The Swan Sisters Saga escrita por miaNKZW


Capítulo 64
Capítulo 12 - Sede Selvagem




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selvagem

 

Eu levantei os olhos até o céu e presumi que, pela posição que o Sol assumia, passavam pouco mais das duas da tarde. Depois, descendo os olhos até o horizonte, eu visualizei a grande rodovia I5 ainda bem distante. E, pela primeira vez desde que minha jornada havia começado, talvez pela primeira vez em toda minha vida, eu me senti segura e totalmente confiante. Eu fechei os olhos mais uma vez, respirei fundo e em minha mente visualizei os rostos daqueles que me ajudaram a chegar até aqui: Angela, Ben, Thomas, Helen, Jonas e... minha amada Tia Maggie. Assim, completamente energizada, eu parti em minha longa caminhada.

A temperatura estava amena e o sol não estava tão forte, mas o vapor que subia quente do asfalto dava a sensação de estar caminhando sobre brasas. Algumas horas depois, eu finalmente cheguei a tal rodovia e para minha surpresa esta era ainda mais movimentada do que eu esperava, tanto que atravessá-la parecia uma missão quase impossível. Mas eu persisti e com algumas buzinadas e dois ou três insultos, cheguei ao outro lado e me vi pronta para levantar o dedão...

No início, eu não sabia o que fazer, então simplesmente optei pelo clássico: polegar ao ar. Trinta minutos. Quarenta e cinco minutos. Uma hora e vários minutos depois; ainda nada. Ninguém parava. O sol começava a se por e eu sabia que minhas chances de conseguir carona ficariam ainda menores durante a noite. Decidi então procurar por um lugar onde o trânsito estivesse mais lento e caminhei até o cruzamento viário que avistei mais a frente. E incentivada pelas nostálgicas memórias de minha infância, fiz uma placa indicativa escrita “FORKS!!” no verso da carta de tia Maggie.

Então, surpreendentemente, uma ambulância parou no acostamento.

_ Ô, guria! – o motorista chamou – Forks, hãn? Vai ser difícil conseguir alguém que vá até lá...

_ Oh... é? Err... eu... é que...

_ Sei, sei... vamos! Sobe aí que eu te levo até o próximo posto de gasolina.

_ Posto de gasolina? – “mas o que é que eu poderia querer com um posto de gasolina?” pensei.

_ Tem muitos caminhoneiros por lá! E você sabe... caminhoneiros adoram papear! Anda, sobe aí!

E sem pensar duas vezes peguei carona com uma ambulância.

O motorista era jovem, uns trinta anos no máximo e tinha um estilo bem estranho de se vestir. Ele se chamava Jason e, pelas calças jeans “estrategicamente” rasgadas, alfinetes pendurados no colete preto por baixo do jaleco branco, e o bracelete de couro adornado com espinhos metálicos, eu soube que Jason era punk antes mesmo que ele voltasse a aumentar (estridentemente) o volume do rádio.

- Ramones! – disse Jason aos berros para que eu pudesse ouvi-lo.

- Ah! Tá... Legal!

- O que? – ele gritou ainda balançando a cabeça em movimentos curtos e rápidos, como se tentasse acompanhar o ritmo frenético da música.

- Eu disse legal!! – respondi me esforçando para que minha voz ficasse num tom acima da música.

 

 

O moço punk era da região de Seattle e estava voltando de Port Angeles, onde deixara uma criança no hospital. Foram quarenta quilômetros de intensa emoção. A ambulância com a sirene ligada e tudo. E Jason rodando a mais de 140 por hora, ultrapassando os caminhões de dois em três de uma vez só. As carretas pareciam até estar paradas no acostamento. E como o prometido, Jason me deixou no primeiro posto de gasolina que encontramos na estrada.

_ É isso aí, sister! Chegamos.

_ Obrigada Jason... eu nem sei como te agradecer...

_ Ow, que isso... nem esquenta. Sorte, mina!

_ Pra você também! – eu sorri e acenei enquanto Jason fazia curva de volta para rodovia.

Tentei procurar um lugar onde pudesse encher minha garrafa de água, avistei uma torneira e rumei em sua direção.

_ Tá pedindo carona, é? - o frentista veio falar comigo.

