All Out War escrita por Filho de Kivi


Capítulo 28
Catch-22


Notas iniciais do capítulo

HEI!

Sim, eu estou de volta!

Depois de um ‘curto’ período ausente, retorno agora para deixar mais um capítulo de All Out War para a apreciação daqueles que ainda resistem em permanecer por aqui...

Por incrível que pareça, o número de ‘favoritações’ e acompanhamentos vem crescendo, apesar de um certo desleixo desse autor que vos fala... Agradeço aqueles que ainda acreditam nesse projeto, e prometo que irei me empenhar mais! Principalmente pelo fato de gostar bastante de escrever sobre esse universo, e acreditar que AOW está seguindo um rumo legal!

Deixo aqui mais uma vez, meus sinceros agradecimentos a minha grande amiga Menta!
Obrigado por todo o apoio, e por sempre me incentivar a prosseguir escrevendo! Kiitos!

Bom, quanto ao capítulo...

Veremos hoje o quanto o clima começa a ficar cada vez mais pesado em Alexandria, com a aproximação da Guerra Total... O capítulo ficou enorme, mas acho que servirá para compensar toda a minha demora. POVs de Andrea, Dwight (sim, um POV totalmente inédito hehe), Magna (a batedora estava um tanto esquecida, mas reaparecerá com tudo por aqui) e Rick... Capítulo introspectivo mesclado a uma boa dose de ação, drama, e algumas tretas hehe...

Espero que gostem!

Boa leitura!



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Andrea não conseguira conter as lágrimas. Apesar de forte, a mulher de cabelos loiros sentira o baque ao saber de tudo o que ocorrera na estrada, no horrendo encontro de Rick e seu grupo com os Salvadores de Negan.

Além do choque em saber que três pessoas tão próximas a ela haviam sucumbido de uma maneira brutal, pessoas essas que tanto a ajudaram a vencer o caótico mundo nos últimos anos, a segunda no posto de liderança precisaria também levar pouco a pouco a notícia aos integrantes da comunidade.

Algo que se tornaria ainda mais difícil vide os últimos acontecimentos internos, por assim dizer.

O portão ainda tombado indicava que o embate, apesar de vitorioso pelo lado dos sobreviventes, causara baixas importantes à estrutura de Alexandria. E o pior, o líder daqueles homens, que parecia não cansar de surpreendê-los, conseguira passar o seu recado.

Alexandria estava em pânico, um medo nunca antes experimentado por aquelas bandas.

“Nós não morremos”. A frase tantas vezes repetida pela mulher, parecia fazer cada vez menos sentido no momento, porém, observando o outro lado da moeda, a sniper sabia que possuía uma carta na manga, um ás que talvez modificasse a maré de tragédias vividas por eles.

Rick estava cabisbaixo, sentado na cama ao lado de Andrea, que enxugava os olhos tentando controlar os próprios lacrimais, exigindo a eles que não mais derramassem as lágrimas que só acumulavam mais e mais angústia em seu peito. O nó que embargava sua garganta parecia se ampliar a cada segundo, impedindo que a mulher pudesse dizer uma palavra que fosse.

Heath, Abraham, Maggie... O destino fora muito cruel dessa vez. Arrancara não só três ótimas pessoas, como também subtraíra da comunidade três excelentes sobreviventes. Seria difícil prosseguir agora, principalmente imaginando o que o futuro lhes reservava.

Limpando a própria garganta, a mulher loira interrompera o silêncio que já durava tempo demais dentro do quarto. Voltando-se para Grimes, Andrea tentara manter o tom de voz firme, enquanto começava a programar sua cabeça novamente a pensar de forma racional.

— Você precisa anunciar o que aconteceu de forma oficial... – Ela respirara fundo – Os seus discursos sempre funcionam... É o que eles precisam, qualquer tipo de motivação agora vai funcionar...

Rick erguera a cabeça, meneando-a positivamente.

— Tivemos muita sorte essa manhã... – Retomou Andrea – As trincheiras e as rondas afastaram boa parte dos errantes... Se não fosse por isso, fatalmente teria ocorrido uma nova invasão.

— Eles não queriam entrar... – Interrompera Grimes – E nem queriam que os errantes entrassem... – O xerife fizera uma profunda pausa, tomando fôlego antes de prosseguir – Eles só queriam nos assustar, para mostrar que estão no comando.

Andrea aproximara-se ainda mais, arrumando uma mecha dourada atrás da orelha direita.

— E eles estão? Eles estão no controle, Rick?

O policial emudecera-se, visivelmente sem saber o que responder ante o questionamento da sniper.

Ainda encarando-o de forma firme, a mulher não tardara em prosseguir.

— Não é como se fosse a primeira vez que enfrentamos algo desse tipo... Rick, você sabe muito bem de todas as merdas pelas quais já passamos! Acha mesmo que Negan será a última?

Suas palavras pareceram chamar totalmente a atenção do policial, que erguera a cabeça, focando diretamente nos olhos avermelhados da jovem mulher.

— Vai ter sempre alguém depois! Sempre existirá uma canalha como ele, tentando a qualquer custo destruir o que construímos! Só o que temos que fazer é passar por cima de tudo isso... Simples assim!

Rick passara a mão esquerda espalmada sobre o rosto.

— Já fizemos isso antes, e vamos fazer de novo! E no final, esse filho da puta vai se arrepender amargamente pelo que fez com Abe, Heath e Maggie... Eu sei disso, Rick!

A postura do líder tornara-se mais ereta. O homem que tanto abalara-se com o emaranhado de problemas que lhe tomaram conta, parecia agora racionalizar mais o mundo a seu redor. Entendendo que aquele era o caminho, Andrea tentava manter sua postura endurecida, pois visivelmente notara um enfraquecimento vindo do xerife, algo que de forma alguma poderia ser cultivado em uma época tão obscura.

— Você deveria começar a fazer os discursos... – Brincou Grimes. Um leve sorriso ameaçara brotar, mas logo fora ceifado pelo pesado clima que tão cedo não os deixaria – Fale com o Gabriel, quero usar a igreja mais uma vez... Falarei sobre o que ocorreu na estrada durante o funeral de Bob, Russell e Vic...

