We Both Changed escrita por MsNise


Capítulo 4
Descobertos


Notas iniciais do capítulo

Hey! Tudo bem com vocês?
Mais um capítulo sobre a vida do Kyle.
Boa leitura :*



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Depois que os pais de Jodi iam dormir, ela se esgueirava até o quarto que eu dividia com Ian. Entre nós três não havia nenhum segredo. Ficávamos jogando conversa fora, agindo como as verdadeiras pessoas que éramos. Às vezes jogávamos baralho, xadrez ou assistíamos a algum filme. Não sei se naquela época seus pais já desconfiavam, mas nunca interferiram. Ficávamos, portanto, conversando coisas banais, conversas de humanos. Era um trio de amizade inquebrável.

Algumas vezes, Jodi e eu queríamos privacidade. Eu avisava a Ian antes de ela se esgueirar silenciosamente até o nosso quarto e ele fingia dormir, então corríamos para o quarto de Jodi e lá nos amávamos. Antes do amanhecer, porém, eu sempre voltava ao meu quarto.

Agimos dessa maneira por dois meses, antes de assumirmos o nosso relacionamento para os seus pais. Então não parecia mais tão errado ela ficar próxima de mim, segurando a minha mão. Não éramos um casal grudento. Éramos jovens e humanos sobreviventes e aproveitávamos disso da melhor maneira que conseguíamos.

Gostava de nossos momentos a sós. Algumas vezes nós simplesmente conversávamos sobre nossos antigos sonhos e idealizações, outras vezes ficávamos nos beijando, outras vezes, ainda, simplesmente ficávamos em silêncio. Era um silêncio agradável.

Jodi era uma pessoa mal humorada, às vezes. Ela dizia que era TPM. Quando ela acordava e não cumprimentava… Bem, aí eu permanecia em silêncio no meu canto, porque qualquer palavra minha poderia resultar em uma briga. Ela me olhava com aqueles olhares mortais e eu apenas me encolhia, sem ver outra opção.

Tinham vezes que ela era taciturna e eu sabia que questionava o fato de que não podíamos ter uma vida normal. Ela saía com seus pais durante a noite para não atrair suspeitas, no entanto eu permanecia com Ian em casa. Não sabíamos atuar. Não éramos almas. Não éramos gentis.

Ela saía e não sentia liberdade alguma nisso. Nos dias que ela permanecia calada, eu a abraçava sem questioná-la. Eu já sabia. Porque às vezes eu me sentia exatamente com ela, com as mesmas dúvidas, com a mesma tristeza sorrateira, com a mesma sensação de que estava preso. Era um sentimento que compartilhávamos.

Mas, mesmo nesses dias, eu não conseguia parar de pensar no quanto Jodi salvou as nossas vidas, minha e de Ian. Mesmo que não tivéssemos passado tanto tempo como sobreviventes antes de a encontrarmos, ela nos trouxe a esperança. E não somente no sentido de fim de mundo. Ela nos trouxe esperança no sentido da vida. Tivemos uma vida de infelicidades, com poucos momentos de alegrias — falsas alegrias, na verdade —, e ela, mesmo com o fim do mundo, nos trouxe um mundo inteiro de esperanças. Foi a época mais feliz da minha vida.

Jodi me devolveu a vida. E eu a amava por isso. Amava de verdade, como nunca havia amado ninguém, nem mesmo Daisy. Jodi era a minha vida.

Foi no sexto mês que eu estava junto com Jodi que eu disse brincando que estávamos nos casando. Foi durante um almoço. Aparentemente, todos levaram a sério a minha brincadeira inofensiva. De noite, Doris havia feito todo um banquete para comermos e a casa estava toda enfeitada o máximo que podia. Colocaram Jodi dentro do vestido de casamento de sua mãe e seu pai me emprestou um terno, o qual somente o paletó me serviu. Ele era baixo perto de mim, portanto peguei minha própria calça jeans.

Doris e Warren nos deram as suas alianças de casamento. Protestamos, argumentando que era um símbolo da união deles e que não poderíamos usá-las, mas eles frearam a discussão falando: “Nós esperamos que vocês fiquem juntos por ainda muito tempo. O nosso amor já foi confirmado. Não queremos que vocês se esqueçam por nenhum segundo um do outro. Vocês merecem, vocês precisam”.

E então nós estávamos casados.

Não mudou muita coisa em nossas vidas, senão pela aliança de ouro pesada em nossas mãos. O nosso símbolo. A nossa união.

