All Out War escrita por Filho de Kivi


Capítulo 37
Maternity Leave


Notas iniciais do capítulo

Hei!

Sim, eu sei que esse capítulo demorou mais que o esperado, mas minhas últimas duas semanas também fugiram bastante da rotina... De qualquer forma, aqui estou eu, trazendo um especialíssimo capítulo de AOW! Quase oito mil palavras escritas com muito carinho e dedicação pelo Filho de Kivi que vos fala!

Mas temos muitas novidades... Primeiro gostaria de anunciar que All Out War foi PREMIADA NO EMMY AWARDS COMO MELHOR FANFIC DE TWD NA CATEGORIA VOTO DOS JUÍZES! VAMOS FESTEJAR! Hidromel é por minha conta!
Ficamos em terceiro lugar na votação popular, com um total de 49 votos! Quero agradecer a todos que votaram, um número, que confesso, me surpreendeu a primeira vista. Estávamos concorrendo com gente grande, e muitos conhecidos, que também já apareceram por aqui... Sami, Amante Adorável, Arthur, Kaya Lavesque, Amélia, Menta (que também foi premiada com sua incrível Hunter’s Instinct)...

Mas o nosso maior prêmio foi conquistado na opinião dos organizadores, que modéstia a parte deve ser bastante considerado, já que a votação popular às vezes não retrata a realidade... Mas isso é uma discussão para outro momento. O que quero mesmo é agradecer a todos vocês, por todo o apoio e por todos os comentários incentivadores deixados nesse meu humilde projeto! Kiitos! Esse prêmio é compartilhado com todos vocês!

Bom... Quanto ao capítulo, teremos um primeiro POV Leah, seguido pela dupla Andrea e Rick, na segunda parte... Não adiantarei nada, mas acredito que irão curtir!

Boa leitura!



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Aquela manhã em especial seria diferente para Leah Fisher. Após o forçado e inesperado reencontro com Vincent Hall, a menina surpreendentemente conseguira reagir a tudo de maneira positiva. Com um sorriso no rosto, e uma expressão tomada por alívio, a garota despertara logo cedo, deslocando-se até a cozinha e encontrando Isaiah-Matti, como de praxe, de pé, antes de todo mundo.

Servira-se com um pouco de café, acompanhado por uma maçã, onde apenas três mordidas lhe foram suficientes para causar um reboliço no estômago. Definitivamente ela ainda não havia se acostumado aos enjoos matinais. Durante sua saga pela sobrevivência precisara encarar de um tudo, mas aqueles malditos enjoos lhe fazia desejar nunca ter nascido.

Era melhor se costumar. Seriam longos meses até o famigerado dia do parto. Leah ainda não conseguia se imaginar mãe. Ainda era difícil acreditar que havia uma vida brotando dentro de si. Se sua mãe a visse daquele jeito, provavelmente lhe daria um sermão que duraria horas, relembrando todos os debates sobre sexo que um dia já tiveram.

Os pais realmente não sabem de nada. Pensou. Eles dão o seu melhor, mas no fim a maioria das coisas aprendemos sozinhos.

O pai seria mais compreensível, com certeza iria ter uma longa conversa com Vincent, questionando-o sobre o que médico pretenderia fazer a partir de agora, quais os planos a respeito da gravidez, e uma série de outras coisas que iriam compor um estafante diálogo, quase um interrogatório. Ele não gritaria com Fisher, mas apenas com o olhar já se mostraria decepcionado.

Hall provavelmente tiraria de letra. Eloquente como sempre fora, confessaria os seus sentimentos por Leah, utilizando-se de todo o seu rebuscado vocabulário, pescando palavras dos seus guias médicos e causando uma bela impressão no senhor e senhora Fisher. A poeira iria baixar, os dois ficariam juntos, e a criança, talvez uma menina para chamar de Elizabeth, ou um garoto, Frank ou Daryl – eram bons nomes em sua visão. Comprariam uma casa no subúrbio, e viveriam do gordo salário de Vincent como cirurgião.

Seriam felizes. Uma vida pacata e feliz.

Mas infelizmente o seu pai estava morto. Sua mãe também estava morta e Vincent não estava mais ali. Além disso, os mortos resolveram tomar a terra, e todo o mundo como Leah um dia conhecera fora por água abaixo.

O enjoo cessara.

Isaiah erguera-se da cadeira. Ainda caminhava devagar desde que fora atingido por uma flecha durante o ataque dos Salvadores. O desgraçado sobrevivera, não só sobrevivera como em poucos dias já estava retornando a sua velha rotina de rondas. As cicatrizes expostas na face, a boca cortada como uma daquelas maquiagens feitas para atores em filmes de terror. Olhando-o de soslaio, Leah imaginara a dor que ele sentira ao ter a própria língua arrancada a força.

Um arrepio lhe subiu a espinha. O enjoo retornara, era melhor parar de pensar em besteiras.

Calado – obviamente – Matti apenas dera uma piscadela, um raro sinal de animosidade antes de sair pela porta da frente, como se dissesse “até logo garota, vou ali fazer o que sempre faço e volto mais tarde! Se o jantar já estiver pronto, melhor ainda!”. Leah dera um tchauzinho com a mão direita, seguido de um breve sorriso, tentando ser simpática ao máximo com o estranho homem mudo.

Finalmente sozinha na cozinha da sua gigantesca moradia, Fisher esticara as costas na cadeira, a frente da mesa de jantar. Olhara para a janela de vidro, observando os raios de sol, ainda fracos, adentrarem o cômodo, refletidos pelo vidro, como se forçassem a passagem. O dia parecia bonito, calmo. Calmo era bom, calmo era sempre bom.

A última madrugada fora tudo menos calma. A imagem de Vincent, pedindo perdão, confessando os seus erros, seguido por um beijo de despedida ainda não haviam deixado a mente de Leah. Ela dera a sua palavra, dera o seu perdão, mas internamente as coisas não haviam se resolvido tão facilmente quanto parecera.

Hall errara muito, repetidas vezes, insistindo em deslizes que pareciam tão fáceis de serem resolvidos. É claro que estamos todos sujeitos ao erro, mas, que droga, Vincent pisara demais na bola. Ele a machucara internamente, uma cicatriz ainda aberta, e que não havia previsão de ser cessada. Mas se era daquilo que ele precisava, se era o que realmente queria ouvir, então Leah lhe dera o seu perdão.

