Diga Adeus à Inocência escrita por Mahfics


Capítulo 24
Capítulo 23




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Pego minhas coisas e volto para o carro, mas sou incapaz de engatar. Seguro a direção e permanece estática, encarando um ponto imaginário fora do carro e repassando o que a Camila me disse. O Jonas? Esperaria isso de qualquer garoto no mundo, menos dele. Por que gravar meninas? Aonde ele chegaria com isso? Creio que em lugar nenhum. Principalmente por ele não fazer nada com os vídeos, guardar para ele. Sinto um arrepio. Quantas vezes será que ele viu o meu vídeo? Será que quando ele olha para mim, ele me imagina nas filmagens? Meu estômago revira e tenho vontade de me mutilar por ter sido tão gentil com ele.

Ser apunhalado pelas costas não significa ser golpeado por pessoas que fazem o mal, mas sim por um amigo que fazia o bem, ou pelo menos, parecia fazer.

Encosto a cabeça na direção. O que faço agora? Devo contar para os outros? Por que a Camila não contou? Talvez seja melhor não contar, se não ela já teria feito isso e não me procurado, porém, não vou ficar calada e consentir com isso, se ela não o denunciar, eu o farei, ele sendo meu amigo ou não.

Ligo o carro e parto de volta para casa.

**

Uma semana se passou e a faculdade finalmente foi reaberta, com um sistema de segurança renovado e com seguranças vagando por todo o perímetro do campus. O processo da minha mãe ainda está em andamento, acredito que pelo excesso de outros na frente do dela. Malic não retornou minha mensagem – nem ao menos a viu. Prometi para mim mesma esquecê-lo e apaguei seu contato de minha agenda.

Desço para tomar café da manhã e escutar o noticiário que minha vó insisti em assistir toda manhã, mesmo que só passe desgraça.

– Bom dia. – sento à mesa e coloco suco no copo – Não vai comer?

– Não. – ela enche sua xícara de café – Acharam um novo corpo na reserva hoje.

Meu coração faz pressão em meu peito e sinto-me sufocada.

– Já sabem quem é? – engulo seco.

– É uma jovem, estava sem nada pessoal – ela vai até o hall de entrada e cruza os braços -, mas dessa vez ele foi mais agressivo, como se quisesse passar uma mensagem.

Subitamente, lembro-me de Jonas e de sua ameaça à Camila. Levanto em um impulso e pego meu celular no bolso. Tenho o pressentimento que algo ruim aconteceu, algo muito ruim.

Disco para Camila e a ligação cai direto na caixa postal.

– O que ele fez? – pergunto enquanto tento ligar novamente, sem sucesso.

– Ele espancou a menina quase até a morte, ela teve traumatismo e algumas costelas quebradas, sua roupa foi rasgada e a flor branca que ela segurava estava esmagada. – minha vó diz, de um jeito mecânico.

Sinto um calafrio. Atende logo!

Ligo mais uma vez.

– Alô? – a voz dela soa do outro lado da linha, sonolenta.

Solto o ar em alivio.

– Bianca?

– Hm... Oi. – murmuro.

– Aconteceu alguma coisa?

– Não, só queria saber se você estava bem. – olho para as costas de minha vó – Sumiu depois de nosso encontro.

– Estive pensando...

– Já sabe o que vai fazer?

– Sim e preciso falar com você.

Permaneço muda.

– Podemos sair depois do colégio. – sugiro.

– Tudo bem.

– Tchau. – desligo e coloco o celular de volta no bolso.

Pego a chave do carro, meu material e me despeço de vovó. Passo o caminho inteiro pensando em Jonas, nas câmeras e no corpo que foi achado – agradecendo por não ser Camila.

Estaciono o carro no estacionamento da faculdade e caminho lentamente pelo pátio. Nem parece que aconteceu alguma coisa aqui, todos estão conversando e rindo, zoando uns com os outros ou estudando. Mas de fato, houve uma diminuição do fluxo, o que denuncia a saída de alguns alunos.

Sento em um banco próximo e abro minha bolsa, jogo meu celular lá dentro e pego um caderno para dar uma olhada na matéria de hoje e se tenho alguma dúvida sobre a matéria que vi em vídeo. Não consigo me concentrar na matéria, fico entretida com as pessoas que passam e as que entram, pensando em nada especifico. Uma pessoa chama a minha atenção na entrada, Malic, ele está com o celular na mão e me encarado, fixamente. Arregalo os olhos e guardo tudo de volta em minha mala, ele aperta o passo.

Levanto quase que em um salto e cruzo o pátio direto para o meu prédio. Posso despistá-lo na biblioteca. Sim, vou fazer isso. Olho por cima do ombro e não me surpreendo por ele estar me seguindo, ajeito minha bolsa no ombro e continuo meu caminho, como se ser seguida por ele não me afetasse em nada.