O mandatário respirara fundo após aferir o tamanho das pernas que o ataque lhes causara. Nunca fora tão sério. Nunca uma ameaça se mostrara tão assustadora quanto aquela.

— Não podemos perder mais ninguém, Andrea... Isso não vai parar, tão cedo não terá um fim!

A mulher achegara-se mais próxima ao parceiro.

— Você já sabe o que fazer? – Indagou a sniper – Já sabe o que faremos agora que tudo está tão às claras?

Rick inspirara profundamente.

— Vamos erguer os portões. Trabalharemos a noite inteira se for necessário! Depois... Eu preciso pensar... – Uma dose cavalar de tensão emanava pelos poros do líder – Fiz uma promessa ao Glenn, e irei cumpri-la... Mas no momento ainda preciso pesar algumas coisas.

Após alguns segundos digerindo as palavras de Rick, Andrea erguera-se da cama, remotivada. Estendendo a mão direita em direção a Grimes, a loira pronunciou-se, aparentemente bastante segura.

— Vem comigo... Tem uma coisa que você precisa acrescentar nessa sua balança!

Mesmo sem compreender totalmente as palavras ditas, o xerife respondera ao gesto, segurando firmemente a mão que lhe fora oferecida. Levantando-se de súbito, Rick fora guiado em direção à saída de sua residência, seguindo o caminho já percorrido muitas vezes até o antigo consultório da Doutora Cloyd, ocupado posteriormente pelo Doutor Hall, e agora chefiado por Rosita Espinoza.

Nas ruas, o resultado do embate recente ainda estava escancarado aos olhos de qualquer um que quisesse enxergá-lo. Os moradores, acostumados ao conforto que as grandes casas protegidas pelas placas de metal lhes proporcionavam, agora encontravam-se totalmente tomados pelo horror de uma ameaça até então inimaginável.

As três vidas ceifadas naquela manhã acabou sendo um preço baixo a se pagar após a grande incursão impetrada pelos homens hostis, que barbarizaram tempo suficiente para trincar todos os pilares internos que mantinham Alexandria de pé. Pilares esses representados justamente por seus moradores.

Alguns dos feridos recebiam tratamento em suas próprias residências, já que o espaço no consultório era insuficiente para que todos os procedimentos fossem por lá realizados. Se algo de bom poderia ser tirado do atentado, era o fato de que os moradores pareciam muito mais unidos em meio ao caos do que outrora, quando tudo corria as mil maravilhas.

Carl, Michonne e Jesus, que retornara com o policial após sua rápida passagem pelo Hill Top, passaram a cuidar da segurança, monitorando os pontos cegos e assegurando que por hora, não haveria mais nenhuma retaliação pelo lado inimigo.

Liderados por Holly e Eugene, que ainda não haviam sido informados a respeito da morte de Abraham, o grupo que comumente trabalhava na ampliação dos muros, concentrava agora suas forças na reconstrução do portão, e é claro, no reforço as placas de ferro danificadas.

Rosita, Aaron, Eric, Enid, Leah, e qualquer um que possuísse algum tipo de conhecimento em primeiros socorros, dedicavam-se integralmente ao cuidado dos feridos.

Com todas as engrenagens funcionando em sintonia, os danos logo seriam minimizados. Porém, não havia como apagar da cabeça daqueles que vivenciaram o horror materializado, as imagens do combate matinal. O pavor semeado, inevitavelmente, não daria bons frutos.

O casal caminhara por mais alguns metros até o jardim da casa de Rosita, que nunca estivera tão movimentada. A porta aberta já dava sinais de que a residência estava apta a receber visitas. O burburinho vindo do lado de dentro, indicava também que tais visitas já estavam ocorrendo.

Adentrando sem cerimônia, Andrea, caminhando a frente de Rick, guiara o xerife pelo corredor, em direção aos fundos do local. No caminho, ao passarem pelos quartos-leitos, a loira e seu amado puderam observar que as vozes partiam de lá, onde os casos mais graves recebiam maior atenção. Apesar da precariedade de medicamentos, tudo aparentemente parecia controlado.

Saindo de um dos quartos, Rosita, com algumas gotas de suor na testa, e as luvas de procedimento manchadas de sangue, parecia atordoada ante a responsabilidade de cuidar de tantos enfermos. A latina que aprendera o básico com Cloyd e auxiliara Hall posteriormente, não parecia realmente preparada para lidar com casos mais complexos, caso fosse necessário.

Hey! – Rick tocara de leve o ombro da bela mulher, que em meio à confusão, ainda não havia percebido-os – Ele está bem?

Com os olhos arregalados, Espinoza fitara Grimes.

— Ah, Rick... – A ‘médica’ estava visivelmente estafada – Acredito que sim... Sinceramente, não sei dizer ao certo. Ele é forte, se manteve consciente todo esse tempo... Acho que tudo ficará bem!

Não querendo desperdiçar mais do precioso tempo da latina, Andrea assumira a palavra, indo direto ao cerne de sua visita.

— Queremos ver o patife...

Grimes arqueara uma das sobrancelhas no mesmo instante em que voltara seu olhar em direção a sniper, possivelmente em uma tentativa de compreender a quê a mulher se referia.

Captando a mensagem, Rosita retirara do pescoço um colar contendo uma chave, entregando-o em seguida para Andrea. Antes de retornar ao conturbado trabalho, a jovem curvilínea proferira diretamente para a loira.

— Não deixe ninguém vê-lo! Com toda essa confusão, vai acabar piorando as coisas!

O casal seguira pelo corredor até os fundos do imóvel. O fluxo de pessoas naquela área era inexistente, portanto proporcionaria a discrição que Andrea buscava. Ainda no comando da ação, a loira levara Grimes até a despensa, a pequena saleta que há muito não era utilizada como depósito de mantimentos.

Estacionada em frente à porta, a mulher levara a chave de encontro à fechadura, girando-a duas vezes e destrancando a porta. Após girar a maçaneta, abrira o portal, fazendo com que Rick compreendesse finalmente o teor que embasara todo o discurso de Andrea.

Amarrado em uma cadeira, da mesma forma que Rick um dia fizera com Jesus, um homem vestindo um casaco de couro por cima de uma camisa surrada, debatia-se, tentando emitir algum som que pudesse ultrapassar o pano que lhe fora posto na boca.