_ É... estou indo para Forks. – respondi meio sem jeito.

_ Humm... Forks... Forks... Ah! Fica pertinho de Port Angeles, não é?

_ É... parece que sim.

_ Esse ônibus vai passar lá. Pede carona pra eles.

_ Ah... melhor não. Ônibus não dá carona não...

_ Pede lá, quem sabe eles não te levam?

_ Que nada. Empresa assim nem adianta...

_ Bom... o que custa você tentar? Se você não conseguir, vai continuar do mesmo jeito, mas se conseguir...

Eu pensei “Hummm... Pior que é mesmo!” o que custava tentar, não é? E isso foi uma grande lição de vida para mim. Medo de quê? E como eu podia ter tanta certeza que algo não ia dar certo sem ao menos tentar?

_ Olá... boa tarde.

_ Boa... – respondeu o homem de uniforme, com um sotaque estranho e engraçado ao mesmo tempo.

_ Estou indo para Port Angeles e o frentista disse que vocês vão passar por lá... então... eu pensei... será que tem como me dar uma carona?

_ Te dou a carona sim, sobe lá, é aquele ali! - ele respondeu de imediato.

“Nossa! Minha maré de sorte só vinha aumentando.” E então super animada, eu embarquei e percebi que o ônibus estava praticamente vazio, não fosse pelo rapaz adormecido na ultima poltrona.

Conversei um pouco com o motorista, Tim, e descobri que sua rota terminaria em Port Angeles, onde ele descansaria por uma noite e na manhã seguinte ele passaria por Forks, em seu trecho de volta para Washington. Tim foi extremamente gentil e me ofereceu carona novamente, mas na ânsia de encontrar Theodore, eu educadamente recusei. Eu não podia mais perder tempo e também não queria ter que usar o pouco dinheiro que ainda me restava com despesas de hospedagem. Então, mesmo que já estivesse escuro, eu decidi que testaria minha sorte pedindo outra carona na rodovia que ligava Port Angeles a Forks. Afinal, eram apenas oitenta quilômetros que me separavam de meu tão sonhado destino.

A viagem foi bem curta, mas aproveitei a oportunidade para descansar um pouco. Segura e sem o ruído irritante da música de Jason, eu adormeci rapidamente. Acordei assustada depois de um pesadelo. Sonhei que estava numa praia, mas pisava em cacos de vidro em vez de areia. Meus pés sangravam e eu não conseguia sair dali. E havia tanto sangue...

_ Hey garota? Chegamos! – a voz de Tim me trouxe de volta para a realidade.

_ Nossa! Já? – perguntei ainda atordoada pelo sono – Mas, onde estamos?

_ É a rodoviária de Port Angeles.

_ Oh! Rodoviária? – perguntei desanimada, em outras palavras, mais uma longa caminhada até a rodovia me aguardava.

_ É... vou parar aqui, tenho que descarregar algumas coisas. Mas depois, vou pra garagem da empresa e se você quiser, eu vejo se consigo arrumar um quarto pra você também.

_ Oh! Tim... obrigada. Mas eu realmente estou com pressa. Eu tenho que ir...

_ Tem certeza? Essas ruas são perigosas e já está bem tarde.

_ Pode deixar. Eu ficarei bem.

 

 

Pelas instruções de Tim, a rodovia ficava a menos de dois quilômetros. E mesmo exausta, esse ainda era um trecho que eu faria em poucos minutos. Caminhei sem pressa e aos poucos fui me afastando do centro da cidade. Caía uma chuvinha fraca e as ruas começavam a ficar desertas, então resolvi procurar por um caminho mais seguro. Guiada pelo som de carros que pareciam transitar em uma rua paralela, adentrei num beco escuro que ficava entre dois grandes prédios. Quase no fim do trecho, notei duas pessoas atrás de mim. Aumentei os passos e tentei me manter calma. Mas antes que eu pudesse me dar conta, alguém agarrou meu pescoço por trás. Perdi o fôlego, caí e fui arrastada até um terreno cheio de mato. Imaginei que era um assalto.

