Dazed And Confused escrita por venus


Capítulo 4
Finn


Notas iniciais do capítulo

oioi pessoal!! antes de tudo, eu queria agradecer a Lets e a zero zero por ter recomendado a fanfic e também porque elas foram as únicas a comentar no último capítulo s22 obrigada de verdade, gente
nem sei se demorei, mas enfim, aqui tá mais um capítulo.., mudei o banner do capítulo e tal, espero que tenham gostado :)
eu também queria pedir uma coisa pra vocês: então, Dazed And Confused é inspirada em filmes de subúrbio, onde não há nada realmente interessante, portanto a história em si não tem acontecimentos impactantes. eu não sei se isso incomoda vocês ou não, mas se sim, falem aí nos reviews e talvez eu dê uma apressada nas coisas...
aproveitem então a babaquice do Finn :)



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Finn olhou para a foto.

Era a última coisa que ele via antes de dormir e a primeira ao acordar. Estava picotada nas bordas porque havia sido rapidamente recortada do anuário escolar do ano retrasado, às escondidas. Gretel Dorothea sorria alegremente para a câmera — embora Finn se lembrasse nitidamente de tê-la visto chorando momentos antes —, e mesmo que o avermelhado no nariz e o inchaço das pálpebras não fossem muito atraentes, o volume dos cachos e o brilho dos broches de porcelana eram tão graciosos quanto tremulina no fundo de uma piscina.

Ele guardou a foto embaixo do travesseiro e desceu as escadas.

Eram onze e meia da manhã e seus pais ainda estavam trancados no quarto e Audrey roncava a plenos pulmões. Finn gostava do silêncio do vazio; sem reclamações vindas da cozinha, sem os gritinhos estridentes de sua irmã mais velha, sem o barulho de estática do rádio ancião do pai, sem brigas pelo controle remoto e sem discussões sobre quem havia derrubado geleia no tapete.

Ele preparou um achocolatado e fez algumas torradas para si mesmo. Sentou-se no sofá amarelo, uma relíquia dos anos 40, e ligou a TV. Zapeou pelos cinquenta canais e não encontrou nada que lhe interessasse — ‘‘A programação da manhã é uma droga.’’ suspirou ele —, e acabou deixando no jornal, porque às vezes passavam algumas matérias bizarras sobre bebês sem cérebro, celulares radioativos e obesos mórbidos que moram em caminhões.

Enquanto dava uma mordida no pão integral crocante, Lorna Harper, uma repórter famosa do noticiário, irrompeu na tela, parada em frente de uma casa da vizinhança, esta particularmente torta e imunda. Ela dizia, com a sua típica voz insípida e grave:

‘‘Mais um corpo foi encontrado na manhã desta quinta-feira, dia 20 de Julho. Os crimes anteriores cujas vítimas foram Peggy Ryan, de apenas sete anos, e Angelina Smiths, de trinta e cinco, parecem estar interligados e a polícia suspeita que o assassino seja o mesmo.

Após dois dias no necrotério, os especialistas que realizaram a necropsia de Peggy Ryan liberaram o corpo para o enterro. O objeto que perfurou o seu coração não foi identificado, contudo o dr. Tuttle, responsável pelos resultados finais de sua autópsia, afirma que a morte não foi causada por um disparo e nem por uma facada.

Os corpos de Angelina Smiths e Peggy Ryan serão enterrados hoje, no Cemitério Ursa Maior.

Os investigadores dos casos, há poucos dias, acreditavam que o assassino seria misógino, sendo que só havia atacado mulheres até agora. No entanto, o corpo encontrado hoje contradiz a afirmação. Benjamin Clyde Tate, que faria 80 anos nesta semana, foi aparentemente atacado dias antes de Peggy Ryan, e seu corpo foi estirado na cama e os lençóis trocados e subidos até o pescoço, de modo que ele parecesse apenas adormecido.

O corpo permaneceu intocado por dez dias até às cinco da manhã de hoje, quando o leiteiro, Kyle Haas de vinte e cinco anos, suspeitou o acúmulo de jarras de leite coagulado na soleira da porta e chamou o sr. Tate do lado de fora da casa. Diga-me, Kyle, o que aconteceu depois.’’