Ela mentira sobre a paternidade de sua criança. Sabia que o filho era de Hall, mas não queria que ele soubesse disso. Fisher chegara a fraquejar, quase lhe contando toda a verdade, mas como alguém que evita fazer uma grande merda quando está bêbado, Leah sentia-se aliviada por não ter entregado o ouro.

Vincent não seria o pai de seu filho. Ela ainda o amava, uma doença que corria por suas veias, atingindo o coração como um mal súbito, mas sabia que precisava se afastar para conseguir seguir em frente. Ele no Garden, ela em Alexandria. Seria melhor assim.

Acho que nossas histórias são paralelas, andam sempre lado a lado, mas no fim nunca se cruzam... Dissera Hall, na noite anterior. Talvez tenha sido a frase mais acertada de toda a sua vida.

Sua reflexão fora então interrompida pelos pesados passos vindos da escada. Ela já reconhecia aquele caminhar. Vide o horário, vide o barulho – tal qual o trotar de um cavalo – e vide a quantidade de álcool que ingerira antes de dormir, só podia se tratar de Tom Price, provavelmente já tomado por uma puta dor de cabeça dos infernos, como ele próprio gostava de dizer.

Sem camisa, apenas com um calção esverdeado, parte de um pijama que encontrara no armário e que adotara, utilizando todas as noites, Price seguira em silêncio até a cozinha, cumprimentando Leah com um gesto de cabeça, curto, mas ainda assim a sua forma mais sincera de dizer “bom dia”.

O braço esquerdo amputado um pouco acima do cotovelo, ainda era protegido por uma bandagem, apesar de estar totalmente cicatrizado. Diferentemente de Rick, Tom não gostava de exibir o seu coto, sentia vergonha, ou sabe-se lá o quê. Leah acostumara-se a vê-lo enrolando cuidadosamente a bandagem sobre o membro decepado.

Ela não pudera esconder um risinho. Em sua mente deturpada, caçoara de si própria por milésimos de segundos, ao lembrar-se da perna amputada de Hall, recoberta por sua prótese de madeira. Não é possível, eu devo ter algum fetiche por amputados! Acho melhor a Andrea cuidar bem do Rick, ou então ele vai acabar sendo o próximo da minha lista!

Após o demente pensamento, voltara para a realidade, observando o ex-soldador servir uma boa dose de uísque em uma xícara, não parecendo dar a mínima para nada.

O desgraçado vai curar uma ressaca com outra... Inteligente.

O peitoral definido de Price, definido por anos de trabalho duro e não por pesos em academias como os playboys que a garota aprendera a admirar antes do mundo virar do avesso, também reluziam com a parca luz solar. A pele negra ganhava um tom ainda mais inebriante, assemelhando-se a uma pérola, da qual a garota não conseguia desviar o olhar.

A barba que já fora espartana, totalmente cheia em sua face, fora tirada algumas vezes depois que aportaram na comunidade, não passando agora de fios ralos, que roçavam no corpo de Leah quando os dois se engalfinhavam na cama de casal do grande quarto da casa.

Fisher não nutria sentimentos por Tom, com exceção do tesão que sentia ao transarem, ou do carinho natural de alguém que estivera tanto tempo ao seu lado. Ela não o queria mal, importava-se com ele, e gostava de sua companhia, mas não passava disso. Não que precisasse de mais, já que os momentos de prazer lhe eram bastante compensadores. Apenas não passava disso. Carinho.

O mesmo podia-se dizer do soldador. Tom não a amava, não a queria como sua mulher. Ele era uma segunda versão de Vincent Hall, uma versão 2.0 e repleta de upgrades, mas no fim das contas o modelo ainda era o mesmo. Price era mais seguro de si, sem os receios e medos que faziam de Vincent quase a sombra de um homem, mas suas semelhanças eram inegáveis.

Os dois queriam protegê-la. E os dois não compreendiam que o mais importante era que ela aprendesse a se proteger sozinha.

Talvez os dois precisassem de reparos.

Tom também não seria o pai de seu filho. Talvez no máximo se tornasse um tiozão, daqueles totalmente sem noção, que presenteiam os sobrinhos com charutos e notas de cinquenta pratas. Mas o exercício da paternidade não seria dado a ele. Leah estava inclinada a cuidar de sua criança sozinha, assim como também passaria a cuidar de si própria sozinha.

Price puxara uma cadeira, sentando-se ao seu lado e levando a xícara com uísque de encontro aos lábios. Em um só gole bebera toda a dose, sem expressar uma careta sequer. O cara parecia ser mesmo um profissional.

— E então, loirinha? – A voz de Tom estava pesada, carregada. Era como se ele ainda estivesse bêbado – Como você está? Depois do que aconteceu ontem, tenho certeza que não pregou os olhos!

Leah não o encarara. Escolhera a sua melhor cara de desdém, e respondera em seguida.

— Dormi como um anjo! – Ela levantara logo em seguida, levando o restante da maçã até a pequena lixeira – Não sei por que não dormiria...

Price forçara uma risada alta.

— Eu conheço você, loirinha... Sei que ficou mexida com a visita do Doc! – Sua voz, apesar de grave e alta, seguia serena – Ele teve sorte! Sorte de o Rick resolver tudo na base da conversa... Se eu estivesse no comando, tinha amassado a cara dele no asfalto até virar geleca! E ele bem que iria merecer... Se não bastasse ter abandonado todo mundo, o cara ainda monta uma emboscada para roubar os nossos mantimentos!

Leah fechara os olhos, respirando lentamente.

— Cala a boca, Tom...

— Você sabe que eu to certo, garota... Sabe disso – O soldador erguera o indicador, permanecendo sentado – O Doc nunca foi o cara que você moldou nos seus sonhos adolescentes! Aquele é o verdadeiro Vincent Hall, o cara movido pelo medo, que se esconde em uma comunidade hostil, que troca de nome... Desmond – Debochara – Pelo menos isso vai servir para te trazer de volta a realidade!

A adolescente não queria iniciar uma discussão. Tom discursava cheio de si, tomado por uma razão que vinha sabe-se lá de onde. Lição de moral e engrandecimento pessoal dado às seis da manhã por um homem sem camisa, jogado em uma cadeira de madeira com um copo de uísque nas mãos. Talvez Fisher não precisasse escutar aquilo.

