All Out War escrita por Filho de Kivi


Capítulo 48
All Out War – Part Two: The Crow, the Owl and the Dove


Notas iniciais do capítulo

Hei!

Caraca... Quanta demora, hein? Hehe...

Fiquei todos esses dias isolado totalmente do mundo exterior! Praticamente uma semana sem internet! Não quero nem falar muito sobre isso, foi bastante traumático hehe...

Mas o importante é que aqui estou eu, com a segunda parte do último arco de AOW! “The Crow, the Owl and the Dove” mostra o que ocorrera com nossos heróis logo após o fim da primeira batalha. Não haverá conflitos armados nesse capítulo, mas ainda assim, tenho certeza que irão gostar bastante!

Só adiantarei que o primeiro POV é de Eloise McIntyre, a Imperatriz do Garden... Teremos também o retorno de alguns personagens que andavam meio sumidinhos por aqui...

Dedico esse capítulo a Sami, que após um zilhão de comentários, finalmente conseguirá a partir de agora acompanhar as postagens em tempo real! Kiitos herra! O seu apoio por aqui, comentando desde os primeiros capítulos, é muito importante para que esse humilde trabalho siga em frente!

Também agradeço, e muito, a Menta, minha fiel amiga que possui uma paciência de Jó comigo! hehehe... Esse capítulo também é para você! Obrigado por todo o apoio, hoje e sempre!

Bom, sem mais delongas...

Boa leitura!



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— Onde ele está? – Indagara Lizzy, assim que vira Eloise se aproximar, sozinha.

A Imperatriz nada dissera, ignorando-a totalmente. Passara a retirar a prótese metálica, dando folga ao ombro cansado. Suas roupas estavam manchadas de sangue, assim como a lâmina do braço de metal adaptado.

Olga e Lizzy, que haviam acabado de retornar de uma ronda, fitavam McIntyre, como se esperassem que ela dissesse algo. Como se ainda houvesse algo a ser dito.

A Aliança erguera acampamento em um descampado próximo a Kalorama Sq., em frente a Woodrow Wilson House. A missão bem sucedida em frente aos portões do Santuário, fora complementada com o regresso de Rick Grimes, que havia ficado para trás em sua missão suicida. Holly, uma das combatentes alexandrinas, tomara o seu lugar, concluindo com êxito tal tarefa.

Fogueiras foram acesas e enlatados abertos, e o grupo protegera-se do frio da madrugada, alguns ainda assustados com o resultado do que fora feito. Quatro mortos apenas, um número baixo se comparado à grandiosidade de tudo o que acabara de ocorrer. Alguns feridos recebiam tratamento especial de Rosita Espinoza, mas nenhum era um caso realmente grave.

A vitória, da forma que se dera, alimentara ainda mais a esperança de que era possível vencer. E Eloise, que tanto relutara internamente em fazer parte da Aliança, começava a ver nela a possibilidade de um futuro digno para aquele grupo de comunidades. Com as lideranças unidas, coesas, seria possível recomeçar, fazer do jeito certo dessa vez.

Para proteger o grupo que passaria a madrugada ao relento, Ezekiel solicitara que grupos pequenos se revezassem em rondas, verificando o perímetro e exterminando qualquer ameaça que se aproximasse. A Imperatriz então pedira que o Garden fosse o primeiro a realizar essa tarefa.

Ordenara que Hanso, Olga e Lizzy seguissem a oeste, a uma distância em que ainda pudessem enxergar as luzes das fogueiras. Ela e Bill seguiriam pelo lado oposto, a leste, atestando se não havia nenhum grupo de errantes oportunistas, talvez atraídos por todo o barulho que haviam feito.

Os três primeiros retornaram em segurança, tendo exterminado cerca de dez cadáveres ambulantes, sem dificuldades. Dez minutos depois, a Imperatriz também retornara, topara com um grupo pequeno e os eliminara sem problemas. Porém, em seu regresso, todos notaram que havia algo diferente. Eloise McIntyre estava sozinha.

— Aconteceu alguma coisa? – Dessa vez fora Olga quem insistira – Onde ele...?

Eloise voltara-se para a ucraniana, encarando-a.

— O Senhor Flood está morto.

A resposta seca fora seguida pelos passos de McIntyre, que se afastara do grupo, sem olhar para trás. Não havia culpa em seus pensamentos, apenas alívio. Um estranho sentimento de alívio. Aquela que lutara sempre contra o barbarismo, assustara-se com sua própria reação. Ainda não sabia o que aquilo significava, mas sabia que teria, hora ou outra, de lidar com isso. Não podia perder uma batalha para si mesma.

...

Os passos marcavam o solo com o peso das botas que usavam. O frio da madrugada, mesclado à pequena chuva que caía, fazia com que o ambiente se tornasse mais e mais inóspito com o passar das horas. O breu quase que total só era aliviado pelos pequenos pontos luminosos das fogueiras do acampamento, que quase não podiam mais ser vistas pela dupla desgarrada.

Mas diferentemente dos humanos, os mortos não sabiam ser silenciosos. Os movimentos bruscos, truculentos, além dos grunhidos intermitentes, acompanhado pelo hálito pútrido que brotava por seus lábios, avisavam aos caçadores experientes, que o perigo estava a sua espreita.

TCHUMP!

A primeira pancada, semelhante ao som de um taco rebatendo uma bola molhada, esmagara o crânio de uma mulher morta viva, uma adolescente, a maxila apodrecida, dependurada, os olhos leitosos quase saltando das órbitas. Com o cabo do rifle, Bill Flood completara o serviço, esmagando a cabeça da criatura, assim que ela fora ao solo.

SCHWINK!

Eloise era mais técnica, mais precisa e também mais silenciosa. Com a lâmina de sua prótese engenhada, conseguia eliminar ainda mais rapidamente os monstros ambulantes. Fora assim com dois, vindos de lados opostos. Habilmente, a Imperatriz utilizara-se do mesmo movimento corporal para decepar a cabeça das criaturas, um idoso sem um dos braços, e uma mulher em avançado estado de decomposição.

O movimento limpo, desenvolvido após anos lutando pela própria sobrevivência, dera tempo e espaço para que a mandatária do Garden conseguisse, em tempo recorde, dar cabo de mais dois famintões. Bill a olhara de esguelha, admirado com a habilidade de sua líder.