Entro no prédio e fecho a porta para atrasá-lo e faço o mesmo com a porta da biblioteca. Caminho a esmo pelos corredores para pegar distância e para dificultar sua procura por mim. A porta da biblioteca abre outra vez, perco o ar e paro de andar, tentando escutar seus passos.

– O que pensa que está fazendo? – sua voz está séria.

Não respondo e dou mais alguns passos para o leste da biblioteca, em direção as janelas.

– Acha mesmo que pode fugir de mim? – sua voz ecoa por todos os lados e isso não dá uma localização precisa de onde ele possa estar – Isso é ridículo!

Mordo o lábio inferior e tento regular minha respiração para não fazer barulho. A adrenalina corre em meu corpo como sangue e meu coração bate em minha cabeça, a hesitação de ser pega me sufoca e tenho vontade de gritar. Tento procurá-lo pelos espaços nas estantes, porém, não tenho sucesso na busca.

Então posso escutar seus passos, incrivelmente perto de mim. Acelero para o lado contrário, passando por várias estantes e tentando escutá-lo enquanto corro.

– Não adianta se esconder.

Prendo a respiração.

– Vou achar você.

Talvez fugir dele assim só piore a situação, mas não posso escutar o que ele tem a dizer, não posso ficar frente a frente com ele, pois não vou conseguir resistir e manter a ideia de que tudo acabou. Se eu quiser fazer jus a minha mensagem, tenho que fugir.

Largo minha bolsa no chão e pego meu celular, sem ela vai ficar mais fácil correr. Caminho por um dos corredores, sempre olhando para os lados e de repente ele surge a algumas estantes de distância. O alarde grita em meu cérebro e a única ação que tenho é correr, posso vê-lo através das estantes. Ele é muito mais rápido que eu, tenho que ser mais esperta para fugir dele. Paro e corro na direção contrária e entro no primeiro corredor em que consigo realizar a curva.

Sinto-me uma criança brincando de pega-pega ao mesmo tempo que me sinto uma presa fugindo do predador. Minha frequência cardíaca está alta e minha respiração ficou ruidosa.

Odeio essa sensação de estar sendo observada e também odeio não conseguir escutar os passos dele.

Vejo um vulto. Olho para o lado e o encontro no final do corredor que estou. Meu arco reflexo de correr é mais lento que o dele. Ele me alcançou em poucos segundos.

Segura o meu pulso e me puxa de volta, giro sobre um pé e choco meu corpo contra o dele. Arfo.

– O que pensa que está fazendo? – ele estreita os olhos.

– Fugindo de você. – falo, óbvia.

– Ah, sério? – ele ergue uma sobrancelha – Não tinha percebido isso.

– Me deixe ir embora. – puxo meu braço.

– Não vou deixar você sair até esclarecer as coisas. – ele me empurra contra a estante.

Mantenho-me firme.

– Não tem nada para esclarecer. – estreito os olhos.

– Como não tem? – pega o celular – O que é isso então? - mostra-me a mensagem.

– Sou eu não sendo mais trouxa.

Ele arregala os olhos por alguns segundos e depois volta com sua expressão séria.

– Primeiro: foi você que terminou comigo, isso foi apenas uma confirmação e segundo: você sumiu por mais de uma semana e não deu notícias. Não estou à sua disposição, não estou aqui para ser levada a sério só quando você quer sexo. - falo, o mais séria que consigo.

– Estava trabalhando com o meu pai.

– E por acaso o trabalho era escravo? – replico – Você não teve nem um minuto para me mandar uma mensagem? Não estou pedindo por horas, era apenas um minuto.

Ele permanece em silêncio.

– O seu silêncio só confirma. – rebato – Confirma que fui muito imbecil em me relacionar com você e que devia ter escutado minha avó. Você não serve para mim.

– Mas não terminei com você.

– Não? – admiro-me - O que você falou para mim no pátio aquele dia era o quê?

– Só estava dizendo que você precisava demonstrar mais o que sente. – ele murmura – Que é muito difícil manter uma relação quando você não sabe o que a outra pessoa está esperando ou sentindo.

Fecho os olhos e respiro fundo.

– Você me pressionou, não quis entender a minha parte da situação. – retruco.

– Nunca pressionei você. – ele acaricia meu rosto – Entendo a sua situação, mas você também tem que entender a minha.

– Entender o quê?

– Entender que – ele morde o lábio inferior e hesita.

– O que? – insisto.

Eu amo você e não importa o quanto eu negue isso para mim mesmo, sou apaixonado por você desde que trombamos na trilha e me apaixonei mais quando você foi naquela festa e eu sempre me apaixono por você, todo dia amo mais um detalhe seu.

