We Both Changed escrita por MsNise


Capítulo 15
Questionando


Notas iniciais do capítulo

Heeey? Como vão? Mais uma sexta-feira!
Dessa vez com POV do Kyle explicando toda a enxurrada de sentimentos dele. Leiam ouvindo isso para dar o clima: https://www.youtube.com/watch?v=Py_-3di1yx0
Espero que gostem :3



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Aquilo não podia ser verdade.

Tanto tempo, tantas conquistas, tantas perdas…

E nada tinha me preparado para aquilo.

Pensei que estivesse acostumado e que mais nada me atingiria tão em cheio.

Deus, eu estava tão errado…

Estava preparado para tudo, com certeza, menos para o que aconteceu.

Não estava preparado para perder Sunny.

Porque Sunny era tudo.

.

Logo que acusei Sunny de mentirosa, peguei a primeira camiseta que vi e saí correndo do quarto. Por ser de noite, poucas pessoas transitavam pelos corredores da caverna. Eu queria quebrar alguma coisa, canalizar todas as minhas emoções, somente não sabia como poderia fazê-lo.

Continuei correndo. Mas não era o suficiente; eu não conseguia alcançar a velocidade certa.

Quando percebi, já tinha chegado ao consultório de Doc. Àquela hora ele estava totalmente vazio, não fosse pelos criotanques empilhados descuidadamente em um canto. Vê-los me fez recordar de Sunny e meu estômago se embrulhou imediatamente. Engoli em seco e avancei até a pequena fissura que me permitia ganhar o ar livre.

Eu precisava sair.

Logo que o ar fresco encheu meus pulmões, fechei meus olhos e me concentrei. Repassei a cena em minha mente; uma vez, duas, três, dez, cem, um milhão. Senti o ódio se dilatando dentro de mim e tomando cada célula de meu corpo. Tudo se expandiu. Meu corpo já não suportava mais a enxurrada de emoções que tinha recebido. Não era somente o ódio; era a dor e o amor. Era tudo.

Sunny tinha mentido pra mim.

Sunny tinha…

Comecei a correr. Eu queria fugir; queria literalmente fugir. O monstro dentro de mim estava livre e tinha começado a correr através do deserto naquela noite. Estava cansado de aguentar as minhas dores em silêncio. Estava cansado de guardá-las dentro de mim. Não as suportava mais; estava cansado de suportá-las, de vivê-las.

Continuei correndo. Ganhei velocidade, ganhei a liberdade. Liberdade que eu já não desejava mais. Deus, como eu queria continuar preso com Sunny ao meu lado. Deus, como eu queria…

Meus pulmões não demoraram a arder. Não me importei. Minhas pernas não demoraram a reclamar. Ignorei a dor. A areia entrou em meus olhos e os fez lacrimejar — ou, pelo menos, era nisso que eu queria acreditar. Não me importei.

Eu precisava… precisava…

Minhas pernas logo pararam de funcionar como deveriam e se confundiram em um emaranhado, jogando-me com força no chão. Meu rosto colidiu com a areia e com as pedrinhas no chão do deserto. Tentei afundar meus dedos na areia, no entanto ela estava firme. Percebi que minhas mãos tremiam.

Queria continuar correndo apesar de tudo; ainda tinha muita energia. Meu coração doía muito e, enquanto corria, esquecia-me por alguns segundos da terrível dor. Eu queria esquecer. Eu precisava desesperadamente esquecer. Fiquei de joelhos, mas quando estava prestes a levantar, não aguentei. Era muita coisa. Eu não podia aguentar aquilo. Não era possível.

Eu estava esgotado.

De joelhos no meio do deserto, comecei a gritar. Era um grito grave, poderoso e cheio de dor. Um grito contido por anos dentro de mim. O grito que eu deveria ter dado todas as vezes que meu pai me bateu, assim como quando minha mãe me deixou, quando o mundo foi invadido, quando Warren e Doris foram capturados, quando Jodi desistiu de mim, quando foi capturada, quando não voltou.

Eram tantas coisas pelas quais eu deveria ter gritado… Tantos gritos contidos.