— Eu acho que eu sei por que você me trouxe até aqui. – Flood resguardara o rifle nas costas. Atestando que não havia nenhum perigo iminente, retirara do bolso da camisa um cigarro, acendendo-o calmamente. – Desde que tudo aquilo aconteceu... – O caipira dera a primeira tragada – Nós ainda não havíamos nos falado. Diabos, eu nem consigo acreditar que ainda estou vivo!

A mulher nada dissera, seguira ouvindo as palavras do caçador enquanto limpava o sangue negro e a bílis que se espalhava por sua lâmina.

— O Doutorzinho foi muito corajoso. Eu... Eu estava cego, senhora! Minha cabeça estava envenenada, e eu só conseguia pensar em fazer o que achava que era o certo! – Bill arrumara o chapéu de cowboy sobre a cabeça, os olhos voltaram-se para o chão fugindo do contato com Eloise – Eu tenho pesadelos toda santa noite com o rosto daqueles garotos... – Sua voz parecera embargar – A senhora não imagina o quanto tem sido duro para mim.

— Mas eu consegui entender o meu castigo... Eu sei que vou ter que viver com isso. Mas sei também que daqui para a frente, enquanto eu puder, vou fazer de tudo para compensar todo o mal que eu causei! Foi por isso que o Doutor Wales poupou minha vida! Ele era mesmo um grande homem...

O silêncio perdurara por cerca de um minuto. Flood parecia esperar por alguma palavra, por alguma manifestação de sua Imperatriz. Eloise seguira polindo sua arma, sem nem sequer trocar olhares com o caipira. Respirara profundamente, alongando os músculos após finalizar a limpeza de sua lâmina.

— Atrás de você... – Sua voz saíra tão fria quanto os seus gestos – Dois errantes atrás de você.

Flood virou-se, sacando o seu rifle e acertando a cabeça da primeira criatura. A distração quase lhe tirara a vida, mas o aviso viera a tempo. Usando a arma de fogo como porrete, esfacelara o crânio do jovem morto vivo, girando e acertando com um chute o outro famintão. Indo ao chão, o monstro apenas esticara os braços antes de receber uma sequência de golpes no rosto, os ossos da face sendo prontamente esmagados.

— Obrigado, senhora! – O caipira suspirara, aliviado – Eu quase...

Eloise atacara Bill pelas costas, a lâmina de sua prótese engenhada atravessando o peito do caçador. O homem nem tivera tempo de reação, apenas gemera, cuspindo sangue e tremendo os braços involuntariamente.

— Você sabe o real motivo de eu ter trazido você para cá... – McIntyre sussurrara, os lábios próximos ao ouvido de Flood – Desmond só poupou sua vida porque precisava unir o Garden. Ele fez isso para acabar com o racha que você havia criado... Só assim todos puderam se ajudar, e só assim nós vencemos a doença.

— Mas não existe perdão para assassinos, Bill... – A mulher rangera os dentes, colocando todo o ódio resguardado para fora – Você matou os irmãos Cheever, matou duas pessoas totalmente inocentes... Você quase me matou. Você não merece viver!

A Imperatriz forçara ainda mais sua lâmina, atravessando-a completamente no tórax do caipira. Puxara em único movimento, largando o corpo de Bill e deixando-o cair sobre a poça de seu próprio sangue.

— Vejo você no inferno, Bill Flood...

...

Eloise tentara retirar aqueles pensamentos de sua mente. Queria simplesmente apagar tais imagens, passando uma borracha por cima. Mas o que estava feito, estava feito. Não havia como voltar atrás. E mesmo se houvesse, era bastante provável que ela repetisse tudo outra vez.

Matar Bill Flood a transportara para uma época que ela não mais gostaria de retornar. Ao tempo da forca, da justiça com as próprias mãos. Quando o Garden era apenas um perímetro marcado, sem o grande muro de madeira viva. Uma época em que precisara se tornar a Imperatriz de um comboio para que as pessoas não descambassem para o barbarismo.

Lutar contra a loucura humana, utilizando a loucura humana como arma. Eloise McIntyre não mais se reconhecia. Estava cansada, cansada de tudo. Cansada do peso da liderança, cansada de perder vidas, cansada de perder a própria identidade a cada dia.

Cansada da guerra. De uma guerra que mal havia começado.

Rick Grimes, aquele que comandava a Aliança das quatro grandes comunidades, chamara os combatentes para mais uma reunião. Discursaria outra vez, daria ordens outra vez, e os incentivaria outra vez. Olhando para ele, para o homem que perdera uma das mãos, McIntyre finalmente entendera que todo grupo necessitava de um pilar.

Ela era o pilar do Garden, Ezekiel o do Reino, Jesus o do Hill Top e Rick de Alexandria. Mas notara também que, entre eles, havia em comum o mesmo vazio no olhar. O sacrifício daquelas poucas pessoas era a bonança de muitas. Vender a própria alma ao diabo para que seu grupo pudesse viver bem e em segurança. Será que valia mesmo a pena?

Perdera a irmã, os amigos, e perdera-se de si mesma... Será que ela estava destinada a dar tudo de si, apenas para que um futuro utópico, uma conjectura, pudesse ser posta em prática? Sentira uma pontada no abdome. Levantara a blusa, e vira sua cicatriz, resultado do golpe quase mortal que recebera de Bill Flood.

Lembrara-se então de Desmond Wales. Lembrara-se do sacrifício que ele fizera. Lembrara-se do homem que salvara sua vida.

Talvez ainda houvesse esperança. Mesmo para ela. Vencer a guerra, independente do preço que precisassem pagar, era algo que ela tinha por obrigação fazer. Se ainda existia alguma ligação entre a Imperatriz e a jovem professora de Física que um dia fora, estava ali, naquele gesto. Dar uma certeza de futuro ao Garden não a redimiria de seus pecados, mas aliviaria a dor por todos aqueles que morreram.

Sentir isso. Esse estranho aperto no peito, esse sinal de afeto, fizera com que McIntyre, apesar de tudo, se sentisse um pouco mais viva. Um pouco mais humana.

— Os Salvadores possuem postos avançados. – Ela então começara a ouvir atentamente as palavras de Grimes, que subira no capô de uma das SUVs— Não há como sabermos exatamente quantos homens existem nesses postos, mas sabemos que são eles que viajam para realizar as coletas dos tributos. Negan desenvolveu uma rede desses postos entre o Santuário e as nossas comunidades. Todos em pontos estratégicos.

— Esses mesmos homens agora estão isolados do restante dos Salvadores. Nós iremos derrubar esses postos, enquanto eles ainda estão incomunicáveis! E para que isso possa ser feito, precisaremos nos movimentar rapidamente. Isso significa que nos dividiremos em grupos pequenos! Levarei alguns de vocês comigo, o outro grupo será liderado por Ezekiel!

