All Out War escrita por Filho de Kivi


Capítulo 19
Confidence Man


Notas iniciais do capítulo

Hei!

Voltei para mais uma atualização em AOW, só que dessa vez em dose dupla! Isso mesmo, estou tentando compensar o último capítulo que em minha opinião ficou um pouco abaixo dos demais. Bom, seria apenas um capítulo, admito, mas como ficou grande demais, acabei dividindo em dois hehe...

Nesse primeiro teremos um começo um tanto quanto bombástico, talvez até confuso, mas não se preocupem, tudo está interligado. Assim que lerem os dois capítulos, tudo ficará muito claro!

Queria agradecer a Menta, que segue comentando por aqui! Fico muito feliz por você ainda não ter desistido dessa joça! Hahahaha... Quero agradecer também ao ArturM, um novo leitor que deixou um comentário muito maneiro! Valeu cara, sua presença por aqui me incentiva bastante a tentar sempre melhorar! É por conta de vocês que essa história segue sendo publicada! Kiitos!

Se você acompanha a história, mas nunca deixou um comentário, não perca a oportunidade de participar dessa fic mais ativamente. Acredite, eu levo em consideração todas as críticas e sugestões que recebo! Portanto, não se acanhe em deixar seu comentário, crítica ou elogio, eu ficarei extremamente feliz com isso!

Bom, já estou me estendendo muito por aqui, então vamos logo ao capítulo hehe... Nem darei spoilers sobre os POVs para não atrapalhar a leitura...

Boa leitura!



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— Foi um pass interference muito claro cara, não há discussões!

Um jovem de cabelos loiros crescendo desordenados sobre o couro cabeludo, totalmente ressecados e despenteados, caminha despreocupadamente por um campo gramado enquanto tenta demonstrar o seu ponto. Os olhos pequenos em algum tom de azul ou verde, movem-se rapidamente, atentos ao perímetro para o qual ele fora destacado a cobrir.

— É claro que há, moleque! Se a zebra não marcou, a falta não existiu!

A seu lado outro homem o acompanha de perto, carregando um enorme facão em uma das mãos e exibindo um vasto bigode ao melhor estilo fumanchu. Os dois seguem por uma trilha, um caminho tantas vezes traçado outrora, que a vegetação não mais cresce, fazendo um verdadeiro caminho sobre a terra batida.

— Eu vou pedir uma audiência com a Imperatriz... – O rapaz loiro parece frustrado – É a segunda semana seguida em que o meu time perde por erro de arbitragem... Ela vai ter que fazer alguma coisa!

Com um rifle de caça nas costas, o jovem observa as árvores que despontam no horizonte, todas altíssimas, com copas que praticamente impedem que os raios solares choquem-se contra o chão. Seu corpo magro, se comparado com sua altura de praticamente dois metros, move-se compassadamente, sempre atento a qualquer movimentação não natural.

— Eu sei exatamente o motivo do seu time estar perdendo tanto... – O enorme bigode do homem de mais de quarenta anos parece reluzir ao sol – Vocês continuam usando o uniforme dos Redskins... Todo mundo sabe o azar que isso dá!

Os dois riram instantaneamente. As rugas pareceram destacar-se ainda mais no rosto cansado do homem de bigode. Sua aparência envelhecida demonstrava o quanto ele precisara enfrentar até aquele momento para manter-se vivo. Olhando a primeira vista, o mesmo aparentava ser alguém endurecido, provavelmente por já ter visto muita coisa em tão pouco tempo.

— Cala a boca Bill! – Asseverou o rapaz mais novo, ainda rindo.

Uma pequena movimentação a direita dos dois, desviara suas atenções naquele mesmo instante. Por detrás de uma das árvores de grossos troncos, um homem cambaleante saíra caminhando a passos totalmente descoordenados, enquanto que os braços esticados para baixo, balançavam de forma desordenada.

Era possível enxergar o sangue em seu rosto, além da carne carcomida em seus ombros e peito, evidenciada pelo fato do homem estar sem camisa. A pele acinzentada, com enormes veias azuladas saltando pela pele, parecia rija demais, como se fosse um couro de animal.

Os grunhidos expelidos por sua boca, além de hálito pútrido, davam a impressão de uma súplica intermitente, como se a criatura apenas estivesse pedindo por ajuda. Mas não era bem esse o seu objetivo.

— J.J., pode deixar que eu pego esse! – Exclamou o bigodudo.

O garoto deu um passo para trás, sacando o rifle das costas.

— Tem certeza? – Seu olhar estava fixo na direção do errante desgarrado.

— Fica aí, moleque!

O homem mais velho de nome Bill, caminhou lentamente na direção do errante, que já se encontrava há três metros dos dois. Erguendo o seu velho facão com o cabo enferrujado, o bigodudo utilizou de toda a força ainda contida em seus braços fortes para desferir um potente golpe, de cima para baixo, acertando o meio do crânio da criatura, que logo fora ao solo, totalmente sem vida.

— Os Salvadores disseram que manteriam essa área segura! – J.J. seguia com o rifle pronto para disparo, como se ainda aguardasse algum tipo de retaliação.

Bill colocou um dos pés sobre o rosto do errante exterminado, puxando o seu facão com as duas mãos logo em seguida. Sangue enegrecido espirrara por toda a parte.

— Você ainda não entendeu, não é garoto... – Ele agora passara a limpar a ferramenta suja de sangue apodrecido – Os Salvadores se alimentam de medo... Eles não querem proteger ninguém, não se importam com nada...

J.J. recolheu o rifle, passando a ouvir atentamente as palavras do mais velho.

— Eles querem que pensemos que existe um acordo, que essa merda toda é meramente justa... – Bill passara a olhar para a lâmina, examinando-a atentamente – Esse mundo deixou de ser justo há muito tempo!

O garoto arrumou os cabelos para trás, confuso após as palavras ouvidas.

— Eu não entendo... – Os olhos de J.J. pareceram ficar ainda menores, contraídos contra si mesmo – A Imperatriz jamais aceitaria esse tipo de coisa, o mínimo...

Bill o interrompera no ato.