— Você não é tão melhor do que ele, senhor fodão— Respondera, destilando ironia ao finalizar a frase.

Os dois pareciam um casal de velhos discutindo por conta do vidro de picles. Desgastar-se daquela maneira cansava não apenas o corpo, mas também a mente de Leah Fisher. Era justamente disso que ela queria fugir, de um relacionamento fadado a desentendimentos constantes. Talvez esse fosse o único momento do dia em que a diferença de idade realmente pesasse de alguma forma.

— Mas bem que você queria que fôssemos iguais, hein, little baby? – Price abrira um largo sorriso – Me deu até o mesmo livro que o Doc lia pelos cantos... O que será que a senhorita Berry faria em uma situação como essa? – Desdenhara Tom – Já fiz o meu dever de casa, terminei de ler Hunter’s Instinct! E então, vamos fazer um clube do livro pra comemorar?

Vá se foder, Tom! Sussurrara, antes de arrumar os cabelos e sair pela porta da frente da moradia.

Price não fazia aquilo por mal. Era apenas a sua forma torta, turrona e incompreensível de tentar mantê-la segura. Enquanto enxergasse Vincent como uma ameaça, seguiria batendo na mesma tecla, tentando afastá-la em definitivo do cirurgião. A história dos três deixara muitas pontas soltas para trás, e tão cedo não parecia que as coisas se resolveriam nesse sentido.

Uma profunda inspiração renovara todo o oxigênio nos pulmões da garota loira, sentindo-se restaurada ao primeiro contato com o ar fresco. Ela caminhara seguindo o meio fio da rua a frente de sua casa, dobrando a esquina, e se encaminhando para a pequena praça rodeada por algumas árvores, que dava de frente aos portões.

Lá ela vira dois grupos se preparando, provavelmente sairiam em alguma missão. O primeiro era liderado por Rick e Andrea, juntamente a Michonne e o barbudo do Hill Top, tomando o furgão principal. Depois Leah fora informada se tratar de mais uma incursão do xerife a procura de seu filho.

O segundo ainda iniciava as tratativas, organizando-se em frente a outro veículo. A garota surpreendera-se ao notar que Eugene dava as instruções, observando alguns mapas e organizando ferramentas. Ele era auxiliado por Magna, e próximo a eles encontrava-se Aaron, Yumiko e Holly.

A menina então caminhara em direção a Aaron, que segurava um pé-de-cabra em mãos, ao mesmo tempo em que verificava algo em sua mochila.

— Mantimentos?

O recrutador parecia distraído, tanto que mal notara a aproximação de Fisher. Arqueando as sobrancelhas em surpresa, Aaron logo voltara a sua natural expressão simpática, respondendo ao que lhe fora indagado.

— Não... Iremos até DC, mas esse não é o nosso objetivo. Eugene marcou alguns possíveis lugares no mapa onde poderemos desenvolver o plano que ele traçou com o Rick.

Leah mostrara-se curiosa.

— Sério? E do que se trata esse plano?

Aaron retirara a pistola do cinto, verificando sua munição.

— Eles acreditam que poderemos fabricar nossas próprias balas... Munição infinita! – Troçou – Estamos em guerra agora, não é?

— E há lugar para mais um? Gostaria de ajudá-los!

Fisher realmente empolgara-se com a ideia de partir em missão com o grupo de Eugene. Ela queria espairecer, sair um pouco da prisão que se tornara os muros de Alexandria. Seria legal ver Washington, apesar de totalmente destruída, respirar novos ares e sentir-se útil à comunidade. A equipe do professor de Ciências faria algo grande, e Leah gostaria muito de participar.

— É claro! – Respondera Aaron – Sairemos em dois minutos, só estamos esperando nossa escolta.

— Escolta? – Fisher não compreendera.

— Ah... Acabou de chegar! – Exclamara o recrutador.

Leah virara o pescoço, voltando-se para a direção em que Aaron olhara. O barulho do motor já chamara sua atenção imediatamente, antes mesmo que sua visão alcançasse a imagem que se aproximava.

Pilotando uma Harley Davidson Road King Classic, Isaiah acelerara em direção ao grupo, parando exatamente ao lado de Leah Fisher. A garota estava totalmente boquiaberta, sempre tivera certa queda por motocicletas, e em hipótese alguma esperava encontrar uma tão bela no interior de Alexandria.

O modelo em preto e vermelho, com seu alongado banco de couro e o ronco do motor que apenas uma verdadeira Harley poderia produzir, parecia ter acabado de sair da fábrica. O piloto cobrira a boca e o nariz com um lenço negro, e somado ao casaco de couro que vestira, podia-se dizer que Matti estava trajado a caráter.

— Ele trabalhou nela durante um tempão! – Aaron dera um tapinha nas costas de Matti – Essa moto estava jogada na garagem da minha casa desde que chegamos aqui. Havia algumas peças por lá, mas eu sempre fui péssimo em mecânica... E além disso, nunca tive moto na vida! – Ele dera uma breve risada – O Isaiah foi até lá, e eu percebi que ele sabia exatamente o que estava fazendo. Liberei o espaço e material, e aqui está ela! Novinha em folha!

Era realmente impressionante.

— Nossa... – Fisher olhava minuciosamente para cada detalhe da motocicleta – Isso é demais! – Ela então olhara para o piloto, que a observava pelo espelho – Se incomoda se eu for na sua garupa?

Leah não se fizera de rogada, não se acanharia em viver aquela experiência.

Isaiah respondera apontando com o polegar para trás, permitindo que a garota viajasse com ele. Leah montara em sua garupa, apoiando as duas mãos na cintura do biólogo.

Os dois então partiram, guiando o furgão que seguira logo depois, rumo a capital norte-americana. O vento que atingia o rosto de Leah na estrada, a velocidade em que os pneus da Davidson cortavam o asfalto, o sentimento de liberdade que aflorava em seu peito. Realmente não havia como explicar. Só havia como sentir.

Fisher sentia-se plenamente bem. Plenamente feliz. Estava ali, vivendo sua dose de adolescência, tentando esquecer-se de todas as responsabilidades que logo bateriam novamente em sua porta, deixando-se levar apenas por seu espírito juvenil, que ainda sobrevivia em seu interior.

Ela estava apenas vivendo. E ela sorrira durante todo o trajeto.