A câmera se afastou um pouco, revelando um jovem sardento e amedrontado. Ainda usava o uniforme branco e o tosco chapéu azul de leiteiro.

‘‘Bom, ninguém respondeu e eu resolvi entrar, né. E tava cheirando muito mal, aquela casa. A-Acho que nem foi o cadáver; tinha uns pratos de comida no sofá e ratos por todo lado. Um morcego saiu da lareira, até! O lugar parecia abandonado.’’ Finn se inclinou, tensionado. Odiava quando criavam suspense no jornal. ‘‘E daí eu subi as escadas e o fedor foi só piorando. O velho sr. Tate tava lá na cama, né.’’

O leiteiro parecia engasgado, como se quisesse acrescentar mais alguma coisa. No entanto, Lorna Harper o cortou:

‘‘Vizinhos afirmam que Benjamin Tate era um homem solitário e que sua mulher faleceu dois anos atrás. O único filho, Benjamin Junior, morreu precocemente na Guerra do Vietnã. Benjamin não saía muito de casa e não tinha muitos amigos, razões pelas quais seu corpo só foi encontrado dias após o assassinato.

Mais notícias em uma hora.’’

Finn engoliu o último pedaço de pão e largou o prato cheio de migalhas no tapete de crochê. Sua mãe ficaria furiosa se encontrasse sua louça de cerâmica no chão, mas ele não se importou. Ele matutava sobre os assassinatos e sobre o assassino (provavelmente um psicopata robusto, com uma caveira tatuada no bíceps e uma cicatriz rosada cortando o olho de vidro opaco; Finn supôs que ele ainda estaria usando o uniforme laranja de presidiário e tivesse as mãos enroladas em ataduras ensanguentadas).

E pensar naquele velhinho pálido, com o abdome inchado e as veias do pescoço saltadas, suscitava em sua cabeça o encontro com o cadáver de Peggy Ryan no jardim dos Keely. Os olhos vesgos e a larva gorda, farta de abocanhar as suas entranhas, escorregando para fora do buraco em seu peito, ainda o aterrorizavam à noite. O pior foi o tempo em que os paramédicos levaram para pôr Peggy na maca; Finn viu suas costas avermelhadas pelo decote do collant, e se lembrou de que a vermelhidão ocorria devido à falta de bombeamento do coração, que fazia com que o sangue se assentasse na parte inferior do corpo.

Finn não entendia como Raven, Beauregard e Floyd não ficavam espantados com a situação. Talvez a porção de maconha que Beau consumisse fosse o suficiente para apagar certas coisas de sua memória, e Floyd sempre fora relaxado e era difícil deixá-lo assustado; mas Raven? Raven era a garota do grupo, a mais sensível, era ela quem deveria estar borrando as calças de medo do assassino. Contudo, era Finn que estava cumprindo esse papel.

— Tanto faz. — disse para si mesmo.

Todavia, Peggy Ryan não sairia de sua mente com facilidade. Logo, resolveu chamar Raven para tentar se distrair. Discou o número dos Wakahisa e surpreendeu-se quando ouviu a voz de Park do outro lado da linha. Fazia tempo que não conversavam.

— Alô?

— Oi, cara. É o Finn. Beleza?

— Ah! Hã... É. — como sempre, Park parecia ter sido pego de surpresa. — Beleza. Que é que você quer? Opa, desculpa, soou meio grosseiro. Quer falar com a Rae?

— Pode ser, cara. Tchau. Se cuida.

— Hã, tá, ok. — ele tampou o bocal do telefone ruidosamente, porém Finn ainda conseguiu escutá-lo berrando ‘‘Raven’’ e ela respondendo ‘‘Que é?’’ e ele gritando de volta ‘‘É o Finn no telefone’’ e os passos rápidos dela na escada e a sua respiração ofegante ao tomar o objeto das mãos do irmão. — Oi, Finn.

— E aí, Rae? Eu tava pensando se você queria dar uma passada aqui.

— Tá bom. Eu já tô indo.

