Como era de se esperar, nos dias seguintes, Dean e Sophie ficaram batendo de frente o tempo todo. Nós a explicamos o que fazíamos, o que havia acontecido e para quê precisávamos do livro do pai dela e, por mais estranho que parecesse, ela aceitou muito bem. Quer dizer, ela aceitou bem na medida do possível, no começo ela riu de nós, depois nos xingou mais e disse que éramos loucos e psicopatas, porém logo calou a boca quando o Cass mostrou as asas para ela.

Ela aceitou ficar conosco até terminamos a tradução do livro, deixamos que ela ligasse para o seu pai e o tranquilizasse antes que ele colocasse a SWAT atrás de nós. Arrumamos algumas roupas e outras coisas para ela, já que passaria um tempinho conosco, era melhor que se sentisse o mais confortável possível. Sophie passava boa parte do dia quieta no quarto, escrevendo sabe-se lá o quê, ela era um tanto séria, mas se mostrava bem engraçada quando queria.

O fato dela ter entendido o que estava acontecendo e concordado em cooperar não significou que ela se deu bem com o Dean, eles passavam o dia se provocando e discutindo um com outro, ninguém estava mais aguentando.

– Vai acabar se matando de tanto comer assim... - Sophie comentou ao ver o Dean comendo uma fatia de pizza no meio da manhã - E eu espero estar aqui para ver isso.

– Você não tem nada a fazer além de cuidar da minha vida? - Ele resmungou.

– Aparentemente, não! Já que não posso sair daqui. - Ela fechou um dos livros que lia e o encarou.

– Vão começar de novo. - Claire informou e se retirou da sala, revirando os olhos.

– Olha só, se querem se livrar um do outro... - Dei uma pequena pausa quando os dois se viraram para mim ao mesmo tempo, com a mesma expressão - Calem a boca e deixem o Sam se concentrar no livro, o Cass está por aí resolvendo sei lá o quê e a Charlie está indo embora, ele está trabalhando sozinho ali e precisa de silêncio.

Os dois resmungaram alguma coisa e voltaram a se concentrar no que faziam, eu odiaria se não achassem nada de relevante no livro, ele tinha mais um menos uns 10cm de altura e as páginas eram desgastadas demais e o Sam tinha que ler aquele fóssil inteiro.

– Ei, bitches! - Charlie apareceu na sala e colocou sua mala no chão.

– Tem certeza que vai embora agora? - Dean perguntou.

– Eu tenho uma convenção de Star Wars no Mississipi e quero pegar algumas cosplayers da Princesa Leia. - Ela deu de ombros - Mas vocês podem me ligar caso precisem de algo.

– Muito obrigada por tudo, Charlie - Sam agradeceu e foi dar mais um abraço na ruivinha - Tente dar notícias sempre que puder.

– E vocês também!

Eu e Dean nos levantamos para ir até a Charlie, ganhamos fortes abraços da baixinha e ela logo foi embora. Apesar do pouco tempo, sentiria falta dela... Comecei a concordar com o Dean em dizer que ela era a irmã que eu nunca quis.

– Eu vou lá dentro ver se a Claire quer ir comigo até a cidade para comprar o jantar de hoje. - Chamei a atenção de Dean e Sophie - Tentem não se matar e não atrapalhar o Sam.

– Prometo tentar. - Sophie sorriu.

– Dean, por que não vai ensiná-la à atirar? Pelo menos na próxima ela não erra o alvo. - Eu dei um sorriso encorajador para ele e saí da sala.

Quando estava no meio do corredor, escutei um bater de asas bem específico atrás de mim e me virei rapidamente, não era o Cass, era o Gabriel!

– Olá, sweet pumpkin! - Ele me lançou um sorriso amarelo - Saudades?

– Onde raios você se meteu? - Fui até ele e dei um belo tapa no seu rosto.

– Ei! - Ele segurou minha mão quando fiz menção de acertá-lo novamente - Eu estava resolvendo umas coisas.

