A Caminho escrita por Sra Scala


Capítulo 2
Capítulo 2




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Um certo alívio tomou minha mente quando começamos a atravessar uma pequena cidade que havia entre a fazenda e a cidade em que Kassidy me esperava.

Não era exatamente uma cidade, estava mais para a parte urbana de um município rural, um pouco inchado pela quantidade de moradores. Aquela era um dos exemplos que fazia do meu pai uma pessoa bem querida por todos, a pessoa mais rica da região e, ao mesmo tempo, uma pessoa poderosa o suficiente para ter sólida influência sobre qualquer decisão que interferisse na cidade.

O que meu pai fizera fora bem simples na verdade: quando a cidade ainda era um vilarejo pobre, ele começou a se juntar com pessoas que queria desenvolver algum tipo de negócio. Ele entrava com parcelas de 20 a 40 por cento, dependendo do tipo de negócio que fosse, e deixava a pessoa tocar o negócio tendo alguma assessoria especializada. Foi assim com a pequena rede de material de construção, com algumas das mercearias, o supermercado, as escolas primarias e secundárias de uma rede particular, e não raro saíam construções para melhoria de toda a cidade. A praça enorme e nova em frente a uma igreja era um desses exemplos.

Depois de tantos anos de investimento, quase toda a cidade tinha alguma parcela que pertencia a meu pai, e acabava por gerar grandes somas de dinheiro todo o ano.

As instituições públicas que haviam eram cuidadas com zelo, porém, como acontecia em todo o resto do país, não possuíam a qualidade de serviço das particulares.

E era exatamente por isso que eu não cogitara ter meus bebês ali: não havia nenhuma clínica com estrutura decente para atender um caso delicado quanto o meu. Mesmo o pronto atendimento me mandaria em uma ambulância para a cidade grande e a última coisa que eu queria era ter desconhecidos olhando para mim dentro de uma ambulância não exatamente confortável.

Além disso, todo mundo ali conhecia Arthur Mills e sua família, e ninguém além de Carmen e os empregados da fazenda sabiam que da minha gravidez. E era assim que eu gostaria que continuasse.

Mas no meio da cidade me ocorreu uma vontade. Na verdade, uma necessidade: minha bexiga parecia querer estourar de tão cheia.

Peguei o telefone e liguei para uma das clínicas particulares que havia ali. Não era exatamente de um conhecido próximo meu, mas já o vira diversas vezes entrando e saindo de conversas particulares com o meu pai. Teria que servir.

–Robbie, pare ali naquela clínica por favor.

Apontei para uma casa cuidada com esmero onde havia um rapaz abrindo um dos portões da estradinha que parava exatamente na porta do lugar. Na porta, havia um senhor de quase cinquenta anos que esperou pacientemente o carro parar para se aproximar.

–Srta. Mills! Que alegria vê-la! Em que posso ser útil à senhora? Na certa não precisa de meus serviços.

–Na verdade, preciso apenas de seu banheiro Dr. Julius... E de alguma ajuda para chegar até lá.

Como eu meio que havia previsto, outra contração ocorreu enquanto eu estava lá dentro, felizmente depois que eu já havia me aliviado e de uma intensidade menor do que a anterior. A enfermeira que trabalhava para Julius fora cuidadosa e prestativa, e mesmo durante a contração não reclamara do aperto forte que eu havia dado no braço dela.

Voltei para a caminhonete um pouco mais leve. Fora reconfortante ouvir que eu estava conseguindo lidar bem com aquelas malditas dores. Mas o sorriso que parecia estar em meu rosto minguou quando vi Robbie parado do lado de fora da caminhonete, olhando para mim por cima do teto. Os olhos estavam estreitos e me fitavam com uma certa raiva.

A enfermeira me ajudou a sentar no banco do carona com um sorrisinho amistoso e tranquilizador. Um contraste preocupante com o gelo que parecia vir do lado do motorista.

Apesar dos atrasos no caminho, ainda conseguia acreditar que teria algum tempo de sobra para chegar até o hospital e fazer uma última consulta antes do parto. Pelo menos foi nisso que me agarrei até ver uma fila de carros a perder de vista no meio da estrada. Não estavam totalmente parado, mas avançavam lentamente.

Senti uma onda de pânico crescer em meu peito: ficar parado ali estava fora de cogitação, mas voltar para pegar a rota alternativa iria adicionar quase duas horas à viagem e, pelo ritmo que estava, eu tinha certeza de que não teria esse tempo.

–Robbie, precisamos ir para a cidade...

–Esse é o caminho mais rápido, você sabe disso.