— Beleza, eu vou tá na casa da árvore então nem toca a campainha.

— Tá, tchau. — e desligou.

Ele se apressou em tirar o robe e botar uma camiseta do Pixies e uma bermuda. Nem gostava tanto de rock; só gastara sua mesada naquilo para impressionar seus amigos mais velhos — Park, Beau e Floyd — que ouviam aquelas bandas barulhentas no volume máximo dos seus walkmans e ficavam comentando sobre os solos de guitarra e a potência da bateria. E a verdade excruciante, algo que ele não conseguia admitir, era que Raven se entrosava mais com eles do que Finn, e aquilo o matava de ciúmes. Ambos tinham a mesma idade, no entanto, ele era um garoto e ela, uma garota; isso não lhe dava uma vantagem sobre Raven?

Tentou não pensar no assunto enquanto subia nos galhos do sicômoro. Estavam cada vez mais quebradiços. Não demoraria para que os homens uniformizados voltassem, só que desta vez com uma serra elétrica e uma caçamba para jogar os restos mortais da árvore dentro.

A casa era um lugar sagrado para os cinco. Os olhos de David Bowie (azul e o outro permanentemente dilatado) encaravam-no do teto. Havia alguns pertences de Raven varridos para um canto escuro: três canivetes suíços, uma lâmpada de plasma e algumas fitas cassetes velhas. Ele olhou para a foto pregada na parede; lembrava-se do dia em que a tiraram.

A construção da casa da árvore havia sido terminada e todos eles tomavam refrescos de morango sentados num galho. A mãe de Finn, em seu avental xadrez amarelo, saíra de casa com uma câmera e mandara eles posarem para ela. Beauregard abrira um enorme sorriso — na época, não tinha sido introduzido ao mundo das drogas e seus dentes eram brancos e a gengiva não havia escorrido um pouco para baixo — e pusera seus braços ao redor de Raven e Park. Ela tombara sua cabeça em seu ombro e Park parecia bastante feliz. Floyd franzia o cenho por causa da luz do Sol em seus olhos e sorria modestamente. Finn fora flagrado durante uma risada e estava pendurado em um dos ramos, exibindo o torso nu e a flanela azul ao redor da cintura.

— Finn! Você tá aí? — gritou Raven do gramado.

Ele botou a cabeça pra fora da casa.

— Shh! Cala a boca, meus pais ainda tão dormindo. E se a Audrey te vir aqui, você já sabe o que ela vai pensar.

— O quê? — perguntou enquanto escalava os galhos do sicômoro. Finn a puxou pelos braços para ajudá-la a entrar na casa.

— ‘‘O quê?’’ — repetiu num tom de desdenho. — Ela tem fantasias sobre nós. Ela... Ela acha que a gente tá de rolo.

— Ah, puxa... Que ideia estúpida.

— Sim. É exatamente porquê nós temos que falar baixo.

— Beleza.

Raven se largou no chão e começou a analisar os cassetes que esquecera ali.

— Eu tava procurando esse! — segurou um do álbum Hatful of Hollow, meio empoeirado. — Por que não falou que as minhas coisas tavam aqui?

— Sei lá, você sempre volta e traz mais tralhas.

— Bom, eu não esqueço nada aqui propositalmente.

— Posso ficar com um canivete, então?

— Pode. — revirou os olhos, porém com um sorriso estampado na face.

Ela esfregou uma perna contra a outra preguiçosamente. Mesmo que estivessem na estação mais quente do ano, Raven usava coturnos Dr. Martens pretos e calças jeans rasgadas manchadas de salpicos de tinta vermelha. Amarrara a manga de uma flanela velha ao redor dos dois pulsos e a camiseta do Jim Morrison estava amarfanhada e exibia um buraco na axila, dando-lhe um vislumbre de alguns pelos escuros.

— Você viu que mataram mais um cara? Um velho, dessa vez.

— Não brinca! Eu nem consegui ligar a TV hoje.