– O quê?

– Eu não posso falar... - Ele soltou minha mão e encarou o chão.

– Ah, Gabe... Vamos lá, você pode me contar qualquer coisa, sabe disso. - Me aproximei mais dele e cruzei os braços - Me diz o que o Trickster aprontou agora.

– Não posso falar aqui, alguém pode ouvir... - Ele sussurrou.

Abri a porta do meu quarto e indiquei que ele entrasse.

– Tá, desembucha logo, Gabriel! - Eu pedi, fechando a porta do quatro atrás de mim.

– Ah, Meghan! - Ele começou a andar de um lado para o outro no quarto - Eu estou perdido!

– O que você fez? - Insisti.

– Você não pode contar para ninguém, nem pro Castiel... Principalmente para ele! - O arcanjo veio até mim e olhou bem dentro dos meus olhos.

Eu estava começando a ficar assustada, eu mal via o Gabriel sério e vê-lo apavorado e histérico era muito estranho.

– Não vou contar, agora me fala logo ou eu vou chutar você!

– Me desculpa... Eu vou falar. - Ele me puxou para o canto do quarto e começou a olhar ao redor, com medo que alguém aparecesse - Eu fiz algo proibido.

– Jura? - Rolei os olhos - Me conte uma novidade agora.

– Meghan, fugir do céu e me rebelar é uma coisa... - Ele levou as mãos para a cabeça - Dessa vez eu exagerei, se os outros anjos descobrirem...

– Fala de uma vez! - Segurei o rosto dele entre as mãos.

Nesse momento um barulho de asas misturado com um tilintar de sinos ecoou pelo quarto, seguido de um pigarrear. Gabriel arregalou os olhos e eu o soltei lentamente me virando para o anjo de sobretudo que estava de braços cruzados me encarando com uma cara sexy de malvado... Mas aí percebi que ele não estava nem um pouco feliz pelo modo como me encontrou aqui com o Gabe, quer dizer, quem visse acharia que eu estava prestes a beijá-lo.

– Atrapalho algo? - Castiel perguntou.

– Não! - Gabriel exclamou - Não era nada, a Meghan só estava prestes a me agredir, depois a gente conversa, ruiva! - Ele estalou os dedos e sumiu.

– Idiota. - Rolei os olhos.

– O que estava acontecendo? - Castiel veio até mim.

– Ah, estávamos conversando, o Gabriel começou a me enrolar e eu me irritei com ele... Então você apareceu, o assustou e ele sumiu no ar. - Dei de ombros - Somente isso.

– Hum... - Ele estreitou os olhos - Ele te disse alguma coisa?

– Ele está resolvendo uns problemas, nada demais. - Menti para o anjo, se eu dissesse que o Gabe estava escondendo algo grave de todos os anjos, com certeza o Cass iria querer dar uma de bom moço e tirar essa história a limpo.

– Entendi... - Castiel não se deu por convencido, mas deixou a história pra lá - Eu estive caçando alguns demônios para tentar descobrir algo...

– E?

– Crowley está trabalhando para trazer um demônio muito poderoso de volta... Não sei se é um demônio morto ou preso, mas você tinha razão quando disse que ele estava pegando muito pesado.

– Temos que avisar aos garotos, ele pode atacar a qualquer momento. - Me sentei na cama - Temos que mandar a Claire para algum lugar mais seguro, ela não pode ficar no meio disso.

– Finalmente está concordando comigo, não é? - Ele ergueu uma sobrancelha - Eu disse que não era uma boa ideia.

– Vamos mandá-la para a casa do Bobby de novo e temos que nos livrar da tal de Sophie o mais rápido possível... Quanto menos gente nessa história, melhor.

– Eu vou ajudar o Sam com o livro... - Ele foi em direção a porta, mas parou com a mão na maçaneta e se virou para mim - Tem certeza que não quer me falar mais nada?

– Em relação à quê?

– Gabriel...