Continuei gritando por muito tempo. Era a única coisa que estava ao meu alcance. A única forma que havia de sentir a dor e fazê-la um tanto parte do mundo, um tanto parte de tudo. Queria que o mundo compartilhasse um pouco de minha dor; não era forte o suficiente para senti-la sozinho.

Eu não era capaz de aguentá-la.

O meu peito ardia como se brasa tivesse sido posta sobre ele. Era estranho e cruel. As lágrimas escorriam pelo meu rosto; queimavam em sua trajetória infinita. Estava sem ar e sem reação. Não tinha mais voz para gritar e nenhuma parte para machucar. Não havia restado nenhuma parte para ser machucada em mim; cada pequeno pedaço meu foi deixado ao longo do caminho, até que não restasse mais nada.

Eu pensei que Sunny tivesse me feito completo novamente. Talvez ela tenha somente expandido o único resquício que eu ainda tinha para que o dano nele fosse grande o suficiente. Porque era o último resquício e eu sabia que quando ele se quebrasse seria a pior dor.

Eu estava certo.

Anos antes, se Jodi tivesse retornado, o meu grito teria sido de alegria. De êxtase. De comemoração. Eu teria saído correndo da caverna e gritado para todo mundo ouvir que eu tinha conseguido e que a minha vida não era um poço infinito de tragédias e mágoas.

No entanto, naquele momento, a minha vida era um poço infinito de tragédias e mágoas. Porque eu não queria mais Jodi. Não havia nenhuma felicidade. Havia apenas tristeza e dor. Tanta dor.

Fechei meus olhos e apoiei minha cabeça no chão. Tentei acalmar minha respiração. Não podia ser verdade. A Sunny, a minha Sunny, a alma que eu havia aprendido a amar com tanto afinco e dedicação, a única que fez algum sentimento bom dominar o meu corpo castigado pelos anos de sofrimento, a única que tinha conseguido arrancar o sorriso mais sincero e o choro de saudade mais verdadeiro.

A minha Sunny…

Uma mentirosa.

Como ela pôde deixar chegar a tal ponto? Como pôde prender Jodi por tantos anos dentro de sua cabeça e falar que ela estava vazia? Como pôde mentir por tanto tempo e me conquistar de tal modo que cada sobra de quem eu tinha sido ficasse terrivelmente intrincada com todas as moléculas cheias de vida dela?

Estávamos quebrados agora. Ambos. E os poucos resquícios que tinham sobrado de mim desapareceram por completo. Não havia mais nada. Nenhuma força. Nem mesmo para gritar ou chorar.

Escorreguei pelo chão áspero até que conseguisse deitar por completo. Fechei meus olhos e tentei me lembrar de como era o meu mundo sem Sunny, mas não consegui. Porque ele não existia. Havia um passado; tão distante que parecia outra vida. Um passado recheado de sofrimentos, com raros momentos bons, e que era demasiadamente nebuloso. Uma parede havia sido construída entre duas partes de minha vida: aquela que Sunny não existia e aquela que Sunny era tudo. Eu não enxergava nada do lado da parede que Sunny não existia.

Mas sabia que atrás daquela parede havia a minha história. Naquela noite, esforcei-me para ver através dela.

Houve a Jodi. Uma Jodi corajosa, forte e incrível, que tinha me salvado. E que pensei que fosse minha luz. Somente mais tarde que fui descobrir que ela era a minha sombra, o que escurecia a minha vida. Mas Deus… demorei tanto para conseguir enxergar. Estava cego de ilusão; eu queria desesperadamente acreditar que ela era a minha salvação para que eu pudesse justificar o meu vazio.

Pensava que, se ela estivesse comigo, tudo seria melhor.

Mas não seria. Claro que não. Era apenas ilusão. Mas os iludidos acreditam naquilo que eles imaginam.

E eu imaginava.

Por outro lado, se tivesse percebido antes que ela era uma miragem, uma vertigem e que não havia nenhuma heroína ou luz vindo dela, nunca teria buscado por seu corpo e nunca teria conhecido Sunny.