No meio do mato, vi que eram dois rapazes, embora não enxergasse bem no escuro. Um deles estava armado. Enquanto o outro procurava minha mochila, usando um isqueiro como lanterna; o que estava armado forçava meu rosto contra o chão. Eles cheiravam a álcool, senti que algo de muito ruim ia me acontecer. Acho que tive uma descarga de adrenalina tão grande que fiquei em estado de choque. Não chorei nem tentei fugir.

_ É! – um dos rapazes alertou – É melhor você ficar bem quietinha aí.

Paralisada, tentei olhar pro rosto dele.

_ Não olha pra mim ou te mato! – ele gritou e forçou meu rosto de volta para a lama.

_ Hey cara... não... não precisa fazer isso! - ouvi o outro dizer, mas depois ficou quieto.

_ Você vai ficar traumatizada pelo resto da vida. – ele sussurrou no meu ouvido, ignorando o colega. Eu não conseguia me mexer nem respirar direito, porque tinha muito barro no meu rosto. Ele começou a me agarrar enquanto segurava meus braços com força.

_ Pelo amor de Deus não faz isso comigo!

_ Não acredito em Deus, moça. – ele disse e me soltou.

Sentei na lama, de cabeça baixa. O outro rapaz continuava ali, mexendo na minha mochila.

_ Huf! Num tem nada aqui! - ele exclamou depois de ter jogado todos os meus pertences no chão – E agora? O que a gente faz com ela?

_ Mata! – respondeu o outro. Eu me surpreendi, mas estranhamente não achei que fosse morrer - Tire a roupa! – ele, então ordenou, rasgando minhas roupas e abrindo minhas pernas com violência.

_ Naaaaaaao! – eu supliquei. - Por favor, não faça isso! - Comecei a rezar e consegui, com calma, conversar com aquela pessoa transtornada. Inventei que tinha um filho de dois anos, ele quis saber de onde eu era e o que faria em Forks. Então me dei conta que ele era aquele rapaz adormecido dentro do ônibus de Tim e que estava sendo observada desde o início da viagem.

Ele novamente se acalmou e quando saiu de cima de mim, eu consegui encará-lo. Ele era jovem, magro, tinha o cabelo curto e uma cicatriz vertical na bochecha direita. Acho que meu olhar foi de tanto ódio que ele me deu um soco no olho, gritando:

_ Não me olhe assim!

_ Desculpa... – eu murmurei. Apavorada, na chuva, eu não sentia frio ou dor. Só queria fugir dali.

Manejando a arma, ele alternava uma personalidade agressiva com outra, amável e civilizada. Então por algum motivo, o estuprador se acalmou, começou a mexer na minha carteira. Perguntei se podia me vestir. Ele disse que sim, mas pegou minha mão esquerda e quebrou meu dedo anular. Fez isso sem mais nem menos, por pura maldade. Não senti nada.

_ Moça, quer que eu te ajude a se vestir? - ele logo depois perguntou sorrindo, com voz doce. Fiz que “não” com a cabeça e, ainda de joelhos sobre a lama, eu comecei a juntar minhas coisas.

E como se estivesse anestesiada, eu me levantei e peguei minha mochila. Pensei em caminhar devagar em direção aos faróis dos carros que passavam pela rodovia ao lado. 

_ Onde é que você pensa que vai? – ele perguntou sarcástico antes de me agarrar pela cintura da minha calça com ainda mais força – Eu não disse que você podia se levantar, disse? – eu pude ouvir sua gargalhada ecoando alto pelas matas enquanto suas mãos tateavam minhas costas.

Por algum motivo idiota, eu tentei resistir e forcei minhas pernas a permanecerem eretas. Mas no minuto em que me coloquei de pé, ele agarrou a alça da minha mochila e violentamente me puxou de volta para o chão.

Como você sai de um sonho quando os personagens começam a ficar hostis? Eu vi o homem que há menos de dois minutos sorria gentilmente para mim. Mas ele não estava sorrindo agora.

Um som metálico chamou minha atenção, parecia pesado e maciço, instintivamente eu procurei pela fonte do ruído. O agressor havia arremessado a pistola que antes ocupava sua mão em direção ao colega; “ele precisava das duas mãos livres agora”, eu presumi. O outro homem não foi capaz de alcançá-la antes que a arma tocasse o chão, eu notei que sequer houve algum esforço para tal, ele estava parado lá como se não soubesse o que fazer. Então, sem perceber, meus olhos encontraram os dele e, em meio ao desespero eu supliquei “Por favor...”, e levantei as mãos, como que intensificando o pedido de ajuda.

