A Caminho escrita por Sra Scala


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Hey people! tem nova história da Sra. Scala no ar!Para quem acompanha minha outra história (a The Judge) aqui vai um recado: eu não a abandonei. Apenas estou em uma tremenda crise criativa que não necessariamente teve a ver com a avalanche de ideias que foi o texto dessa história. A The Judge está sendo produzida, eu juro (a passos lentos, mas está). Até lá, aproveitem a história de Claire e Robbie. E pleeeease, deixem-me saber o que estão achando dela. ;)



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Quando se está acostumada à cidade grande, viver em uma fazenda pode ser um suplício. O barulho do transito, a praticidade de se ter tudo mais próximo de si... Para muitos, o som de um carro passando na rua, os sinais de celulares e de internet, isso tudo é reconfortante.

Mas não quando não se quer perguntas sobre quem é o pai da criança que você está esperando.

Mesmo não gostando do lugar como gostava quando criança, acabei indo para a fazenda dos meus pais. Sabia que lá eu não teria todos os confortos com os quais me acostumara, mas teria paz, e poderia me acostumar com a gravidez e com toda a sorte de transformação que a vinda do bebê traria.

Aliás, dos bebês. Como se não bastasse ter ficado grávida de um idiota sem coração, ainda por cima eu teria gêmeos.

A casa em si não era ruim. Na verdade, para uma casa de campo, ela tinha uma mistura aconchegante do moderno e do rústico. Mas havia a falta de asfalto e a grande distância de qualquer lugar que só faria falta a quem é de natureza urbana.

Fora a distância até um centro urbano que me impelira a me refugiar ali. E estava sendo toda aquela distância que estava me deixando com uma ponta de preocupação.

Isso não aconteceu pela última conversa que eu tive com Kassidy, uma amiga dos tempos de faculdade que por sinal era minha obstetra, em que ela me disse que disse que não era nada recomendável que eu ficasse tão longe de um hospital estando tão próxima de completar as semanas de gestação, ainda mais esperando gêmeos.

A preocupação começou quando fui acordada por uma pontada de dor na base da coluna.

Mesmo relutando em deixar a tranquilidade do meu isolamento, decidi voltar para a cidade. Pedi à Carmen, a governanta da casa, que me ajudasse com minhas malas. Estava espantada com o fato de estar saindo com apenas duas sacolas grandes de viagem (eu geralmente era acompanhada por excesso de bagagem em quase todas as viagens que fazia), mas tudo o que me fora indicado levar foram algumas mudas de roupas para mim e mais as coisas dos bebês.

–Tem certeza que não quer que eu a acompanhe Betsy?

Era incrível como a Carmen fazia com que eu me sentisse como a guria que corria para cima e para baixo com o filho dela pela fazenda. Ela ainda me chamava pelo apelido que Robbie me dera naquela época, graças à boneca que me fizera começar a querer me vestir e me comportar como uma “menina de classe”. Claro que meus pais nunca ficaram sabendo desse apelido. Para eles eu era “Claire Mills, a princesinha da casa”.

–Tenho sim Carmen, obrigada. Pedi à Kassidy que ficasse comigo por lá.

Já havia ligado para Kassidy dizendo que me rendia, que estava indo para a cidade e iria me instalar em um hotel que ficava praticamente em frente ao hospital decente mais próximo. Ela iria chegar até ele mais rápido que eu, mas pouca coisa se podia fazer quanto a isso.

–Carmen, pode pedir ao Robbie para me levar?

Ela saiu do quarto dando um risinho típico de quem está satisfeita com o que ouviu. Robbie era o filho dela, pouquíssimos anos mais velho que eu e amava aquela fazenda mais até do que gostava de muita gente por aí.

Ele não ia ficar muito contente em sair da fazenda por algum tempo, mas quem mais eu podia chamar? Ele era o único além de mim que conseguia lidar direito com a caminhonete moderna de cabine dupla que meu pai deixara na fazenda. Caminhonete essa que seria a única que conseguiria atravessar o lamaçal em que a estrada havia se tornado depois dos últimos dois dias de chuva forte que ocorrera na região.