— É. Foi bem tenso. Ele era um cara meio sozinho e ninguém percebeu quando morreu. Ficou uns dez dias na cama, se decompondo. — ele se distraiu com a lixa do canivete. — Sabe, eu ainda sonho com a Peggy. Nem sei como você não ficou perturbada depois de encontrar o corpo.

— Sei lá. Eu só esqueci. É meio estranho pensar que alguém foi assassinado pelas redondezas. Nesses quinze anos, eu nunca vi nada de relevante acontecer. Lembra de quando o Beau luxou a perna e apareceu na primeira página do jornal? É esse tipo de coisa que costuma ser aterrorizadora para nós. Não assassinatos e enterros e cartazes de pessoas desaparecidas.

— É isso que piora tudo.

Finn suspirou e cravou a faca do canivete no piso de madeira. Os dedos de seus pés congelavam; isso acontecia sempre que estava nervoso. A etiqueta da camiseta roçou em seu pescoço e ele arranhou a pele com força numa tentativa de parar a coceira. Raven ainda selecionava as cassetes que levaria para casa e sorriu para uma em particular. Em seguida, empilhou tudo e deixou-as de lado.

— Mudando de assunto... — iniciou ele. — O que que tá pegando entre você e o Floyd?

— O Floyd? Não sei, eu ajudo ele com as coisas da mercearia e tudo mais...

— É, disso eu sei. Mas, Rae, na festa do Percy eu peguei vocês no armário, abraçados, sabe?

— Ah é? — ela coçou a cabeça. — É que eu tomei um porre naquela noite. O Beau tava segurando alguma coisa com absinto e eu engoli aquilo num gole só. Ai meu Deus... É por isso que o Floyd não atendeu quando eu liguei!

Raven ofegou e esfregou as palmas das mãos nas bochechas coradas.

— Que merda, Finn. Eu devia tá tão escrota dando em cima dele. Ah! — grunhiu de frustração, puxando as pálpebras para baixo. — O Floyd nunca vai esquecer isso.

— Nada a ver, pelo que a Gretel me contou, ele é mó seu baba-ovo. O Ted falou pra ela que o Floyd tava a fim de você. Todo mundo diz isso, na verdade. Você viu? A Gretel terminou com o Teddy. Não sei porquê.

— O Floyd? — ela ruborizou mais ainda. — Mas o que você acha? Você acha que tem uma chance dele...

— Gostar de você? — Finn a encarou com um olhar confuso. Havia um sentimento desconhecido se acumulando em sua garganta, cálido e quase pungente. Não era ciúmes; claro que não, ele não se importava com quem Raven saía. Todavia, agiu impulsivamente e mentiu, desviando os olhos: — Não, não. Sem querer ser grosso, mas eu acho que ele ainda tá de rolo com aquela garota, a Didi Grindylow.

— Mas ela não tinha largado ele?

— É, mas eles sempre tão reatando. Outro dia, vi ela saindo da mercearia pela porta dos fundos. — improvisou.

— Por que ele não me contou?

— Não sei. Talvez fosse alguma coisa particular.

Ela desprendeu o canivete do chão só para fincá-lo novamente. Uma trilha de formigas vermelhas entrou pela fissura entre as estacas do teto. Uma rajada de vento beijou ternamente o rosto níveo de Finn. Ele arrancou a crosta roxa que havia se formado sobre um machucado antigo em seu joelho. Raven verificava algumas mechas de cabelo para encontrar pontas duplas. Os dois afundaram em um silêncio angustiante.

— Quer fazer alguma coisa? O fliperama só abre ao meio-dia.

— Sei lá. — retrucou ele. — Trouxe as suas cartas de tarô?

— Eu sempre trago. — meteu a mão no bolso e jogou um maço de cartas amassadas no piso.

— Legal. Faz uma consulta pra mim.

Raven embaralhou as cartas agilmente e as dispôs em um leque.

— Escolhe dez e faz uma pergunta na sua cabeça.

Enquanto ele as selecionava, Raven as posicionava em uma forma de X. Finn perguntou para si mesmo fervorosamente, umas dez vezes, ‘‘Eu vou ficar com a Gretel?’’.