— A Imperatriz... – Sua voz pareceu debochada – É apenas uma mulher perdida, tanto ou até mais do que nós dois... – O homem respirara fundo – Ela fez muito por nós, é verdade, mas não possui forças para enfrentar os Salvadores! Ela sabe muito bem o que acontece por aqui, ela sabe que não existe acordo... Só existe o medo, J.J.!

Os dois se entreolharam, J.J. ainda carregava consigo uma visão bem mais romântica sobre a Imperatriz, sempre enxergando-a como alguém a frente de todos, com seu indiscutível poder de liderança. Vê-la como alguém sobre humana, acima dos demais, funcionava como um cajado, apenas um método esperançoso de se enxergar a atual situação.

Bill era mais centrado, talvez por ser mais velho e experiente que seu parceiro de missão pudesse ter um olhar mais amplo sobre tudo que se passava por ali, sobre como as coisas mudaram nos últimos meses. Ele tentava não se iludir, apesar de saber que as ilusões funcionam muito bem como combustível para qualquer pessoa em meio a tanta destruição.

— Você diz isso por conta do que ocorreu com o senhor Hanso?

O jovem rapaz parecia querer insistir na conversa. Bill olhou-o com reprovação, já preparando uma réplica voraz, apresentando todos os pensamentos que agora fervilhavam em sua cabeça. Contudo, a conversa precisou ser interrompida assim que uma nova movimentação fora identificada, bem próxima ao posicionamento dos dois.

J.J. ergue sua arma novamente, voltando o olhar para as árvores, de onde possivelmente um novo errante surgia. Bill deu dois passos para trás, traçando uma estratégia de modo a não serem mais surpreendidos. Cada homem cuidava de uma extensão do perímetro. Seus calculados movimentos demonstravam a experiência em lidar com tais situações.

Apoiando-se em um dos troncos, um assustado homem deu apenas dois passos antes de cair de joelhos, erguendo uma das mãos espalmadas, trêmula, em um claro sinal de rendição. Em reflexo, J.J. disparou contra o sujeito, acertando-o em cheio em um dos ombros. Um grito de dor fora ouvido, seguido pela queda do mesmo, de costas no solo.

Com o facão em punho, Bill correu rapidamente na direção do alvejado, alcançando-o em poucos segundos.

— Não é um errante, moleque! – Gritou o bigodudo – Você tem noção do que fez? – Suas feições se modificaram rapidamente, ele agora parecia furioso – Se esse cara for um dos homens de Negan, nós estamos fodidos! Você me ouviu? Fodidos!

Os olhos do garoto arregalaram, rapidamente ele também correra na direção do homem ferido, agora caído sobre a grama. O rosto abatido, tomado por uma barba ruiva, apenas um pouco mais clara que o cabelo, dava um ar estranhamente familiar àquele moribundo. Ele não aparentava ser um miliciano, carregava apenas uma velha pistola no coldre, além de uma mochila de camping nas costas. Pelo visto, ele não se alimentava ou hidratava há pelo menos um dia.

— Eu achei que fosse um bicho... – O jovem tentava se explicar – Sei lá, à distância ele parecia um...

— Você já viu um bicho se render? Ficou claro que ele estava vivo quando se ajoelhou e ergueu uma das mãos! – Bill cuspia a cada frase, estava totalmente consternado.

J.J. coçou a cabeça, o nervosismo tomava conta de si.

— Eu matei ele? Eu matei? Que merda...

Bill verificava a artéria carótida, buscando por pulsação.

— Por sorte você ainda é ruim pra caralho de mira! – Respondeu de forma seca – O tiro foi superficial, pelo visto o cara só estava fraco demais... Iria desmaiar de um jeito ou de outro!

O garoto respirou fundo, aliviado.

— Então ele não deve ser um dos Salvadores... Não tinha porque eles aparecerem hoje, não é o dia!

Os olhos negros de Bill direcionaram-se para os orbes de seu parceiro.

— É o que vamos ver... Temos que levá-lo até a Patricia e avisarmos a Imperatriz... Ela precisa saber das novidades!

Com rápidos movimentos, os dois passaram a carregar o homem, erguendo-o pelas pernas e braços, tudo realizado com muita destreza.

O campo gramado onde se encontravam era cercado por dois grandes bosques paralelos, que seguiam em uma grande extensão, subindo por um pequeno vale. Caminhando a passos acelerados na direção do campo arborizado oposto ao que encontraram o forasteiro, Bill e J.J. prosseguiram floresta a dentro, ultrapassando as árvores e saltando sobre as grandes raízes, protuberantes sobre o solo folhado.

Após avançarem apenas cem metros pelo bosque, todo o cenário se modificara. As enormes árvores agora eram substituídas por uma grama rala, levemente floreada, além de alguns pequenos arbustos, incrivelmente verde para a época do ano.

A frente de tudo isso, um enorme portão de metal, preso a uma estrutura de madeira maciça, com aproximadamente quatro metros de altura, erguia-se do chão, imponente. Um muro a base de troncos de árvores, possivelmente as mesmas do bosque pelo qual passaram, acompanhava a altura do portão, circundando uma enorme área, que perdia-se de vista.

Dirigindo-se até o portão, Bill deu três batidas na estrutura metálica, fazendo com que um abafado som se propagasse. Uma pequena portinhola de dez centímetros abriu-se, revelando dois olhos assustados.

— Abre logo Brian! – A voz rouca do homem saíra ainda mais potente – Temos um forasteiro conosco, precisamos da Patricia!

A portinhola fora cerrada imediatamente, Bill então dera dois passos para trás, já sabendo o que se sucederia. Um novo barulho metálico fora ouvido, dessa vez ainda mais potente. Lentamente o portão começara a abrir, revelando um simples e inteligente mecanismo envolvendo roldanas e correntes, giradas por um forte homem que exprimia uma careta a cada movimento.

Não fora preciso abrir em sua totalidade, assim que uma fresta se mostrou a sua frente, Bill e J.J. rapidamente carregaram o homem desmaiado para o lado de dentro dos muros. O portão fora fechado em seguida, empurrado pelo mesmo brutamonte de ombros largos e braços musculosos.