— Ao mesmo tempo, Alexandria acabou de se tornar um alvo enorme! Se Negan conseguir se livrar dos monstros que invadiram o Santuário, não hesitará em atacar minha comunidade primeiro! Michonne levará um grupo de volta. Precisamos estar prontos para caso eles consigam se reorganizar outra vez!

— Sei que todos estão cansados, e a ideia de passar a noite na estrada não é nada animadora. Mas estamos indo muito bem. Estamos conseguindo... E estamos vencendo! Vai acabar logo... E vai valer a pena!

Aquilo era maior do que tudo o que já haviam vivenciado. Até mesmo em sua vida anterior ao cataclismo. Nada que fizesse, ou que já tivesse sido feito, iria se comparar a grandiosidade da semente que estavam plantando.

O simples discurso de Grimes, mas que acabara tocando Eloise profundamente, fizera com que ela percebesse que não se tratava apenas de mais uma batalha pela sobrevivência. Um mundo maior, mais justo para a Aliança, um novo mundo sendo moldado por aquele pequeno grupo de pessoas. E Eloise estava ali, fazendo parte dessa realidade.

Talvez aquela fosse a primeira vez que a Imperatriz tivesse realmente entendido o quanto o seu papel era importante. O quanto todos os seus atos, todas as suas decisões, todas as vezes que abdicara de algo pensando apenas no grupo... Não fora me vão.

Uma lágrima escorrera por um dos lacrimais da Imperatriz. Um turbilhão de emoções fervilhava em seu interior.

Iria acabar logo... E no final, apesar de todos os erros, de toda a culpa e todo o sangue em suas mãos, talvez realmente valesse a pena.

 

*****

 

TCHOMP!

KRANKK!

WRANK!

SHUKK!

— Fiquem por perto! Não deixem nenhum deles passar! Fiquem de olho na retaguarda, porra!

Negan comandava o pequeno grupo que deslocara para o lado de fora do Santuário, na tentativa de exterminar os errantes que se amontoavam no pátio. Com seus bastões, machados e facões, os Salvadores formavam um semicírculo, colados a grande porta de metal que dava acesso à fábrica. A quantidade colossal de criaturas, não permitia que eles avançassem mais do que aquilo.

O tiroteio que ocorrera em frente à entrada da comunidade, em um dos atos mais ousados que qualquer um ali já havia vivenciado, atraíra um número absurdo de monstros ao covil dos milicianos. O plano de Rick, de isolá-los dos postos avançados, além de muito inteligente, estava ocorrendo exatamente da forma que fora planejado. E Dwight, mais do que ninguém ali, sabia muito bem disso.

O motoqueiro eliminava os mortos vivos à distância, cuidando da retaguarda enquanto dava cobertura com sua balestra. As flechas, sendo lançadas com precisão cirúrgica, acertavam em cheio o meio da testa das criaturas. O som gutural dos gemidos alcançava altos decibéis, tornando difícil até mesmo a comunicação entre os Salvadores.

Dwight sabia que estava correndo risco de vida ficando ali, mas sabia também que mais do que qualquer coisa, precisava manter as aparências. Se a Aliança conseguisse executar a segunda parte do plano com a mesma precisão da primeira, não haveria motivos para maiores preocupações.

Ele dera as dicas, marcara os posicionamentos nos mapas e dissera exatamente a Rick a melhor forma de fazer o que deveria ser feito. Sentia-se bem com isso, pois sabia que a derrocada de Negan estava próxima. E mesmo que eles se livrassem de todos os errantes que no momento bloqueavam os pontos de entrada e saída do Santuário, estava claro que o império de terror não demoraria muito mais a tombar.

E era nessa confiança que lhe valia de todos os movimentos. Essa certeza o movia a seguir em frente, a até mesmo tombar por aquela causa, não se importava mais com isso. Se levasse Negan para o inferno junto com ele, tinha toda a certeza que morreria com um sorriso no rosto.

— Não precisamos avançar se eles continuarem vindo! – Bradara o líder psicótico outra vez – Basta continuarmos matando até que eles parem! Mas o mais importante nessa porra toda é que ninguém aqui pode morrer! É bom que ninguém tombe para esses mortos de merda! Se alguém morrer aqui, vai estar fodido nas minhas mãos!

THUNK!

WROOK!

Os Salvadores seguiram golpeando, esmagando crânios e decepando cabeças, acertando e exterminando as criaturas o mais rápido que conseguiam. Mas não pareia ser suficiente.

Fora possível ouvir o som de metal sendo retorcido, quando parte da cerca do Santuário viera a baixo, fazendo com que pelo menos mais uma centena de errantes tivesse acesso ao pátio principal da comunidade. A pressão dos monstros sobre o muro fora tão forte, que acabara derrubando-o, fazendo com que toda aquela zona se tornasse ainda mais mortal.

Os mortos vivos passaram a se aproximar ainda mais, colocando os milicianos contra a parede. Dwight, que estava mais próximo à porta, afastara-se ainda mais, lançando outras duas flechas antes de recuar.

— Tem uma caralhada deles vindo aí! Voltem para dentro, porra! – Ordenara Negan, dando meia volta, não sem antes esmagar a cabeça de mais um errante com Lucille – Vão, vão! Recuem ou eles vão acabar nos bloqueando!

Os homens então correram para o lado de dentro, fechando a porta e empurrando com os pés os zumbis que vinham a sua cola, impedindo-os de entrar por muito pouco. A pesada porta de metal fora trancada, e apesar do susto, nenhum dos Salvadores havia tombado naquela rápida missão. Porém, estava claro que não seria nada fácil se livrar da horda trazida pela Aliança. Os monstros agora literalmente batiam na porta do Santuário, os dedos pútridos tentando arranhar o portal de entrada. Os grunhidos, cada vez mais altos, dariam o tom da madrugada, que pelo visto seria ainda mais longa do que havia se imaginado.

— Eu quero uma equipe lá fora a cada duas horas! – Negan cerrara os olhos com força, trincando os dentes e deixando claro o quanto estava furioso – Matem o máximo desses filhos da puta que conseguirem, voltem correndo para dentro, deem um tempo para que eles se acalmem e depois retornem outra vez!

Ele passara as mãos no rosto, como se tentasse se acalmar. Vendo o seu visível descontrole, Dwight sentira-se ainda mais vitorioso.