Como imaginei, ele não ficou muito satisfeito com a perspectiva de me levar até a cidade e algo me disse que não era pelas quase 6 horas de estrada que teríamos pela frente.

Desde que eu chegara ele parecia ter desenvolvido uma espécie de aversão velada por mim. Era como se ele me olhasse e surgisse, nos fundos dos seus discretos olhos azuis, um desprezo estranho e desconfortável.

Mas ele não protestou, e acabou aceitando me levar. Apesar do azedismo, ele ainda tinha a gentileza educada do garoto com quem costumava brincar quando mais nova. Era uma das poucas coisas reconfortantes daquela fazenda.

Saímos um pouco depois das 11 da manhã, após comermos um almoço rápido e adiantado feito pela Carmen. Ela ainda havia colocado uma cesta com lanches, sucos e água no banco de trás da caminhonete, junto com minhas sacolas de viagem.

Senti outra pontada de dor enquanto me ajeitava no assento do passageiro. Robbie ainda estava do lado de fora do carro.

Eu já imaginava que a parte da estrada de terra seria difícil, mas dizer que foi um inferno seria eufemismo. A terra exposta criava verdadeiras armadilhas atoladoras e o balanço do carro era grande e muito incomodo.

Além do tudo eu tinha que suportar a cara amarrada do Robbie, que além de azedo e insatisfeito, parecia a ponto de começar a me dar uma bronca por ter arrastado ele para aquela situação.

–Pare o carro...

–O quê?

–Pare a droga do carro Robbie!

De alguma maneira ele conseguiu para a caminhonete num canto mais estável da estrada. Só deu tempo de eu sair do banco do passageiro antes de vomitar o pouco do que tinha conseguido comer antes de sair.

Encostei-me no banco esperando aliviar o esforço do vomito. Minhas costas doíam e uma sensação de pânico começava a crescer em meu peito. Encostar-me no encosto acolchoado do banco foi um alívio tão grande quanto o ventinho do ar condicionado na minha pele.

–Será que dá para fazer essa coisa não sacolejar tanto?

Mesmo com a vista um pouco embaçada pude ver Robbie disfarçando a cara de quem estava engolindo desaforo.

Ouvi o rádio da caminhonete tocando uma música bem caipira e Robbie cantarolava baixinho. Havia me esquecido de como a voz dele era tranquilizante. A paisagem na janela intercalava morros cobertos de campos com algumas encostas de mata conservada. O carro estava deslizando suavemente na estrada de pedra. Era estranho, mas pela primeira vez naquela semana, eu me senti confortável.

Mas isso tudo sumiu no segundo seguinte, no exato momento em que outra pontada de dor me atingiu na base da barriga.

A voz dele se silenciou quando percebeu que me mexi.

–Demorou para acordar heim? O seu telefone tocou faz alguns minutos, é para você ligar para Kassidy.

A sensação de conforto foi substituída por uma vontade quase incontrolável de esganá-lo. Diabos! Ele costumava ser mais atencioso com as pessoas. Ou será que eu deveria dizer “ele costumava ser mais atencioso comigo”?

Resolvi ignorar o pensamento e peguei meu telefone. Realmente adorava o fato de o aparelho ter sinal mesmo estando naquele fim de mundo. Cortesia do meu pai, é claro.

Kassidy atendeu no segundo toque.

– O que aconteceu Claire, por que não atendeu quando liguei?

–Desculpe... Devo ter dormido depois de ter vomitado. Te retornei assim que Robbie me falou da sua ligação.

–Você vomitou?

–Hm... É... A estrada estava bem ruim por causa da chuva de ontem. A caminhonete balançou demais e acabei ficando enjoada.

–Certo... Está tendo dores?

