Diga Adeus à Inocência escrita por Mahfics


Capítulo 23
Capítulo 22




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E depois, tudo aconteceu rápido demais. A universidade toda ficou sabendo das câmeras, as meninas entraram em pânico e começaram a bombardear o diretor com ameaças de processos, outros banheiros foram vasculhados e todos tinham câmeras. Não duvido que eu também tenha sido gravada. A polícia foi chamada e a aulas paralisadas, os investigadores começaram a pegar os relatos das meninas que estavam no banheiro na hora que a câmera foi descoberta e também pegaram de outras pessoas que possam ter um suspeito.

– Sabe como ele é? – a policial me encara.

– Não vi o rosto dele, só o casaco azul. – contraio os lábios.

– Então como sabe que era um menino? – ela ergue uma sobrancelha, duvidosa.

– Era alto demais para uma menina – recordo-me -, os ombros eram largos também.

– Mais alguma coisa?

– Acho que não. – aperto a barra de minha blusa.

– Se tiver mais informação – ela retira um cartão do bolso -, me ligue.

Meneio a cabeça positivamente e guardo o cartão no meu bolso. Outra menina pega o meu lugar com a policial e me deixa de lado. Olho para o muro onde encontro uma foto minha, suspiro. É tão assustador pensar nesses vídeos, eles podem estar em qualquer lugar e dependendo do lugar, muitas outras pessoas podem ter visualizado, isso é quase como um abuso inconsciente, fui exposta.

Uma voz exaltada se sobressaí na multidão de garotas e noto que é Juliana, parece que ela está discutindo com um policial sobre uma câmera. Aproximo-me devagar.

– Você precisa me dar essa câmera! – ela diz, entre dentes.

– Se não abaixar o tom de voz, terei que levá-la detida. – ele pega a algema.

– Creio que não ser necessário. – interveio – Ela vai se acalmar. – toco em seu ombro.

– Não vou não. – ela discorda – Tem um vídeo meu aí.

– Há vídeos de várias meninas aqui. – ele rebate – Você não foi a única vítima.

– Acontece que o meu caso é mais grave. – ela tenta arrancar a câmera da mão dele.

– Por que é tão grave? – ele franze o cenho – Foi você que implantou as câmeras nos banheiros e foi flagrada por essa aqui?

Ela fica imóvel. Arregalo os olhos.

– Claro que não! – ela exclama, exaltada – Tenho coisa melhor para fazer.

– Então aguarde a sua vez para o boletim de ocorrência. – ele indica a fila e ela suspira.

– Vamos sentar. – pego em sua mão – Você vai acabar presa.

Caminhamos para um banco próximo e nos sentamos em silêncio. Repenso no que o policial disse sobre ela ter colocado as câmeras no banheiro. Isso não é da índole dela, por que era faria isso? Não há razão ou explicação. Ela é uma menina normal que faz coisas normais. Talvez ela só esteja nervosa por sua privacidade ter sido violada, assim como todas aqui.

– Você também foi gravada? – ela me encara.

– Acho que tenho muitos vídeos. – solto o ar dissonante – Antes das aulas começarem tomei até banho aqui.

Ela permanece em silêncio.

– Isso é uma merda. – ela sussurra – Desgraçado.

– Acha que foi ele ? – encaro-a.

– Tenho quase certeza. – ela murmura e seus olhos se enchem de lágrimas.

Passo o braço por seu ombros e aperto levemente. Não sei o que falar para ela, pois nem eu sei o que dizer para mim mesma, sinto-me anestesiada e também tenho vontade de chorar.

– A universidade vai receber muito processo. – ela murmura.

– Esse diretor merece. – lembro-me de como ele me tratou no dia da briga com o Malic – Mas nós não merecíamos isso.

– Será que vão fechar?

Fechar? Isso é um assunto bem delicado, principalmente, por tratar da privacidade de alunas, mas fechar? Creio que haverá muito processo e retirada de alunas, mas não acho que fechem a faculdade por isso. Eu acho.

– Onde estão as meninas?

– Fazendo o B.O. – ela murmura – Onde está o seu namorado?

Reviro os olhos.

– Ele é bipolar. – resmungo – Não sei onde ele está.