— Quero só os mais fodões nessa tarefa! Deve haver alguma maneira de acertar esses putos à distância. Tentem jogar pedras na horda dos andares mais altos, ou qualquer merda desse tipo! Pensem e inventem logo alguma coisa, caralho! – Saliva era lançada longe em meio aos gritos de Negan – Não podemos ficar muito tempo presos aqui dentro. Se isso ocorrer, estaremos mortos!

Ele dera um tempo, parecera tomar fôlego.

PUTA QUE PARIU! CARALHO! VÃO TODOS TOMAR NO CU! MANETA CHUPADOR DE ROLA DO CARALHO! FILHOS DA PUTA FODIDAMENTE FODIDOS DA PORRA!

Negan vociferara a plenos pulmões, abrindo os braços enquanto externava toda a sua fúria. O motoqueiro não conseguira esconder o sorriso que brotara em seus lábios ao assistir ao patético destempero do líder dos Salvadores.

— Senhor... – Carson achegara-se timidamente, arrumando os óculos e, cheio de dedos, se prostrando a uma distância segura de Negan – Ela está pronta.

 

*****

 

Holly despertara com um copo de água jogado sobre o seu rosto. Assustada, arregalara os olhos, ainda tentando compreender onde e o que estava ocorrendo. Sentira os punhos presos um contra o outro, assim como os seus calcanhares, os nós tão fortes que seus músculos já começavam a formigar.

Sua cabeça doía muito, latejando de forma pulsante. Sentia como se a cada segundo recebesse uma martelada no meio dos parietais. A visão ainda turva, pouco a pouco ia se ajustando, assim como sua memória, que já recordava-se dos últimos instantes nela registrada.

Batera com o carro, arrebentando os portões do Santuário, realizando sua vingança pessoal contra Negan, o homem que matara Abraham a sangue frio. Holly estava pronta para morrer, tanto que impedira que Rick realizasse aquela missão, pois sentia que o dever era seu. Era algo que ela deveria fazer.

Mas de forma alguma esperava por aquele desfecho.

De uma maneira que não conseguia compreender, os homens de Negan haviam retirado-a do carro, tão logo ela perdera o controle, após bater com toda a força contra uma coluna de concreto. Agora ela estava amarrada a uma cadeira giratória, o supercílio sangrando, os ossos moídos, e uma dor quase que insuportável nas costelas.

Estava à mercê dos maníacos que a agora a cercavam, entre eles o déspota assassino, o maldito líder do Santuário e dos Salvadores. E com um amplo sorriso aberto, Negan fora justamente o primeiro a falar.

— O caminho mais rápido para o coração de um homem é pela vagina.

Holly não conseguia manter os olhos em um ponto fixo, estava tonta demais, enjoada. A forte pancada afetara os seus sentidos, mas a audição mantivera-se bem o bastante para que seguisse ouvindo o diabólico discurso do canalha portador do bastão ornado.

— Muita gente diz que é o estômago. Se bem me lembro, isso é até um ditado popular, mas não passa de um bando de baboseiras. Os homens gostam de forrar a pança? – Ele erguera Lucille, gesticulando – Sim, é claro. Mas será que todos os homens dão mesmo uma importância tão grande assim para a próxima refeição? Não, nem fodendo.

A mulher de curtos cabelos loiros inspirara profundamente, mexendo os braços, tentando juntar forças para se livrar das amarras, mas era tudo em vão. O acidente lhe roubara praticamente toda a sua energia, seu corpo não reagia mais aos estímulos. Apesar de toda a dor corporal, ouvir a voz de Negan, troçando, zombando, era muito pior do que mazela física. Preferiria ter todos os ossos fraturados a seguir ali, diante daquele assassino.

Mas a tortura psicológica ainda iria prosseguir.

— Os homes curtem trepar. Todos eles. Os gordos, os magros, os jovens, os velhos, burros, espertos, vivos, mortos... Todos os homens! Mas depois de um tempo, um certo tipo de homem... Homens como Rick Grimes... Encontram uma vagina que eles curtem para caralho foder! E então essa se torna a vagina deles.

O déspota agachara-se em frente à Holly. O sorriso sádico não abandonava o seu rosto.

— Aí é só você mexer com essa vagina, para foder com as ideias desse cara! E uma vez com as ideias fodidas, o cara acaba indo ao fundo do poço... E então essa guerra de merda cai toda por terra. Estamos com a mulher dele, e se não a devolvermos, ele vai chorar para caralho, como uma menininha apaixonada, afogando toda a sua raiva, força e ambição. E então nós vencemos!

Holly abaixara a cabeça. Fizera questão de juntar o pouco de energia que ainda continha para gargalhar alto.

— Sinto desapontá-lo... Mas você pegou a mulher errada.

Negan meneara a cabeça.

— O caralho que peguei. Eu vi muito bem que era o Rick que iria se sacrificar jogando o carro contra a cerca. E vi também quando você o impediu, assumindo o volante no lugar dele. Você não quis deixá-lo fazer aquilo... Você o ama. E ele também te ama.

Ela seguira rindo, erguendo o queixo e encarando o mandatário do Santuário.

— Rick mal me conhece... Eu era namorada do Abraham. Ainda se lembra dele? O homem que você matou na estrada, juntamente com o Heath. – Negan levantara-se, semicerrando os olhos. A loira prosseguira – Eu queria ser a pessoa a derrubar os portões, a encurralar vocês aqui dentro... Eu queria estar aqui para vê-los morrer de fome, ou morrendo enquanto tentam sair... Tanto faz. Eu quero ver isso!

— Você pode me matar se quiser, mas não afetará em nada Rick. Não da maneira como você imagina. E se isso ocorresse... – Ela fechara os olhos, jogando a cabeça para trás – Seria bom rever Abe... Eu sinto muito a falta dele.

Mas Negan não parecia querer aceitar a verdade tão facilmente. Visivelmente desconcertado, o homem erguera Lucille, abandonando completamente as feições tomadas por segurança que outrora demonstrara. Nitidamente estava consternado por não ter o controle das ações.

— Vá tomar no cu, sua vagabunda! Eu vi vocês. Você é ela, a atiradora! Achávamos que Connor havia te matado naquela torre, mas quando fugimos conseguimos enxergar o cadáver dele caído ao chão! Você pode até ser uma puta bem durona... Mas mente mal para caralho!

A loira soltara um muxoxo em desdém.