Do lado de dentro dos enormes muros, o cenário parecia duplicar a mesma beleza vista lá fora. A direita do grande portão, um pomar podia ser observado, repleto de árvores frutíferas, protegidas por um cercado de madeira. Ao lado do pomar, um pequeno casebre coberto por uma lona transparente, demonstrava guardar em seu interior algumas plantas, como se tentasse representar uma estufa.

Ao redor disso, ruínas de construções em concreto, provavelmente casas não concluídas, mais de dez imóveis recobertos e complementados com partes em madeira, ao lado de barracos ainda em construção e trailers, serviam de moradia para a população do lugar.

Bill, que já havia reparado em um estranho detalhe, voltou o olhar para os membros inferiores do sujeito carregado, atestando com os olhos o que o tato já havia conferido. O moribundo possuía uma prótese de madeira na perna esquerda, membro esse amputado na altura no joelho.

Os dois seguiram por um campo de terra batida, que os levara a outra área daquela comunidade, onde cercados com animais e plantações complementavam o ar rural do pitoresco lugar. Próximo dali, protegido por uma barreira de carros, postos em fila indiana, como que com o objetivo de impedir a passagem de estranhos, duas belas choupanas mostravam-se exuberantes, as mais belas construções do local.

Sentado sobre um dos carros velhos, fumando um cigarro e olhando para o horizonte, um homem de cabeça raspada e barba larga, vestindo um casaco enlameado, ergueu-se rapidamente ao notar a aproximação de Bill e J.J..

Espantado, o homem jogou o cigarro no solo.

— Que porra é essa?

— Chama a Patricia, encontramos esse cara na ronda, um forasteiro...

Arregalando ainda mais os olhos, o homem que outrora fumara esticou o olhar na direção do desacordado.

— Não me digam que ele é um...

— Porra Albert, dá pra chamar a Patricia?! – Interrompeu Bill, a testa já tomada pelo suor.

O homem abriu os braços, parecia confuso.

— Ela está em uma reunião com o senhor Hanso e a Imperatriz, me disseram para não deixar que ninguém as incomodasse...

J.J. apenas assistia a breve discussão entre os dois. O rosto de Bill avermelhou-se, o estresse subia por suas veias.

— Chama a Patricia, agora! – Apesar de assertivo, o homem bigodudo pronunciou a frase de forma lenta, evidenciando ainda mais sua revolta.

— Sabe o motivo de terem feito essa barreira de carros na frente da Sede? Justamente para evitar que qualquer um pudesse incomodar a Imperatriz a qualquer momento!

Ignorando totalmente as palavras de Albert, Bill sinalizou com a cabeça para seu parceiro, prosseguindo na direção da choupana, apesar de todo o protesto feito pelo pretenso guarda. A Sede localizava-se distante das demais moradias, em um ângulo de visão privilegiada, já que toda a extensão da comunidade podia ser vista dali.

Diante da bela porta de madeira, detalhada de forma artesanal, Bill dirigiu uma das mãos até uma sineta, localizada na parte superior, tocando-a logo em seguida. O som que tilintara, obtivera resposta assim que a porta fora aberta.

Uma mulher de pele negra e enormes cabelos ondulados, pareceu levemente assustada ao ver o rosto de Bill. O homem que baixou o olhar brevemente, cumprimentou-a com um aceno de cabeça, tratando de falar logo em seguida.

— Patricia, temos um problema...

DOIS DIAS ANTES...

— Ei! Ei!

Os gritos de desespero fizeram com que o coração de Gabriel disparasse. O Padre que comumente visitava as casas dos frequentadores de sua igreja pela manhã, estava próximo ao portão quando ouviu as súplicas partindo do lado de fora de Alexandria.

Utilizando-se do máximo de destreza que conseguia ter naquele momento, o homem santo dirigiu-se rapidamente até o pesado ferrolho, puxando-o para que o portão pudesse ser aberto. A algazarra feita logo chamara a atenção de outros moradores, que assustados, mas curiosos, saíram aos poucos de suas casas para observar o que se sucedia.

Ao puxar o grande retângulo de metal, Gabriel arregalou os olhos ao deparar-se com o autor da gritaria.

— Deus...

Com os olhos vermelhos e uma expressão desolada, James Goodwin estava de pé, diante do padre, a camisa totalmente manchada de sangue, além do rosto, tomado por respingos do líquido avermelhado.

Porém, aquele não era o único motivo do espanto do Padre. Nos braços de Goodwin, desacordada e pálida, Magna esvaia-se em sangue, fruto de uma faca cravada no lado direito inferior de seu abdome.

— O que aconteceu?

A voz de Gabriel tremia.

— Uma coisa horrível Padre... – O caçador respirava de forma ininterrupta, parecia realmente desesperado.

— Vamos, precisamos levá-la ao Doutor Hall!

Os dois partiram em disparada, seguidos pelos olhares curiosos de uma pequena aglomeração que se iniciara assim que viram a mulher ferida. Todos estavam bastante assustados ultimamente, principalmente após a morte de Spencer e a chegada de Jesus. Se uma nova tragédia se repetisse, o clima poderia ficar ainda mais hostil.

A casa de Vincent localizava-se próxima aos portões, portanto, não fora preciso muito para que logo os dois homens estivessem batendo diante de sua porta. Pego de surpresa, o cirurgião apenas pediu que a levassem até um de seus quartos/leitos e aguardassem até que ele realizasse a assepsia das mãos e esterilização de seus objetos de trabalho.

Vestindo suas luvas de procedimento, Hall passou a rapidamente avaliar a profundidade do ferimento, além de toda a área ao redor. Com uma pinça e gaze, o médico iniciou a limpeza do local, de onde muito sangue ainda escorria.

— Eu preciso da Rosita aqui... – Hall estava extremamente concentrado.

Seus olhos voltaram-se para Gabriel, que parecia enojado por conta do sangue.

—Padre, eu preciso da Rosita, agora!

O homem balançou a cabeça positivamente, saindo de forma veloz e estabanada do leito. Goodwin passava as mãos sobre os cabelos de forma constante, demonstrando enorme nervosismo.

— Quando isso aconteceu? – Indagou Hall.

— Há vinte ou trinta minutos... Eu precisei trazê-la nos braços...