— As cartas 1 e 2 mostram a sua pergunta. — ela as virou. — A Sacerdotisa e o Diabo. Essas não tem muita conexão. Ah! Espera aí. A sua pergunta tem a ver com garotas. Amor platônico. Sexo, também. E encantamento. Você quer saber se vai conseguir a garota que você tá gostando.

‘‘O.k., agora as cartas 3 e 7 retratam os rumos naturais das coisas. A Lua em posição invertida e o Carro. Muito contraditório. Sucesso, ambições e liderança. Mas também significa perigo, relacionamentos problemáticos, doenças relacionadas à líquidos, temperamento lunático e viroses.’’ ela riu. ‘‘Viroses...’’

— Mas isso é bom, né? Significa que a resposta pra minha pergunta é sim.

— Hã, é, sim, a princípio. — ela virou as próximas cartas. — As 8 e 4 mostram o rumo se houver mudança. O Sol e o Mundo; são as melhores de todas! Representam amizade, amor sincero, solução de problemas, clareza, sucesso, plenitude, evolução... Nossa, então é melhor você mudar.

Finn se desapontou. Mudar o rumo dos fatos seria desistir de Gretel? Ele balançou a cabeça para afastar os maus pensamentos; as cartas não significavam nada.

— As 9 e 5 mostram como a sua energia mental está afetando a situação. O Sumo Sacerdote e o Julgamento invertidos. Rancor, intolerância, falta de confiança em si mesmo e nos outros, atos instintivos, remorso, frustrações, reprovação e sedução. Você tá se sentindo assim ultimamente?

— Não. Que bobagem.

— Ah. Bom, as cartas 6 e 10 são as últimas, ilustram o futuro se as coisas não tomarem outro rumo. — Finn se assustou ao ver o esqueleto de olhar maldoso, remando em um rio, onde mãos despontavam em suas margens. A outra carta mostrava uma torre despencando, com uma pena gigante descendo do céu e roçando nos tijolos despedaçados. — A Morte e a Torre; mudança súbita, colapso das convicções, castigo merecido, queda, fim, má sorte e é claro, morte.

Ela levantou seus olhos para ele e os dois estremeceram.

— Você acha que tem algo a ver com os assassinatos? — questionou ele, subitamente supersticioso.

— Não sei. Talvez alguém próximo morra por causas naturais. A carta da Morte significa outras coisas também, não é só morte. — pela expressão que ela fez, Finn deduziu que estava deixando seu espanto transparente. Raven segurou as suas mãos; os dedos gelados cobrindo os seus, levemente úmidos. — Nada vai acontecer.

— É. Que estupidez a minha. — disse, olhando para as suas mãos esqueléticas entrelaçadas.

Finn quis se afastar, quis rolar para fora da casa e correr até o fliperama; no entanto, o calor do momento o deixou afobado e ele ficou paralisado. Até que um barulho metálico rompeu o encanto e Raven deu um pulo, puxando seus braços pra trás.

— O que foi isso? — indagou ela, assustada.

— Gatos. — ele olhou pelo buraco quadricular que eles haviam serrado em uma parede. Duas latas de lixo estavam tombadas no jardim, espalhando todo seu conteúdo e amassando as rosas brancas do canteiro da sra. Swanson. — Gatos transando, eu acho.

— Eles não fazem isso à noite?

— Não tem hora pra eles fazerem.

Raven recolheu as cartas desajeitadamente, jogando-as nos bolsos.

— Da hora essa sua camiseta. — comentou ela.

— Hã, é, eu curto bastante o... Pixies.

— Eu também. Qual é a sua música preferida?

— Hm... Where Is My Mind.

— É a mais famosa, Finn. Já ouviu Cactus? — ele negou. — E Tony's Theme também é maneira. Eu tenho o Surfer Rosa e o Doolittle em vinil, se você quiser escutar comigo um dia desses, é só aparecer em casa.

— Ah. Ah, é, beleza.

— E o Beau me chamou pra dar um rolê de skate. Você tá a fim de ir? Segunda-feira.

— Ele te chamou, é? — perguntou com um tom de indignação. Fora Finn que ensinara Raven a andar de skate na garagem e que a segurara pela cintura toda vez que ameaçava cair. Beauregard nem se dera o trabalho de chamá-lo para ir junto; e convidara Raven. Raven, a garota!