Em uma noite qualquer, muitos meses depois, conseguimos diversas latinhas de cerveja. As almas costumavam consumir pouco, apenas por causa do hábito humano, sem jamais extrapolar os limites. Elas não ficavam bêbadas. Portanto, durante as saídas de Jodi e seus pais pela cidade, eles compravam algumas latinhas no mercado. Poucas, para não causar suspeita. Poucas, mas juntando-as ao final de vários meses, era um bom estoque para nos embebedarmos e nos esquecermos de tudo por algumas horas.

Doris e Warren se recusaram, falando que era coisa para os “jovens” fazerem. Na época, Jodi e eu tínhamos 20 anos e Ian tinha 18. Fazia um ano que estávamos juntos, compartilhando experiências, sendo humanos resistentes e, ainda assim, pessoas normais que tinham seus problemas relacionados a mau humor e vontade de se afundar na bebida algumas vezes.

Eu tinha tido aquela mesma experiência anos antes, no entanto eu não ficava feliz quando tomava muita bebida. A bebida servia para acumular mais sofrimento, jamais para esquecê-lo. No entanto, naquela noite, era para esquecer. Era para curtir. Então começamos a beber cerveja enquanto assistíamos a algum filme que foi produzido pelas almas, que já nos fazia rir estando sóbrios, mas estando bêbados… Era um milhão de vezes pior.

Depois de várias latinhas de cerveja, nós três já estávamos bêbados. Jodi estava enroscada a mim e ria o tempo todo de qualquer coisa que estivesse acontecendo. Eu estava animado demais, cantando canções antigas de maneira errada e contando piadas que não tinham graça alguma.

— Por que a galinha atravessou a rua? — foi uma de minhas piadas. Ian e Jodi me olharam com expectativa. — Pra chegar do outro lado — e então eu comecei a gargalhar junto com os outros, como se fosse a coisa mais engraçada do universo.

O mundo parecia colorido e fora do eixo. Os acontecimentos não se uniam ou se completavam. Eram aleatórios e divertidos. Eu me sentia tão… humano. Por alguns instantes até mesmo me esqueci do fato de que o mundo estava infestado de alienígenas, no entanto Ian fez questão de me lembrar. E isso nem me afetou.

— Vocês estão ouvindo o barulho dos alienígenas? — Ian estava sério, apontando para algum lugar aleatório. Sua voz estava embolada. Nunca o tinha visto bêbado. — Estão zunindo. Tipo pernilongo do lado da nossa cabeça — e então ele ria, como se descartasse suas próprias palavras que não faziam sentido. Não faziam mesmo. E eu ria junto.

Jodi estava impossível. Grudada em mim como um carrapato e rindo de qualquer coisa. Sua voz estava embargada e as palavras não se juntavam em nenhuma frase coerente. Suspirei, lembrando-me de uma música. Parecia tão silencioso. Eu precisava cantar.

— Amor — chamei Jodi, chacoalhando-a. Ela me olhou com os olhos perdidos. — Como é mesmo o nome daquela música?

— Que música?

Aquela música, amor — eu não pensava coerentemente. Ela deveria saber qual era a música, certo? Minha voz estava embolada, minha mente meio nebulosa. Mas tudo brilhava intensamente e parecia muito engraçado e divertido, portanto não me importei. — Sabe aquela?

— Sei — ela disse. — Qual?

Ela começou a rir descontroladamente. Ela não sabia. Empurrou-me para o lado e se enroscou em uma bola, gargalhando tanto que ficou sem ar.

— Ah, lembrei! — pigarreei, preparando minha própria voz; a qual saiu ridiculamente desafinada. — Every time I see you falling... I get down on my knees and say... I'm waiting for that final moment... You'll say the words that I can't pray…

— Não é assim, seu burro! — Jodi exclamou, empurrando-me para o lado. — Você trocou as palavras say e pray. É assim ó: Every time I see you falling... I get down on my knees and pray... I'm waiting for that final moment... You'll say the words that I can't say…*

— Não faz diferença nenhuma — resmunguei.

— Faz toda diferença — ela se enroscou a mim novamente e iniciou uma onda interminável de gargalhadas. — Você não sabia a letra da música! — lágrimas finas escorriam pelos cantos de seus olhos. — Que burro!

Ela continuou rindo por um bom tempo, sem conseguir controlar os espasmos de seu corpo. Até que ela foi tentar tomar mais cerveja e se engasgou, tossindo e gargalhando ao mesmo tempo. Estava impossível de se controlar. A minha barriga já estava toda dolorida.