Foi aí que a primeira pancada atingiu a minha cabeça. Eu quase caí de cara no chão, meus ouvidos zuniram com o impacto. Eu estava esperando aquilo, mas não tão dolorido ou tão forte, nem tão imediato.

A mensagem daquilo era horrível. Alguém me odiava a ponto de me machucar.

Houve mais duas pancadas, uma na parte de trás do meu ombro e um chute forte nas costelas que me mandou direto contra o tronco de uma árvore. Depois mais duas pancadas na minha cabeça, uma de cada lado. E por alguma razão estranha, parte da minha memória registrou um momento da minha vida; quando Jean me golpeou depois do último jantar que tivemos juntos. Eu tinha a lembrança e o cheiro da pancada, como se ela tivesse afetado o meu nariz. A próxima pancada veio do outro rapaz que até então permanecia imóvel, eu o vi carregando uma pedra enorme na mão direita. Ele sentou a pedra com uma força enorme na minha testa e alguma coisa quente e viscosa escorreu pelo meu rosto, lábios e queixo. Eu fui chutada. Nas costas, nas canelas, na minha coxa direita. Estranhamente, não foi medo que eu senti, mas uma espécie de assombro. Então é assim que acontece? A dor, a violência, o ódio...

Eu sabia que precisava reagir ou eu morreria, concluí ainda atordoada.

E em meio a toda aquela confusão, a única coisa que me chocou foi o meu próprio senso físico do colapso, a minha consciência crescente do líquido que começava a me cobrir. Eu acho que nunca tinha visto tanto sangue antes. E foi então que eu vislumbrei algo terrível, um rosto aterrorizante; meu próprio rosto refletido numa poça de água. Cheio de sangue. Minhas mãos encharcadas daquilo, o sangue escorrendo pelo meu pescoço e pela gola da minha camiseta até as minhas costas ficarem molhadas e minha mochila pingar gotas vermelhas que apareciam repentinamente em minha calça.

Então, de repente, tudo parou por um minuto e eu pude visualizar o que estava acontecendo. Como se estivesse vendo a cena por um outro ângulo, e meus pensamentos se ordenaram como que por instinto. Automaticamente, eu puxei minha bolsa de volta das mãos do rapaz que a estava segurando.  Ele recuou. Eu me virei para o homem à minha direita, ele ainda estava segurando a pedra ensangüentada na mão, eu a tomei e com ela soquei com toda a minha força a boca dele. Eu não conseguia enxergar muito - meus olhos não estavam apenas míopes pelo ódio, estavam também cobertos por uma névoa vermelha - mas eu vi o homem meio que tossindo e um dente caiu de seu lábio, em seguida ele desabou de costas no chão e parou de se mexer.

Sem pensar, eu parti para cima do outro homem, agarrando minha mochila debaixo do meu braço e esmurrando o nariz dele com o meu punho. Ele berrou de raiva e de repente o nariz dele ficou todo vermelho. Eu lhe dei mais um soco no nariz, ele caiu de joelhos segurando seu rosto ensangüentado e atordoado entre as mãos. Ainda sem dizer nenhuma palavra, ele me olhava com um misto de medo e surpresa e fúria; “Quem vai ficar traumatizado pelo resto da vida, agora?” eu pensei e percebi que estava sorrindo. O sorriso alcançou meus olhos e encheu meu peito de satisfação. O rapaz estremeceu e meu corpo inteiro vibrou em contentamento. Aquilo era bom. Eu gostava daquela sensação. O pavor nos olhos dele só aumentava minha fúria e, eu queria mais, muito mais. Então, eu avancei em sua direção novamente, errei um soco, mas me virei e em segundos voltei, com meus dedos cheios de sangue e lama, eu agarrei seus cabelos e ele jogou a cabeça para trás. Não houve sequer um gemido de dor, ele havia desistido. 

Não havia mais resistência, a luta acabara. Ele realmente havia desistido e a vitória era minha. Mas, para minha surpresa, aquilo não era suficiente. Me senti frustrada porque eu queria mais, eu precisava de mais.