— É. Você quer se juntar?

— Hã, Rae, você nunca pensou em fazer coisas de garota? — sugeriu ele.

— Como assim?

— Tipo, sei lá, andar de patins, usar brincos de argolas, ouvir Madonna e Cyndi Lauper e ficar babando no Johnny Depp. E por que você não faz umas amigas também?

— Eu tenho amigas. Eu tenho a Alli. Por quê? Você tá se cansando de mim?

— Não! Claro que não, você é a minha melhor amiga. — ele ruborizou, cheio de ciúmes. — Mas, poxa, por que você não dá um tempo pros caras?

— Eles não parecem incomodados. — ela pestanejou.

— É que seria até melhor pra você. As ruas, as festas, as nossas reuniões... Não são lugares de meninas, entende? Seria até mais fácil de arranjar um namorado se você fosse que nem a Gretel.

— Gretel Dorothea não é um exemplo. — vociferou, e pela primeira vez, Finn sentiu medo dela. — E quais seriam lugares de meninas?

— Na cozinha, nas aulas de bordado, na lavanderia, no jardim...

Finn a viu erguer a palma da mão e fechou os olhos. Não pôde se defender com os braços e não quis revidar, portanto sentiu a pele do seu rosto formigar e a bochecha arder numa dor descomunal. Ela havia lhe estapeado. Uma garota havia lhe estapeado e ele estava à beira de lágrimas.

— Desculpa. — murmurou. — Mais ou menos, porque você tá sendo um babaca.

— Mas é verdade, Rae. É assim que as coisas funcionam.

— Não é, não. É melhor eu ir embora. Tchau.

— Tchau.

Raven saiu tão rápida e desajeitadamente da casa que aterrissou na grama com um barulho surdo. Finn não botou a cabeça pra fora para checar se ela estava bem. Observou-a pelo canto do olho contornando as latas de lixo e sumindo ao virar a esquina.


***


Finn sempre encontrava conforto nos controles grudentos e nas telas pixelizadas dos jogos. Gostava de sentir a luz azulada iluminar seu rosto e o som esganiçado da trilha sonora de Golden Axe quase estourar seus tímpanos toda hora que ele apertava o botão vermelho. Ele sempre fugia para o fliperama quando alguma coisa estava errada; quando tirava uma nota baixa, quando era rejeitado por Gretel, quando brigava com Beau, ou quando sua melhor amiga o agredia.

Havia batido seu próprio recorde quando sentiu um cutucão no ombro.

— Que é?

Era Dudley, o homem de 35 anos que se tornara um profissional dos jogos de arcade aos 12 e saiu da escola ainda no ginásio. Usava o cabelo empapado de gel e penteado para trás, de modo que não precisasse afastar a franja enquanto jogava. Corriam boatos de que Dudley tomava banhos mensais e só fazia pausas para comer junk-food, usar o banheiro e tirar sonecas.

— Eu gostaria de experimentar o novo jogo. — falou cuspindo. — Se me permite.

— Agora não. — e voltou a defrontar a tela ofuscante.

— Vocês, garotinhos de ginásio, são uns panacas.

— Como se eu me importasse, Dudi.

Golpeava o seu adversário virtual enquanto Dudley resmungava, andando ao redor da máquina e impregnando seu cheiro inconfundível de queijo no ar. Finn continuava concentrado no jogo até escutar o nome ‘‘Teddy Turner’’.

— Teddy Turner? — pausou imediatamente e se virou para Dudley.

— É, aquele moleque de cabelo rosa. Viadinho. — seu rosto gordo assumiu uma expressão ansiosa, como a de uma criança prestes a atacar um sorvete cremoso de chocolate amargo com cereja. — Acabou?

— O que tem Teddy Turner?

— Cinco pratas.

— O quê?

— Cinco pratas e eu te falo, mané.

Finn revirou os olhos e jogou o resto das moedas que tinha na mão aberta e estendida de Dudley.

— Otário. — murmurou.