O cabelo liso oleoso, visivelmente sujo por conta da falta de higiene, ocupava apenas metade de sua cabeça, já que os pelos na outra metade eram impedidos de nascer por conta da enorme cicatriz, proveniente de uma grave queimadura. A gigantesca marca estendia-se pela face, ocupando também boa parte da extensão do rosto.

Andrea notara que a reação de Rick fora um misto de espanto e receio. O xerife parecia estar vendo um fantasma, e seus olhos nitidamente denotavam que aquela visão lhe era muito familiar.

Cerrando a porta as suas costas, a mandatária respirara fundo, antes de sorrir de forma vitoriosa, questionando Grimes um segundo depois.

— E então, acha que esse puto pode nos ser útil?

*****

ALGUMAS HORAS ANTES

...

A motocicleta freara bruscamente, erguendo uma boa quantidade de areia do asfalto. Recostando um dos pés sobre o solo, para dar sustentação ao veículo agora inerte, o homem que a pilotava voltara o rosto para trás, observando o caminhão que se aproximava.

Erguendo a mão direita espalmada, o motoqueiro sinalizara para o comboio em sua retaguarda, que aquele seria o melhor lugar para iniciar a incursão já planejada. O caminhão e mais dois carros que se seguiam, uma camionete Ford anos noventa e uma SUV azul com a lataria amassada e rabiscada, passaram a diminuir a velocidade assim que compreenderam a ordem recebida.

O maior dos veículos, que outrora servira para o transporte de animais, carregava em sua carroceria pelo menos vinte homens, todos muito bem armados com facas, porretes, lanças estilizadas e correntes, além de alguns galões de gasolina e jarros de álcool artesanal.

Nos outros dois veículos que os acompanhavam, seis outros homens, igualmente bem armados, desceram de seus carros assim que estacionaram ao lado da Harley Davidson.

O motorista da camionete, um homem negro, forte e alto, vestindo trapos surrados e empoeirados, e portando um bastão de baseball de alumínio em uma das mãos, fora o primeiro a se aproximar do motoqueiro.

Ao lado direito da pequena estrada parcialmente tomada por mato e areia, iniciava-se um bosque repleto de grandes árvores. A mini-floresta, por assim dizer, parecia estender-se por pelo menos duzentos metros, em uma região ainda desconhecida pelo grupo.

Observando as árvores, e toda a extensão que a mata aparentava ter, o motorista da camionete, que agora já se encontrava ao lado do líder da expedição, não parecia muito seguro quanto ao ponto de parada.

— Tem certeza que é por aqui? – Indagara o homem.

Erguendo-se de sua moto, o homem que até então parecia fitar as árvores enquanto repassava o plano em sua mente, finalmente voltara-se para o seu grupo. Vestindo o seu típico casaco de couro, o motoqueiro levara uma das mãos até o bolso de sua calça jeans, retirando de lá um pequeno frasco.

Após agitar o líquido ali contido, o motoqueiro pingara apenas duas gotas sobre o olho esquerdo. A visão constantemente embaçada, melhorava consideravelmente após o uso do medicamento.

As sequelas da enorme queimadura que tomara conta de todo o lado esquerdo de sua face, mostravam-se presentes todos os dias. Alguns resquícios das dores lancinantes, seguidas de todo o remorso e sofrimento que aquelas lembranças lhe traziam, costumavam vir à tona todas as noites, durante as poucas horas que conseguia pregar os olhos.

Empunhando a sua inseparável besta, e ajeitando em suas costas a fáretra com uma quantidade razoável de flechas, o homem piscara algumas vezes antes de voltar sua atenção para o motorista da camionete, que ainda aguardava a resposta de seu questionamento.

— Não estamos aqui para uma festa! – A encarada após a dura frase, fizera o indagador recuar um passo – Vamos fazer tudo na surdina. Quero grupos pequenos, precisamos cobrir todos os lados possíveis do muro, assim eles não terão tempo de reação!

O motoqueiro direcionava-se para os demais homens, que o observavam com atenção.

— Se algum deles reagir, façam o que sabem fazer! Seremos rápidos, Negan não quer um massacre, quer apenas pôr neles medo o bastante para que fiquem totalmente submissos... – Um sorriso surgira em seu rosto – Depois de hoje, esses caras irão até chupar os nossos paus se quisermos!

O grupo rira em uníssono.

— Vamos atravessar esse bosque! – Retomara o homem da cicatriz – Essa passagem nos levará até a parte oeste dos muros. Segundo aquele cara nos disse, não há um sistema de segurança eficaz, portanto, não teremos muitos problemas. Além disso, Buzz nos informou que o líder deles fora em direção ao Hill Top, o que nos dá uma boa retaguarda de tempo até que ele retorne!

— Quero seis homens cuidando do caminhão, o restante divida-se em grupos de no máximo cinco e se espalhem. Vamos tentar fazer algo sincronizado, tocar o terror de uma forma que eles borrem as calças de tanto medo!

Os homens pareciam alvoroçados. As palavras iam instigando-os cada vez mais.

— Vai ser como bater punheta, rapazes! Quanto mais rápido fizermos, mais rápido chegaremos ao final feliz!

As risadas se ampliaram, assim como o sorriso vitorioso no rosto do motoqueiro. Ele gostava daquilo, sentia-se livre, vivo, principalmente quando Negan não estava por perto. Era como se ali, naqueles breves momentos em que liderava os milicianos, não houvesse nada entre ele e sua própria liberdade.

Escolhera então Will e Joe para lhe acompanhar, seguindo mais a oeste do que os demais, traçando uma rota certeira até um dos já conhecidos pontos cegos das muradas. Ele já havia visto Alexandria de perto, e apesar de não admitir, surpreendera-se com a organização que aparentavam ter.

Mas nem de longe pareciam preparados para os Salvadores. Ninguém estava. O grupo hostil levara sua onda de pavor a pelo menos quatro comunidades nas adjacências, reduzindo suas lideranças a meros fantoches, obedecendo-os pelo pavor, em uma torrente que não parecia ter fim. Não seria diferente com Alexandria. Não havia como ser.