— Acho que… — Jodi começou, tentando controlar a respiração. — Deveríamos jogar Verdade ou Consequência. Vai ser tãããããão divertido.

Menos de um minuto depois nós já estávamos sentados ao redor de uma garrafa no chão da sala e ela girava descontroladamente. Parou em Jodi e Ian.

— Verdade ou consequência? — ela perguntou e sua expressão estava desorientada.

— Verdade — Ian estufou o peito e pareceu orgulhoso com sua decisão.

— Verdade que você não é mais virgem?

Arregalei os olhos. Cacete. Nem eu nunca tinha perguntado aquilo para meu irmão. Mas estava curioso.

Ian pareceu corar. Ele nunca corava. Devia fazer parte dos efeitos da bebida. Então ele respirou fundo e assentiu pronunciadamente, fazendo-me cair na gargalhada sem nenhum motivo concreto.

— Com quem? — Jodi também ria. Estava meio esparramada no chão ao meu lado.

— Com uma menina. Logo depois de Claire. Eu estava tão deprimido que… — ele balançou a cabeça. — Ah, cara, estava tão deprimido que não pude evitar. Nem lembro o nome da criatura…

— Espera — interrompi-o. — Não foi com uma prostituta, ou foi?

Ian corou ainda mais. E eu pensei que nunca mais conseguiria parar de rir. Nunca mais deixaria de tirar sarro dele por causa daquilo.

— Só uma?

— Algumas — ele corrigiu.

A situação somente piorava. Lembro-me de ter me jogado no chão gargalhando ruidosamente junto com Jodi e Ian. Estávamos impossíveis. E depois disso os acontecimentos ficaram nebulosos. Lembro-me de ter segurado o cabelo de Jodi enquanto ela vomitava. Lembro-me de vê-la escovando seus dentes repetidas vezes para tirar o gosto da boca. Lembro-me dela se prendendo a mim e me beijando como se fosse a nossa última chance. Lembro-me de termos caído na cama e nos amado.

E lembro-me também de quando fomos acordados.

Os barulhos ecoavam em minha cabeça dolorida. Queria mandar que todos se calassem e que tudo ficasse em silêncio. Odiava o fato de minha cabeça pesar 50 quilos, justo no dia que eu mais precisava dela funcionando adequadamente.

— Vá mandar todo mundo calar a boca — Jodi resmungou, enroscando-se mais ao meu corpo.

Suspirei ruidosamente e tentei relaxar. Não consegui. Os barulhos indistintos começaram a ganhar forma em minha mente. Meu corpo enrijeceu. Com a cabeça ainda doendo, deslizei para fora da cama e vesti a minha camiseta e minha calça rapidamente. Coloquei os meus calçados da forma mais silenciosa que consegui.

— Isso, vá lá calar eles — Jodi falou com a voz embolada sem ainda ter tomado consciência do perigo.

Deslizei nos meus passos mais silenciosos para fora do quarto. Ian já estava no corredor perto das escadas escutando atentamente o que acontecia no andar de baixo. Ele me lançou um olhar alarmado que confirmou as minhas suspeitas.

— Temos que fugir antes que eles percebam a nossa presença — Ian sussurrou tão baixo que eu só pude distinguir o movimento de sua boca.

Os Buscadores não podiam perceber a nossa presença. Precisávamos partir. Mas como? Como partir e deixar Warren e Doris para trás, justo aquelas pessoas que nos acolheram e nos salvaram? Como?

Agachei-me ao lado de Ian e lhe lancei um olhar sugestivo.

— É, eu sei — ele assentiu.

Ficamos observando discretamente os Buscadores conversando com Warren e Doris por um bom tempo. Como quando eles conversaram com o nosso pai. A única diferença é que eles não tentavam persuadir a entrar para o mundo das almas; já era tarde demais para o planeta e não havia mais indícios de humanos.

Mas havia tido uma denúncia. Denúncia de vozes altas na noite anterior. As almas eram silenciosas; os humanos eram barulhentos. Ian, Jodi e eu extrapolamos dos limites. Não poderíamos deixar Warren e Doris para trás quando a culpa era nossa.

— Qual o plano? — cochichei.

— Não sabemos se eles descobrirão — Ian sussurrou apressado. — Mas, se descobrirem, não temos muito tempo. Vá mandar a Jodi se vestir e coloque o máximo de roupas que conseguir numa mochila. Se tiver garrafinhas de água ou qualquer bebida no seu quarto, coloque também. Temos que nos apressar.

