We Both Changed escrita por MsNise


Capítulo 5
Plano B


Notas iniciais do capítulo

Hey, hosters!
Mais um pouquinho da jornada do Kyle para vocês.
Espero que gostem!



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Deslizamos para fora do quarto em passos silenciosos. Ian já nos esperava no corredor com olhos atentos e indicou para que nos aproximássemos dele. Seu semblante indicava preocupação.

— O plano? — Jodi sussurrou.

— Aquele pequeno “escândalo” chamou a atenção deles — Ian nos repreendeu. — Doris e Warren estão tentando impedir que eles venham para o segundo andar.

— Foi necessário — resmunguei, deixando o meu olhar se perder no chão. Não tinha sido. Eu o tornei necessário.

— Não temos tempo para lamentar — Ian descartou o meu lamento rapidamente. — Vamos avaliar por onde podemos escapar antes de interferirmos.

— Acha seguro fazer isso? — Jodi perguntou. Apesar da preocupação aparente, ela estava com a postura estável e tinha fogo no olhar.

— Faz parte do plano.

Jodi assentiu resignada e fomos silenciosamente até o quarto de Warren e Doris, o qual tinha uma visão clara dos fundos da casa. Buscadores. Por todo lado. Ian puxou o ar por entre os dentes.

— Merda.

— Qual era o plano?

— Escapar pela janela. Distrair os Buscadores, arrumar um jeito de trazer Warren e Doris aqui para cima e pular da janela.

— É o mesmo plano de quando fugimos um ano atrás.

Ian se virou para mim e, por alguns segundos, pensei ter visto traços de uma criança que ele já não era. Seus ombros se ergueram levemente.

— Pensei que pudesse funcionar.

— Não pode funcionar — disse Jodi alheia à nossa muda derrota — Se nos jogarmos vamos cair num ninho de Buscadores preparados!

— Por isso nós descartamos o plano A.

— E qual é o plano B?

Ian respirou fundo e desviou o olhar.

— Eu não tenho nenhum.

Por alguns segundos nós ficamos em um silêncio sepulcral. Cada um cogitava as hipóteses possíveis para sair daquela enrascada com vida. Não eram muitas. Com o cerco fechado era difícil elaborar um plano de fuga discreto. E os Buscadores estavam preparados. Muito bem preparados. Sabiam o que procuravam: humanos lutadores. E eles também lutariam.

— O plano B é lutar — decidi rapidamente, fitando demoradamente Jodi e Ian, que já começava a se opor.

— Olhe em quantos eles estão! Não temos chance alguma!

— Nós temos uma chance… mínima. Mas temos.

— É isso que eles esperam que façamos. E é para isso que estão preparados. Para nos encurralar. Eles tem inúmeras armas, até uma Glock, e nós temos o quê? Uma pistola Tokarev TT-33 das épocas da Segunda Guerra Mundial. Acha que podemos vencer deles com uma única pistola antiga?

— E eu não tenho a força necessária para lutar com eles — Jodi não parecia chateada ou magoada. Falava daquilo como se fosse um fato comum e sem importância. A sua frieza me era assustadora. Nunca a tinha visto em “campo de batalha”. Agora não me surpreende tanto que ela tenha apontado a lanterna diretamente para sua cara. Era aquilo que ela era. Calma, calculista e corajosa nos momentos necessários.

— Para que estamos treinando todo esse tempo, então? — perguntei. — Por que perdemos horas de nosso dia socando aquele saco de areia no porão, fazendo flexões ou abdominais e subindo e descendo essas escadas incontáveis vezes? Não era para esses casos? Não era para lutarmos quando precisássemos? — respirei fundo. — Temos alguma outra chance além dessa?

Os dois ficaram em silêncio cogitando as opções. Não havia opções e nós sabíamos disso. Eles tentavam encontrar alguma coisa, qualquer coisa, qualquer válvula de escape que nos libertasse magicamente. Mas não havia nada além de escuridão no fim daquele túnel.