Washington era exatamente da maneira que imaginava. Obviamente estava bastante modificada e abandonada, mas ainda assim havia resquícios de sua beleza urbana incrustada no concreto. Passaram em frente ao Potomac Overlook Regional Park, e seguiram pela 27th Road até o seu cruzamento com a Military Rd. A Harley era excelente em curvas, e sem dificuldades alcançaram Old Dominion, em frente à Marymount University.

As ruínas da cidade velha, suja e decrépita, com os seus amontoados de mortos rastejantes, esgueirando-se pelas esquinas em sua rotineira e desesperada busca por presas, mais pareciam estátuas em uma temática exposição de obras de arte. Já fazia um tempo que Leah não se deparava com algo assim, um medo real e eminente.

Isaiah diminuíra a velocidade, puxando um mapa do bolso e dando uma última olhada, antes de fazer a derradeira curva. Já na Yorktown Boulevard, Matti desligara o motor, estacionando em frente a um velho galpão de dois andares. O furgão chegara um minuto e meio atrasado, parando ao lado da motocicleta.

Eugene descera do banco do carona, seguido por Magna, que dirigira o veículo. Das portas traseiras saíram Aaron, Yumiko e Holly. Adotando as já conhecidas medidas de defesa, a asiática do grupo tomara certa distância, observando o perímetro enquanto aprontava o seu arco olímpico, deixando-o de sobreaviso.

Holly caminhara até a esquina, verificando qualquer aproximação hostil. A mulher loira era conhecida por ser uma boa atiradora, então não encontraria problemas caso errantes resolvessem se aproximar. Se algo ocorresse, ela daria o alarme.

Aaron e Isaiah se deslocaram até as portas de metal do estabelecimento, com o pé-de-cabra e uma barra de ferro, prontos a arrombarem-na. Magna sacara sua arma, estando apenas dois passos atrás deles, preparada para o que pudesse sair de lá de dentro. Atestando que também precisaria tomar sua marca, Leah ficara ao lado da namorada de Yumiko, posicionando o revólver em mãos, tentando lembrar-se de todas as dicas dadas por Tom.

Os dois homens forçaram a entrada, retorcendo o metal e abrindo uma passagem. O silêncio permanecera, não havia ninguém, vivo ou morto, do lado de dentro.

Eugene planejara visitar cinco lugares diferentes no mesmo dia, mas por pura sorte, conseguira encontrar tudo o que precisava logo de primeira. O galpão estava equipado com máquinas que Leah nem sabia que existiam. Havia alguns postos de trabalho, cápsulas abandonadas sobre as bancadas, indicando que uma pequena produção ocorrera por ali.

A iluminação era débil, mas nada que não pudesse ser resolvido pela mente do empolgado professor de Ciências. Fisher ajudara na limpeza, retirando a poeira e o montante de teias de aranha espalhadas por toda a parte. Olhando de soslaio, Leah vira Isaiah deixando o lugar, provavelmente após ter se oferecido para vigiar o lado de fora.

— Esse lugar é incrível! – Eugene abrira os braços.

Aaron e Magna se entreolharam, soltando uma risada em seguida.

— Não me parece grande coisa... – Magna passara o dedo sobre uma das máquinas – Só vejo poeira e um bando de latas velhas!

— Pois eu vejo exatamente tudo o que estávamos procurando! – Os olhos de Eugene brilhavam como os de uma criança ao receber um brinquedo novo – O dono desse lugar deveria estar fazendo a sua própria munição. Tem até uma prensa a fio!

— É claro... – Yumiko auxiliava os outros dois – Seja lá o que isso queira dizer!

O professor erguera as duas mãos espalmadas, como em uma prece.

— É uma prensa para modelar metal, pressionando-o em moldes... Isso significa que não precisaremos fundir o metal! Poderemos trabalhar com ele na temperatura ambiente! E isso, bom, isso vai deixar tudo bem mais simples...

Enquanto retirava uma papelada de cima de uma das mesas, Aaron manifestou-se em tom de brincadeira.

— Essa última parte eu entendi!

Todos riram. O clima amistoso permanecera durante o restante do dia. O passo que fora dado era gigantesco, e Leah sabia que se Eugene conseguisse o que planejava, Alexandria teria finalmente potencial e força para encarar os Salvadores.

A garota então seguira para o lado de fora, sentando-se na calçada ao lado de Isaiah, que mantinha o olhar fixo no horizonte. Durante alguns segundos Fisher permanecera em silêncio, tentando imaginar o que estaria passando pela cabeça de Matti. Talvez lembranças boas, de uma vida de outrora, de quando ainda era considerado uma pessoa normal. Ou talvez fosse justamente o contrário, os pesadelos de seu presente poderiam estar reverberando em sua mente.

Ela então resolvera falar.

— Obrigado... – A menina cutucara o braço de Matti, chamando sua atenção – Obrigado por me deixar andar na sua moto... Você é um cara legal, Isaiah! Às vezes passa a impressão de não querer ninguém por perto, mas acho que já saquei do que se trata... – A garota fitara o solo, prosseguindo – Eu imagino pelo que você deva ter passado... Suas cicatrizes falam por si só!

Fisher achegara-se um pouco mais.

— A maioria das pessoas em Alexandria te enxerga quase como um animal, um ser estranho... Elas têm medo de você. Eu já tive medo de você... Hoje eu sei que você é uma boa pessoa! Por isso... Obrigado, cara!

O homem permanecera sem esboçar nenhuma reação por pelo menos um minuto. Após o decorrido tempo, levara uma das mãos à cintura, retirando de lá sua faca de caça. Segurando-a pela lâmina, ele a entregara para Leah, que a princípio não compreendera do que se tratava. Insistindo com um gesto, a garota então percebera que ele a estava presenteando-a, dando-lhe sua melhor faca.

Ela tomara o objeto cortante em mãos, observando toda a estrutura bem desenhada da arma branca. O homem mudo deve ter matado dezenas de errantes com ela. Estava afiadíssima.

Isaiah então erguera-se, sinalizando para que Fisher fizesse o mesmo. A menina o obedecera e ele então iniciara um verdadeiro treinamento. Mostrara a Leah como posicionar a faca de forma correta, além das mais diferentes maneiras de se golpear um carniceiro, sempre corrigindo sua postura quando julgava necessário.