Embrenhando-se entre os troncos das árvores, o trio acabara encontrando quatro carniceiros pelo caminho, todos eliminados habilmente pela mira certeira do portador da grande queimadura na face, que apesar de todas as dificuldades em sua visão, parecia ter se adaptado rapidamente a nova condição.

E assim deveria ser sempre. Afinal, segundo ele mesmo, a porra da vida não passava de uma constante luta contra a morte, e para vencê-la, era necessário aguentar as violentas ondas de merda que inevitavelmente iriam alcançar a todos. Acostumar-se a lidar com as derrotas, aprendendo a conviver com elas, era o mais importante passo a ser dado rumo a essa conquista.

Após retirar uma flecha da têmpora de um cadáver pútrido, o líder da expedição parara por alguns segundos, passando a observar o solo parcialmente recoberto por folhas caídas. Após uma breve análise, conseguira aferir que o local era comumente movimentado, provavelmente por servir como algum tipo de rota alternativa para os moradores da comunidade.

Alexandria estava cada vez mais próxima.

O trio seguira por mais alguns metros pelo caminho indicado. Após uma silenciosa sinalização com o olhar, Joe indicara uma árvore próxima, o lugar ideal para a observação do local a ser atacado.

A mata naquele ponto começava a chegar a seu fim, abrindo-se em uma enorme clareira que dava de encontro ao lado oeste dos muros de Alexandria. Do ponto onde se encontrava, a visão era perfeita, e dali ele poderia observar toda e qualquer movimentação, conseguindo então determinar o momento correto para a investida.

As paredes de metal, aparentemente bem erguidas em suas bases de ferro, as trincheiras em pontos estratégicos ao redor da murada, além de algumas carcaças de carros enferrujados, que serviam como um obstáculo a mais para qualquer aproximação de carniceiros nas redondezas. Pelo que pudera observar, o motoqueiro interpretara que aquela comunidade atingira um nível de organização condizente com o tempo de sobrevivência.

— Dwight... – Sussurrou Will – Acho que tem alguém ali...

Dwight, o homem que carregava a enorme queimadura na face, esticara o olhar até onde pudera alcançar com nitidez. Os passos marcados de dois homens puderam ser identificados com clareza, provavelmente sentinelas em uma missão rotineira.

Sinalizando para os dois comparsas, o líder da missão indicara duas árvores próximas, para onde os dois rapidamente esgueiraram-se, antes que pudessem ser percebidos pelos locais. Após posicionar sua besta, deixando-a pronta para a ação, Dwight passara a ler cada movimento dos guardas, que naquele exato momento, estacionavam em frente a uma das trincheiras. Ao largo, era possível interpretar que uma pequena discussão se iniciava.

Aproveitando o momento de distração dos dois, o motoqueiro lançara uma das flechas, que atingira em cheio a costa de um dos residentes de Alexandria. O ferimento que impetrara em seu alvo, aparentemente fora mortal, já que o corpo do homem caíra de imediato ao solo após o impacto.

Um pequeno alvoroço se iniciara. Sabendo que poderia estragar o elemento surpresa da incursão se não fosse rápido o suficiente, Dwight saíra detrás da árvore onde se escondia, correndo mata adentro em direção aos dois sentinelas.

— Joe! – Gritara o motoqueiro – Retaguarda! Não sabemos quantos deles estão por aí!

O homem que usava um lenço vermelho sobre a cabeça, acenara positivamente após o comando recebido, deslocando-se para oeste, no caso de haver algum tipo de resposta vinda da comunidade a ser invadida. Segurando nas mãos uma clava, o homem aguardaria a distância, sendo a cobertura para qualquer tipo de imprevisto.

Seguido por Will, um sujeito magricela de não mais do que um metro e sessenta, pele clara tomada por manchas, além de cicatrizes mal cuidadas por todo o rosto, o líder daqueles homens prosseguira em um rápido pique, alcançando em poucos segundos o local ocupado pelos dois guardas de Alexandria.

O chão estava manchado de sangue, mas ali não havia mais ninguém. Dwight caminhava lentamente, analisando minuciosamente todas as marcas contidas no solo arenoso. Não havia como sua visão ter lhe enganado, ele tinha total certeza que havia acertado um dos homens com um golpe certeiro, provavelmente mortal.

Mas estranhamente, nenhum dos dois estava mais ali. Era preciso pensar, ou então o tiro poderia literalmente sair pela culatra.

— Você acertou um deles, não foi? – Indagara Will, atrapalhando-se em suas próprias palavras.

O arqueiro retirara uma segunda flecha de sua aljava, deixando-a pronta para um disparo imediato.

— Sim – Respondera monossilabicamente.

Os dois prosseguiam andando lentamente, observando tudo ao redor.

— Eles estavam em quantos? – Questionara novamente o capanga.

Olhando em direção as árvores, Dwight manifestara-se logo após voltar o olhar para o chão manchado de vermelho.

— Dois sentinelas... Deviam estar fazendo a ronda matinal, imagino que faça parte do sistema de segurança do maneta!

Após breves segundos de silêncio.

— Tem certeza que você viu dois deles aqui? – Questionara Will, arregalando os olhos enquanto mexia a cabeça de um lado a outro.

Já irritado, o motoqueiro precisou controlar-se para não utilizar uma de suas flechas contra a cabeça de Will. Definitivamente fizera uma péssima escolha ao solicitar que aquele viciado o acompanhasse.

— Eu já falei que sim, Will! Qual o seu problema?

O assustado miliciano abaixara brevemente a cabeça. Ele sabia quais as consequências do desrespeito à hierarquia dentro dos Salvadores.

— Nada chefe... É que eu vi você acertando um deles, mas agora...

Dwight respirara profundamente.

— Tá vendo esse sangue no chão? – O arqueiro apontara para o solo – Então seu imbecil, é obvio que eu acertei um deles... O outro deve estar escondido em algum lugar!

O olhar do portador da enorme queimadura dirigira-se imediatamente para a trincheira posicionada a poucos metros de distância. Pela leitura das pegadas e demais marcas gravadas na areia, ficara claro para o motoqueiro que o homem ferido conseguira se arrastar para longe, provavelmente perto das árvores, enquanto que o segundo sentinela só poderia ter se escondido em um lugar possível.

Dentro da trincheira.