— Doris e Warren?

— Elemento surpresa. Vamos correr até eles e tentar resgatá-los antes que seja tarde.

Tranquei a respiração e deslizei para o meu quarto em passos mudos. Jodi dormia profundamente. Se soubesse que os Buscadores tinham nos encontrado e que seus pais corriam um risco inimaginável… Respirei fundo e beijei a sua testa delicadamente.

— Amor, se vista — murmurei.

— Hmmm, por que? — ela se espreguiçou e virou a cara.

— Nós precisamos ir.

— Ir? Para onde?

— Tomar café.

Eu não queria contar imediatamente. Ela surtaria e nos colocaria em perigo.

— Não quero tomar café — ela disse, abrindo uma fresta dos olhos. — Me deixe dormir.

— Amor…

— Sai — ela ordenou um pouco mais alto e me empurrou. — Agora! — então me jogou um travesseiro na cara e enterrou seu rosto na cama.

Não tínhamos tempo para aquelas atitudes infantis. Ela tinha que se apressar. Comecei a recolher suas roupas no chão e a jogá-las sobre ela. Se ela se irritasse, talvez conseguisse acordar.

— O que você tá fazendo? — ela rosnou um pouco alto demais e me olhou com uma cara furiosa.

Ótimo. O nosso elemento surpresa não seria mais tão surpresa assim. Mas eu não podia me arriscar tanto ao ponto de nos entregar de bandeja e falar alto qual era o perigo. A sua exultação com traços humanos já tinha sido o suficiente.

— Buscadores — grunhi com os dentes cerrados. Ela demorou alguns segundos para entender as ordens, no entanto logo começou a agir. Suas roupas deslizaram rapidamente para o seu corpo enquanto eu enchia uma mochila com o máximo de roupas que conseguia pegar.

— Onde? — ela murmurou, já postada ao meu lado com os olhos enérgicos. Seu sono a abandonou por completo.

— Lá embaixo.

— Meus pais?

Respirei fundo.

— Lá embaixo.

Ela avançou para a porta, mas a contive segurando em seu pulso. Seus olhos me encararam com fúria e gritaram: me solte, são os meus pais!

— Nós vamos salvá-los. Mas não temos certeza se os Buscadores já descobriram que somos humanos.

— E quanto tempo acha que eles vão demorar? — ela rosnou com os olhos apertados em fendas indecifráveis. Seus olhos antes grandes e astutos. Se perdêssemos aquele dia, ela jamais me olharia daquele jeito que me fazia derreter. Meu coração se apertou. — Quanto tempo acha que eles vão demorar pra perceber as inúmeras latinhas de cerveja jogadas no chão da sala, a bagunça da casa, a cicatriz mal feita de meu pai, os olhos sem reflexo? Temos que ser rápidos — e então seus olhos voltaram ao tamanho normal e ficaram tão frios quanto o gelo. Isso me assustou mais do que a sua ira. — Isso se já não foram capturados.

Isso se já não foram capturados. Afastar Jodi dos pais bruscamente a destruiria. Eu conhecia a sensação. Conhecia o sentimento e sabia que, se naquele dia não conseguíssemos salvar seus pais, ela estaria perdida para sempre; seus olhos nunca mais brilhariam e nada poderia salvá-la. Nem ela mesma. Ela não poderia agir como seu próprio bote salva-vidas. E eu já estava suficientemente destruído para poder salvá-la da forma como ela me salvou. Naquele momento ela ainda tinha família. E quando não tivesse mais?

Eu precisava resgatar os pais de Jodi por ela. Precisava lutar e agir naquele momento. E que se danassem todos os planos. Não tínhamos tempo. A verdade é que nunca tínhamos tido tempo. Só estávamos brincando de viver um pouco. Mas a brincadeira tinha acabado.

A brincadeira tinha chegado definitivamente ao fim.


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Notas finais do capítulo

*Toda vez que vejo você caindo
Eu fico de joelhos e rezo
Estou esperando pelo momento final
Que você dirá as palavras que não posso dizer (Bizarre Love Triangle - New Order)

E entãããão? O que acharam? Ansiosos? É muito importante saber o que vocês pensam, porque desse modo eu posso melhorar a história nos aspectos que vocês não gostam ou aperfeiçoar ainda mais aqueles que vocês gostam.
Até o próximo capítulo!



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