Olhos de Cobra escrita por Laura Salmon


Capítulo 19
Capítulo 18 - Cobra


Notas iniciais do capítulo

Vida que segue! Estamos abaladas, mas não quebradas. Se não acontece lá, acontece aqui. Se animem! Ainda há uma semana de ilusão Cobrina pela frente.



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Enchemos as mochilas com água e comida logo depois de conseguirmos comprar mais um pouco de coisa em uma venda da Vila de Abraão. Havia uma opção de contornar a ilha pelo mar, mas aquilo envolvia gente demais. E o pescador deixara claro que não queria meus negócios atrapalhando os dele.

Mas para a nossa sorte, a T14 não era um a trilha difícil. Saímos pelo campo de futebol e encontramos a placa que a indicava com facilidade. Nas curvas iniciais da estrada havia muros de pedras ao redor, deixando tudo mais rústico, como se aquilo fosse um forte. Fora os atalhos dentro da mata, a maior parte dela era estrada lisa. Mesmo que tivéssemos que escalar montanhas, duvido que Karina reclamaria. Ela parecia deslumbrada e eufórica enquanto nos aventurávamos até Dois Rios.

Havia sinalização de quilometragem espalhadas pelas árvores, o que nos deixava cada vez mais perto do nosso destino. A paisagem era de tirar o fôlego. Nem Karina nem mesmo eu queria falar muito. O som dos bichos e das nascentes de água eram uma sinfonia perfeita para guiar nossos passos.

― A luz do sol passando por entre as folhas das árvores é uma das coisas mais bonitas do mundo. ― Ele disse repentinamente. Parou, olhou para o alto e sorriu. ― Se você conseguir resolver a sua vida... Nós podemos voltar aqui sem toda essa tensão?

― Não podemos. Devemos. ― Olhei para o lado oposto. Dei alguns passos, me aproximando de uma curva grandiosa de tirar o fôlego. ― Vem ver. Estamos na Curva da Morte.

Dava para ver toda a Vila do Abraão dali. Os barcos, as pequenas casas e o movimento dos turistas. Karina pegou o celular e tirou uma foto. Aquela paisagem era incrível. O vento tocava nossas peles, aliviando o calor. Tomei uma boa parte de água, indicando o caminho para minha companheira de trilha. Ainda tínhamos muito chão para vencer.

Logo em frente, depois da curva da morte, a trilha cruzava a montanha e o ar do mar aberto invadiu e misturou-se com os odores da mata atlântica. Exuberante e intocada. Paramos por um momento ouvindo o canto de diversos de pássaros e a algazarra ferrenha dos micos saltando de um lado para o outro.

A trilha começou a descer a encosta. Passado alguns minutos de descida, escondida na vegetação, encontramos uma estrutura de ferro abandonada de um antigo britador. Uma espécie de engenho de quebrar pedras e produzir britas, que era usado para asfaltar e nivelar as vias da Colônia Penal.

― Isso é tão intenso. ― Karina sussurrou, apertando as alças da mochila com as mãos. ― Eu pareço uma turista deslumbrada.

― Parece uma menina descobrindo o mundo.

Seu sorriso se arrastou de forma tímida. Antes que eu pudesse vê-la corando, ela passou por mim para que continuássemos. Caminho abaixo, um bambuzal podia ser usado para cortar caminho. Havia placas indicando um atalho que levava a Piscina do Soldado ou Lago do Guarda.

Parei subitamente.

― Tá tão quente.

― Tá mesmo. ― Karina concordou. Trocamos um olhar cúmplice. Daqueles que sorrisos são escondidos e que saem sem querer pelas maçãs do rosto e sobrancelhas. ― Quem chegar por último fica sem o almoço.