— Andrea se arrebentou toda depois que matou aquele seu capanga na torre do campanário. Ela está em casa, cuidando dos ferimentos. Não tinha condição alguma de marchar ao nosso lado! Vai por mim, meu chapa— Ironizara –, você está fodidamente errado!

O líder Salvador voltara o olhar para o teto, cerrando os punhos em ódio. Holly aproveitara para rir um pouco mais, apesar das fortes dores em seu abdome.

— Tirem essa vadia daqui. Lidarei com ela depois, agora eu preciso pensar! – O mandatário dera as costas, enquanto dois homens começaram a retirá-la da cadeira, puxando-a com truculência – Não temos com o que nos preocupar, eles também devem ter se fodido bastante. Tenho certeza que se continuarmos nesse ritmo venceremos!

— Aqueles cuzões vão se arrepender amargamente por terem mexido nesse vespeiro!

 

[...]

 

Holly fora levada por dois homens até uma saleta, onde ainda amarrada, fora jogada ao solo com violência. O quartinho escuro fora então trancado, e a mulher loira ficara totalmente isolada.

Tentara mais uma vez se soltar das amarras, mas as inúmeras dores que se espalhavam por todo o seu corpo, tornava impossível com que ela se libertasse. Girara o corpo, deitando de bruços, buscando a posição que lhe causava menos desconforto no momento.

Não conseguia mais sentir as pontas dos dedos, e a tontura e o enjoo haviam retornado com tudo. Tentava enxergar alguma coisa ao redor, mas sua visão esbarrava no breu total da saleta. Puxara o ar pelas narinas, e até os mais simples movimentos, como a inspiração, lhe causava muitas dores.

Ficara imóvel por cerca de vinte minutos, tentando esvaziar a mente, fugindo dos pensamentos tortuosos que começavam a tomar conta de sua cabeça. Sabia que seu destino já estava traçado, e por isso mesmo passara a focar apenas nas lembranças boas, relembrando os seus momentos mais felizes. E por mais incrível que pudesse parecer, entre eles estavam o curto relacionamento que tivera com Abraham, interrompido pela crueldade dos Salvadores.

Como algo tão breve pudera marcá-la tão profundamente?

Seria uma pena morrer nas mãos daqueles homens, mas de certo modo, valeria a pena. Holly sabia que sua ação ajudara a Aliança a vencer a batalha. E pensar nisso já era reconfortante.

A porta se abrira e por ela adentrara um homem careca, um dos capangas de Negan. Usando uma camisa xadrez e duas facas na cintura, o sujeito de quarenta e tantos anos, rosto limpo e olhos levemente repuxados, ligara o interruptor, acendendo a única lâmpada contida no quartinho. A porta então fora fechada.

Apenas os dois estavam ali.

— Está tudo bem com você? – O homem a olhara de cima a baixo – Vim aqui para ver se precisava de alguma coisa. Carson virá mais tarde para verificar os seus ferimentos...

Holly virara o rosto. Sua garganta estava seca, ardendo.

— Você... Você poderia me trazer um pouco d’água?

O Salvador não exprimira nenhuma reação, dando um passo e se aproximando, ele agachara-se, achegando-se a mulher de curtos cabelos.

— Deixa eu me apresentar primeiro... Meu nome é David. – Ele apontara para si mesmo – Você não deve ter me notado lá embaixo, até porque, eu gosto de ficar na minha. – A mulher tentara ficar de lado, girando o corpo – Bom... Mas acho que você vai passar a me notar se eu trouxer água para você não é?

David apertara uma das coxas de Holly, deslizando a mão até suas nádegas.

— Você é muito gostosa...

O doente abusador rasgara a blusa da mulher loira, abrindo o seu sutiã e expondo os seus seios. Holly fechara os olhos, respirando fortemente pelo nariz. Não iria gritar, não adiantaria gritar. Não queria de maneira alguma incentivá-lo. O covarde miliciano estupraria uma mulher amarrada, ferida, sem chance alguma de defesa.

Aquilo sintetizava muito o que eram os Salvadores.

David mordera um dos mamilos da mulher, machucando-a, desferira em seguida um forte tapa em seu rosto. Ele parecia se divertir com aquilo, sorria enquanto abria as calças, colocando a genitália para fora. Passara então a abrir a calça jeans de Holly, os movimentos brutos, acelerados.

— Eu vou te aleijar de tanto te foder!

KLANK!

A porta da saleta fora aberta subitamente.

— David! Mas que caralhos você está fazendo aqui?

Negan internara, arregalando os olhos ao deparar-se com um de seus homens praticamente montado sobre sua prisioneira.

David levantara-se rapidamente, fechando as calças de forma nervosa, gaguejando enquanto tentava responder algo. Holly abrira os olhos, encolhendo o corpo, como se pudesse se esconder dentro de si mesma. Sentira-se aliviada, mas não havia chance alguma de agradecer a Negan por ter intervido.

Era um estranho sentimento. E a repulsa no momento era o dominante.

— Nem precisa responder, porra! Está claro que você estava tentando estuprar essa mulher! – Seus gritos fizeram com que seu capanga baixasse cabeça, sem dizer palavra – Que caralho você acha que estamos fazendo aqui? O que estamos tentando alcançar? Puta que pariu! Não precisa responder a isso também...

Ele se aproximara do abusador, segurando-o pela gola da camisa, erguendo-o do chão alguns centímetros.

— Essa guerra, por mais que dure, irá terminar um dia! E quando toda essa merda acabar e nós tivermos vencido, precisaremos trabalhar com essas pessoas! Queremos a porra de uma comunidade que possa trabalhar conosco para alcançar os mesmo objetivos! E isso não será possível se no rebaixarmos a esse nível de merda!

— Repita depois de mim, seu filho da puta: Nós...

David estava tomado pelo medo. Obedecera às ordens sem pestanejar.

— Nós... – Repetira.

— Não...

— Não... – Gaguejara duas vezes antes de concluir.

— Estupramos!

Estu... Estupramos. Nós não estupramos! Não estupramos, senhor!

Negan o largara, olhando-o com desapontamento, Holly tentara se afastar, não sabia o que sairia dali, mas com certeza não seria algo bom. Encolhera-se ainda mais, dobrando os joelhos o máximo que conseguira.

— David, isso é inaceitável – O déspota retomara o discurso – Estupro é totalmente contra as regras. Você ainda se lembra das regras não é? Você extrapolou todos os limites... Simplesmente não me deixa escolha.