Vincent utilizou o antebraço para enxugar o suor que começava a querer pingar de sua testa. Suas luvas já se encontravam totalmente manchadas de sangue, líquido esse que já começava a respingar em sua camisa.

— Como... Como isso aconteceu?

Vincent pareceu ter sido tomado de súbito por uma enorme dúvida, afinal de contas, como Magna poderia ter sido ferida por uma faca?

— Foi um acidente... – James cobriu o rosto com as mãos, como se quisesse esconder possíveis lágrimas – Eu e Nick fomos cercados por uma dúzia de errantes, talvez mais... – O homem tomou fôlego antes de prosseguir – Nick foi mordido várias vezes, na perna... No braço...

Uma nova passada de mão nos cabelos. Goodwin parecia estar bastante afetado pelo acontecido. Era difícil prosseguir.

— Eu agi sem pensar, só queria salvá-lo... Eu cortei a perna e o braço mordidos... Queria trazê-lo para cá, talvez ele ainda tivesse alguma chance... – Uma breve pausa fora feita – Ele não resistiu... Na fuga eu fui novamente cercado, mais e mais bichos apareceram e eu já estava sem balas...

Vincent direcionou os olhos rapidamente para as feições de James.

— Eu joguei a faca, joguei achando que fosse mais um errante... Quando ouvi o grito é que percebi a besteira que tinha feito... Ela deve ter ouvido os disparos e foi até lá nos ajudar... Eu não tive culpa, Vincent, não tive...

O médico não exprimiu nenhuma reação, voltando a se concentrar apenas em sua paciente. Naquele momento, o mais importante era encontrar uma solução para o caso de Magna. Não seria fácil, Hall já conseguira mensurar a gravidade.

— Ela vai ficar bem? – Indagou Goodwin com os olhos arregalados.

Circundando todo o local do ferimento com gaze, Hall cerrou os dedos ao redor do cabo da faca de caça, puxando-a de uma única vez e a retirando do corpo de Magna. A mulher tremeu o corpo em um espasmo, enquanto que um jato de sangue espirrou sobre o médico, que rapidamente voltou-se a tentativa de diminuir todo aquele sangramento.

— Não sei Goodwin, eu não sei...

O barulho de passos rápidos pelo corredor da casa logo chegara ao ouvido dos dois. Rosita rapidamente adentrara ao leito, prendendo os cabelos e deslocando-se até a caixa de luvas, localizada em um criado mudo próximo a cama.

— O que aconteceu, ela está bem? – Questionou a latina.

— Ferimento por arma branca, profundo... – Hall apontara para o local afetado, seu rosto seguia impávido – Provavelmente afetou o fígado...

A mulher de maria-chiquinha já possuía conhecimento médico o suficiente para conseguir compreender a gravidade das palavras de Vincent. Ela sabia que o esforço para salvar a vida de Magna precisaria ser imenso. O problema era que os medicamentos estavam em baixa, e os materiais encontravam-se de forma precária.

— Rosita, verifica os sinais vitais e liga o oxigênio! – Ordenou Hall, firme – Precisamos de espaço por aqui! Goodwin, espera lá fora, você já fez o bastante!

O homem imediatamente atendeu ao pedido do médico, deixando o leito e dirigindo-se até a sala de estar da residência de Vincent Hall. Sentando-se no confortável sofá vermelho, a frente da mesinha de centro, James recostara a cabeça para trás, inspirando profundamente. Sua expressão séria fitava o teto, enquanto que sua mente difundia-se em milhares de pensamentos.

Abruptamente a porta da residência médica fora aberta. Atravessando pelo portal em único passo pesado, Andrea parecia absorta com tudo o que lhe fora repassado. Olhando nos olhos de Goodwin, a mulher tentava controlar os mais variados impulsos que agora subiam por sua veia. Em sua mente, estava mais do que claro o motivo de tanta tragédia ter acontecido no mesmo dia.

— Vincent pediu para não ser incomodado, ele está em cirurgia... – Disse Goodwin de forma vazia, ignorando os fulminantes olhares em sua direção.

Os punhos fechados e o rosto avermelhado demonstravam o quando a sniper se esforçava ao máximo para não tomar nenhuma medida drástica. Na ausência de Rick, ela era a pessoa responsável por Alexandria, e por isso mesmo, nada temerário poderia partir de si. Sem desviar o olhar do homem a sua frente, a loira tentara não demonstrar em sua voz, toda a fúria contida.

— Onde está o Nicholas?

James levou o polegar e o indicador na direção dos olhos, como que impedindo o derramamento de lágrimas. Aquilo irritava ainda mais Andrea, que sentia-se como uma marionete ante aquele homem.

— Foi horrível, senhora Grimes...

A provocação ficara evidente, porém, Andrea não revidou.

— Eu nem sei como contar isso...

A loira seguia na mesma posição, aguardando os próximos passos de James, queria saber a sua versão dos fatos, apesar de provavelmente não acreditar em nenhuma palavra que ele viria a proferir. Grimes lhe aconselhara a seguir o jogo, e era justamente o que ela faria.

— Porque você não tenta?

O homem balançou a cabeça positivamente, tocando o queixo com a ponta dos dedos. Todo o momento que passara viera como um filme em sua cabeça, incluindo todos os detalhes, mesmo o mínimos, tudo perfeitamente gravado em sua memória.

— Bom, nessa manhã eu resolvi caçar, algo que não fazia desde que Aaron me resgatou no meio da floresta... Não sei se a senhora já sabia, mas quando eu, Vincent, Susie, Tom e os outros andávamos em comboio, eu era responsável pela caça... Já tinha experiência com isso antes do mundo acabar, enfim... Nick resolveu me acompanhar, disse que queria aprender... O clima estava muito bom!

...

James Goodwin caminhara a passos firmes pelas ruas de Alexandria, com o rifle nas costas, uma cena incomum desde que aportara no local, o engenheiro resolvera sair da comunidade, principalmente após a discussão com Susie, que não terminara nada bem.

A frente dos portões, Tom, recostado em uma cadeira, lia um livro de forma despreocupada. O homem que perdera um braço tivera que abandonar o trabalho com os construtores, tendo agora como função a ronda do lado interno da comunidade, tarefa essa que também passava pela guarda nos portões.

— Price! – Goodwin sorrira brevemente.