Ela correu antes que eu pudesse argumentar. Não deu para sair correndo desesperados como na praia, havia muitas pedras por ali. Descemos com cuidado até chegarmos a um lago calmo de águas cristalinas. Deixei a mochila no chão sem nem pensar duas vezes, atirando a camisa junto. Considerei o fato de deixar a calça ali, mas eu não podia simplesmente achar que Karina iria aceitar me ver de cuecas.

Antes que eu pudesse pensar no que fazer ela tacou sua camiseta em mim.

― Ela é preta. ― Olhei para ela em tom de dúvida. ― A sua cueca. Tava aparecendo enquanto você dormia. ― Semicerrei os olhos. Karina me empurrou. ― Qual é, Cobra, você tava dormindo com a bunda virada pro meu lado, a calça escorregou um pouco. Tira logo essa calça, tá tudo certo.

Karina falava tão rápido que tropeçava nas palavras. Seu constrangimento serviu quase como uma injeção de adrenalina para ela abaixar o short e ficar de calcinha logo depois de arrancar os tênis. Eu não sabia se ela fora rápida demais ou se eu ficara parado no tempo olhando o quanto ela ficava bonita só de calcinha e sutiã.

Ergui o rosto, fechando os olhos.

― Céus. ― Fiz uma pequena prece para ter autocontrole.

― E aí, Cobra? Vai ficar lamentando a cueca molhada?

Levei a mão ao zíper da calça enquanto me livrava do tênis. Karina mergulhou imediatamente, fugindo daquele momento. Entrei naquela água como se ela pudesse esfriar todo o meu corpo. Não era suficiente fundo para nos cobrir, mas havia locais em que podíamos andar com a água até a cintura. Ela surgiu atrás de mim, jogando água no meu cabelo ainda seco. Arrastei-a pelos pulsos enquanto ela ria. Ficamos naquela brincadeira idiota até ela finalmente conseguir me afundar.

― Parece até que estamos de férias. ― Ela disse depois que emergi. Karina subiu em uma das pedras e se sentou ali. ― O meu mundo podia ser mais simples. Podia ser só isso aqui tudo.

― Isso me inclui? ― Segurei no tornozelo dela. ― Pense bem no que vai dizer por que pode ser fatal.

Seu outro pé jogou um montante exagerado de água no meu rosto.

― Precisamos estipular algumas regras. ― Revirei os olhos, sentando-me ao lado dela. ― Não seremos um casal que fica se pegando. Seremos amigos que se curtem mutualmente. E que são modernos e que não vão ficar de cobrança.

― Você tá me propondo um relacionamento aberto? ― Gargalhei.

― Estou te dizendo que ainda não sei como lidar com isso. E que talvez eu consiga levar se tivermos uma amizade colorida.

― Se for colorida da cor dos seus olhos em contraste com esse lugar ― dei de ombros ― ok.

Karina sorriu, arregalando mais as pálpebras. Não contive o impulso de segurá-la pelo cabelo e beijar a lateral de seu maxilar. Ela tremeu diante daquele toque.

― Amigos coloridos ― sussurrei ao beijar seu ouvido ― fazem isso.

Um pequeno espasmo saiu de seus lábios. Mas durou míseros segundos antes que ela batesse as mãos no meu peito e me empurrasse novamente para a água.

― Temos que ir andando, Cobreloa. Mal começamos a nossa missão impossível.

Mal sabia ela que a única coisa impossível ali era controlar o meu desejo e respeitar aquelas regras que ela impusera. Mas Karina ainda estava com medo. E tudo era novo demais para mim. Não era nada parecido com nenhuma outra garota com quem eu já tivesse estado. Ela era uma adversária à altura. Mas eu estava disposto a vencer aquela luta.


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Notas finais do capítulo

Sejam pacientes como o Cobra está sendo. Essas passagens serão de suma importância para o andamento da história. E eles ainda não podem simplesmente ficarem se pegando aleatoriamente. É preciso que eles saibam lidar com o que estão sentindo. Mas mordiscar a orelha da Ka pode, né Cobra?