Enquanto prosseguia sem alardes, Will falava de forma incontrolável. Os olhos vermelhos e os movimentos bruscos, além do aparente nervosismo, indicavam que o viciado em heroína provavelmente estava passando por mais uma crise de abstinência.

Ignorando totalmente os dizeres de seu parceiro, Dwight fora fisgado por um barulho trepidante que surgira repentinamente.

— Cala a boca, Will... – Sua mão direita fora estendida na direção do miliciano – Ouviu isso?

Com os olhos ainda mais arregalados, o agitado sujeito respondera com a voz acelerada.

— Isso o quê?

Antes que pudesse esboçar qualquer tipo de reação, Will fora surpreendido de forma repentina quando um homem, o mesmo que fora ferido pela flechada, saltara sobre si portando uma faca de caça em uma das mãos. Tomando o capanga como refém, o homem de pele pálida posicionara sua arma sobre a jugular de Will, que soltara um grito abafado antes de ser silenciado por uma das mãos de seu algoz.

Dwight armara sua besta, apontando-a na direção do rosto do ferido sentinela. Os olhos daquele homem pareciam tomados por ódio, ao mesmo tempo em que uma enorme fragilidade podia ser vista. Era aparente que ele precisava fazer uma força gigantesca para manter-se de pé, e também era quase certo que após perder tanto sangue, hora ou outra ele acabaria tombando. Fora que a flecha, ainda cravada em seu corpo poderia fatalmente ter acertado algum órgão vital, o que diminuiria ainda mais suas chances de vida.

Mas apesar de toda a aparente fragilidade, o homem que atacara Will, e que ironicamente também carregava uma cicatriz em um dos lados da face, tinha o rosto machado de sangue, sangue esse que não lhe pertencia.

Preso a mão direita desse homem, Dwight conseguira reconhecer o lenço vermelho de Joe. Pelo visto, ele tivera forças o bastante para executar o salvador que lhe daria cobertura, Portanto, talvez fosse melhor não subestimá-lo.

— Estava esperando por você... – O motoqueiro exprimira um largo sorriso – Sabia que não iria muito longe! Eu te acertei em cheio, não foi?

Não houvera resposta.

— O que foi? O gato comeu sua língua? – Seu olhar mantinha-se firme – Larga ele! Você sabe que tá morrendo e que não vai manter essa banca por muito tempo... Quer mesmo dar uma de herói?

Novamente o motoqueiro aguardara por alguma resposta vinda do homem que dominara Will, porém, novamente ele manteve-se calado.

— Você não imagina o quanto tá fodido! – O sorriso do arqueiro só aumentava.

Ao fundo, uma pequena explosão pudera ser ouvida. O som fora seguido por gritos, alguns disparos, e mais três explosões. Todos nitidamente vindos do interior da comunidade.

— Eu tenho mais ou menos vinte homens botando pra foder geral com toda a sua galera... E isso é só o começo! Tá entendo agora a razão disso não fazer sentido? – O que dominara seu parceiro, esticara agora o olhar na direção dos muros – Solta ele...

Abrindo os braços, como se realmente estivesse negociando uma rendição, Dwight dera um passo a frente, voltando a falar em seguida.

— Somos parceiros comerciais agora! Não sei se o maneta líder de vocês já lhes falou isso, mas ele assinou um tratado com o meu chefe... Não precisamos ficar nos matando. A não ser é claro, que algum de vocês faça alguma merda!

Uma nova explosão fora ouvida. Os gritos pareciam cada vez mais altos.

— E então, o que vai ser?

Dwight sentira uma enorme dor em sua coxa direita no exato momento em que um disparo seco fora executado. Caindo imediatamente após o impacto da bala com o seu corpo, o arqueiro ainda tentara disparar contra o seu algoz, mas o mesmo fora mais rápido, atingindo o seu rosto com um violento chute.

Totalmente grogue, o líder da missão ainda conseguira ver Will ser executado sumariamente, quando o ferido homem que o fazia como refém, passara a lâmina de sua faca de caça no pescoço do viciado, cortando sua jugular e fazendo jorrar o seu sangue pulsante.

Dirigindo-se até ele, um homem negro portando uma pistola na mão direita, muito provavelmente o mesmo que o atingira, olhara para o seu rosto por alguns breves segundos, provavelmente refletindo sobre qual decisão tomar.

Sem conseguir reagir, Dwight apenas olhara nos olhos do sujeito, antes de receber outro chute no rosto. Após mais uma violenta pancada, o arqueiro sentira sua visão escurecer gradativamente, até finalmente apagar em um profundo desmaio.

*****

Tudo ocorrera de forma muito repentina.

Magna havia acabado de acordar, após mais uma noite de profundo sono causado pelos potentes medicamentos que passara a tomar diariamente após sobreviver ao ataque de Goodwin. As dores no abdome ainda eram constantes, mas se comparado ao gravíssimo estado em que se encontrava, era possível dizer que sua melhora havia sido consideravelmente boa, vide o pouco tempo.

Yumiko já estava de pé, preparara o café da manhã logo cedo, e delicadamente despertara a companheira para que juntas pudessem desfrutar dos biscoitos preparados pela senhora Thompson, uma velha cozinheira que parecia gostar de agradar os moradores da distópica comunidade.

As duas voltaram a se aproximar após os acontecimentos que por pouco não culminaram na morte de Magna. Entendendo que a vida lhes poderia ser ceifada a qualquer instante, o casal resolvera então aproveitar o momento de bonança pelo qual estavam passando, pois talvez essa alegria também lhes fosse roubada com a mesma rapidez com a qual surgira.

Yumiko já conseguia andar sozinha, apesar de mancar bastante. O procedimento iniciado antes do desaparecimento do Doutor Hall parecera surgir efeito. A perna fraturada em três lugares diferentes já se encontrava totalmente calcificada, e as sequelas na locomoção não se mostravam como uma barreira para que a asiática retomasse a normalidade de sua vida.

Com os volumosos cabelos castanhos presos em um rabo de cavalo, e vestindo uma confortável camiseta que lhe caía até a cintura, Magna sorria enquanto mastigava um dos cookies de chocolate, um sabor que a muito não experimentava.