O homem negro desviou-se da leitura momentaneamente, sorrindo de volta para James.

— Espero não te ofender, mas eu nunca havia te visto lendo! – Brincou.

Price dera uma gargalhada alta.

— Influência da loirinha... Hunter’s Instinct! – Exclamou ele após olhar a capa – Tem um cara negro entre os personagens principais, e até agora ele ainda está vivo! – Brincou Tom, referindo-se aos estereótipos.

— É uma boa história... Li na época de faculdade, vai ser bom para você passar o tempo!

Tom balançou a cabeça positivamente, apontando em seguida para a arma nas costas do amigo.

— Vai caçar?

O ex-soldador parecia surpreso.

— Sim, Eugene não precisa de mim no momento... Preciso espairecer um pouco... Você poderia abrir o portão?

— Claro! – Respondeu, colocando o livro sobre a cadeira.

Dirigindo-se até o grande e barulhento ferrolho, Tom Price o puxou com a mão direita, liberando a saída da comunidade. Aproveitando o mesmo movimento, o ex-soldador arrastara o retângulo metálico, abrindo-o para a partida de James.

— Ei!

Um grito há poucos metros dos dois interrompera os passos de Goodwin, que já se dirigia para o lado de fora dos muros. Nick aproximara-se em um pique, chegando até eles em poucos segundos.

— Espera Goodwin, eu vou com você!

James olhou-o de forma firme, suas feições modificando-se imediatamente. Ele sabia que Nicholas ainda se encontrava extremamente afetado pela morte de Spencer, e também sabia que suas ameaças só seriam suficientes para apaziguar a situação. Um ponto final precisava ser dado, de uma vez por todas.

— Claro Nicholas, porque não?

Os dois saíram, despedindo-se de Tom, que fechara o portão em seguida. Modificando completamente a expressão facial, Nick olhou resoluto para Goodwin, que devolveu a encarada de forma semelhante.

— Precisamos conversar, Goodwin!

A voz de Nicholas parecia inabalável.

— É... Precisamos mesmo!

...

— Caminhamos por uns quarenta minutos, até chegarmos a parte mais extensa desse bosque... – O rosto de James seguia entristecido, abalado – Seguimos mata a dentro, procurávamos por alguns esquilos e coelhos, algo que pudéssemos pegar em grande quantidade...

James riu brevemente.

— Susie até havia me dito que queria alguma proteína para preparar um jantar especial, mas... – Novamente uma pausa fora feita – Quando alcançamos a área mais fechada, começamos a ouvir os grunhidos... Não demorou muito e já estávamos cercados!

...

— O que quer Nick, achei que já tínhamos acertado as coisas... Ou eu não consegui me fazer entender na nossa última conversa?

Goodwin estava de pé, apoiado em uma das árvores, de braços cruzados observando Nicholas, que fitando-o de forma raivosa, media as palavras em resposta a lembrança da ameaça recebida.

— Você é um monstro! – As palavras praticamente foram cúpidas de sua boca – Não vou permitir que ameace minha mulher ou o meu filho!

James seguia sereno.

— Se é assim, porque você não mantém a droga dessa sua boca fechada... Todo mundo sai ganhando!

O homem de ralo bigode balançava a cabeça negativamente, parecia atordoado.

— Nós temos que contar, temos que contar o que aconteceu de verdade no dia da morte do Spencer... Eu não vou carregar esse peso, e muito menos permitir que um monstro como você continue sobre o mesmo teto que o meu garoto!

Goodwin ergueu os olhos, mantendo a mesma postura.

— E o que acha que vai acontecer com você? Sim, pois você destrancou a janela! Você deixou que o assassino entrasse naquela casa!

Bufando, Nick deu dois passos na direção de James, apontando o indicador para ele.

— O único assassino aqui é você! Você me induziu a isso! Você matou o Spencer a sangue frio, e se aproveitou do fato de eu já ter me desentendido com o Rick... Você me usou, seu filho da puta!

— Olha aqui... – Goodwin já preparava um novo discurso baseado no terror, quando surpreendentemente Nicholas o interrompera, demonstrando enorme atitude.

— ‘Olha aqui’ você! – Os rostos dos dois encontravam-se bem próximos, Nick sequer piscava – Não adianta mais me ameaçar, você não vai fazer nada com o meu garoto ou minha mulher, eu sei que eles estão muito bem protegidos! Você não vai mais me intimidar! A única coisa que você vai fazer é voltar junto comigo e contar tudo o que você fez para Andrea!

Sua respiração estava levemente dispneica, enquanto que seus batimentos extremamente acelerados por conta da adrenalina.

— Se você não contar, eu mesmo conto Goodwin... Acabou, o seu joguinho acaba agora!

James cerrou os olhos brevemente, fazendo com que milhares de pensamentos percorressem por toda a sua cabeça. Lembrou-se de tudo o que planejara, da forma como se comportara em Alexandria até o momento, da forma como admirou-se com a comunidade. Goodwin passou todo o percurso que tivera na estrada, buscando um lugar seguro para Susie e seu filho.

A tempestade que os separara, que tanto endurecera o seu coração, fizera com que o homem repensasse sobre muitas coisas, conceitos, ações. Ser encontrado por Aaron e trazido para Alexandria, justamente a comunidade onde sua esposa se encontrava, fora um golpe e tanto do destino. E foi justamente aí que James enxergara uma oportunidade.

Não poderia deixar ao bel prazer do inimaginável novamente, a sorte talvez não sorrisse para ele uma segunda vez. Renovado, Goodwin decidira que essa comunidade seria o local para o seu filho crescer, para a sua mulher se sentir segura outra vez. O lugar onde eles poderiam ter um novo começo.

Ele não mediria esforços para tornar isso realidade, não importando por quem precisasse ultrapassar, ou quais conceitos morais tivesse que quebrar. Nada disso importava, não mais...

A virada de jogo de Nick, mostrando-se alguém um pouco mais inteligente do que o próprio James imaginava, poderia significar o fim de um sonho. O fim de algo construído a duras penas, algo que não poderia ser jogado fora tão facilmente.

Não, ainda não tinha acabado.