Fiquei quieta por alguns instantes, mas deve ter sido o suficiente para ela entender o “sim” que estava implícito. A ouvi soltando um suspiro de “era isso que eu temia”.

–Há quanto tempo elas começaram?

–Hoje de manhã eu acho, lá pelas sete ou sete e meia... Não tenho certeza se durante a madrugada senti alguma...

–Quando foi a última?

Pelo que eu reconhecia da estrada, imaginei que não tinha cochilado nem por dez minutos, mas como sabia que a pergunta (e a resposta) eram importantes, resolvi não arriscar um palpite.

–Só um momento.

Afastei o telefone do rosto e olhei para Robbie.

–Há quanto tempo estamos na estrada?

Não tenho certeza se consegui disfarçar a indignação que sentia pelo pouco caso que ele estava tendo comigo.

Ele olhou para o relógio do painel do carro como se dissesse “tem um relógio digital na sua frente, por que não calcula você mesma?”, mas acabou dizendo:

–Hm... Umas duas horas eu acho, talvez um pouco mais... Você acordou praticamente dez minutos depois que chegamos à estrada de pedra.

Foi impossível deter minha indignação.

–Duas horas? Você demorou mais de duas horas para fazer um trajeto que demora menos de uma?

O rosto dele ficou mais carrancudo o que eu imaginei ser possível.

–Claire? Claire? Está me ouvindo?

–Ainda estou aqui Kassidy.

–Está tudo bem por aí?

–Está, está... É que aparentemente o cara que está me levando não é tão bom ao volante quanto eu pensei que seria.

Deu para ver Robbie apertar o volante até os nós dos dedos ficarem brancos.

–Hm... Voltando ao assunto... Você disse que a mais recente foi agora a pouco, certo? A antes dessa foi quando você acordou de manhã?

Soltei o ar lentamente. Admitir o que estava acontecendo tornava tudo mais real e mais assustador do que eu imaginava.

–Teve outra antes de sairmos da fazenda...

–Certo... Tem ideia do quanto essas dores estão durando?

–Não sei... Dez segundos talvez? Não deve ter sido mais que isso...

–Entendo... Estou presumindo três contrações em mais ou menos quatro horas... Você está em trabalho de parto, acho que já entendeu essa parte. A boa notícia é que você ainda tem tempo. Deve ser o suficiente para você chegar até aqui e conferirmos as condições dos bebês uma última vez.

Não sabia o que dizer. Ainda estava engolindo o fato de estar no caminho para uma das maiores dores que uma mulher poderia enfrentar. Isso sem falar na expectativa de ter que criar gêmeos sozinha.

–Claire?

–Oi Kassidy...

–Tente relaxar tá? Os seus bebês estão com boa saúde, e você também está em boas condições.

Nem havia reparado que estava prendendo o ar até me sentir soltando-o lentamente.

–Está bem...

–Agora, só uma última pergunta... O cara que está te levando é o tal da sua infância?

–Kassidy!

–Que foi? Vai negar que você falou dele enquanto babava pelos caras do curso de Veterinária? Por que mesmo você entrou na faculdade de Economia?

–Droga Kassidy! Como você pode me lembrar de uma coisa dessa logo depois de me pedir para relaxar?

A ouvi dar uma risada divertida do outro lado da linha.

–Tá bom, tá bom, desculpe... Fica tranquila tá?

Ficar tranquila... Fácil para ela falar. Essa era definitivamente a última hora em que eu queria me lembrar de todas as vezes em que lembrei de Robbie cada vez que olhava as atividades do curso de veterinária da universidade que frequentei.

Foi quando coloquei o telefone no guarda volumes próximo à marcha que reparei que meu coração estava acelerado. E que o silêncio desconfortável tomava conta do carro mesmo com a música caipira tocando.

Me recostei no banco tentando entender em que ponto do caminho aquele silêncio ficara grande. Robbie estava olhando para a estrada e reparei que ele estava sério, mas não zangado nem com a azedura de antes.