A sua frente, derramando uma quantidade considerável de café garganta a baixo, sua namorada parecia ler os seus movimentos, tão sorridente quanto ela, como se quisesse gravar cada milésimo daquele momento tão trivial.

— Isso é que eu chamo de recomeço! – Exclamara Magna, erguendo o biscoito como um troféu – Não valeria a pena reconstruir a humanidade se não houvesse mais chocolate!

As duas riram instantaneamente.

— Se fosse você não comemoraria tanto... Com a Olivia tomando conta da despensa e a senhora Thompson cozinhando como se não houvesse amanhã, talvez o chocolate também entre em extinção aqui em Alexandria!

Ainda sorrindo, Magna erguera o cookie na altura dos olhos, como se o admirasse.

— Então não há mais razão pra viver! – Troçara.

O clima estava leve. O sol calmo denotava que a manhã seria tranquila. Recostando-se de maneira confortável, Magna devorara mais um biscoito prazerosamente. As duas trocaram olhares silenciosos por alguns breves segundos, tempo o suficiente para que a batedora de cabelos castanhos tomasse fôlego, perdida em devaneios sobre o quanto era bom ter Yumi do seu lado. Em todos os mais variados sentidos.

— Te amo, Yumi...

Seu olhar era sincero. Ela sabia que precisava dizer aquilo, que precisava deixar-se levar. Depois de tanto tempo bloqueando a si mesma, impedindo que aquele sentimento tão bom aflorasse, Magna parecia ter finalmente perdido o medo. O medo de se entregar aquele relacionamento, sem mais se preocupar com o tempo que ainda lhes restavam. Não importava mais o quanto durasse, desde que estivesse ao lado dela.

Yumiko aproximara-se com um enorme sorriso de orelha a orelha. Beijando-a profundamente, a asiática não precisara responder com palavras àquela declaração tão sincera.

Porém, aquele momento tão belo que merecia estender-se por toda a eternidade, acabara sendo interrompido de sobressalto. Um estrondo metálico, fruto de uma violenta colisão contra os portões da comunidade, obrigaram as duas amantes a cessarem as trocas de carícias.

— Mas que...

A asiática erguera o corpo, levantando-se rapidamente da cadeira onde se encontrava. Visivelmente assustada, a mulher necessitara de alguns segundos para finalmente conseguir mensurar o que acabara de ocorrer.

A garrafa de álcool em chamas entrara pela janela de vidro, atingindo a parede e lambendo-a em um fogaréu que rapidamente começara a se espalhar pelas cortinas. Lançando-se para trás após o enorme susto, Magna correra instantaneamente até a pia, movimentando-se com rapidez na tentativa de impedir que o fogo tomasse conta do restante do imóvel.

Gritos vindos das ruas começaram a reverberar por toda a parte. O caos se espalhava velozmente por toda a comunidade, levando tudo o que encontrava pela frente, em uma enorme onda de terror.

Após o cessar das chamas, a batedora dirigira-se até a janela, já totalmente estilhaçada, e conseguira traduzir em imagens o que seus ouvidos já sabiam do que se tratava. Alexandria estava sob ataque inimigo.

O portão tombara após ser atingido por uma camionete. Com a entrada livre, cerca de quinze homens passaram a se movimentar pelo interior da comunidade com tranquilidade, utilizando-se de machados, porretes e até lanças rústicas para destruir tudo o que encontravam pela frente.

Bombas incendiárias começaram a ser lançadas no interior das moradias, obrigando que os residentes de lá saíssem. Em meio ao desespero, os moradores que tentavam escapar de todo o horror, acabavam sendo espancados pelos hostis, que juntavam-se em grupos para desferir violentos golpes, até que os mesmos desmaiassem, esvaindo-se em sangue.

Algumas mulheres que tentavam escapar recebiam um tratamento diferenciado dos invasores. Tendo as roupas rasgadas até que ficassem completamente nuas, os milicianos passavam a agredi-las de forma gradual, humilhando-as enquanto comentiam os mais diversos abusos.

Obviamente, a resposta também não tardara a ocorrer. Haveria resistência em Alexandria, e os sobreviventes não se deixariam ser subjugados com tamanha facilidade.

— Vai lá! Eu te dou cobertura!

Yumiko retornara do quarto trazendo o seu arco olímpico em mãos. Entregando a ruger de Magna carregada, a mulher sinalizara que chegara a hora de agir.

A batedora tomara a pistola em mãos, dirigindo-se até a porta de saída. Apoiando-se na janela, Yumi passara a acertar a distância os invasores, abrindo espaço para que sua parceira pudesse sair em segurança.

Após abrir a porta, Magna deparara-se com um grupo de três hostis. Os homens espancavam Bob, um jovem rapaz de vinte e poucos anos, que costumava ajudar em diversos trabalhos braçais dentro da comunidade, principalmente na construção e expansão dos muros.

Tentando resistir, o jovem retirara sua arma da cintura, conseguindo efetuar um disparo contra um dos agressores, acertando-o de raspão. Recebendo uma forte pancada na nuca, Bob largara a arma, indo ao chão totalmente desorientado. Com uma machete, o miliciano baleado golpeara de cima para baixo, partindo o crânio do rapaz e fazendo com que uma grande quantidade de sangue espirrasse pelo ferimento.

Magna não conseguira responder a tempo de impedir a morte de Bob, mas a covarde execução do rapaz não ficaria impune por muito tempo. Com dois disparos certeiros, a batedora conseguira eliminar dois dos algozes, atingindo-os entre os olhos.

Mais tiros começaram a ser efetuados, e nenhum deles partindo das armas dos invasores. Posicionada como a excelente sniper que se mostrava ser, Andrea passara a utilizar sua mira perfeita em seu rifle para ferir os hostis, fazendo com que os homens escondessem-se dos disparos, dispersando-se pelas vielas da comunidade.

A resposta à bala não parara por aí. Enquanto os invasores iniciavam o processo de fuga, Magna conseguira ver Michonne encarando um dos milicianos. Com sua kanata, a espadachim perfurara o peito do sujeito, antes de lhe decepar a cabeça em um único golpe. Além dela, outros mais enfrentavam os pretensos usurpadores, e mesmo que atirassem a esmo por conta da inabilidade, conseguiram afugentá-los o bastante para manter o local em segurança.