— Olha como fala, pentelho. — rebateu, contando o dinheiro. — Teddy Turner entrou com uma garota aqui ontem à noite. Quer dizer, nem sei se era garota ou garoto, porque a cabeça tava raspada. A camiseta dela tava manchada de sangue.

Dudley parou de falar.

— E daí? O que eles fizeram?

— Me dá toda a sua bufunfa, mané.

— Eu só tinha isso! — tempestuou.

— Que pena. É só o que eu tenho a dizer.

— Vai, Dudi, me fala e daí eu libero o jogo pra você.

Dudley não hesitou.

— Eles entraram no Laser Tag sem equipamento. E daí eu fui avisar ao Teddy que é preciso uma autorização para jogar e ele me ignorou. Panaca.

— E quando eles saíram?

— Não sei. Eu peguei no sono na piscina de bolinhas e quando acordei eles já tinham se mandado.

— Então eles passaram a noite lá?

— Não sei, pirralho. Agora se manda.

Finn não teve escolha a não ser deixar o fliperama. O odor das axilas de Dudley estava o matando.

Ele pensou em retornar para sua casa e mirar as rachaduras no teto até a hora do almoço. O fantasma do estalo da mão aberta de Raven atingindo o rosto de Finn ainda o assombrava. Sua face, geralmente adorável e radiante, estava transfigurada pela raiva, e através de suas pupilas, ele viu uma chama flamejar.

Finn andou à esmo, seguindo as sombras das palmeiras esbeltas. E então uma ideia, que pareceu ótima no momento, clareou a sua mente. Teddy era um idiota pretensioso e os dois nunca se deram muito bem; logo, por quê relutar em contar para Gretel que ele estava a traindo?

Gretel e seus pais, biólogos marinhos ativistas, moravam em uma casa vitoriana azul, a segunda mais bonita do bairro — perdendo para a mansão de Beauregard —, algo que contrastava com a miséria que seu namorado vivia. Às vezes, Finn se perguntava como pessoas sujas e cabeludas como o sr. e a sra. Abendroth poderiam ter um senso estético tão bom e possuir uma fortuna para comprar aquela casa — ele não conseguia entender como obtiveram tanto dinheiro sendo que tudo o que faziam era fumar maconha e xingar o Sea World nas ruas.

Ele andou pela grama ainda úmida e parou por alguns instantes para observar a magnífica fonte de um querubim espirrando água pelo pênis. Secretamente, Finn passava pela casa dos Abendroth só para admirar anjo de mármore bruto. Após pairar no jardim de Gretel como um tolo por dois minutos, resolveu bater na porta verde-musgo.

Ninguém atendeu. Segundos depois, Finn tocou a campainha.

— Já tô indo. — anunciou a voz entediada de Gretel.

Ele mexeu freneticamente no cabelo, praguejando por não tê-lo arrumado antes.

— Oi. — ela abriu a porta e o encarou, sem parecer surpresa.

Gretel usava uma camisola de alcinhas preta e os seus cachos profusos estavam ainda mais brilhantes sob aquela luz. Seus tornozelos estavam cheios de picadas de mosquito e as suas mãos, inquietas, estavam avermelhadas e molhadas.

— Oi, Gretel. — ele avançou. — Eu... Posso entrar?

— Eu tô com pressa, Finn. Seja rápido.

— Hã, tudo bem. — recuou. — É sobre o seu namorado, o Teddy.

— O que tem eu, seu caroço? — ele apareceu detrás da soleira da porta, sem camiseta e com a marca de um beijo rosa-choque no pescoço. O formato e o tom dos lábios em sua pele pálida era similar aos de Gretel, que faziam um muxoxo para Finn.

— Vo-Você sabe. — odiou a si mesmo por gaguejar. Instantaneamente, sentiu-se um fracassado. — Andou traindo a Gretel.

— Isso não é da sua conta, cara. Vaza. — ele tentou ultrapassá-la, porém foi barrado.

— Explica direito, Finn.

Teddy deu um empurrão na namorada e o arrastou até o meio do gramado pela gola da camiseta. Na opinião de Finn, qualquer garoto ficaria ridículo com o cabelo rosa, no entanto, Teddy ficava legal e ameaçador.