— Vai ser bem arriscado — Ian por fim se rendeu, encostando as costas na parede e fechando os olhos. — E teremos que ser rápidos. Fugiremos lá por baixo ou aqui por cima?

— Lá por baixo — decidiu Jodi imediatamente. — E pela porta da frente.

— Porta da frente?

Ela foi até uma cômoda no quarto e tirou a chave do carro de dentro de uma gaveta. Não estávamos a pé, afinal.

— O que mais? — perguntou Ian.

— Não vamos hesitar — falei. — Vamos apertar as mandíbulas e encará-los com a nossa pior fúria. Vamos mostrar para eles que não temos medo. Cabeça erguida e porta da frente.

— Não vai ser tão difícil manter a carranca — Jodi comentou.

— Certo — Ian suspirou, desencostando-se da parede e seguindo em dois largos passos até Jodi. Ele a abraçou carinhosamente e murmurou que ela se cuidasse. Então veio até mim e também me abraçou forte, um pouco mais demorado, fazendo as mesmas recomendações. Segurei um pouco mais que o necessário seu corpo e mandei que ele tomasse conta de Jodi e a fizesse sobreviver. Falei para eles fugirem o mais rápido que conseguissem e que não me esperassem em hipótese alguma. Ian se afastou sem falar nada e sem nem mesmo menear com a cabeça.

Eu não tinha tido uma resposta.

Abracei Jodi com força, como se aquela fosse a nossa última chance. Rezei para que não fosse. Minha garganta se apertou quando eu segurei seu rosto entre minhas mãos e ela demonstrou a fragilidade que cuidadosamente escondia por baixo dos panos. Algumas lágrimas inundaram seus olhos.

— Eu te amo — sussurrei e desejei que nada daquilo estivesse acontecendo. Desejei que ela pudesse ter uma vida normal e não precisasse viver se escondendo e criando uma casca ao redor de si mesma. Desejei que ela fosse feliz.

— Nada de despedidas — ela sussurrou e respirou fundo. — Nós vamos sair dessa, tudo bem?

Assenti e senti seus lábios pousarem sobre os meus. Não eram delicados e gentis. Eram rudes. Era um beijo rude e apressado que dizia “te vejo logo, não tenha medo”. Mas eu tinha medo. Muito. Por isso prendi-a em meus braços e estendi o nosso singelo encontro de lábios o máximo que consegui no nosso espaço limitado de tempo. Eu não queria soltá-la porque tinha medo de nunca mais poder segurá-la.

Ian limpou a garganta ruidosamente e nos fez voltar à realidade. Certo. Buscadores. Certo. Resgate dos que nos resgataram. Entrelacei meus dedos aos de Jodi e murmurei um “se cuide” fracamente antes de nos separarmos e começarmos a cruzar o corredor até a ponta da escada. Tinha chegado a hora. Ian segurava a única arma que dispúnhamos com força. Suas mãos não tremiam. Ian não vacilava nunca.

E eu vacilava por ser o imprudente. Eu vacilava o tempo todo, mas era bom lutando e era o mais forte de todos. Na questão do corpo a corpo e de me lançar de cabeça em qualquer coisa eu era invencível. Eu era um lutador. Eu era Kyle O'Shea.

— Por que não querem nos deixar subir? — perguntou um Buscador pacientemente.

— Porque está uma bagunça — justificou Doris em uma voz doce forçada. — E tenho tanta vergonha.

— Nós já vimos bastante bagunça aqui embaixo — comentou uma Buscadora em uma voz gentil. — Não nos importamos.

— Por que não confiam em mim? — perguntou Doris com demasiada inocência. — Se eu digo que não tem ninguém aqui, é porque realmente não tem ninguém.

— Mas e aqueles gritos?

— Foram na casa vizinha.

— E deu para escutar tão alto aqui?

— Aparentemente sim.

Alguém respirou fundo.

— Não tem ninguém mesmo? Posso confiar na senhora?

— Pode sim, Buscador — imaginei um sorriso doce na cara de Doris.

— Ótimo. Vamos embora. Não tem nada a ser visto.