– O que aconteceu?

– Ele acha que não sinto nada por ele ou algo parecido e falou que assim não dá para continuar. – olho de soslaio para o outro lado – Não sei se dou razão para ele.

– Que infantilidade – ela comenta -, transar com você já não estava bom?

Engasgo.

– Você é bem direta. – murmuro com as bochechas quentes.

– Você não gosta de pessoas diretas? – ela me encara.

– Sim...

– Então pronto. – ela volta a encarar o movimento.

Onde será que o Malic foi? Não o vi depois da confusão.

– E o nariz?

A voz de Juliana me desperta, olho para frente e me deparo com Matthew.

– Está menos dolorido. – ele me encara – Também foi gravada?

– Possivelmente.

– Todas as meninas foram gravadas. – Juliana cuspe as palavras – Esse cara é um filha da puta.

– Filha da puta de inteligente. – Matthew sorri de lado.

– Como assim?! – encaro-o – Isso foi a maior filha da putagem que alguém poderia fazer, está vendo quantas meninas estão em pânico?

– Não por isso, digo no sentido de ele ter conseguido pornografia de graça. – ele cruza os braços – Não precisou comprar revista ou algo relacionado.

Não acredito que perante tudo o que está acontecendo ele ache o cara um gênio.

– Existe internet. – rebato.

– É muito falso.

– Matthew, sai daqui. – Juliana fecha a cara – Seu comentário nojento vai me fazer vomitar.

Ele fica mudo e senta ao meu lado.

– Mas agora falando sério – ele pega em minha mão -, eles vão achar quem fez isso.

Encaro-o de canto de olho e não digo nada. O que adianta acharem o cara? Se os vídeos foram colocados na internet, vai ser impossível retirar todas as cópias formadas.

**

Os alunos foram liberados mais cedo para a investigação da polícia. Deixei a Juliana com o Matthew e fui direto para casa. Saí no mesmo segundo que a impressa chegou e escapei das câmeras.

– Chegou cedo. – vovó me encara – Está passando mal?

– Senta. – peço e sento na poltrona – Aconteceu uma coisa na faculdade.

Ela franze o cenho e senta no sofá.

– Uma menina encontrou uma câmera no cesto de lixo do banheiro com gravações intimas de todas as estudantes. – falo de uma vez – Acho que também foi gravada. Tinha câmeras em todos os banheiros.

– Deus do céu! – ela exclama apertando a barra da camiseta – O que eles vão fazer agora? Quem fez isso?

– Eles não sabem ainda, a polícia e a impressa estão lá e o diretor não liberou nada para a gente. – murmuro.

– Que tipo de monstro faz isso?

Dou de ombros.

– Estou com tanto medo desse vídeo ter se espalhado. – balbucio – Estar na internet ou algo parecido. – minha voz fica embargada.

– Se Deus quiser não vai estar. – ela levanta e vem até mim – Se Deus quiser. – e me abraça.

– Mas e se ele não quiser? – murmuro.

– Pare de ser idiota. – ela dá um tapa nas minhas costas – Ele vai querer.

Respiro fundo. Assim espero.

– Onde está o seu namorado? – ela questiona – Ele deveria estar aqui.

– Ele acha que eu não gosto dele. – murmuro.

– E por que ele acha isso? – ela acaricia minhas costas.

– Porque não sei demonstrar os meus sentimentos. – explico.

– Oras, isso é muita injustiça da parte dele.

– Por que acha isso? – apoio o queixo em sua barriga para encará-la.

– É difícil falar e demonstrar sentimentos e se você tem esse problema, ele deveria cooperar com você e não pressioná-la dessa forma. – ela diz, séria – Deveria te ajudar e não julgar.

– Acho que ele não entende.

– Então você não deve se importar com ele. – ela passa a mão em meu cabelo – Deve superá-lo e encontrar alguém que a entenda.

Estreito os olhos.

– Está falando isso só para me afastar dele?

– Claro que não – ela parece estar ofendida -, falei isso para o seu bem. Se ele não entende sua dificuldade com sentimentos, como pode falar que gosta de você? Gostar é amar até os piores defeitos do outro.

– Talvez ele seja bipolar. – dou de ombros.