E ali permaneceram, por horas a fio, sem nem notar o tempo que se passava. Quando a tarde chegara, o grupo de Eugene se deslocara de volta a Alexandria, e novamente Leah não pensara duas vezes antes de subir na garupa de Matti.

O dia fora bastante promissor. Leah não sabia quando havia sido a última vez que se sentira tão bem. Um filete de esperança em meio a um mar desolado. Era bom que ela se preparasse, pois não havia garantias de que momentos como aqueles pudessem se repetir outra vez.

 

*****

 

— Espera... Eles têm o quê cercando os muros?

Andrea ainda tentava acompanhar o raciocínio de Jesus, que contava sobre todas as suas descobertas a respeito do recinto dos Salvadores, enquanto os mesmo encaminhavam-se em direção ao lugar. Acelerando a van na abandonada rodovia, o grupo seguia em direção a Washington, ainda buscando uma forma de salvar Carl das garras de Negan.

Rick sentara-se ao lado da companheira, observando o horizonte pela janela empoeirada do banco do carona. Na parte traseira, o diplomata do Hill Top dividia espaço com Michonne, que fizera questão de auxiliá-los nessa difícil missão.

A última madrugada fora bastante dura para o povo de Alexandria, que precisara encarar e contornar mais uma crise. Dessa vez a ameaça fora o Garden, a comunidade que tentara invadir os muros da zona segura, desesperados por mantimentos e desolados pelos desmandos do líder do Santuário.

A ameaça de invasão e batalha campal acabara terminando em aliança. Um acordo bastante benéfico para os dois lados, que além de evitar uma matança desnecessária, passara a focar no inimigo comum, aquele que precisa ser destronado antes que destrua tudo o que os alexandrinos tanto suaram para erguer.

A comunidade de Rick e Andrea ganhara um forte aliado. Com a ajuda da Imperatriz, o sonho de acabar com Negan e seus homens começava a deixar o campo da fantasia, tornando-se cada vez mais real e palpável.

— Um campo minado de famintões... Não sei como chamar isso ao certo – Respondera Jesus – Há mortos por todos os lados, presos aos muros, pendurados a frente dos portões, empalados em carcaças de carros, acorrentados às grades... Alguns estão mais soltos que outros, o que torna se aproximar do lugar algo bastante complicado!

— Eu sei de uma forma – Manifestara-se Rick. Andrea virara o rosto, fitando-o. O xerife tinha os olhos perdidos, ainda voltados para o horizonte – Se fizermos direito, não irão nem notar a nossa presença...

— E quando estivermos lá dentro, o que vamos fazer? – Dessa vez fora Michonne que indagara – Você sabe quantas instalações esse lugar possui? Precisamos bolar uma maneira de encontrar o Carl sem chamar atenção...

Jesus arrumara o já tradicional gorro sobre os cabelos castanhos. Seu rosto se fechara, sua expressão não parecia promissora.

— Eu não sei... – Dissera – Muitos. Talvez dez. O lugar é bastante grande!

A sardenta suspirava. Ela sabia que precisariam de muito mais do que informações superficiais para conseguir salvar Carl. A missão tinha toda a cara de uma incursão suicida, algo que dificilmente daria certo.

— Isso não é nada bom... – A loira dividia-se entre olhar para a estrada e verificar o estado de Rick, que se distanciava cada vez mais – Há algum lugar próximo aos portões onde eu possa dar cobertura a vocês com o rifle? Com uma visão mais alta, talvez eu consiga ajudá-los melhor, talvez até consiga ver o Carl à distância...

A expressão de Paul não melhorara após o novo questionamento.

— Apenas árvores, nada que possa lhe proporcionar um bom posicionamento para atuar como sniper... Com certeza eles a veriam antes que pudesse dar o primeiro disparo.

— Eu irei simplesmente chamá-lo.

Todos voltaram-se para o policial após sua manifestação. Andrea arregalara os olhos, e não precisara dizer uma só palavra para expressar todas as dúvidas que haviam brotado após tal colocação dada por Rick. Ele não podia estar falando sério. Cogitar uma abordagem amigável ante o grupo que tanto lhes proporcionara mal, não parecia à primeira vista algo inteligente.

— Não tire os olhos da estrada! – Exclamara Grimes, olhando seriamente para a sardenta.

Andrea engolira todas as milhares de respostas produzidas por seu cérebro, compreendendo que aquele não era um bom momento para iniciar uma discussão. Rick fora bastante afetado com o desaparecimento do filho, e até que tudo se resolvesse, os nervos do policial ficariam constantemente a flor da pele. Era melhor deixá-lo como estava.

— Vou chamá-lo e pedir que o devolvam. Negan nos quer submissos, trabalhando e cedendo mantimentos para ele... Com certeza ele não está aguardando um confronto! Será uma surpresa e tanto aparecermos por lá, na casa dele, o lugar que ele acredita ser totalmente seguro... Talvez ele fique desorientado e nos devolva o Carl para evitar qualquer tipo de conflito.

— Acha mesmo que isso vai funcionar? – Michonne meneara a cabeça.

— Sinceramente... – Rick soltara um muxoxo – Eles nos verão primeiro. Estamos adentrando o seu território, com certeza nos verão chegando antes que possamos esboçar qualquer reação. Acho que uma abordagem amigável é a única saída... Precisamos evitar baixas a qualquer custo, trabalhar nas sombras. Quanto menos chamarmos a atenção deles como inimigos, melhor!

Paul abrira os braços, concluindo o pensamento proposto por Grimes.

— O Hill Top lida com o Negan há bastante tempo... Tudo o que posso dizer é que definitivamente ele é bastante imprevisível! Tudo pode acontecer...

O sol ainda não havia alcançado o seu ápice naquela manhã. Os raios de luz iluminavam a poeira que parecia tremelicar com a ação dos ventos. Andrea focara-se inteiramente na estrada, escutando os dizeres de Rick, que mais parecia um doente anestesiado. O policial estava tendo de enfrentar uma pressão absurda, algo que vinha transformando-o, retirando um pedacinho de sua humanidade a cada dia.

A sniper tinha medo que ele desaparecesse, que fosse derrotado pelo novo mundo, esvaindo-se como areia em uma ampulheta. Se algo de ruim ocorresse com Carl, Andrea não conseguia imaginar como Grimes reagiria. Se é que haveria alguma reação.