–A única coisa que eu sei nesse momento é que eu não quero ter meus filhos na beira da estrada, então tira esse carro daqui! Agora!

Por um momento o percebi arregalando os olhos, como se pela primeira vez estivesse ciente do que estava acontecendo naquela caminhonete, mas depois ele retomou sua postura normal. Por algum motivo, me veio à mente o dia em que eu disse a ele que correr fazenda a fora era coisa de moleque sem futuro, e que eu devia ficar na casa como meu pai mandara. Era um período de férias na escola da capital em que eu estudava. Na época ele estudava na particular que havia no município.

Ele começou a dar ré no carro e, quando houve espaço, virou para o sentido contrário, e foi para o outro lado da pista. Ao chegarmos à rota alternativa, uma rodovia usada quase exclusivamente por caminhões pesados, ele acelerou, mantendo a caminhonete a quase 100 quilômetros por hora.

Rápido demais. Era só nisso que eu conseguia pensar quando tive outra contração. Eu só não sabia dizer se estava falando da dor ou do carro, e também não sabia o que estava me assustando mais.

Meu celular começou a tocar e a piscar o número da Kassidy enquanto eu me recuperava da dor.

–Oi...

–Claire? Como está indo com as contrações.

Levantei os olhos para não deixar a água que os enchera vazar.

–Estão ficando mais próximas... E mais fortes também...

Um resquício da contração deu as caras e me fez soltar um gemido baixo. A parte de trás da minha cintura estavam incrivelmente dolorida e eu não sabia se me segurava na porta do carro, segurava o celular, tentava massagear a base da minha barriga ou tentava amenizar a dor nas costas.

–Claire? Claire, o que houve? Onde vocês estão?

–Eu... Tivemos que pegar a rodovia... A outra estava interditada... Não sei... Exatamente onde estou no momento...

–Diga para o seu motorista se apressar, está bem?

Será que eu deveria ter dito que aquele louco já estava há cem por hora?

Tentava me agarrar ao tempo poupado pela alta velocidade mas não conseguia sufocar o pânico.

De repente a música caipira que ainda tocava no rádio foi interrompido por uma batida eletrônica abafada e, ainda assim, absurdamente alta de um carro que vinha logo atrás. No momento em que eu direcionei meus olhos para o retrovisor ele desapareceu, e voltou a ficar visível ao lado de Robbie, correndo emparelhado com a caminhonete.

Vi o esportivo vermelho cheio do que pareciam adolescentes disputarem velocidade com a gente e, depois de alguns segundos, avançar acelerando ainda mais. Percebi Robbie diminuindo a velocidade, mas antes que fizesse alguma diferença, os idiotas do esportivo entraram na pista em que estávamos.

O susto causado pela fechada fez com que Robbie jogasse a caminhonete no acostamento, que graças a uma sorte inacreditável dava em um enorme pátio que rodeava um restaurante de beira de estrada.

Não senti muita coisa durante a freada, só o balanço brusco causado pela parada repentina. Mas bastaram alguns segundos para eu começar a sentir a dor causada pelo travamento do cinto de segurança.

Ainda um pouco grogue por causa da freada, minhas mãos foram para a parte de baixo da minha barriga. Estava me lixando para a dor desconfortável da clavícula, mas era impossível ignorar a intensidade da contração que estava sentindo. Forte, demorada e perto demais da última.

Foi um verdadeiro alívio quando a dor passou e eu consegui respirar.

–Você está bem?

–Bem? Você tem a cara de pau de perguntar se eu estou bem? Você poderia ter nos matado correndo daquele jeito!

Ele arregalou os olhos indignado e revidou:

–Eu estava na velocidade mínima dessa rodovia! E, se bem me lembro, esse tempo todo tem sido você quem tem me pedido para irmos rápido!

–O que que você queria seu roceiro sem coração? Eu preciso chegar até a cidade! E viva de preferência!

Os nossos olhos soltavam farpas nada amistosas. Robbie ficou bufando e me fuzilando por alguns segundos. Então ele girou a chave até o ponto morto, desafivelou o próprio cinto e abriu a porta da caminhonete, me pegando completamente desprevenida:

–Se você não está satisfeita com a maneira com que eu faço uma coisa que você insistiu para que eu fizesse Srta. Mills, então faça você mesma!

Ele saiu do carro e bateu a porta da caminhonete, contornando-a pela frente e indo em direção ao restaurante.

–Robbie! Robbie volta aqui! Não pode me deixar aqui sozinha! Não pode...

Outra onda de dor tomou meu abdômen. E eu tive que vê-lo se afastar da caminhonete e entrar no restaurante sem olhar para trás.