– Não, Cass. Ele não me contou nada! - Falei da forma mais convincente possível, mas aquilo não deixava de ser verdade.

– Tudo bem. - Ele saiu do quarto.

Pensei em chamar o arcanjo para continuarmos a conversa, mas era melhor deixar aquilo para outra hora. No momento estávamos com outras preocupações e eu tinha que tirar a Claire da linha de fogo, Crowley já a usara uma vez e com certeza não hesitaria em usá-la de novo, mas daquela vez algo me dizia que ele não seria tão gentil.

A chamei em seu quarto para irmos na cidade, peguei uns vidrinhos de água benta e a faca da Ruby para caso alguém inventasse de aparecer no nosso caminho. Quando íamos saindo, notei que Dean e Sophie não estavam mais na sala.

– Cadê aqueles dois? - Perguntei ao Sam.

– Ah, foram fazer o que você sugeriu...

– Era brincadeira! Eles vão atirar um no outro! - Corri até a sala em que eles estava treinando os tiros.

Mas ao chegar lá me deparei com dois adultos civilizados atirando contra os alvos, Dean dava umas dicas para Sophie e ela aceitava de bom grado... Parecia até que nunca haviam brigado antes. Mas é claro que tudo que é bom dura pouco...

– Tenho que admitir que não achei que você teria capacidade de aprender a atirar. - Dean comentou enquanto recarregava sua arma.

– Com um professor como você, difícil mesmo. - Ela se virou para ele e colocou uma mão na cintura.

Já previ que outra briga iria começar e decidir intervir antes que acontecesse um assassinato ali.

– Ei! Como estão indo? - Eu me coloquei entre os dois e puxei a arma da mão do loiro - Aposto que se divertindo loucamente.

– Estamos bem longe disso. - Sophie cruzou os braços.

– Então, né? Lembrem que vocês atiram naquela direção. - Apontei os alvos no fundo da sala - O que vão querer para o jantar?

– Não importa, desde que traga torta de sobremesa. - Dean, obviamente, respondeu.

– Por mim pode ser qualquer coisa, me contento com um chá ou um copo de leite antes de dormir. - Sophie deu de ombros.

– Ok, volto logo. - Dei uma última olhada neles para ter certeza de que era seguro deixá-los à sós e depois saí.

Claire já estava no Porsche com fones de ouvido e batucando nos próprios joelhos ao ritmo do que quer que estivesse escutando. Entrei no carro e arranquei os fones dela.

– Ei! - Ela protestou.

– Precisamos conversar. - Dei a partida.

– O que eu fiz agora?

– Que eu saiba, nada... - Ergui uma sobrancelha olhando para ela que assumia uma feição de culpa - Acho que teremos que te deixar na casa do Bobby de novo.

– Por quê?!

– Sr. Rei do Inferno está atrás de mim e quer me matar... Não podemos te deixar no meio disso, ele pode te usar novamente.

– Mas naquela vez eu estava indefesa! Ele não vai me pegar de novo! - Ela me pediu.

– Claire, naquela vez o Crowley foi bonzinho com você. No dia em que pegamos o livro, ele apareceu para mim e me ameaçou... Ele está morrendo de raiva e vai fazer de tudo para acabar comigo de todas as maneiras possíveis.

– Meghan, eu quero ajudar! - Ela se virou para mim - Ele também estragou muitas coisas para mim, você lembra?

– Eu sei... Mas eu não posso deixar que ele machuque algum de vocês por minha causa, já estou pensando em como tirar os Winchester e o Cass do meio também.

– Boa sorte com isso! - Ela soltou uma risada - Sabe que eles não vão te deixar, né?

– Sei, mas eu posso dar um jeito e você vai ficar de boca fechada!

– Claro que vou... - Claire respondeu de forma irônica.

Decidi encerrar a conversa por ali, sabia que ela não ia concordar mas no final das contas ela não teria muita escolha e já estaria na casa do Bobby. Quanto aos garotos, talvez não fosse difícil passar por eles... Ah! Quem eu estava querendo enganar? Eles nunca me deixariam fora de vista, principalmente o Cass!