Antes mesmo que pudesse dizer algo, fora obrigada a frear o furgão bruscamente, lançando todos para frente, de súbito. Com os olhos espantados, vira o manobrar do caminhão militar de Negan, com uma dezena de Salvadores em sua carroceria, estacionando e interrompendo o trajeto dos alexandrinos.

Rick não parecera se assustar. De todos ali, fora o único que mantivera-se tranquilo, aparentemente sem se surpreender com a parada forçada. Ele olhara para os demais, verificando se alguém havia se ferido. Atestando que todos estavam bem, abrira a porta do veículo, ordenando em seguida.

— Fiquem todos aqui. Eu cuido disso!

Michonne não esperara um só segundo, puxando a porta maior e também descendo da van, com a mão no cabo de sua katana. Jesus fizera o mesmo, seguido pela própria Andrea, que desligara os motores e retirara a chave antes de sair.

Armando o rifle e verificando rapidamente a quantidade de munição que possuía, a loira deixara o dedo próximo ao gatilho, pronta para o combate caso se mostrasse necessário.

Descendo da porta lateral do caminhão, Negan, com um sorriso de orelha a orelha, e a mesma cara cínica de sempre, carregava Lucille apoiada nos ombros, dirigindo-se lentamente até onde Rick se encontrava. Da carroceria surgiram mais cinco homens, portanto machados, bastões e facões, mantendo-se a três metros de distância, como verdadeiros guarda-costas de seu líder.

Andrea, Jesus e Michonne também se alinharam, observando todos os Salvadores, tentando buscar uma estratégia para caso o confronto se mostrasse eminente. A sardenta notara que nenhum deles utilizava coldre, e não havia nenhuma arma de fogo visível. Apesar da desvantagem numérica, a sniper sentira-se mais segura ao atestar que poderia matar todos ali, antes que o primeiro deles pudesse tentar alguma retaliação.

— Ora, vejam só... – Negan dera mais dois passos, achegando-se ainda mais próximo ao policial – Exatamente quem eu queria encontrar! É uma puta coincidência te ver aqui na estrada! Estavam indo para onde?

A mão esquerda de Rick escorregara até o cabo de sua rurger na cintura.

— Estávamos indo ao seu encontro.

O líder dos Salvadores coçara a cabeça, franzindo as sobrancelhas.

— Sério? Vocês estavam indo no caminho certo. Até parece que já sabiam exatamente para onde ir...

O xerife não se contivera.

— Cadê o Carl?

Sua voz saíra firme, repleta de fúria. Negan olhara brevemente para o céu, levando uma das mãos até o queixo.

— Carl? Não sei de quem você está falando... – Ele fizera uma breve pausa, interrompendo-a logo em seguida com uma alta gargalhada – Eu estou brincando com você, caralho! É claro que eu sei de quem você está falando... Tenho que lhe dizer, o seu moleque metido a psicopata me deu um puta de um trabalho do caralho!

O eloquente sanguinário prosseguira.

— E por falar nisso, eu também estava indo ao seu encontro, que coisa não? Puta que pariu, nós quase nos desencontramos! – O homem fazia questão de gesticular amplamente com o seu bastão – Que merda do caralho que seria isso! Mas onde eu estava mesmo? Ah, sim...

Negan semicerrara os olhos, aproximando o rosto e praticamente colando-o com o de Rick. Mudando o tom de voz para notas repletas de sadismo, o chefe do Santuário sussurrara.

— Mal posso esperar para que você veja o que fizemos com o seu filhinho!

Sem medir as consequências, Rick desferira uma potente cabeçada contra a testa de Negan, aplicando um direto com o punho esquerdo, seguido de um cruzado com o coto. O corpulento homem fora ao solo, o rosto repleto de sangue, que lhe escorria do nariz e da boca.

Simultaneamente ao ataque do xerife, os Salvadores ali presentes ergueram suas armas, deslocando-se em direção a seu chefe, na tentativa de ajudá-lo. Andrea posicionara o seu rifle, disparando contra um dos homens. A bala que ricocheteara em um machado, fora o bastante para mantê-los à distância.

Todos acompanharam o desenrolar da briga, sem intervir. Rick caíra por cima, desferindo golpes de forma descompassada, alguns acertando apenas o asfalto abaixo de si. Mais forte que o policial, Negan facilmente conseguira reverter a situação, desferindo cotoveladas contra a face de Grimes, estourando o seu nariz e gerando vários cortes em seus lábios.

Andrea pensara em atirar, mas tivera medo que em meio a toda a confusão acabasse acertando Rick. Com o dedo no gatilho, posicionara sua arma, controlando a respiração e tentando se acalmar. Decidira então apenas manter os capangas de Negan afastados, ameaçando-os com gritos e exigindo que largassem suas armas.

O mandatário do Santuário erguera Rick pelo colarinho, devolvendo a cabeçada que recebera de surpresa. Prendendo-o contra si em uma gravata, imobilizara Grimes, retirando em seguida uma faca da cintura e levando-a em direção ao rosto do xerife.

Michonne puxara sua katana, observando toda a movimentação. Mantivera-se parada, talvez atestando que uma atitude desmedida poderia piorar ainda mais as coisas.

— Tá achando que eu vou deixar a porra de um viadinho maneta me esculachar na frente dos meus homens? – Negan cuspira as palavras em meio ao sangue que escorria de sua boca – Você me deixou puto pra caralho agora, seu filho da puta!

O portador da Lucille apertara ainda mais o pescoço de Rick.

— Você não faz ideia do quanto vai se arrepender por ter feito isso! – Negan voltara o olhar para um de seus homens – Tragam o moleque!

Rick parecia ensandecido. Sem conseguir se livrar da pegada do Salvador, Grimes puxara o antebraço de Negan, debatendo-se enquanto tentava se soltar. Levando os dentes de encontro ao membro, desferira uma mordida com toda a sua força, cravando os caninos e arrancando um grave grito de dor do assassino.

Só assim conseguira livrar-se dele, caindo ao solo, estafado pela insana briga. Negan seguira gritando, levando a mão até o ferimento, estancando o sangue que escorria por seu antebraço, pingando no asfalto.

— Que porra foi essa, seu filho da puta? Você me mordeu? Mas que caralho foi esse!

Grimes erguera-se, enxugando o sangue que escorria do corte aberto em sua testa. O nariz latejava, e os lábios pareciam inchar-se instantaneamente.