Assim que Nicholas dera as costas, falando algo que Goodwin não mais ouvira, o engenheiro, deixando-se levar pela fúria, pela possibilidade de perder algo pelo qual tanto lutara, acabara agindo de forma irracional pela primeira vez desde que chegara aquele lugar.

Tomando nas mãos uma enorme pedra que encontrava-se próxima a seus pés, James dirigira-se a passos largos na direção do homem, que não obteve reação alguma. O poderoso golpe de cima para baixo no crânio de Nick, fissurando o seu occipital, fizera com que o homem caísse no solo, já desacordado.

Como um animal em fúria, James seguiu golpeando-o, com toda a força que conseguira juntar, esmagando a cabeça de Nicholas e fazendo com que uma grande quantidade de sangue espalhasse-se por toda a parte, incluindo sua roupa e rosto.

Após um minuto de barbárie, não restara nada a não ser uma massa pastosa, uma horrenda mistura de sangue e massa encefálica. Estafado, Goodwin ainda segurava a pedra nas mãos, observando o corpo do homem que acabara de ser brutalmente assassinado.

...

— Nós lutamos... Nick conseguiu acertar alguns, eu também... – O olhar perdido de James contrastava-se com o não fiado de Andrea – Ele foi mordido no braço, depois em uma das pernas...

As pausas constantes objetivavam transpassar a tristeza em lembrar-se de algo tão pesado. A sniper não se manifestava, apenas ouvia a tudo na mesma posição.

— Os errantes apareciam cada vez mais e mais... Consegui arrastá-lo até um ponto mais distante, escapando momentaneamente... Foi aí que eu decidi amputar o local afetado, Vincent já havia me ensinado como fazer... – O homem agora abaixara a cabeça – Primeiro eu cortei o braço direito, e depois a perna esquerda... Eu sempre levo um cutelo para a caçada, para o caso de precisar destrinchar algo grande...

Goodwin retirara a ferramenta ensanguentada que encontrava-se presa em seu cinto.

— Eu queria trazê-lo de volta, achei que ele teria uma chance... Eu não consegui, ele disse que não aguentaria, que nós dois morreríamos... Nick pediu para ser deixado para trás, para que eu pudesse me salvar! Ele foi um verdadeiro herói! Nick era um bom homem...

James respirou fundo antes de prosseguir.

— Depois disso eu corri, lutei com mais alguns... Acabei perdendo minha munição, e nem assim consegui me livrar de todas aquelas criaturas...

...

Não era para acontecer daquela maneira. Na verdade, se tivesse parado para pensar pelo menos por um microssegundo que fosse, ele jamais o teria feito. Sempre conhecido pelo pensamento rápido e estratégia aguçada, acabara sendo surpreendido por um instinto ainda desconhecido, algo que tomara conta de seu ser e o fizera abandonar completamente a sua maior característica, a racionalidade.

Ainda com a pedra em mãos, a respiração falha, recuperando-se do enorme esforço que fizera, o homem refletia sobre tudo o que acabara de ocorrer, e como de praxe, começava a mensurar quais as consequências que seu ato desmedido poderia gerar.

Seria preciso pensar em uma forma de contornar a coisas. Uma forma inteligente de contornar as coisas.

Sua mente começava a pensar rápido demais, mensurando todos os mínimos detalhes, esforçando-se para que nada passasse em branco.

Ele teria que corrigir as coisas, mas tudo parecia complicado demais, até mesmo para ele, uma solução parecia quase impossível de ser encontrada.

— Larga essa pedra!

Uma voz feminina, conhecida, até certo ponto esperada, brotara às suas costas.

Tudo estava perdido.

O homem virou-se lentamente, deixando cair o pedregulho manchado de sangue, erguendo brevemente as palmas das mãos. Olhando diretamente para os olhos de sua inquiridora, ele finalmente pode se revelar, pela primeira vez não precisaria fingir um olhar, ou tentar demonstrar algum sentimento controverso.

Aquele era ele, o homem no qual se transforma. O homem que fora transformado pelo cruel novo mundo.

— Eu deveria saber que você estava me seguindo... Magna... Foi Rick, não foi? Ele mandou que acompanhasse os meus passos... – Um breve sorriso de canto de boca brotara em seu rosto – Esperto da parte dele, quis manter sua vigília mesmo estando longe... Só quero te perguntar uma coisa... Você acha mesmo que um homem que abandona o seu próprio povo, que faz de prisioneiro um desconhecido, que bateu em nossa porta pedindo ajuda...

O som do engatilhar da .32 fora ouvido.

— Cala a porra da boca, Goodwin!

A mulher parecia decidida. Ela vira o que ocorrera, vira o que ele fizera, finalmente tivera a prova definitiva de que James Goodwin era o conspirador, muito provavelmente também sendo o assassino de Spencer.

A máscara caíra enfim.

— O quer que eu diga, Magna? – James seguia tranquilo, não parecia ser afetado pelas ameaças da mulher a sua frente – Quer uma confissão? Sim, fui eu... Na verdade, acho que isso já está mais do que óbvio... – Um novo sorriso surgira – Vocês não conseguem enxergar o que eu vejo aqui... Esse é o lugar que eu escolhi para criar o meu filho, o lugar onde minha esposa pode ter um futuro... Acha mesmo que vou deixar tudo isso ruir por conta de um policialzinho que gosta de brincar de democracia?

A mulher seguiu estática.

— Eu estou dando o que as pessoas querem! Estou limpando a comunidade de qualquer um que possa representar um risco a ela... Ele – Goodwin apontou com o polegar para trás – e o Spencer eram parasitas, fracos demais para conseguir entender o que Alexandria representa...

— E você acha que sabe o que essa comunidade representa? – Indagou Magna.

— O futuro da minha família! – Respondeu – E eu não me importo em quantos terei que matar, espancar, expulsar... Tudo o que faço vale a pena quando vejo o Jacob bem, do lado de dentro desses muros, dormindo tranquilo porque sabe que nada de ruim irá ocorrer... Grimes uma hora ou outra vai acabar com tudo isso aqui... E antes que ele faça com que todos voltemos para a porra da estrada novamente, eu vou fazê-lo ir para o inferno...

O homem olhava fixamente para Magna, que aparentava estar consternada.