_ Vamos. Acabe logo com isso! – ele gritou com ódio no olhar. E era tudo que eu precisava. Meu sangue ferveu novamente.

Talvez por instinto ou pela adrenalina do momento, eu notei uma veia grossa em sua jugular. Azul, ela pulsava firme e rápido em seu pescoço tão branco. De repente, eu pude ouvir sua respiração, seu tórax inflava exageradamente em busca de ar. E seu coração... eu pude ouvir seu coração batendo tão forte como nunca pensei que um coração pudesse bater. Então, seu sangue não pulsava mais. O sangue gritava. Batidas ensurdecedoras entorpeciam meus sentidos. Minhas próprias veias arderam com um desejo até então desconhecido para mim e, minha garganta secou como se fosse rachar pela sede.

Instintivamente cravei meus dentes em seu pescoço e suguei todo o fluido que jorrou da ferida. O homem se debateu por alguns instantes, mas parou logo em seguida. O gosto ferroso e salutre do sangue desceu por minha garganta, lubrificando minhas veias ressequidas. Dessa vez, eu não senti náuseas. E me dei conta que, na verdade, eu estava gostando daquilo. Eu estava apreciando o momento e aquilo era melhor do que lutar. Eu venci e seu sangue era o meu prêmio.

Ainda degustando o fluído vital do agressor, eu ouvi a voz do outro homem que recobrava a consciência bem a nossa frente. Ele tentou se levantar, mas chocado pela cena, tudo que pôde fazer foi se arrastar para longe.

_ O que você está fazendo? Meu Deus! – ele gritou histérico.

Eu levantei os olhos em sua direção e um rosnado abafado saiu de meu peito. Então meus dentes se aprofundaram na ferida, automaticamente procurando por outra fonte para o sangue que começava a se extinguir em minha boca.

_ Oh, Meu Deus! Oh, Meu Deus! Ele... ele... você matou ele!

O horror naquela voz e o desprezo naquele rosto me acordaram. Eu olhei para baixo e senti meu próprio corpo sendo tomado pelo pavor daquela cena. Fios de cabelo coberto de sangue e lama escorregavam dos meus dedos, mas eles persistiam e mantinham a cabeça da vitima imóvel sobre meu colo. Uma poça havia se formado sobre nós; meus braços, minhas pernas, eu estava coberta por uma gosma viscosa e pegajosa. Um carro passou na rodovia e, por alguns milésimos de segundos, iluminou a pequena clareira em que estávamos. Foi então que me dei conta, aquilo era sangue! Era tudo sangue.

_ Meu Deus! Meu Deus! – ainda gritava o outro homem.

Eu engasguei horrorizada e, lhe lancei mais um olhar antes de jogar para longe o corpo ainda quente de seu colega.

_ O que... – ele tentou dizer, mas foi interrompido pelos soluços que escapavam involuntariamente de sua garganta.

Ele estava aos prantos; seus olhos ainda vidrados em mim como se não pudesse evitar a análise do que testemunhara. Seu corpo inteiro tremia, sua boca entreaberta abafava um grito e suas pupilas dilatadas indicavam que ele estava a ponto de entrar em choque. Eu vi o medo em seus olhos. Não, não era medo. Era pavor. 

_ O que você é? – ele finalmente conseguiu perguntar e, rastejando em direção ao corpo sem vida do colega, ele acusou – Vo... você matou ele!

A acusação foi como um tapa e, eu fiquei furiosa. Antes que eu me desse conta, o animal selvagem que eu nem sabia que existia dentro de mim voltou. Ainda mais sedento. Eu rosnei e senti meus lábios se contraindo instintivamente, meus joelhos se flexionaram e meu corpo se arqueou sem que eu notasse, preparando-se para o bote. O homem gritou, mas não foi um grito de espanto ou surpresa, eram mais gemidos incoerentes que me lembravam dor. Era isso. Ele estava antecipando a dor que estava por vir. A dor que eu lhe causaria. E o cheiro do medo penetrou minhas narinas, inflamando ainda mais minha sede.

E então, como um felino que avança sobre uma presa frágil e impotente, eu pulei ofegante e selvagem, sobre o homem que gritava por sua vida.     


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