— Vamos todos acalmar a porra dos ânimos! – Exclamara Negan, dispneico – Caralho...

Rick começara a chorar, apoiando-se nos próprios joelhos enquanto encarava o chão enegrecido na estrada onde haviam parado. As lágrimas transparentes logo se mesclavam ao rubro do sangue que manchava o seu rosto. Totalmente desolado, o xerife não mais conseguira esboçar nenhuma reação de ataque.

Andrea sentira suas mãos tremerem, uma angústia que lhe tomara conta internamente. Ela não sabia explicar o que estava sentindo, mas ao ver Grimes daquela forma, era como se ela própria tivesse tomado uma surra. Uma dor pior que qualquer agressão física.

— Meu filho... – Balbuciara o xerife – O que você fez com o meu filho...

— Pai...

A voz de Carl arrebatara todos. Todos os olhares se voltaram para o garoto, que caminhava ao lado de um dos homens de Negan, saindo da boleia do caminhão militar. Com o chapéu de cowboy nas mãos e sem suas bandagens lhe cobrindo o ferimento no rosto, o filho de Grimes parecia bastante assustado.

— Eu sinto muito pai...

O rosto de Rick se iluminara, suas feições se modificaram instantaneamente.

— Acho que eu me expressei mal... – Negan levara o dorso da mão à boca, limpando um filete e cuspindo o restante de sangue – O que eu quis dizer na verdade era que eu mal podia esperar para que você visse que eu não fiz nada com o seu garoto! – O típico sorriso sarcástico voltara a imperar – Eu confesso... Estava tentando te emputecer, só não sabia que você ia pegar pilha tão facilmente!

— O que posso dizer... Você me pegou desprevenido! – O homem seguira, já se sentindo totalmente no controle da situação – Eu estou devolvendo o seu filho sem tocar em um osso dele! – Negan dera uma risada curta – Porra, eu disse um osso ao invés de um fio de cabelo, vocês realmente não acharam graça? Foda-se! Eu achei engraçado pra caralho, meu caro filho da puta!

Carl correra em direção ao pai, abraçando-o fortemente.

— O escroto do seu filho matou uma caralhada dos meus homens, e mesmo assim estou te dando ele, são e salvo! Por outro lado, eu apanhei feito cachorro doido, aposto que se fosse contigo não teria toda essa minha compaixão.

Negan caminhara em direção ao seu bastão, estirado no solo.

— Mas eu não sou assim, eu sou um cara legal! Um cara fodasticamente legal pra caralho! Eu não guardo mágoas, Rickyzito... – Com a mão direita erguera Lucille, tomando-a novamente em sua posse – Porra, você até me fez derrubar a Lucille! Você tem ideia do quanto ela odeia ficar largada no chão? – O homem a admirava, como se fora um objeto precioso – Ela é como se fosse uma bandeira, não se pode deixar cair, é falta de respeito!

— E apesar de tudo isso, eu ainda estou aqui... Feliz igual a um moleque indo para a sua primeira foda! – Negan fizera uma pausa. Rick seguira abraçando Carl, apenas ouvindo o discurso do Salvador, sem encará-lo – O que foi, deixei vocês confusos? Oras, eu tenho vários motivos para ser um cara legal!

O chefe do Santuário abrira os braços, exibindo novamente o seu bastão ornado.

— Vocês acham que eu venho comandando todas essas comunidades apenas saindo por aí e estourando a cabeça de vadias grávidas? Não porra, não é assim que se fazem amigos! Essas comunidades me aceitam por que eu presto um serviço a eles. Nós somos os Salvadores, não os “vamos matar os seus amigos para que não gostem da gente”!

Negan tombara a cabeça levemente para o lado direito.

— Nós vamos matar os seus amigos se vocês fizerem alguma merda que me desagrade? Sim, é claro que vamos! Tenho certeza que deixei isso mais do que claro... Mas se vocês simplesmente colaborarem, não lhes faremos nenhum mal. Bom, parece que enfim estamos prosperando! Estou me sentindo bem pra caralho!

— Eu quero então deixar essa merda bem clara! – Bradara o assassino, ampliando a gravidade de sua voz – Eu sou um cara justo! Eu sou um cara justo pra caralho! – Com os braços abertos, Negan parecia incorporar um personagem – Na verdade, acho que posso deixar ainda mais claro... Eu nunca quis fazer as merdas que eu fiz! Eu só fiz todas essas coisas para definir certos limites, para que as pessoas tenham noção das consequências dos seus atos!

O homem olhara para Lucille, como se estivesse dialogando com o taco de baseball.

— Eu não me divirto com essas coisas, nunca me diverti... Já a Lucille aqui... Ainda bem que não é ela que está no comando! – Negan dera uma última olhada para Rick – Então, estamos resolvidos? Beleza. Vamos recolher os tributos em breve!

Os Salvadores deram as costas, caminhando de volta para o caminhão sem se importarem com as ameaças impetradas por Michonne e Andrea, que permanecera imóvel, paralisada na mesma posição durante longos minutos. Adentrando o monstruoso veículo, os Salvadores partiram, como se tivessem simplesmente acabado de sair de uma reunião de negócios.

Desperta do transe, a sardenta correra em direção a Rick, retirando o lenço vermelho que comumente trazia no pescoço, e cuidadosamente enxugando os seus ferimentos. Grimes não largava o filho dos braços, e no momento os dois compartilhavam a mesma expressão aliviada. Automaticamente o xerife aparentara estar mais leve.

— Desculpa pai! Eu nunca deveria ter feito isso... Eu fui um idiota! Achei que já era adulto o bastante para resolver tudo sozinho... Me desculpe! Eu estraguei tudo... Achei que nunca mais veria você!

O desabafo do garoto fora acompanhado de lágrimas, que encharcara o seu olho, escorrendo por sua face. Rick apenas o afagava, repetindo em sussurros que tudo ficaria bem.

— Você está chateado comigo? – Perguntara Carl.

Rick abrira um meio sorriso, bagunçado os cabelos do jovem Grimes.

— Estou aliviado por você estar vivo! – Confessara – Nós iremos conversar, mas não agora. Prometo que não irei brigar com você... Muito.

O garoto também conseguira dar um sorriso, certamente feliz por poder ver o pai mais uma vez. Andrea também se mostrara contente, dando uma piscadela para o garoto seguido por um cafuné. Apesar de atribulada, sua relação com o filho de Rick parecia caminhar para uma considerável melhora.