Com Sunny, foi exatamente o oposto. Eu a imaginava como um monstro, uma desgraça e a total escuridão. Não havia nada nela além de uma alienígena que tinha roubado o corpo da minha heroína. Mas ela não roubou apenas o corpo da minha falsa heroína; ela roubou o meu coração. Por completo. Ou o que ainda restava dele. Aos poucos, destruiu a visão de monstro que eu tinha construído dela. Lentamente, deixou de ser a minha desgraça. E, onde antes eu via total escuridão, passei a ver apenas luz.

Não era à toa que seu nome era Luz do Sol Através do Gelo.

Ela fez o gelo que tinha se formado ao redor de meu coração derreter e se transformar em um lindo rio de água corrente, o qual refletia todos os meus sentimentos bons. Somente os bons; porque já não havia mais lugar para os ruins. Ela aqueceu a minha alma.

A Sunny sempre foi o meu sol encontrando lugar por entre as nuvens. Ela sempre me coloriu de esperanças; no começo, de que eu encontraria Jodi. Mas aquilo tinha sido no começo. No final, ela me trazia esperança todos os dias. Esperança de que eu podia ser um bom homem. De que eu ainda poderia vencer. De que a minha vida não precisava ser ruim ou arrastada; de que eu realmente podia viver.

Eu precisava de Sunny.

E ela havia mentido para mim.

E, de todas as dores que eu já tinha sentido, aquela era a pior.

.

— Kyle — foi a voz de Ian que me despertou.

Inicialmente, fiquei desorientado com o sol tão forte. Não costumava haver tanta luz no meu quarto. Também estranhei a dureza e aspereza do lugar que eu estava deitado sobre. Suspirei e estava prestes a perguntar para Ian o que estava acontecendo, quando todas as lembranças me invadiram em uma pancada.

Jodi. Sunny. Deserto.

Ah.

— Estávamos preocupados com você — ele se sentou no chão de areia ao meu lado.

— Sunny ficou desesperada quando soube que ninguém tinha te visto — murmurou Susan, que não percebi que estava lá também.

— Não fale o nome dela — resmunguei com a voz rouca. Tive que pigarrear. — Nunca mais.

Tentei levantar-me, mas não obtive sucesso. Ian teve que me ajudar; eu estava com o corpo todo dolorido. Passei a mão pelo lado do meu rosto que estava pousado no chão e areia e pedrinhas caíram em cascata. Minha pele formigava. Susi puxou o ar por entre os dentes e roçou os dedos pelo meu rosto.

— Ai, Kyle — ela reclamou. — Isso está horrível.

Fechei meus olhos e enterrei minha cabeça entre os joelhos. Estava me esforçando para não chorar.

— O que aconteceu? — a voz de Ian estava baixa e controlada.

Por um longo tempo, fiquei simplesmente parado em silêncio. Estava revivendo a noite anterior. Como as coisas podem mudar tão rapidamente? Como um momento bom se transforma no pior momento da sua vida em menos de um segundo? Aquilo deveria ser proibido.

As lágrimas não demoraram a escorrer pelo meu rosto.

— Jodi — sussurrei.

Ouvi Susi ofegar. Ian simplesmente me olhou com o cenho franzido. Eu podia traduzir a preocupação em seu olhar.

— Kyle…

— A Sunny e eu… nós estávamos… — respirei fundo. — E então Jodi surgiu. Eu não sabia realmente o que estava acontecendo, mas consegui reconhecê-la. Eu reconheceria Jodi em qualquer lugar. A expressão, a entonação da voz, tudo — fiz uma pausa. — Por que Sunny mentiu tanto tempo pra mim?

Senti uma movimentação do meu lado.

— O quê? Sunny mentiu? — Susi perguntou.

Levantei a minha cabeça.

— É óbvio. Com certeza a Jodi estava presa dentro dela esse tempo todo, caso contrário não poderia tomar o controle do corpo. Portanto, Sunny mentiu quando disse que não havia nada em sua mente.

Ian balançou a cabeça.

— Kyle, então por que a Jodi não despertou quando retiramos Sunny?

Franzi meu cenho. Não tinha considerado a questão.

— Eu não sei se já te contei essa história — ele continuou. — Mas você lembra daquela vez que a Peg descobriu o que fazíamos com as almas?

— Sim.

