidade de ver seus olhos violetas. Ele sabia que seus cabelos estavam prateados, achou que era conseqüência da magia que o trouxe de volta. Mas agora vendo a junção dos olhos com os cabelos tudo mudou de figura.

–O senhor da luz me transformou em Targaryen...

–Não, vossa graça entendeu errado. O senhor sempre foi Targaryen. O Senhor da Luz apenas fez a verdade aparecer.

–Não. Há algo errado. Meu pai era...:

Antes que Jon pudesse terminar a frase, Melisandre completou:

–Seu pai era Rhaegar Targaryen e sua mãe era Lyanna Stark. Ned Stark era seu tio.

Jon não conseguia acreditar. Ele lembrou dos sonhos que tinha quando era criança. Sonhava que sua mãe era uma moça bem nascida, com rosto gentil e sorriso fácil. Essa moça poderia ser Lyanna. Ele queria acreditar no que Melisandre disse, mas era maravilhoso demais para ser verdade.

A sacerdotisa falou, estranhando o silêncio:

–Se o senhor não acredita em mim, as chamas lhe mostraram a verdade. As chamas também podem mostrar o passado e revelar a verdade.

*

Muitos anos antes:

Lyanna havia sofrido muito no parto de seu pequeno filho. Para piorar um tempo depois começou a ter sangramentos. Sentia que naquele dia estava pior, perdia cada vez mais sangue. Sua cama estava começando a ficar manchada. Para piorar uma febre freqüente roubava as suas forças. Ela sofria por achar que poderia morrer antes de ver seu filho crescer.

Outra coisa que a machucava era a ausência de Rhaegar. Ele havia saído pouco depois do nascimento do bebê. Antes de sair havia tocado uma canção com sua harpa e deixado várias flores de inverno para a sua amada. O quarto cheirava a flores e sangue.

Lyanna guardava pétalas das flores em sua mão. Não sabia porque. Talvez as flores nas mãos a fizesse se sentir próxima de seu amado. Ela as apertava com tanta força que já estavam ficando pretas.

Seu querido filho estava dormindo ao seu lado. Era tão lindo e seria o rei um dia. Rhaegar havia lhe prometido. Uma convulsão de febre tomou seu corpo e a imagem seguinte ao nascimento do bebê veio a sua mente. Ela se viu deitada na grande cama de madeira, ainda fraca, amamentando seu filho.

–Aegon- havia dito Rhaegar olhando para ela. Lyanna havia estranhado, pois Rhaegar já possuía um filho com esse nome, mas não disse nada e deixou ele continuar- Que nome melhor para um rei?

–Fará uma canção para ele?- perguntou com um sorriso

–Ele já tem sua canção. É o príncipe que foi prometido, e é sua a canção do gelo e do fogo- Rhaegar falou outras coisas que a febre fez Lyanna esquecer. Mas ela não esquecia a doce e triste canção que encheu o quarto.

A canção ainda tocava em sua mente quando começou a ouvir o barulho de espadas cada vez mais longe. Ela mal ouviu a porta se abrir e seu querido irmão Ned entrar. Ela estava muito fraca. Sua voz era como um sussurro, mas mesmo assim Ned ouviu seu chamado.

Lyanna chorou muito ao ouvir as palavras de Ned. Seus olhos se encheram de medo. O pouco de força que restava em seu corpo começou a sair. Ela apenas pedia para que Ned prometesse que iria cuidar e proteger seu filho. Quando seu irmão deu sua palavra, o medo saiu de seus olhos. Tentou até forçar um sorriso, agarrou com força os dedos de Ned e parou de se segurar na vida. Estava em paz. Ela tinha dado á luz ao príncipe prometido que um dia seria o rei. O bebê ficaria bem com seu irmão. Poderia partir em paz.

Antes de morrer, suas mãos se abriram derramando as pétalas da rosa pelo quarto que cheirava a rosas e sangue...