O Salvador ainda tentara falar algo, mas a faca de Negan fora mais rápida, atravessando a garganta do estuprador. O sangue espirrara por sua jugular rompida, manchando as paredes, o chão, o rosto do mandatário e até mesmo Holly, que acabara sendo banhada por um dos jatos do líquido rubro e viscoso.

O corpo do sujeito tombara, caindo parcialmente sobre ela, enquanto uma poça sanguinolenta começava a se formar. Forçando os pés contra as paredes, a loira tentara empurrar-se para longe, afastando-se daquele horrendo cenário. Ao erguer o rosto, topara com o líder do Santuário, calmamente limpando a lâmina de sua faca.

— Desculpe por ter de ver tudo isso, senhorita... Mas é que preciso enfatizar que não somos animais!

Negan deixara a sala, trancando a porta e abandonando Holly em meio à escuridão.

Sentia o sangue tocando sua pele, escorrendo por baixo de seu corpo. Fechara então os olhos outra vez. Mais do que nunca, precisaria focar nos momentos felizes de sua vida. Só assim conseguiria enfrentar tamanha loucura daquele canalha esquizofrênico.

Pela primeira vez desde que tomara o lugar de Rick, adentrando aquele veículo e arrebentando as portar do Santuário, Holly sentira medo pelo que poderia ocorrer.

Seria uma longa madrugada.

 

*****

 

Nossos dois olhos não tornam nosso destino melhor; um deles serve-nos para ver os bens, o outro os males da vida. Muitos têm o mau hábito de fechar o primeiro, mas poucos fecham o segundo; daí haver tanta gente que preferiria ser cega a ver tudo o que vê. Felizes os caolhos privados apenas do olho ruim que estraga tudo o que vemos!

— Garoto... – Susie interrompera a leitura, fechando o livro que trazia em mãos. Ela sorria enquanto olhava para o filho, concentrado, de olhos arregalados enquanto fitava-a – Você vai ser muito inteligente quando crescer. Que outra mãe lê Voltaire para o filho nesse mundo?

O pequeno Jacob balbuciara algumas palavras incompreensíveis, batendo palmas em seguida. Susie o tomara nos braços, beijando o seu torso e rodopiando com a criança pela sala. O garoto gargalhara, divertindo-se no colo de sua mãe.

— Vou tentar achar um livro infantil na biblioteca essa tarde. – Ela acariciara os claros cabelos de sua criança.

Jacob estava crescendo bem, saudável. O desenvolvimento gradual da criança, que agora já havia começado a pronunciar suas primeiras palavras, deixava Susie totalmente satisfeita. Apesar de todas as dificuldades e tudo o que passara, a jovem mãe sabia que estava fazendo o possível para que seu filho crescesse em segurança, recebendo o melhor que ela poderia oferecer.

A mudança para o Hill Top, apesar de traumática, acabara sendo um mal necessário. Susie entrara em contato com mais pessoas, conhecera novas histórias, criara novos laços. Encontrara um lugar aparentemente seguro e que poderia enfim oferecer algum tipo de futuro para Jacob. E algum, naquelas circunstâncias, era melhor do que nenhum.

A retribuição a tudo isso viera na forma da ajuda que a designer pudera dar a comunidade. Procurara contribuir de alguma maneira, e acabara encontrando uma função onde menos imaginava.

Durante todas as manhãs, a jovem levava o seu filho para a Barrington House, onde um dos salões do casarão histórico era utilizado como escola, recebendo os mais novos no período matutino e os mais velhos no vespertino. A senhora Zayas cuidava da creche, recebendo onze crianças durante esse período. A socialização de Jacob estava fazendo muito bem ao menino. Era bom encontrar certa normalidade em um mundo virado do avesso.

Seguindo essa rotina, Susie então se deslocava ao barracão próximo ao galinheiro, onde nas últimas três semanas passara a trabalhar em sua nova função. Sendo treinada por Earl Sutton, o habilidoso ferreiro da comunidade, a aparente delicada mulher, passara a auxiliá-lo em seus trabalhos.

Uma função que ninguém parecia querer exercer, e que apesar de ser um trabalho pesado, vinha sendo realizado com precisão pela jovem. De certo modo, ali ela conseguia não só exprimir suas latentes habilidades artísticas, como também desanuviava todas as suas frustrações. Sentir-se produtiva também fazia com que sua mente não viajasse em pensamentos que só lhe fariam mal.

Se eu não penso, eu não sinto.

Era melhor assim.

Vestindo-se a caráter, com luvas grossas, avental e um gorro lhe cobrindo os cabelos, a mãe de Jacob apresentara-se ao trabalho assim que deixara sua criança com Veronica Zayas. Não se importava mais com as unhas, ou com a sujeira nas roupas que o serviço lhe traria, enquanto estava ali, trabalhando, contribuindo, sentia-se um pouco mais merecedora da chance que o universo lhe dera.

Conjecturar o futuro ajudava a esquecer do passado.

— Bom dia, madame! – Exclamara Earl, abrindo um largo sorriso ao ver a parceira se aproximar – Chegou cedo hoje!

Earl Sutton era um homem naturalmente grande. Com um metro e noventa e cento e tantos quilos, o corpulento sujeito de barba espartana e cabelos negros, em seus mais de cinquenta anos, aparentava ser alguém ríspido, truculento. Mas bastava conversar com ele por poucos minutos para atestar que na verdade o ferreiro era uma bondosa pessoa, sempre disposta a ajudar aqueles que o procuravam.

Fora assim com ela, quando Sutton não hesitara em lhe ensinar a nobre arte da ferraria. O estereótipo machista de que aquilo não era trabalho para mulher, não parecia existir na cabeça do corpulento homem, o que cativara Susie ainda mais. Com o rosto e avental sujo pelo trabalho braçal, Earl estava sempre sorrindo, e sua educação britânica também lhe era bastante peculiar.

— Deus ajuda quem cedo madruga! – Troçara Susie, adentrando o barracão e dirigindo-se até o grande forno utilizado para moldar as ferramentas.

Duas lâminas e três pontas de lança encontravam-se em meio às chamas, no interior das fôrmas utilizadas para moldar o formato que se buscava. Tudo feito de forma quase artesanal pelo ferreiro do Alto do Morro.

— Então... Como estamos? – A mulher começara a retirar as pontas de lança, cuidadosamente.

Sem largar o que estava fazendo – no momento moldando o que futuramente viria a ser o cabo de um martelo – Earl respondera.