Rick Grimes então se erguera de vez, respirando profundamente o ar pesado daquela manhã que ainda se iniciava. Olhando para o grupo que lhe dera apoio, procurara por Paul Monroe, ao lado de Michonne, com o gorro em mãos, apenas observando o seu reencontro com o filho. Certamente ele devia muito a Jesus, afinal de contas o homem arriscara a própria vida para coletar informações mais do que preciosas.

— O que foi aquilo? – Indagara o policial a Jesus, referindo-se a estranha atitude de Negan.

Monroe suspirara, aparentemente cansado após mais uma dose de sua perigosa rotina.

— Acredite, nem foi tão estranho assim – Respondera – Os Salvadores possuem umas regras idiotas, mas geralmente, se você as seguir, eles acabam se mostrando bastante maleáveis... Pelo menos na maioria das vezes.

Andrea verificara mais uma vez sua munição, após atestar que Grimes não mais precisava de sua ajuda. Não era a primeira vez que o xerife entrava em uma briga, e estava claro que os ferimentos haviam sido apenas superficiais. Para quem já fora alvejado duas vezes, uma delas por uma munição .12, fora torturado e tivera uma das mãos amputada a força, alguns socos e pontapés não seriam nada.

— Ainda temos bastante tempo até escurecer... – A loira começara a caminhar de volta ao furgão – Acho que deveríamos tomar um caminho diferente e aproveitarmos para coletar alguns mantimentos... Depois do acordo com o Garden, estamos praticamente zerados!

Rick respondera positivamente em um aceno de cabeça.

— Garden? – Questionara Carl.

— Longa história, garoto... – Rick dera um leve tapa em suas costas – Longa história...

 

[...]

 

Rick retornara da cozinha com um copo de água na mão esquerda. Caminhando até o cômodo, encontrara Andrea sentada em uma poltrona, a frente de Jesus, que acomodara-se no sofá. Entregando o copo a companheira, Grimes sentara ao seu lado, recostando as costas e deixando escapar um longo suspiro.

Arrumando os bagunçados cabelos, o mandatário voltara a encarar o diplomata, que tomava mais um gole de uísque que lhe fora servido. Aparentemente Jesus era um bom apreciador de álcool, vide os inúmeros licores que possuía em sua moradia no Hill Top.

Apesar de ainda ter de lidar com os incontáveis problemas pelo qual Alexandria passava, Rick Grimes sentia-se muito melhor. O seu filho estava em seu quarto, vivo, seguro. Apenas uma certeza rondava sua mente, ele nunca mais queria ter de passar por aquilo novamente. Só de imaginar sua vida sem Carl, todas as coisas pareciam perder o sentido imediatamente.

— O que o Carl falou? Algo útil para nós? – Indagara Paul Monroe.

Rick imediatamente levara sua mão de encontro à de Andrea, que parecera se surpreender com a atitude. Nos últimos dias o xerife havia se afastado dela, até mesmo por conta de toda a loucura que começara a brotar em sua cabeça, após o desaparecimento de Carl. Ela esteve ao seu lado o tempo todo, lhe dando apoio e lhe dando carinho. Merecia muito mais afeto do que o policial vinha demonstrando na relação.

— Acredito que sim – Respondera – Você sabe algo sobre as esposas de Negan? Parece que ele mora com umas cinco mulheres em uma suíte construída em um dos andares da fábrica. Carl falou bastante sobre elas, parece que elas ficam desfilando seminuas o tempo inteiro.

Jesus levara uma das mãos ao queixo.

— Isso é novidade pra mim! Não tínhamos noção alguma de como era lugar, muito menos de como as coisas funcionavam lá dentro!

— Bom, não é apenas isso... – Rick prosseguira – Segundo o Carl, há pessoas normais habitando o lugar, e não apenas soldados e milicianos. Ele disse que viu pelo menos trinta pessoas, mas pode haver mais... Mulheres, crianças, idosos... Ao que parece, não há muitos para uma eventual frente de batalha, pelo menos não tantos quanto imaginávamos.

Paul juntara os dedos à frente dos lábios, pensativo.

— Isso faz muito sentido... – O barbudo estava sereno, parecia ter sanado uma dúvida interna – Negan possui postos avançados, onde recolhe os tributos de todas as comunidades que fazem parte da rede. Quando ele estiver cansado de bisbilhotar Alexandria, vocês terão que levar os mantimentos até um desses postos.

O homem respirara profundamente, finalizando sua reflexão.

— Nós nunca havíamos chegado nem perto de obter essas informações... Nem conseguíamos mensurar o lugar onde ele morava, ou se morava em algum lugar fixo. Isso é muito, muito bom!

Rick notara que estavam alcançando algum progresso. No fim das contas, as coisas pareciam começar a dar certo para o lado dos sobreviventes.

— Carl também falou que não viu nenhuma arma de fogo – O xerife seguia segurando firmemente a mão de Andrea – Eles não parecem ter um arsenal ou depósito... Talvez apenas as armas brancas que sempre os vemos carregando.

Paul aprumara as costas.

— Disso eu já suspeitava... Durante todo esse tempo, jamais vi nenhum dos Salvadores dispararem uma só vez. O próprio Hill Top não possui armas há bastante tempo... Munição é algo muito escasso hoje em dia, nem sei como vocês conseguem tantas armas assim...

Grimes sorrira.

— Tivemos sorte... E quanto às munições, tenho um pessoal destacado para cuidar disso.

— Bom... – As feições de Jesus modificaram-se, passando a demonstrar um misto de tensão e seriedade – Então sabemos que os Salvadores não possuem armas de fogo, e que o exército não é tão grande quanto imaginávamos...

O policial o olhara de esguelha, percebera que alguma ideia surgira na mente do barbudo.

— É Rick... – Os longos cabelos de Jesus faziam uma sombra que lhe cobria parcialmente o rosto – Acho que está na hora de apresentá-lo ao Ezekiel.


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam?

Rick e Negan tiveram o primeiro round do grande duelo dessa história... Conseguem imaginar o que virá pela frente?

Ah, esse capítulo em específico marcou o início na segunda metade de All Out War... Sim, a fic já começa a se encaminhar para o seu final, mas ainda há muita água para passar por debaixo dessa ponte...

Aguardo vocês nos comentários!

Moi moi.



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