Segurei o meu suspiro de alívio. Ian e Jodi trocaram um olhar exultante, mas eu não confiava tanto na vitória. Observei atentamente a cena que se desenrolava no primeiro andar. Ninguém tinha percebido a nossa presença na ponta da escada.

Mas aconteceu uma coisa que mudou todo o curso daquela história.

A Buscadora caminhou até a janela da sala e abriu a cortina, deixando a luz da manhã se infiltrar na casa.

— Por que deixam essa casa tão escura? — ela comentou inocentemente e se virou novamente, fazendo seus olhos refletirem nas paredes da casa. E então, o reconhecimento. A surpresa. E a entrega.

Os olhos de Doris e Warren eram completamente humanos. Sem reflexos. Na escuridão não era possível ver, mas com a luz do sol batendo diretamente em suas caras não haviam dúvidas da verdade. Eles eram humanos. Os Buscadores arfaram.

Jodi e Ian ainda estavam paralisados de surpresa depois do torpor da alegria. A alegria se desfez. Não restava nada além da luta que precisávamos lutar.

— Humanos — murmurou o Buscador.

Eu não tinha dito que era imprudente? Pois bem, nem sempre sou eu que controlo minhas atitudes. Minhas pernas me conduziram até a escada. E então eu estava bem na mira das pessoas de preto. Lancei-lhes o meu sorriso mais amargo.

— Isso aí, humanos — falei. — Vão querer nos encarar?

A Buscadora pareceu recuar um passo.

— Tem um batalhão lá fora esperando por vocês — ela ameaçou tentando retomar a postura.

— Bem, nós já sabemos disso — Ian comentou atrás de mim, encostando-se no corrimão despreocupadamente. Sua postura tranquila era invejável. — Não acham que já não pesquisamos suas estratégias de guerra? Sabemos de tudo. E vamos vencer.

— Vocês só estão em quatro — argumentou o Buscador.

— Cinco — corrigiu Jodi surgindo na ponta da escada como a última peça que faltava. Ela tinha a expressão severa e parecia bem perigosa apesar de seu tamanho diminuto. Seus punhos estavam tão apertados que os músculos discretos de seus braços estavam à vista e pareceram intimidar a Buscadora frágil. Ela franziu o cenho.

— Mesmo que consigam passar por nós, lá fora isso jamais será possível — o Buscador desatou a falar. — Temos um exército grande e preparado. Temos tecnologia. Somos a maioria e somos invencíveis.

— Invencíveis? — bufou Warren. — Se fossem invencíveis, não existiria cinco humanos vivendo embaixo de seus narizes. Confiam muito na vitória certa que, às vezes, não acontece. A vitória nem sempre é garantida.

— Vocês, mais do que ninguém, deveriam saber disso. Deveriam estar com medo.

Ah, com certeza nós estávamos com medo. Mas não vacilávamos na postura. Éramos lutadores. Tinha lido em um livro da Segunda Guerra Mundial que o valente é aquele que sabe o risco que está correndo e mesmo assim o enfrenta. Embora nem sempre o tenha sido, naquele dia eu era valente.

— Medo? — desdenhei. — De vocês? Olhem como estão! Tremendo miseravelmente.

— Tem um batalhão lá fora… — começou a Buscadora.

— Querem parar de usar isso como argumento? — falou Jodi pela primeira vez. Ela estava irritada. — Nós já sabemos disso. Mas, nesse exato momento, estamos dentro dessa casa e os nossos únicos empecilhos são vocês. Acham que vamos demorar para derrotá-los quando começarmos a brigar?

Eles ficaram alguns instantes em silêncio.

— Os nossos companheiros virão nos ajudar — decidiu hesitantemente o Buscador.

— Querem apostar? — disse Doris sem a conotação gentil que usava antes. Agora ela tinha o tom rude e forte de humana resistente. — Quanto tempo acham que duram nas nossas mãos?

— Como esperam viver, seus… seres sem gentileza? — disparou a Buscadora. — São tão rudes. Não sabem nada sobre ajudar, não sabem nada sobre amar. Não sabem nada sobre nada.