— O ritmo está bom... Eduardo me pediu que aprontasse as lanças novas até amanhã, então estamos dentro do prazo. – Com um gesto, Sutton solicitara sua marreta, que se encontrava em uma mesa ao lado de Susie, juntamente com outras ferramentas – Se bem que... Estamos com apenas três lanceiros, não sei se isso será suficiente caso algo ocorra.

A jovem identificara uma nesga de preocupação no tom de voz de Earl, algo raro em alguém que comumente buscava enxergar o lado bom das coisas.

Sutton começara a martelar com força sobre as pontas de lança, fazendo com que faíscas saltassem por conta do contato bruto com o metal. O som estridente e ritmado servira como música de fundo para a conversa que se seguira.

— Acho que eu já conheço você o bastante para saber que tem alguma coisa te incomodando. – Susie dirigira-se até um pequeno banco, defronte a um esmeril, começara a afiar um machado que havia sido finalizado no dia anterior pela dupla – Pode dizer grandão, você tá preocupado com o grupo que deixou o Hill Top, não é? Com aqueles que marcharam para a guerra?

O homem não interrompera o serviço.

— Será que sou tão previsível assim? – Apesar da brincadeira, o ferreiro não conseguia esconder de sua parceira que algo realmente o incomodava – Eu nunca senti medo de algo como estou sentindo agora. – Confessara – É diferente de tudo o que já passamos... É maior. E no fim, podemos perder tudo o que construímos... Paul levou vinte dos nossos. E se eles não voltarem?

Sutton era uma das poucas pessoas a chamar Jesus pelo verdadeiro nome. Costumava dizer que “você pode até ser parecido com ele fisicamente, mas daí a chamá-lo por esse nome já é uma heresia”. No fim os dois eram grandes amigos, tanto que fora para o ele que o diplomata confiara primordialmente a informação de que havia uma aliança sendo formada.

— Eu também tenho pensado nisso... – Susie verificara a lâmina do machado, passando levemente o indicador sobre a superfície – Sabe, Earl, eu busco sempre o que é melhor para o meu filho. É assim que tenho tocado a minha vida, e é por isso que estou aqui. – A jovem retornara ao trabalho, utilizando outra vez o esmeril para a finalização – Mas não consigo enxergar espaço para algum tipo de futuro com o Negan tomando conta dessa coisa que ele gosta de chamar de rede.

— Você pode achar que eu fiquei fria demais, e pode até me julgar por conta disso. Mas eu acho que qualquer baixa que tivermos, mesmo que sejam pessoas muito próximas, serão sacrifícios necessários para que possamos vencer.

O ferreiro parara de martelar.

— E você acha que podemos vencer?

Susie erguera-se do banquinho. Sentira-se no dever de tranquilizar seu novo amigo.

— Nós vamos vencer. Pode confiar em mim, grandão.

Sutton voltara a sorrir. A jovem lhe lançara uma piscadela antes de retornar ao trabalho.

— Pelo visto, além de uma ótima assistente, a madame também é muito boa em...

Earl não conseguira completar sua frase. Passos acelerados chamaram sua atenção subitamente. Olhando para o lado de fora do barracão, Susie conseguira enxergar que um aglomerado de pessoas se formava ante os portões, que começavam a ser abertos. Curiosos e apreensivos, os dois largaram o que estavam fazendo no mesmo instante, seguindo um grupo de moradores que se deslocava em direção a aparente confusão.

 

*****

 

Abram os portões! Rápido! Abram os portões!

Glenn correra até a entrada do Hill Top, assim que ouvira os conhecidos gritos vindos do lado de fora. Com um machado em mãos, sua nova ferramenta de trabalho, desde que se tornara um dos cortadores e transportadores de lenha da comunidade, o descendente de coreanos, suado pelo esforço do trabalho braçal, decidira verificar pessoalmente o que estava gerando toda aquela gritaria.

Desde que Jesus marchara para a guerra, juntamente aos melhores soldados que o Alto do Morro conseguira lhe fornecer, toda e qualquer atividade externa fora proibida. Eduardo, que provisoriamente fora promovido a chefe de segurança, organizava turnos de ronda, eliminando os poucos errantes que conseguiam se aproximar da erma comunidade.

Mas aparentemente não havia perigo algum. A guerra não chegaria tão cedo ao Hill Top, e se tudo ocorresse como a Aliança planejara, os embates se concentrariam em um único ponto, o Santuário sede dos Salvadores.

Glenn então tocara a sua vida, resguardara sua própria segurança e a de Sophia, que facilmente se enturmara com os filhos de Ibrahim, principalmente A’ishah, com quem vivia colada. Aceitara frequentar a escola e pouco a pouco começava a entender que a drástica curva que sua vida fizera, acabara sendo seguida por uma longa e tranquila reta.

Mas não havia como perder os instintos de sobrevivente. Aqueles gritos agudos e roucos denotava que algo não ocorrera como esperado.

Outros, assim como ele, também se deslocaram até o portal de entrada da comunidade, que agora era aberto por um dos lanceiros. Por ele, nove homens transpassaram, e o primeiro da fila era justamente aquele que bradava as palavras em tom de desespero, Gregory, o pretenso líder do Hill Top.

— Socorro... – O homem arfava. A mão direita espalmada sobre o abdome – Chamem o Doutor Carson, eu preciso de um médico!

Earl Sutton, o ferreiro, e Susie, também se juntaram ao aglomerado de curiosos.

A velha raposa que pedia ajuda melodramaticamente, não apresentava nenhum ferimento aparente. Apoiado em uma das colunas de sustentação da grande murada de madeira, já em seu interior, Gregory parecia buscar ar para os pulmões, curvando-se em cansaço.

— O que aconteceu? – Indagara Sutton.

Glenn seguia com o machado em mãos. Vira que Kal e mais sete rapazes que haviam sido recrutados por Jesus – missão essa que ele próprio ajudara – também haviam retornado junto ao velho Gregory. Cabisbaixos, pareciam indicar que as coisas não haviam seguido da forma que esperavam.

— Estávamos a pé esse tempo todo... – O bonachão respondera, dispneico – Meu coração está acelerado... Acho que estou tendo um ataque...

Kal olhara para o homem com desdém. Com uma submetralhadora nas costas, demonstrava extremo desapontamento.

— Achamos um carro. Ficamos sem gasolina uns dez quilômetros atrás. Viemos andando. – Ele meneara a cabeça, seguindo em frente.

Glenn então resolvera se aproximar.

— O que aconteceu? Acabou? Negan está morto?