Os milicianos conseguiram se organizar rapidamente, comunicando-se a partir de sinais e assovios. Sabendo que não possuíam força bélica o bastante para enfrentar os alexandrinos, os invasores juntaram-se na camionete, partindo em disparada em meio aos zunidos dos disparos.

A incursão contra a comunidade fora rápida, mas ainda assim eficaz o bastante para deixar cicatrizes.

A batedora caminhara cuidadosamente, observando de forma atenta a seu redor, para atestar se nenhum dos invasores havia ficado para trás. Os homens que sumiram em meio à poeira, acelerando a camionete e partindo tão rápido quanto apareceram, deixaram para trás um rastro de sangue e morte.

O corpo de Bob ainda se encontrava jogado ao solo, o sangue ao redor formara uma poça em volta de seu crânio. Também estirado sobre a calçada, outro morador, de nome Russell, falecera após tentar lutar contra um dos agressores que, contando com a ajuda de outros capangas, espancaram-no até a morte.

Os gritos de dor ecoavam como o som de uma orquestra desafinada. Os feridos caminhavam sem rumo pelas ruas, ainda em choque após a repentina brutalidade, talvez até mesmo sem conseguir entender o que ocorrera. A fumaça dos focos de incêndio subia aos céus em torres negras, na medida em que começavam a ser controladas pelos esforços dos próprios moradores.

A poucos metros de onde se encontrava, Magna observara as súplicas de uma mulher. Com as duas mãos sobre a jugular, Vic tentava controlar o ferimento impetrado por um dos hostis, que além desse, também lhe fizera diversos cortes a faca por todo o torso.

Cuspindo sangue, a moradora que nos primórdios da comunidade ajudara a erguer as primeiras placas de metal, agora implorava por sua vida, agonizando em meio ao próprio sangue. Estava claro que ela não iria sobreviver.

Magna agachara-se ao lado da mulher, olhando com pesar para os claros orbes de Vic. O seu sofrimento estava mais do que evidente, além de seu inevitável destino. Cerrando os olhos da mulher, que naquele breve instante passaram a transmitir enorme serenidade, a batedora recostara sua ruger no temporal direito da moradora, virando o rosto antes de efetuar o derradeiro disparo.

Erguendo-se, totalmente devastada pelo que acabara de ser obrigada a fazer, Magna deparara-se com Yumiko, que ainda portava o arco olímpico em mãos. Seu rosto estava tomado pelo terror do momento, ao mesmo tempo em que parecia aliviada por atestar que sua companheira estava bem.

Naquele momento, tudo o que Magna queria era o acalento da namorada. Para encarar os negros momentos que já começavam a afetá-los com força, seria necessário todo o apoio para conseguir carregar um fardo tão pesado.

Ao fundo, adentrando o vão deixado após o arrombamento dos portões, o furgão de Rick Grimes aportava, estacionando bruscamente. O mandatário enfim voltara pra casa.

*****

ALGUMAS HORAS APÓS O ATAQUE DOS SALVADORES

...

— Tão se achando os fodões agora? Esperem só até o Negan aparecer! Vocês estão ferrados, e não vão sequer...

Um cruzado de direita aplicado por Andrea, com toda a força que conseguira juntar, interrompera os gritos de Diwght, que mesmo amarrado à cadeira na despensa da enfermaria, ainda parecia se sentir no controle da situação.

A sniper encontrava-se ensandecida, e parecia querer descontar toda a sua fúria no rosto de seu refém. Enquanto isso, o prisioneiro troçava a cada golpe recebido, portando-se com enorme segurança.

Após receber mais um murro na boca, o homem cuspira o sangue acumulado, lambendo os lábios e sorrindo enquanto encarava Andrea com escárnio.

— Mantenha a porra da língua dentro da boca, ou eu arranco essa merda e faço você comê-la de colherinha, seu puto!

Esticando o braço para desferir mais um golpe contra Dwight, a loira acabara sendo surpreendida quando Rick impedira a agressão, segurando-a. O xerife aparentava estar tenso, e o seu olhar baixo e sério demonstrava que ele não estava nada confortável com tudo aquilo.

Só ele podia mensurar tudo o que passara na estrada, quando Negan e seus capangas efetuaram o ato mais horrendo com o qual já se deparara. A imagem do crânio de Maggie desfigurado, com toda a certeza não mais sairia de sua cabeça. E junto com isso, vinha à tona também todo o peso de cada decisão que ainda precisaria tomar.

Nunca fora tão difícil seguir em frente. Nunca fora tão complicado comandar Alexandria.

— Andrea, não.

A mulher arregalara os olhos, não compreendo as razões da atitude de Grimes.

— Tá de brincadeira comigo? – A loira mantinha-se séria – Esse cara matou três dos nossos! Ele estava na estrada quando vocês foram atacados... Ele estava lá quando mataram a Maggie!

Ele sabia que ela não conseguiria compreender. Seria difícil traduzir em palavras tudo o que açoitava o coração do policial. Sua Andrea era decidida, teimosa até. Tinha conceitos muito bem definidos sobre a nova vida e o novo mundo. Talvez não conseguisse aceitar.

Rick levara Andrea até a cozinha, afastando-se das pessoas que ainda se aglomeravam pela enfermaria. Era necessário conversar com a sniper, colocar as cartas na mesa. Apesar de toda a autossuficiência e egocentrismo intrínsecos a sua personalidade, Grimes precisava do apoio de sua mulher, só assim poderia encontrar forças para encarar os duros momentos que estavam por vir.

— Eu estava errado... – Rick levara a mão ao rosto – Isso tudo com que estamos lidando, eu nunca imaginei...

Grimes pausara para tomar fôlego.

— O que eles fizeram com a Maggie, mesmo sabendo que ela estava grávida... Eles estavam em pelo menos trinta quando nos atacaram na estrada...

Rick nunca se mostrara tão hesitante. Andrea ouvia atentamente as suas palavras, ainda sem se manifestar.

— Suponho que havia esse mesmo tanto de gente na invasão de hoje, não é?

De braços cruzados, a mulher balançara a cabeça positivamente antes de responder.

— Sim... Um bando de covardes! Saíram correndo assim que começamos a atirar!

O xerife evitava encarar os olhos de sua mulher.