— Eu não vou viver sobre as rédeas de ninguém... Eu vou tomar o controle da minha vida! Não vou permitir que estrague isso...

Magna apoiou o revólver mais firmemente em sua mão, respirando fundo antes de se pronunciar.

— Acabou cara... Essa loucura acaba por aqui...

James balançou a cabeça negativamente.

— Não querida, isso mal começou...

Em um rápido movimento, Goodwin sacou sua faca de caça da cintura, arremessando-a logo em seguida na direção de Magna. A mulher disparara quase que instantaneamente ao movimento de James, mas não conseguiu ser tão rápida quanto o caçador. Sua bala ricocheteou em uma das árvores, enquanto que a faca arremessada atingira em cheio o lado esquerdo de seu abdome, cravando-se sobre o fígado.

A arma caiu de suas mãos, a mulher não conseguiu manter-se de pé por mais do que três segundos, despencando ao solo.

— Você não tinha que se meter nisso... – James caminhou até a mulher.

Magna direcionou uma das mãos até a faca cravada em seu corpo, tentando de alguma forma impedir o sangramento que se iniciara após o golpe. Seus lábios se moviam, mas nenhum som brotava por sua boca. Goodwin olhava-a de cima, com pena, como se de alguma forma estivesse ressentido pelo que ocorrera.

— Confiança é algo muito precioso, Magna... Infelizmente você deu a pessoa errada... – A voz do homem seguia calma – Se você estivesse do meu lado, nada disso precisaria ocorrer... É o que eu vinha tentando te dizer... Se todos conseguissem compreender o real valor de Alexandria, ninguém precisaria morrer... – Seus olhos se voltaram para o ferimento – Enquanto existirem pessoas que possam pôr em risco todo esse lugar, coisas como essa continuarão ocorrendo...

James voltou o olhar para o céu, um pouco mais claro do que a manhã parecia anunciar.

— Rick Grimes tem síndrome de herói, acha que pode resolver tudo, que da forma que pensa e age conseguirá ultrapassar qualquer problema... É só mais um cego, assim como você... Eu não quero ser herói, muito menos líder... Eu só manter as coisas sob controle para proteger a minha família! Não me importo com mais ninguém nessa droga de comunidade, mas sei que eles são preciosos para que a engrenagem continue funcionando...

Sua mão direita direcionou-se aos cabelos, arrumando-os para trás.

— Agora eu preciso resolver o problemão que vocês dois me trouxeram!

...

— Eu conhecia o lugar, então de certa forma estava em vantagem... Eu sabia para onde deveria fugir! Utilizei o cutelo para eliminar mais alguns... Foi quando Magna apareceu!

Andrea retesou ainda mais o corpo, aguardando o restante da história.

— Eu estava tão afoito, tão alucinado por conta da perseguição... Acabei jogando a faca na direção dela, eu não tive culpa, achei que fosse mais um errante... Eram muitos, senhora Grimes, muitos...

Goodwin interrompeu-se novamente, engolindo a própria saliva.

— Ouvi o grito e dela e percebi que não tinha acertado uma das coisas... Foi horrível! Você não imagina o quanto eu estou me culpando, eu não vou conseguir me perdoar caso algo aconteça com ela...

Sua cabeça balançava negativamente diversas vezes.

— Ela deve ter ouvido os tiros... Tenho certeza que ela estava lá para nos ajudar... Ela só queria nos ajudar e eu acabei a atingindo... Não vou conseguir olhar para a Yumiko, eu...

Goodwin cobrira o rosto com a palma da mão esquerda, aparentemente não conseguira mais conter as lágrimas.

Andrea fechou os olhos brevemente, ainda controlando os seus impulsos. A história contada por James, acompanhada por todas as suas cara e bocas, enojaram-na completamente. A loira não conseguira acreditar em nenhuma palavra dita pelo abalado homem. Goodwin era inteligente, aparentemente era perito em lidar com as mais diversas situações, habilidade que Andrea ainda precisaria desenvolver.

Mas para tudo na vida há sempre um começo.

Se Rick queria que ela aprendesse a jogar, então era melhor começar utilizando-se das regras mais básicas.

— Não se preocupe James... Tudo vai ser resolvido!

Os olhos vermelhos e lacrimejantes de Goodwin voltaram a encarar sua questionadora. Ele seguia transtornado, sôfrego, extremamente abalado por tudo que ocorrera.

Ou pelo menos era isso que tentava demonstrar.

— Foi um acidente... Ela só queria me ajudar, afinal de contas, por que outro motivo ela estaria tão longe da comunidade?

A indagação de Goodwin atravessou Andrea como uma flecha. Ela entendera a dose de enfrentamento naquela frase. Em sua cabeça tudo estava mais do que claro, o jogo de aparências estava ruindo, e ambas as partes sabiam que o confronto definitivo estava se aproximando.

— Não consigo imaginar outra razão... – Respondeu Andrea – Vá pra casa James, tenho certeza que está louco para ver sua esposa... – A loira surpreendia-se consigo mesma, não imaginava que pudesse ter todo esse sangue frio – Se precisar de mais informações, passo em sua casa depois!

O homem ergueu-se do sofá, aproximando-se da sniper.

— Obrigado, senhora Grimes!

Goodwin estendeu a mão direita, ato esse que fora observado com ojeriza por Andrea. A loira sentia-se provocada a cada frase proferida, a cada ato realizado. Parecia que o homem a sua frente apenas queria testá-la, saber até onde ela poderia ser arrastada, como se quisesse conhecer o seu limite.

Não querendo demonstrar fraqueza, Andrea respondeu ao cumprimento, apertando a mão James, que exprimiu um breve sorriso antes de seguir em direção à porta, deixando o recinto.

Isto está indo longe de mais... Pensou a loira, enojada por tudo que acontecera. Espero que tudo esteja bem, Rick... Precisamos resolver isso logo, ou então seremos engolidos...

[...]

— Pressão?

Vincent Hall finalizava a sutura no ferimento de Magna, realizando os pontos necessários para mantê-lo fechado e protegido de agentes externos. Auscultando batimentos, auferindo temperatura e medindo a pressão arterial, Rosita dava suporte, verificando de tempos em tempos os sinais vitais da paciente.