– Lembra do Thomas? – ela em encara – Ele também não queria saber de você, apenas dele e deu no que deu.

– Mas o Malic é diferente. – discordo.

– Não estou vendo muito diferença. – ela se afasta – Aliás, eles são até que muito parecidos.

Hein?

– Não entendi.

– Os dois tem esse comportamento rebelde sem causa, cara de garoto mau e com tatuagens. – ela vai para a cozinha – Depois que você falou do caso de vocês, lembrei automaticamente de Thomas e pensei: será que ela o superou? Ou está curando a paixão má sucedida em Malic?

Permaneço imóvel. Do jeito que ela fala, parece que os dois são irmãos gêmeos e que eu acabei de trocar um pelo outro, mas não é bem assim, eles são bem divergente entre si. Thomas não pode ser comparado ao Malic, começando com a beleza e terminando com a sagacidade. Com certeza não estou curando a paixão de um pelo o outro.

– Vou ligar para minha mãe. – aviso, levantando do sofá.

Mais tarde, foi anunciado que a faculdade iria permanecer fechada por uma semana e que aulas online seriam disponibilizadas para não atrasarmos nas matérias, além de uma sala de bate-papo aberta para a retiradas de dúvidas com os professores. A polícia também pediu para nenhuma menina sair da cidade para assim não dificultar a investigação dos vídeos. E, graças a Deus, pelo o que tudo indica, nenhum vídeo foi posto na internet, o que nos leva a pensar que ele os guarda para prazer próprio – o que é mais arrepiante e asqueroso.

Conversei com minha mãe sobre o assunto e parece que, assim como as outras mães, ela vai entrar com um processo contra a faculdade e talvez, pedir minha transferência.

Dormi mais cedo.

**

Estamos, praticamente, no meio da semana e ninguém não tem nem ideia de quem possa ter feito isso. A faculdade foi obrigada a implantar câmeras por todo o campus e ter um registro de todos que o frequentam, muitas alunas mudaram de ideia quanto a mudar. Malic ainda não me procurou e isso está me matando. Não largo o celular na esperança de receber uma mensagem ou ligação sua, mas parece que ele evaporou, o que me faz pensar cada vez no que minha vó falou: esquecer.

– Vou para o centro, quer ir? – ela passa por mim na sala.

– Não, tenho uma aula para ver. – pego o computador.

– Tem comida no forno. – ela sai.

Não estou com fome.

Estudo, estudo e estudo um pouco mais. Mas nunca deixou de olhar o celular e ele sempre está do mesmo jeito, parece até zombar de minha cara. Soco a almofada. Eu que preciso chamá-lo? Ele irá mesmo fazer esse joguinho? Ou ele não está jogando e sim mostrando que já me superou? Ai Deus. Ainda bem que nunca tivemos nada.

Só que eu gosto dele, mais do que eu gostaria. Posso até falar em amor. Mas como começar alguma coisa com alguém que não consegue me entender? Que não faz um esforço por mim. Não vou passar uma relação inteira me sacrificando por alguém que não fará o mesmo por mim. Às vezes acho que ele está brincando comigo e vendo até onde consigo levar tudo isso; já estou ficando cansada. Minha mãe sempre falou que relacionamentos tem três fases: o amor, os sacrifícios e o fim. O nosso não teve sacrifício: nenhum de nós dois quer colocar o braço a torcer pelo outro, não teve amor: nenhum de nós dois quer depender do outro, no entanto será necessário um fim, um ponto-final.

Mordo o lábio inferior.

Gostaria de não fazer isso. De olhar para o meu celular agora e encontrar uma mensagem dele – mas não encontro. Tudo está mostrando que o fim chegou, que já não dá mais, que não há mais o que retirar de nossa relação. Afinal, quando houve alguma coisa? Cismo em pensar que tivemos uma história, mas tivemos apenas uma crônica. Pronto. Acabou.

Meu celular toca e quase tenho um infarto. Atendo correndo.

– Achei que não ia me ligar. – sorrio.

– Hm, desculpa, estava esperando outra pessoa?

É Camila.

– Ah – não consigo esconder a decepção de minha voz -, desculpa, achei que era outra pessoa mesmo.