E reparei também que alguns traços do Robbie que eu conhecera ainda estavam no rosto dele: a cara de garoto, os olhos de quem não conhece a pressa e a urgência da cidade grande. O rosto do garoto que eu conhecera ainda estava lá, mesmo modificado pelos traços de homem que ele tinha ganhado com o tempo. Os cabelos castanhos haviam crescido e agora ficavam aparentes mesmo com o chapéu de cowboy que ele estava usando.

Era um contraste perfeito e muito charmoso com o carro moderno e luxuoso que ele dirigia.

–Está com fome?

Saí do transe depois de ter percebido que ele havia falado comido.

–O que?

Ele olhou rápido para mim e percebi uma leve erguida de sobrancelha, como se quisesse se certificar que eu falava o mesmo idioma que ele.

–Perguntei se você está com fome.

Senti meu rosto esquentar. Eu estava faminta.

Ele revirou os olhos e começou a balançar a cabeça negativamente. Com um movimento leve no volante, ele conduziu a caminhonete até o acostamento e reduziu a velocidade até fazê-la parar.

Com o carro em ponto morto, ele saiu e deu a volta pela frente, foi até a porta dos passageiros atrás de mim e puxou a cesta que Carmen havia preparado. Eu apenas abri a porta e coloquei meus pés para fora, sem sair do meu lugar.

Robbie apoiou a cesta em meus joelhos e a abriu. Havia sanduíches naturais embalados, sacolinhas com biscoitos caseiros, garrafas com etiquetas de sucos, chá e café e uma vasilha contendo fatias de pão caseiro com manteiga.

–Não quer sair do carro um pouco?

Fiz que não com a cabeça enquanto desembalava um sanduíche.

–Acho melhor eu ficar quieta por enquanto...

Ele deu de ombros e começou a comer uma fatia de pão caseiro. Passados mais ou menos uns quinze minutos, Robbie guardou a cesta e ao fechar a porta, deu as costas e disse.

–Eu já volto, vê se não sai daí.

O vi entrar um pouco no mato que margeava a estrada e quase que começo a xingá-lo pelo comentário de mal gosto. Mas minha voz foi parada por uma onda de dor que percorreu das minhas costas até a parte da frente da barriga.

A dor, da mesma forma que veio, foi embora, e por alguns momentos pensei que minha bolsa havia estourado. Mas ao abrir meus olhos percebi que minha virilha ainda estava seca, e só aí consegui me forçar a respirar com alguma regularidade.

Fiquei com uma vontade quase desesperada de tentar alguns passos para ver se conseguiria algum alívio, mas sabia que isso só poderia apressar o nascimento dos meus filhos. Eu precisava chegar ao hospital. E logo.

Enquanto me ajeitava no banco do carona percebi Robbie voltando ao meu campo de vista.

Ele ajeitou o chapéu enquanto me analisava com aqueles olhos azuis de garoto crescido.

–Tem certeza de que não quer sair do carro um pouco? Nem que seja para esticar as pernas por um instante.

Olhei para ele talvez de uma forma mais rígida do que pretendi.

–Podemos, por favor, voltar para a estrada?

Percebi tarde demais que havia um tom autoritário que eu nunca havia usado com ele ou mesmo com qualquer outra pessoa mesmo em fases mais rebeldes da minha vida. Não tinha gostado nada dessa constatação, ainda mais ao vê-lo com uma cara decepcionada.

Ele abaixou rápido os olhos e o percebi chutar a terra batida enquanto voltava ao banco do motorista.

O pior foi perceber que o pedido de desculpas ficara preso em minha garganta, e que parte de mim não queria de fato ser desculpada. Essa parte achava que eu não merecia desculpas pela maneira com que eu o tinha tratado.

Me limitei a passar o tempo olhando a paisagem da janela do carro, me culpando pela língua ferina que obviamente o havia machucado.


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