As palavras saíram de forma acelerada. Os olhares todos se voltaram para o batedor, que buscava respostas, tentando entender o porquê da repentina volta do pequeno grupo de combatentes. Seu coração palpitava em nervosismo. Precisava de uma boa notícia. Precisava da certeza de que aquele pesadelo finalmente havia encontrado o seu final.

— Você sabia? – Gregory apontara pra Glenn, fazendo com que o foco se voltasse por inteiro para os dois – Vinte homens do Hill Top desapareceram, logo depois os Salvadores me levaram, dizendo que eles estavam envolvidos em algum tipo de conflito... Eu fiquei totalmente às escuras... Mas você sabia?

O asiático revoltara-se. Não conseguia acreditar que aquele sujeito estava realmente tentando forçar um teatrinho barato ante a multidão de moradores.

— O quê? – Rhee largara o machado, dando mais um passo a frente – Você vai realmente fingir que não sabia de nada? Vai fingir que Jesus não te contou sobre tudo o que estávamos planejando?

O homem abrira os braços, cuspindo as palavras.

— Fingindo? O que você está insinuando? Quem pensa que é para falar comigo dessa maneira, rapaz? – Tomando fôlego enquanto prosseguia com a interpretação vagabunda, a marionete de Negan prosseguira – Esses homens – Ele apontara para Kal e os outros – foram influenciados a entrarem em uma missão suicida! Eu salvei a vida deles! Eu! – Enfatizara.

— Vocês não fazem ideia do estrago que estava sendo feito! – Seguira – Poderia ter se tornado algo sem volta... Mas felizmente eu consegui acalmar os ânimos. Deixei tudo em ordem outra vez! Foi difícil, mas eu fiz por todos nós...

Glenn sentira seu sangue ferver. Apesar de lutar contra todos os impulsos que poderiam levá-lo a fazer alguma besteira, o batedor não conseguira se segurar diante de tamanha covardia. Covardia essa que poderia pôr fim a tudo o que a Aliança planejara com tamanho afinco. O que faria com que todas as perdas tivessem sido em vão.

— Mas que droga é essa que você está falando? – Esbravejara, achegando-se ainda mais ao líder do Alto do Morro – Você os trouxe de volta? Os retirou do pelotão da Aliança? Você por um acaso está do lado do Negan?

Gregory não titubeara em responder.

— Você ainda é novo aqui, rapaz. – A tentativa de passar de um ar de sabedoria em sua fala, só irritava Rhee ainda mais – Não sabe todo o sacrifício que eu precisei fazer para manter essas pessoas a salvo. Eu arrisquei a minha própria vida para trazê-las de volta! – Ele batera no peito duas vezes – Eu tenho mantido esse grupo unido desde o início! Todos aqui só estão vivos até hoje por minha causa!

— E é bom que todos ouçam! – O velho agora se voltara para a plateia que assistia a toda a encenação sem se intrometer – Esse tal de Rick está destruindo tudo o que construímos! Negan não é um lunático como ele! Podemos trabalhar com os Salvadores! Negan sempre se mostrou muito sensato!

Aquela fora a gota d’água.

— Espera aí... Você está dizendo que Negan é sensato?

Glenn puxara o velhote pela camisa, desferindo um potente soco contra o seu rosto. Não conseguiria mais ouvir aquilo calado. Vira que chegara a hora de reagir, e precisava fazer com que todos ali entendessem.

AQUELE MONSTRO MATOU MINHA ESPOSA!— Vociferara. Susie, que estava mais próxima, segurara-o pelos braços, impedindo que ele agredisse Gregory ainda mais.

— Não precisamos descer a esse nível, rapaz... – O bonachão, que caíra sentado, limpava o sangue que escorria pelo canto de seus lábios. Suas expressões antes seguras, pareciam agora tomadas pelo medo.

O asiático respirara profundamente. Susie ainda segurava o seu antebraço, receosa, mas agora ele estava mais calmo. E do fundo de seu peito, brotara um sentimento maior do que qualquer revanchismo ou ódio que poderia sentir daquele homem. Brotara a vontade de fazer o que julgava ser certo. O que precisava ser feito.

— Meu nome é Glenn Rhee! – Ele se direcionara para o grupo de moradores. Botaria para fora o que estava preso em sua garganta – O Hill Top é uma grande comunidade, e eu sei que vocês não são pessoas alienadas. Não deixem que o líder de vocês destrua suas vidas. Tem alguém aqui que está realmente feliz com essa situação? – Ele abrira os braços, sentira que havia conquistado o público, carente de alguém que realmente se importasse com o bem-estar da comunidade – Trabalhando duro para dar metade do que produzem para o Negan?

— Eu sei que não estão. Quando nós viemos aqui na primeira vez, vocês confiaram a Rick Grimes a missão de acabar com os Salvadores, lembram-se? Agora ele está lá fora, lutando, fazendo exatamente o que havia combinado com vocês. Retirando Negan e os Salvadores da jogada... Consertando as coisas! E essa pode ser a nossa única chance de nos livrarmos desse mal. Pode dar certo!

— Se vocês continuarem seguindo as ordens do Gregory, ficarão a mercê desses psicopatas para sempre! Ele não busca o que é melhor para a comunidade, e sim o que é mais fácil para ele! Se esconde atrás de sua própria covardia! É assim que vocês querem viver? Com certeza não é esse mundo que eu quero dar de herança para a minha Sophia. E imagino que vocês pensem da mesma maneira!

Os olhares se cruzavam. Havia verdade naquele discurso. Havia um sincero sentimento naquelas palavras.

— Rick acredita que se nos unirmos poderemos derrubar os Salvadores! Não podemos deixá-lo na mão agora. Se Rick Grimes diz que isso é algo que devemos fazer, que precisamos fazer... Então é algo que deve ser feito! Eu o conheço há muito tempo. Caminhamos juntos e passamos por muitas coisas. Se há algo que depois de todo esse tempo eu posso afirmar com certeza, é que... Eu acredito em Rick Grimes!


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam?

RIP Bill Flood... Acho que o caipira cumpriu com o seu papel dentro da história. Mas é claro que eu quero saber o que vocês acharam da postura de Eloise...

Glenn se posicionou, discursou em praça pública, e a partir de agora sua trajetória tomará um rumo totalmente diferente dentro da história... O que acham do asiático assumindo um papel de liderança?

Na terceira parte teremos as batalhas contra os postos avançados! Preparem-se para mais porradaria, tiros, explosões, e é claro, mortes também!

Acho que é isso... Nos vemos nos comentários!

Moi moi.