Eu e Claire compramos o jantar para todos em uma lanchonete, a torta do Dean e alguns tipos de chá para a Sophie. Quando voltamos para casa, o anjo continuava lendo o livro.

– Chegamos, cadê os outros? - Coloquei a comida em cima da mesa e sentei ao lado do Cass.

– O Sam foi tomar um banho e o Dean e a Sophie ainda estão na sala de tiros...

– Achou algo?

– Não... Talvez esse livro seja uma perda de tempo. - Ele empurrou o alfarrábio para longe - Estou cogitando torturar Metatron.

– Eu não quero nada daquele maldito, nem que ele seja torturado para isso. - Levantei novamente e fui para a cozinha.

– Meghan. - Castiel surgiu na minha frente - Temos que pesar todas as opções, não é hora de deixar o orgulho na frente de tudo... Eu não posso te perder! Temos que descobrir o que está acontecendo, principalmente com o Crowley atrás de você! Ele pode te sequestrar em qualquer momento que você esteja fora da nossa vista.

– Cass... Ninguém vai me tirar de você de novo, entendeu? Nem o Crowley e nem essa coisa estranha que está acontecendo!

– Entendi... - Ele forçou um sorriso e eu o puxei pela gola do sobretudo para beijá-lo, não gostava de vê-lo inseguro e preocupado.

– Vocês não cansam? - A voz de Dean nos chamou atenção. Me afastei do anjo e vi o Winchester de braços cruzados na porta, ao lado da Sophie.

– Calado, eu trouxe sua torta! - Eu o avisei.

– Ah! Obrigada, Megh! - Ele abriu seu maior sorriso e foi correndo de volta para a sala.

– Então, se comportaram? - Perguntei à Sophie que parecia estar bem distraída com os próprios pensamentos.

– Hã? Sim... Foi irritante como sempre. - Ela sorriu e em seguida foi para a sala.

– Estranho... - Castiel comentou - Ela parecia perturbada.

– Verdade... Deve ser o estresse desses dias.

Peguei alguns pratos e levei para a sala, Sam se juntou à nós e o pobrezinho estava visivelmente cansado, me ofereci para ficar no lugar dele apesar de não saber latim fluentemente, eu poderia ir traduzindo pela internet por algumas horas.

– Não precisa, Meghan, eu estou bem. - Ele me garantiu - Sem falar que deixar você aqui com o Cass não pode ser muito produtivo.

– Falando assim faz parecer que nós ficamos nos agarrando o tempo todo. - Eu ressaltei.

– Mas não é isso que fazemos? - Castiel me perguntou, o que fez todos os outros rirem.

– Não... Talvez... Não!

Os outros ficaram rindo de nós, até mesmo eu, só o Castiel ficou lá com cara de confuso como sempre. Ao terminar o jantar, Sophie estava tomando seu chá na cozinha enquanto Dean lavava a louça e eu arrumava a bagunça. Os dois não estavam mais brigando, na verdade, mal trocaram uma palavra desde que saíram da sala de tiros, talvez estivessem em um tipo de trégua.

Quando tudo estava arrumado, fui ligar para o Bobby e avisá-lo dos últimos acontecimentos e pedir para deixar a Claire por lá nos próximos dias. Obviamente ele aceitou, mas também queria ajudar de alguma forma e eu o pedi para procurar em seus próprios livros alguma informação sobre o que estava acontecendo comigo.

Castiel voltou para o céu e Sam foi dormir, o livro não estava nem na metade e eu já estava perdendo as esperanças. Talvez o anjo tivesse razão ao dizer que aquilo era perda de tempo e que deveríamos recorrer à medidas alternativas, eu só não podia aceitar ajuda do maldito anjo que me usou para tentar acabar com todo mundo que eu amo e controlar o mundo... Ou podia?