Dez minutos se passaram, e mais quinze... E o Robbie não voltava... Meu Deus! O que eu iria fazer! Meus olhos pararam no relógio no painel do carro: estávamos na estrada há umas boas cinco horas e passaram-se mais ou menos oito horas desde a primeira contração. Kassidy havia dito que o parto não demoraria tanto quanto o de uma gestação normal e as contrações estavam a intervalos de... quarenta minutos?

E eu tinha certeza de que a última viera antes disso.

Antes que eu percebesse, meus olhos ficaram cheios de água. Meu celular ainda estava seguro em minha mão. Liguei para Kassidy.

–Kassy... Preciso de ajuda...

–Claire? Você está chorando? Onde você está?

Olhei ao redor tentando achar algum ponto de referência, mas eu não reconhecia nada. A placa do restaurante estava apagada e eu só conseguia discernir a logo da Pepsi com as cores muito desbotadas. E isso não ajudava em nada

–Eu... Eu não sei... O Robbie pegou a rodovia por que a estrada usual estava engarrafada... Uns idiotas fecharam a gente e.... Ele saiu o carro Kassy...

–Vocês se acidentaram?

Ela claramente estava nervosa. Mas nem de perto do quanto eu estava.

–Não! Nós viemos para o acostamento depois que nos fecharam... Kassy, por favor, me ajuda.... As contrações estão mais fortes...

–A bolsa estourou?

–Não.

–Tá, fica calma, eu vou tentar dar um jeito de te buscarem... Me diz o que você está vendo.

–Tem um restaurante de beira de estrada perto de um posto de gasolina, não dá para ver os nomes, estão muito apagados... O carro está parado num pátio grande e tem alguns caminhões parados...

–Consegue ver a cidade de onde você está?

–Não consigo ver mais do que uma silhueta distante...

–Beleza... Olhe, eu vou fazer algumas ligações e ver o que consigo... Tenta chamar o rapaz de volta... Eu vou desligar agora para vc o chamar está bem? Fica calma Claire, se desesperar só vai apressas ainda mais o parto.

Quando ela desligou não consegui mais conter o choro, mas me controlei depois de alguns minutos. Chorar doía e me deixava sem ar e mais de uma vez eu ouvira que respirar corretamente fazia diferença nessa hora.

Encontrei o número de Robbie na agenda do celular. A ligação chamou, chamou e caiu. Tentei mais quatro vezes e nada...

Encostei-me no banco e fiquei olhando para o teto, fazendo os exercícios de respiração que Kassidy me ensinara. Levei uma de minhas mãos às costas, tentando massageá-las.

Virei meu corpo de lado tentando alcançar a cesta que Carmen havia feito para nós, minha boca estava seca e talvez conseguisse pegar um pouco de água e, quem sabe, alguns biscoitos.

A cesta de piquenique tinha ficado exatamente atrás do meu banco, seria impossível para mim alcança-la. Mas aproveitei o embalo e consegui pegar uma toalha de rosto na minha mala. Apesar do ar condicionado da caminhonete, eu tinha a impressão incomoda de estar suada.

Parei meu movimento quando outra contração começou. Veio com menos intensidade que a última, e com um intervalo maior também.

Voltei a me encostar no banco lentamente, tentando manter minha respiração regular. Lágrimas começaram a rolar por meu rosto. A contração me sinalizava que Robbie estava no restaurante a quarenta minutos.

Voltei a ligar para Robbie. Mas ele não atendeu nenhuma das ligações.

A essa altura, as lágrimas já corriam soltas por meu rosto e manter alguma regularidade na respiração estava cada vez mais difícil.

A última vez que havia chorado daquele jeito foi depois que disse ao meu ex que estava grávida dele. Aquele idiota... Não me deu nenhum ponto de apoio depois que contei a ele, só fez com que eu ficasse ainda mais perdida e sozinha.

Me ajeitei no banco tentando melhorar a circulação em minhas pernas. Ficar tanto tempo sentada as deixara dormente e suadas. Ainda chorando, tentei me concentrar em secar o desconforto do suor na pele não alcançada pelo friozinho do ar condicionado.

Senti o prenúncio de uma contração e por reflexo pressionei a toalha contra minha virilha. A dor veio forte e longa, fazendo com que eu me curvasse para frente numa tentativa frustrada de aliviar aquela pressão.

Foi quando senti a toalha quase seca ficar úmida.

Com um resquício de dor, peguei meu celular com uma de minhas mãos, enquanto a outra tentava segurar minha barriga. Como se eu pudesse impedir que eles nascessem àquela altura do campeonato...

Robbie deixara bem claro que não iria me atender... Mas, por Deus, que visse a mensagem...


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