— Não sabemos nada sobre ajudar? — exclamou Warren. — Esses dois eram humanos perdidos vagando aleatoriamente. Cedo ou tarde seriam capturados por fraqueza, descuido ou desconhecimento. E o que fizemos? Os recolhemos, os ajudamos. Vocês falam por alguns e pensam que toda a humanidade estava perdida…

— Vocês só são capazes de odiar. Nunca amam nada — murmurou o Buscador.

— O ódio é o oposto do amor — ralhei. — E nós amamos com todo o nosso corpo e nossa alma. A nossa alma de verdade, a nossa essência. Não essa criatura repugnante que controla os nossos corpos. E o amor que vocês tem um pelo outro é por causa de nós. Acham que algum alienígena suportaria ser posto no meu corpo e não amá-la? — apontei deliberadamente para Jodi e a vi arfando com discreta surpresa. — Não é isso que eu vejo acontecendo. Só que nós amamos com tudo o que temos, com a maior intensidade que se pode imaginar. Já vocês… vocês só querem o “bem-estar” de todos. Baboseira. Queriam consertar um mundo e simplesmente tiraram todas as pessoas que viviam nele. Acham que tem alguma coisa de nobre nessa atitude? Se querem saber, não há nada de nobre no roubo. Esse é um dos maiores pecados. É cruel e inadmissível.

Os dois Buscadores pareceram perder os argumentos. Eles ficaram parados e evitaram os nossos olhares. Meu coração bombeava sangue rapidamente para as minhas veias e minha respiração estava descompassada. Eu sabia que era a nossa chance.

Como olharia para trás para avisar Ian e os perderia de vista?

Não foi preciso, afinal, porque ouvi passos discretos descendo as escadas e senti uma mão grande e pesada no meu ombro. Jodi estava escondida pelo corpo de Ian. Desci o resto dos degraus e logo estávamos nós cinco no térreo, encarando os Buscadores que ainda não tinham reagido. Eles deixariam tão barato assim?

— Eu não estava aqui na ocupação — falou o Buscador, por fim, em uma voz fraca. — E eu não me sinto como se estivesse roubando. Não é minha culpa. Eu só vejo a Terra como um planeta bonito para se viver. Não estou roubando nada.

— Não é porque não participou do ato que não efetuou o roubo — murmurou Doris. Ela respirou fundo. — Então… vão nos dar uma chance?

Por que ela pediu? Ela solicitou a nossa liberdade e nossas vidas como se fosse algo negociável. Como se não valessem nada.

— Doris… — Warren começou a falar.

— Shh — ela calou-o, avançando alguns passos e ficando frente a frente com o Buscador que era uns bons centímetros mais alto que ela. — Vocês podem nos dar apenas isso? Tem um batalhão lá fora nos esperando; só estou pedindo essa etapa. E sabem que podemos vencer de vocês facilmente. Já repararam, por acaso, no tamanho desses irmãos ou nos músculos de todos? — ela fez uma pausa dramática. — Só estamos pedindo para chegarmos até a porta. Apenas isso.

Os Buscadores pareceram desestabilizados. Sua postura vacilou e eu vi discretas lágrimas escorrendo pelo rosto da Buscadora. Eles estavam se rendendo. Sim. Aos poucos. Mas estavam deixando suas barreiras serem quebradas. Talvez nós conseguíssemos. Talvez…

Ou não.

— Não podemos compactuar com humanos — decidiu o Buscador, por fim, em uma voz fraca. — Não podemos trair a nossa espécie. Vocês trairiam a sua?

Nunca.

Nunca?

— Juntem-se a nós — murmurou a Buscadora. — É lindo…

— É lindo? Certamente não veremos quão lindo é. Porque seremos suprimidos — Doris não mudou o tom gentil. — Vocês já nos roubaram o mundo. Não resta mais nada, ou quase nada, e vocês vão nos tirar o pouco que resta?

Foi discreto. Discreto até demais. Mas o Buscador assentiu.

Eles lutariam. Não estávamos livres.