— Cento e trinta por cem... Baixou um pouco.

O rosto suado, as luvas tomadas pelo sangue, além de diversas manchas em seu rosto e camisa, devido aos respingos intermitentes, causados principalmente pelo procedimento invasivo realizado pelo médico, que precisara tentar de alguma forma amenizar os danos causados ao fígado de Magna, perfurado pela faca de caça de James Goodwin, mostrava o quanto todo o processo fora cansativo. Tão ou mais do que o realizada em Carl Grimes.

O fato da primeira ter dado certo não significava que a segunda também teria um final feliz. Magna perdera muito sangue, além de ter tido um importante órgão comprometido. A falta de estrutura para uma simples sala cirúrgica poderia significar a perda da paciente. Mais uma morte, uma vítima do novo mundo.

O tempo traria as respostas para todos os questionamentos. As próximas horas seriam vitais para medir o real estado de saúde da mulher de volumosos cabelos castanhos. Talvez fosse preciso uma transfusão, ou a realização de mais uma cirurgia. A situação era delicada, a vida de Magna estava por um fio.

Vincent respirou profundamente assim que finalizou o último ponto, fechando os olhos e esticando as costas, cansadas após quase três horas de cirurgia. Retirando as luvas sujas e jogando-as no lixo, Hall voltou-se para Rosita, que guardava o material utilizado em uma pequena caixa vermelha acolchoada.

— Você tá bem? – Indagou Hall, percebendo um clima estranho no ar.

A mulher apenas balançou a cabeça positivamente, sem retirar a atenção de seu atual afazer.

— Pode deixar que eu termino de guardar essas coisas... Tome um banho, sei que está cansada, ainda não se habituou a...

— Eu to bem, Vince! – Respondeu Rosita de forma seca, interrompendo o cirurgião.

Hall franziu as sobrancelhas, surpreso.

— Aconteceu alguma coisa? É por conta da Magna? Não sabia que...

— É por conta de tudo, Vincent!

A dureza na afirmação da latina deixou claro o quanto ela estava consternada.

— Eu tentei fingir que nada aconteceu, exatamente como você o fez... – Os belos olhos negros da latina o fitavam com precisão matemática – Você chegou aqui cheio de hematomas no rosto, além de estar com a prótese quebrada, e não me disse uma só palavra sobre o que aconteceu!

— Isso é muito mais complicado do que parece... – Vincent estava visivelmente tenso, caminhando por um terreno acidentado, pelo qual não queria percorrer.

— Não, não é! – Rosita estava decidida – Você me encorajou a tomar uma decisão importantíssima, uma que não sei se conseguiria se não tivesse o seu apoio... Se nós estamos juntos, é porque confiamos um no outro... É assim que deve ser Vincent!

A mulher seguia o olhando, um estranho misto de ternura e pena.

— Eu soube que você brigou com o Tom... Eu soube, você não vê o quanto isso é ruim? Eu descobri isso por outras pessoas, porque você não me contou o que aconteceu! Me diz Vince, isso tem relação com a Leah? É por conta disso que ela nunca mais apareceu por aqui, que vocês nunca mais se falaram? – A latina fez uma pausa, preparando sua indagação final – Aconteceu alguma coisa entre vocês dois?

— Isso não é importante...

Hall não queria encarar Rosita. Se pudesse, fugiria naquele mesmo instante, evitando qualquer confronto, qualquer verdade não revelada. Seu segredo, sua capciosa relação com a jovem Fisher precisaria ser guardada a sete chaves. Ele jamais poderia revelar algo que em sua cabeça era tão errado.

— É claro que é importante...

Vincent ergueu a cabeça, interrompendo sua amante e ampliando o tom de voz.

— Não porra, isso não é importante! Nós não precisamos falar sobre nada! EU – O médico apontou para si mesmo – Não quero falar sobre porra nenhuma, você me ouviu?!

Rosita pareceu extremamente surpresa com todas as exclamações recebidas. Nunca ouvira Hall gritar daquela maneira, e vendo-o comportar-se de tal modo, sentiu um aperto no peito, uma tristeza intermitente. Ela nunca soubera se realmente sentia algo pelo médico ou se apenas estava se apoiando nele para superar a decepção com Abraham. Ela acreditava que as coisas poderiam tomar o seu eixo, que a relação poderia funcionar, engrenar com o tempo.

Pelo vista estava errada.

— Pois bem doutor Hall... – A mulher mantivera sua compostura – Se é assim, a partir de agora passaremos a ser apenas colegas de trabalho... E acho melhor arranjar outra assistente, pois assim que Rick retornar e o estado de saúde de Magna ficar claro... Eu pedirei para ser transferida para outra função!

O cirurgião balançou a cabeça negativamente, parecia arrependido de suas palavras.

— Eu vou morar com o Eugene... Não acredito que realmente pude acreditar que isso daria certo! Se ela piorar e precisar de mim, peça para um sentinela me procurar!

O homem tentou aproximar-se, falar algo que impedisse aquele fim trágico. Porém, o último disparo verbal seria mesmo de Rosita.

— Agora que consigo enxergar... Você é um covarde Vincent! Não passa de um homem assustado, escondido atrás da própria sombra... Um covarde!

Não havia o que responder, muito menos qualquer frase que modificasse a tomada de decisão de Rosita Espinoza. A passos largos e firmes, a mulher deixara o leito, sem olhar para trás, dirigindo-se ao quarto para recolher suas coisas.

Você é um covarde! Um covarde! Não era a primeira vez que aquelas palavras eram dirigidas a Hall, e da forma que foram pronunciadas, causaram um grande reboliço em seu interior. Sua mão direita voltara a tremer, sua garganta secara. As frases ditas reverberavam em sua mente de forma contínua, um sentimento de impotência brotara dentro de si.

Hall sentia-se como um covarde. Mais uma vez sentia-se apenas como um covarde.


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam?

Quero saber suas reações sobre os dois capítulos, portanto, se não for pedir demais, deixem reviews tanto em um quanto no outro hehe...

Tem um botãozinho aqui em baixo que te levará diretamente para o próximo. As respostas estão por lá, assim como o drama... E o capítulo já está postado!

Nos vemos nos comentários...




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