– Quer que eu desligue?

Sua voz está diferente, trêmula. Ela parece estar ofegante também. E algo em meu subconsciente diz que ela não quer desligar.

– Aconteceu alguma coisa? – questiono.

– Aconteceu. – ela segura o choro – Preciso ver você, urgente.

– Onde posso te encontrar? – levanto do sofá.

– Te passo por mensagem. – ela desliga.

O endereço é de um café no centro e tenho quase certeza que posso trombar com minha vó. Estaciono o carro do outro lado da rua. Ela está em uma mesa do lado de fora, segurando alguma coisa.

– Oi. – digo me aproximando.

Ela larga o objeto que segura na mesa e este se revela uma das câmeras. Arregalo os olhos.

– Onde conseguiu isso? – sento.

– Com o Jonas.

– Com o Jonas?!

– Sim. – ela comprime os lábios – Fui na casa dele com o pessoal e entrei no quarto dele por engano, estava procurando o banheiro, e acabei ficando por lá. Ele tem um armário inteiro disso aí.

O Jonas? Mas ele é tão... Tão Jonas. Nunca iria desconfiar dele, principalmente para algo assim. Colocar câmeras na escola? Isso está mais para um doente e não para um menino fissurado em jogos.

– Ele viu?

– Viu e nós discutimos. – ela batuca os dedos na mesa – Saí da casa dele fugida com essa câmera e não sabia para onde ir.

– Ele falou alguma coisa? – questiono.

– Diz que usa as câmeras para fazer vídeo para o canal dele no youtube, mas desconfiei do número, só que ele disse que elas têm vida curta, por isso ele tem um monte.

Solto o ar, pesadamente.

– Não colou essa desculpa.

– Exato! – ela me encara – Mas ele também me mostrou um B.O que ele fez sobre um roubo na casa dele e lá constava que foram levadas algumas câmeras.

Encaro a mesa. Talvez o ladrão tenha ido lá para roubar só as câmeras já com o intuito de colocá-las na faculdade ou ele encontrou as câmeras por acaso e as levou. Também há a hipótese de isso ser uma manipulação dele, só para acreditarmos que ele está limpo dessa história.

– O que você vai fazer? – questiono.

– Não sei. – ela dá de ombros.

– Vai dar queixa na polícia, óbvio.

– Estou com medo. – ela balbucia – Ele meio que me ameaçou.

– A polícia tem o programa de proteção a testemunhas. – rebato.

– Como se adiantasse alguma coisa. – ela revira os olhos.

– Você precisa denunciar.

– Estou com medo dele me fazer alguma coisa.

– É o Jonas, ele nunca faria nada a você e outra, você tem o Matthew.

– Não tenho nada com o Matthew e esqueceu que pode ser o Jonas que implantou essa merda na facul? – ela franze o cenho – Se ele fez isso, pode muito bem fazer pior.

Temos a prova em nossa mão e um suspeito para ninguém negar, ela não pode desistir da denúncia por medo do Jonas. É ridículo!

– Camila, por favor, vamos na delegacia agora. – peço.

– Não sei. – ela pega a câmera – Estou com medo.

– Ele não vai fazer nada para você. – garanto.

– Ele vai sim. – ela discorda e levanta.

– Aonde você vai? – levanto.

– Vou pensar no que vou fazer. – ela dá as costas.

Como assim ela vai pensar?! Corro atrás dela e agarro seu braço.

– Você não tem o que pensar! – estreito os olhos – Tem a faca e o queijo na mão.

– Tenho sim. – ela puxa o braço.

– Vamos para a delegacia.

– Bianca – ela me repreende -, pare de querer acusar a todos.

– Mas foi você que o acusou primeiro! – admiro-me.

– Olha – ela fecha os olhos e respira fundo -, vou pensar no que fazer e aí te falo.

Ela sai. Permaneço no mesmo lugar, imóvel.

Reparo que larguei meu celular na mesa, volto para pegá-lo e lembro de Malic; nada. Procuro seu contato em minha lista.

Não sei o que você quer de mim. Não sei o que você quer dizer com isso.

Envio.

Mas sei de uma coisa: Acabou.


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Notas finais do capítulo

E aí? O que está achando?