— Você os deteve dessa vez, mas... E se eles voltarem com mais homens? E se descobrirem que nossa munição está se esgotando? O que vamos fazer?

Andrea franzira uma das sobrancelhas, mirando fixamente nas íris de Rick.

— Não estou te entendendo...

Grimes respirara profundamente mais uma vez. Ele sabia o quão difícil seria pronunciar as próximas frases.

— O que quero dizer é que não sei o que fazer... Preciso de tempo para pensar, para compreender tudo isso, e precisarei de ajuda... Principalmente da sua ajuda.

O rosto cansado do xerife já exibia rugas de preocupação. A liderança pesava cada vez mais sobre os seus ombros. A responsabilidade de manter Alexandria de pé estava em suas mãos, e isso era o que mais o consumia internamente. Rick sentia-se morrer a cada dia que passava, vendo o pouco que sobrara de sua humanidade, lhe ser tirado de assalto.

Um pedaço a cada dia. Até que nada mais restasse.

— Só o que eu sei no momento Andrea, é que aquele cara lá dentro é a única coisa que temos, e no momento, não podemos tomar decisões impensadas... Não quero pagar por mais um erro, não quero mais perder ninguém por conta de precipitações...

Sua mão esquerda tocara os claros cabelos de sua mulher.

— Não quero provocar o Negan... Não é assim que iremos enfrentá-lo... Eu... – Novamente o xerife mostrara-se hesitante – Eu vou soltar o prisioneiro, Andrea.

A loira afastara-se, dando dois passos para trás. A mulher balançava a cabeça negativamente, enquanto lançava um olhar que denotava a total reprovação que sentia após ouvir os dizeres de Rick.

— Você perdeu a porra do juízo? – Vociferou raivosa – Aquele filho da puta nos atacou! Se o soltarmos, eles voltarão!

— E se não o soltarmos, haverá no mínimo uma centena nos cercando – Grimes tentava apaziguar – O ataque de hoje foi apenas um aviso, você disse que eles não efetuaram um só disparo... Não dá pra saber com o que estamos lidando! Não venceremos uma luta dessas!

Andrea mostrava-se ainda mais indignada.

— O caralho que não! – A sniper não mais media as palavras – É isso mesmo que você está sugerindo? Está dizendo que temos que nos render? Abaixar nossas cabeças e deixar que esses babacas façam o que bem entenderem conosco? – Andrea abrira os braços – É isso mesmo que está dizendo?

Rick fechara os olhos brevemente.

— Andrea... – Sua voz aparentava momentânea calmaria, afinal de contas, a última coisa que o xerife queria era estender aquela discussão – Estamos enfrentando algo que nunca vimos antes. Um grupo grande o bastante para atacar em dois lugares em um curto espaço de tempo... Um grupo forte o bastante para intimidar várias outras comunidades, fazendo-os cederem parte de seus mantimentos... Um grupo forte o bastante para intimidar o Hill Top, que é pelo menos três vezes maior que Alexandria!

— Eu cheguei a pensar que pudéssemos lidar com esses Salvadores, mas... Eu estava errado! Enfrentá-los agora vai acabar matando todos nós! Portanto... – O xerife fizera nova pausa – Não haverá conflitos... Não agora.

Andrea calara-se. Talvez sua decepção tivesse alcançado um nível tão alto que lhe roubara as palavras.

Grimes sabia que desapontava sua mulher ao lidar com todos os problemas da forma que escolhera. Mas dessa vez, pelo menos dessa vez, ele gostaria de medir todos os prós e contras antes de tomar novas decisões. Principalmente sabendo que cada deslize poderia significar a perda de mais vidas inocentes.

E mais sangue em suas mãos.

...

Dwight deixara a comunidade com um sorriso no rosto. Carregando sua besta nas costas, o salvador que mancava por conta do tiro disparado por Tom, virara o corpo após alguns metros, acenando ironicamente em despedida para o grupo de moradores que abismados, observavam o fato ainda sem conseguir compreendê-lo.

Holly, Michonne, Andrea, e até mesmo Carl, fitavam Rick, totalmente incrédulos com a mudança de postura do xerife. Rick sabia que o seu poder de liderança passaria a ser ainda mais contestado a partir daquele momento. Mas o cuidado como que estava gerenciando o gigantesco problema, além de necessário, também poderia gerar frutos em um curto espaço de tempo.

Assim que o prisioneiro sumira aos olhos dos demais, caminhando de forma totalmente despreocupada, o pequeno grupo que se formara em frente aos portões, que aquela altura já havia sido reparado, começara a se dispersar lentamente.

Rick seguira no local, ele mesmo empurrando a estrutura metálica e trancando-a. Olhando pelas grades do grande portão, o xerife perdia-se em meio aos próprios pensamentos, tentando encontrar respostas para as inúmeras perguntas que sua consciência formulava a cada novo segundo.

— Uma hora eles vão entender!

Aproximando-se do policial, Jesus recostara a mão direita sobre o ombro de Grimes. O xerife virara o rosto, encarando o barbudo que tentava confortá-lo.

— Eu sei que vão...

Rick olhara para trás. Após atestar que ninguém além dos dois encontrava-se no local, o policial voltara a falar, dessa vez baixando o tom de voz.

— Apronte-se enquanto todos estão distraídos. Vá atrás dele antes que não dê mais para alcançá-lo. Preciso saber com o que estamos lidando... Quero que descubra tudo sobre Negan e seus homens! E não se esqueça, para a segurança de todos, ninguém pode saber que estamos fazendo isso!

Mantendo a calma que lhe era característica, Jesus olhara nos olhos de Rick, antes de sinalizar positivamente com a cabeça.

— Pode deixar comigo, chefe!


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam?

Rick além de encarar os Salvadores, precisará também lidar com os problemas dentro de Alexandria... Andrea e os outros não parecem compreender sua tomada de decisão, e talvez isso ajude a deixar o xerife ainda mais boladão hehehehe...

Capítulo seguinte será focado no Garden, onde finalmente conheceremos uma porrada de personagens novos, incluindo a já citada Imperatriz, e também o senhor Hanso. Tudo isso mesclado ao desenvolvimento do Doc Hall, é claro!

Nos vemos nos comentários...

Moi moi!



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