Então ele veio até mim e em um movimento rápido tentou me acertar um soco no meu nariz torto — Ian o quebrou em uma de nossas muitas brigas e ele nunca mais ficou normal —, mas eu fui mais rápido e segurei em seu pulso, torcendo seus braços atrás de suas costas. Ele gemeu.

— Achou mesmo que iria me acertar? — ironizei.

— Solte ele! — ordenou a Buscadora tentando se libertar dos braços de Ian que a interceptaram rapidamente. — Me solte, seu brutamonte — ela gritou e se debateu violentamente.

Dois Buscadores. Fácil demais. Jodi pegou o frasco no cinto da mulher, espirrou em seu rosto e fez o mesmo com o Buscador. Os dois caíram desmaiados no chão.

— Doris, Jodi, peguem as armas deles — ordenou Warren em posição de guerra. Sua cara estava fechada em uma carranca zangada.

— Mas e vocês? — a voz de Doris estava preocupada.

— Ian está com aquela pistola, a qual já é o suficiente. Nós podemos lutar e nos defender. Vocês precisam ter uma carta por baixo da manga.

Jodi assentiu freneticamente antes de pegar as armas e entregar uma delas para sua mãe. Ela fez uma careta satisfeita.

— Pesada — avaliou. — Bonita.

— Qual o plano? — perguntou Warren alheio aos comentários de Jodi.

— Vamos tentar sair ilesos — disse Ian. — Garagem. Carro. Acelerar.

— E rezar — Doris complementou.

— É, isso também.

Ficamos algum tempo em silêncio apreciando os últimos segundos naquela casa. O meu único lar. O único lugar que eu consegui viver confortavelmente e de modo feliz, mesmo que estivéssemos no fim do mundo. Se tivesse alguma casa para eu voltar algum dia, seria essa.

— Talvez a gente possa voltar algum dia — Doris forçou um sorriso.

Assentimos, mesmo sabendo que não ia acontecer. Não voltaríamos. Estava na hora de começar a viver perigosamente.

— Eu queria dizer… — Ian começou, mas logo foi interrompido por Warren.

— Nada de despedidas ou agradecimentos. É só um adeus a esse lugar. Ainda ficaremos juntos, certo?

Certo.

Certo?

Eu estava com medo e com um pressentimento ruim. E se perdêssemos alguém? Amaldiçoei-me por termos sido tão descuidados.

— Desculpa — Ian disse mesmo assim, com o olhar cheio de tristeza.

— Aconteceria — Doris deu de ombros. — Alguma hora. Estávamos nos arriscando demais. Mas foi bom enquanto durou, não é?

— Ainda vai ser bom, mãe — Jodi murmurou. — A gente vai sobreviver e, enquanto estivermos juntos, as coisas serão boas. Tudo bem?

Somente quanto estivermos juntos. Todos nós.

Elas se deram as mãos e sorriram uma para outra.

.

Tudo estava funcionando. Tudo estava dando certo. Tudo. Porque não tinha o que dar errado. Garagem. Carro. Acelerar. Talvez tenha faltado rezar.

Mas tudo deu errado.

Warren e Doris estavam nos bancos da frente e Jodi, Ian e eu dividíamos o banco traseiro. A partir do momento que saímos da garagem notamos diversos carros de Buscadores cercando os arredores da casa; mas até aí tudo bem, porque conseguimos escapar por um vão que eles tinham deixado.

Iniciou-se então uma perseguição em alta velocidade. No entanto, nada poderia dar errado. Somente precisávamos despistá-los para conseguirmos fugir. Era muito fácil. Era fácil demais.

Foi quando o nosso plano desandou. Os Buscadores nos cercaram; estavam em todos os lugares. Não adiantava tentar virar, engatar a marcha à ré, acelerar. Não adiantava nada.

Apontamos as nossas armas e tensionamos os nossos corpos sem sair do carro. Se quisessem, teriam de nos tirar de dentro. Eles jamais conseguiriam; tínhamos mais força. Nós realmente tínhamos. Mas não tínhamos tecnologia necessária.