Aquelas simples três palavras feriram meus ouvidos como facas. Afasto-me de seus braços e caminho desnorteada pelo corredor, posso escutá-lo chutar a estante. Não queria escutar isso, isso só me confunde. Ele mexe com meu raciocínio e me deixa sem lógica. Me faz acreditar que vai dar certo.

Paro e cerro os punhos. Pego um livro da estante e viro para encará-lo. Seus olhos encontram os meus instantaneamente. Arremesso o livro contra o seu peito.

– Por que faz isso comigo? – pego outro livro e jogo – Me confunde de tal maneira que não consigo nem raciocinar.

Ele continua parado. Jogo mais dois livros.

– Por que me confunde tanto? – lágrimas borram minha visão – Por que é tão inconstante?

Jogo mais um livro. Ele dá um passo à frente.

Ajoelho e passo a mão em meu rosto. Por que estou chorando? Isso é tão ridículo! Não há motivo para chorar, mas estou chorando.

Ele ajoelha de frente comigo e segura em meus ombros.

– Olha o que você faz comigo. – enxugo minhas lágrimas.

Gentilmente, me puxa pelos ombros e me abraça.

– Não quero que se sinta pressionada. – ele sussurra – Por isso quero que decida sozinha.

Encaro-o.

– Vou estar esperando a sua resposta. – ele passa o polegar pela linha do meu maxilar – Só não demore muito.

Inclino a cabeça.

– Só me procure se tiver mesmo certeza do que está sentindo. – ele levanta e estende a mão – Tudo bem?

Meneio a cabeça positivamente.

No intervalo de minha terceira para a quarta aula, Amiony me arrastou para fora da sala em direção ao banheiro do segundo andar. Mesmo perguntando o que estava acontecendo, não tive resposta, apenas puxões em minha mão.

Entramos no banheiro e encontro todas as meninas lá, Juliana está no chão chorando e tem uma menina estranha ao seu lado. É mais baixa que eu e um pouco mais alta que Amiony, tem cabelo chanel em vários tons de rosa e um alargador na orelha.

– O que está acontecendo? – questiono, encarando todas.

Está um clima de luto.

– Olhe. – Camila caminha até mim, lívida e me entrega uma foto.

É uma foto de Juliana, nesse mesmo banheiro, seminua e junto com ela está a menina de cabelo rosa, também seminua. As duas estão se beijando.

Agora entendo o porquê de ela ter ficado tão nervosa quando descobriu as câmeras e porque queria a do policial. É por causa disso. Caminho em sua direção e sento ao seu lado, afagando seu ombro.

– Vamos dar um jeito nisso. – murmuro.

– Não, não vamos. – ela passa a mão no cabelo.

– Mas por que vocês não iam em um lugar mais reservado? – encaro a menina de cabelo rosa – Isso aqui é um banheiro, poxa, não serve para isso.

– Só existe um motel na cidade – a menina de cabelo rosa me encara -, e se nós duas fossemos lá, eles iam sacar e sabe-se lá o que iria acontecer – ela faz uma pausa – no mínimo a cidade inteira saberia.

– E a não dava para ir para a república dela – Juliana diz, entre soluços -, ela tem quarto compartilhado e... Você sabe, eles iam suspeitar.

– Aqui era o único lugar que tínhamos. – a menina de cabelo rosa sussurra.

Um amor vítima de preconceito.

– Você não deve dar esse triunfo a ele. – encaro Juliana.

– O que quer que eu faça? – ela me encara.

– Assuma o seu relacionamento com ela, viva o amor de vocês e foda-se o que os outros vão pensar. – intercalo olhares entre a menina e ela – Estamos em uma época que não existe mais tabu em um relacionamento assim, talvez nem tanto, somos livres para amar quem quisermos e ninguém pode criticar isso. O amor é lindo em todas as suas formas e vocês não devem ser refém dele.

Ela para de chorar e encara a menina de cabelo rosa. O silêncio paira entre todas. Encaro Camila por cima do ombro.

– Vamos, o diretor está esperando. – Monique quebra o silêncio.

Juliana levanta e todos caminham para fora do banheiro, seguro Camila braço antes que ela possa pegar o mesmo rumo.

– Quer mais o que para denunciá-lo agora? – falo, entre dentes.

– E-eu vou denunciar. – ela estremece.

– Te levo na delegacia, hoje. – falo, séria.

Ela meneia a cabeça positivamente. Solto seu braço e a deixo sair.

Encaro a foto mais uma vez e viro-a distraidamente, atrás dela há uma mensagem em perfeita caligrafia:

Não preciso de câmeras para observar vocês.


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Notas finais do capítulo

Então, o que estão achando?