— Moleque, como é que você ficou sabendo da Daria? — ele o chacoalhou. — Foi o Beau, não é? Puta fofoqueiro, aquele cara.

— Daria? Daria McAllister? Você... Você ficou com ela?

— Ficar! — desdenhou. — Então você não sabe de nada, né?

— Sei, sim. Ontem à noite, no fliperama.

— A Mia? — ele gargalhou. — Não aconteceu nada, seu imbecil. Tu é ridículo, moleque. Sai fora. De boca fechada, se não eu te arrebento.

— Larga ele, Ted! — ordenou Gretel, que havia agarrado o namorado pelo cangote.

— Acredita em mim! — gritou Finn. — Não foi só com a... Maia? Mia? Foi com a sua amiga...

— Cala a boca. — e por uma fração de segundo, ele viu o punho cerrado de Teddy achatar o seu nariz. O soco foi incomparavelmente mais doloroso do que o tapa de Raven.

— Teddy! — ela o puxou para trás com força e ele cedeu.

Finn farejou um cheiro de sangue no ar. Passou discretamente os dedos pelas narinas, porém não havia nenhum salpico vermelho visível. Teddy olhava para ele furioso, e respirava ofegante, controlando-se para não enforcá-lo.

— Vá embora, por favor. — pediu Gretel, ligeiramente corada.

— Confia em mim. Eu...

Teddy, descontrolado, se desvencilhou de Gretel e deu uma joelhada na virilha dele. Ela soltou um gritinho e o puxou para trás, beijando seu pescoço para amansá-lo. A visão de Finn ficou turva em virtude das lágrimas que marejavam seus olhos azuis, fechados numa tentativa de contê-las. Ele se contorcia de dor no chão e acidentalmente pousou o olhar na fonte do querubim, odiando-o por estar tão descontraído e por não ter uma genitália machucada.

Viu polainas de ginástica se aproximando, saltitantes. Ergueu a cabeça lentamente para se deparar com Allison Foster, de tranças presas com laços rosas e usando um vestido azul rodado. Carregava uma cesta de vime cheia de envelopes.

— Olá! — saudou sorridente. Teddy sequer olhou para ela, enquanto Gretel retribuiu o sorriso. — Queria convidar vocês pra minha festa de dezesseis anos. Vai ser na minha casa, no próximo sábado. Todo mundo de trajes formais.

Estendeu um dos envelopes cor de creme.

— Vai ser bem da hora, muita música, dança, alegria! — seu sorriso estava se alargando de uma forma assustadora. — Você está bem, Finn?

— Sai daqui, baranga. — retorquiu ele.

Só então percebeu o quanto rude fora. Nem Teddy, que havia sido criado numa espelunca, a xingara. Gretel baixou os olhos, envergonhada.

— O que você disse? — indagou Allison, seus olhos roliços e lacrimosos piscando desvairadamente.

— Nada. Eu só tô... — levantou-se com dificuldade, curvando-se sobre a cintura. — Bem mal. Foi mal, Alli. Eu não quis...

— Bom, então saiba que você está oficialmente desconvidado para a minha festa. Espero ver vocês dois lá. — disse a última frase se dirigindo à Teddy e Gretel. Ele sorria tolamente para ela, tentando segurar uma risada de deboche.

E enquanto Allison Foster se afastava aos pulos, Finn deu seus primeiros passos, todo envergado. Arrependeu-se de ter dito aquelas coisas machistas à Raven, de ter subornado Dudley para obter informações, de ter ido à casa de Gretel para denunciar seu namorado (claramente mais forte do que ele) e de ter nascido.

— Tu é um babaca, Swanson! — escutou a voz de Teddy gritar atrás de si.


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Notas finais do capítulo

btw pessoal, pra fazer o banner eu peguei algumas fotos que a Petra Collins tirou (a maioria do álbum Teenage Gaze e Rookie School Book ou alguma coisa do tipo, não lembro). então se vocês gostaram delas, podem ver mais em www.petracollins.com
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