Os acontecimentos ficaram nebulosos em minha mente. Não sei qual foi a brecha que encontraram ou qual foi o elemento surpresa. Nem mesmo sei se teve um. As únicas coisas que sei: eles espirraram o conteúdo do frasco nos rostos de Doris e Warren, eles desmaiaram e os Buscadores os tiraram do carro.

Apenas isso.

O racional seria alguém pular para o banco da frente e tentar fugir imediatamente de algum jeito. Quem disse que conseguimos ser racionais depois que Warren e Doris foram capturados? Saltamos do carro, atiramos sem ver, lutamos sem sentir, mesmo que já fosse tarde demais. Mesmo que o carro onde o casal de remanescentes estava já estivesse longe.

Jodi estava descontrolada. Ian me falou para eu pegá-la e para tentarmos alcançar o carro que tinha levado Warren e Doris. Conseguimos entrar no carro. Ian conseguiu dar a partida. Eu consegui controlar a Jodi por alguns segundos.

Mas já era tarde demais.

Demos voltas a esmo pela cidade a fim de encontramos Doris e Warren, mas os Buscadores estavam insaciáveis e não paravam de nos perseguir. Ian aceitou a derrota em silêncio. Jodi chorava em meu ombro quando ele entrou na rodovia e nos levou para longe da cidade, dos Buscadores e de qualquer chance que tivéssemos de encontrar Doris e Warren.

Ela chorou até dormir e surtou ao acordar. Chamou-nos de assassinos cruéis, de ingratos, de monstros e de todos os xingamentos que existiam. Ian estava com a cabeça apoiada no volante e não parava de murmurar “perdão”. Eu conseguia imaginar o seu sofrimento.

Ela me rechaçava para longe violentamente e tentava alcançar a porta do carro. Prendi-a em meus braços. Ela gritava e se debatia com lágrimas pesadas lhe escorrendo no rosto.

Assassinos! — ela berrou. — Eu odeio vocês! Vocês deixaram os meus pais serem capturados! Odeio, odeio, odeio vocês!

Aquilo era demais para mim. Lágrimas incontroláveis desciam em cascata pelo meu rosto. Eu queria ser surdo e cego para assim não precisar presenciar o desespero de Jodi e de Ian, que continuava com a cabeça encostada no volante murmurando pedidos de desculpa. Lágrimas também lhe escorriam pela face.

Era cruel. Cruel e inadmissível. Mais do que as almas roubando os corpos humanos; muito mais. Era cruel ver Jodi sofrendo pela perda de seus pais. Ela não merecia aquilo. Não a minha Jodi, que tinha seu próprio brilho e que aguentava tudo com força invejável. Suportava qualquer coisa, menos a perda permanente de seus pais.

Eu não queria estar vivo para presenciar isso. Para presenciar seus olhos opacos, frios, distantes. Para presenciar a sua expressão sempre séria e o seu soluço oco. Para presenciar seus pesadelos, seus gritos, seu choro. Eu não tinha forças. Não aguentava vê-la sofrer sem sofrer junto.

Jodi gritou e se debateu até não aguentar mais e finalmente começar a chorar aparada por meus abraços.

— Eu ainda te odeio — ela soluçou enterrando a cabeça no meu peito. — E nunca vou te perdoar.

Eu também não.

Derramei minhas lágrimas nos seus cabelos enquanto ela derramava as suas na minha blusa. Era justo. Estávamos destruídos. Nós três. Horas antes estávamos unidos pela felicidade imutável, mas naquele momento estávamos unidos apenas pela tristeza incapaz de ser suportada sozinha. Ian estendeu sua mão para Jodi e ela não recusou. Continuávamos unidos; quebradiços e destruídos, mas unidos. Duvidei que fosse melhor que separados.

Ficamos abraçados enquanto eu entendia que ela jamais me perdoaria ou voltaria a ser a mesma. Então eu comecei a perder, pouco a pouco, Jodi, a mulher que eu amava e por quem daria a minha vida.

Foi quando eu comecei a me perder também.


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Notas finais do capítulo

E entããããão? Doris e Warren capturados ;-; Digam-me o que acham disso!
Até sexta :*



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