— Então, ela ficou tão… perturbada que mandou a Melanie sumir de sua cabeça. E ela realmente sumiu. Puf. Desapareceu completamente. Peg queria achar alguma maneira de “ressuscitá-la”, portanto pediu que eu a beijasse. Mel ficava com raiva quando eu beijava Peg e talvez isso pudesse despertá-la. Bem, não funcionou — ele fez uma pausa e teve dificuldades ao retomar a linha de raciocínio. — Ela tinha que ser realmente sobrepujada e a única maneira possível era beijando Jared. Porque a Peg perdia… ahn… o controle do corpo. Ela se entregava totalmente. E Mel podia controlá-la. A tentativa deu certo e Mel conseguiu voltar controlando o corpo da Peg, mesmo que estivesse na escuridão, suprimida. Pode ter sido isso que aconteceu na noite passada, Kyle.

Tentei pensar sobre o assunto, no entanto ele não se encaixava em minha mente. Como alguém poderia retornar ao corpo mesmo que estivesse suprimido; voltar com tanta força? Mas, se Jodi realmente estava o tempo todo no corpo de Sunny, então por que não o reivindicou quando retiramos Sunny? Tudo estava muito confuso em minha mente.

— Kyle, eu não entendo muito dessa mecânica das almas e dos hospedeiros — murmurou Susi. Ela afagou meu braço. — Mas se me permite uma opinião, a Sunny não mentiria de tal modo para você. Mesmo que para isso tivesse que te deixar para sempre.

Por que era tão difícil enxergar aquilo? Meu coração estava terrivelmente dividido. Porque eu queria desesperadamente acreditar que Sunny, o amor de minha vida, não tinha mentido nem por um segundo, e, ao mesmo tempo, não conseguia entender como Jodi poderia ter ressurgido do vazio. Eu precisava conversar com alguém que já tivesse passado por aquilo.

— Eu quero falar com Melanie — decidi. — Ela já interpretou o papel da Jodi. Vai entender o que aconteceu e me explicar.

Ian suspirou e assentiu.

— Vamos chamá-la. Mas, Kyle… tente não pensar tanto no que é possível ou não com o funcionamento desse mundo alienígena. Pense em Sunny. Nos olhos dela. Em tudo o que já viveram. E conclua sozinho a verdade… a imutável verdade.

Desviei o olhar. Eles se foram.

Estava sozinho novamente. As nuvens encobriram o sol por alguns segundos; as monções estavam quase chegando. No entanto, quando os raios passaram através das nuvens carregadas novamente, não consegui enxergar a esperança. Não havia mais esperança; somente desgraça.

Pensei sobre o que Ian e Susi haviam me dito. “Mas, Kyle… tente não pensar tanto no que é possível ou não com o funcionamento desse mundo alienígena. Pense em Sunny. Nos olhos dela. Em tudo o que já viveram. E conclua sozinho a verdade… a imutável verdade.”. Qual era a verdade imutável?

Dividi a frase em partes. Se eu deixasse de pensar no funcionamento das almas, facilmente poderia inocentar Sunny. Não teria um motivo para ela mentir para mim. Afinal, ela era uma alma e almas são extremamente altruístas. Ela me devolveria Jodi se isso me fizesse feliz. O meu coração sabia disso.

A minha mente, não.

Continuei repassando a frase em minha mente. Sabia que não era somente aquilo. Conseguia sentir que era bem mais profundo. Verdade imutável…

A chuva não demorou a cair sobre mim. Era forte e fria. Fechei meus olhos e tentei pensar sobre aquilo metaforicamente. Durante a noite tudo era escuro e nebuloso e não havia opções em meus pensamentos — o que imaginei que fosse perfeitamente aceitável. Quando amanheceu, o sol clareou as minhas ideias pelo menos um pouco. Não o suficiente, no entanto. Eu ainda estava vendado. Não cego, apenas vendado. A chuva, então, chegou para me lavar. Lavou toda a escuridão e as marcas da noite anterior. Renovou-me.

Clareou meus pensamentos e limpou minha alma. E só então que me fiz a pergunta certa.

Se Sunny tivesse realmente mentido para mim, o que aquilo significava — tanto para mim quanto para ela?

Se ela fosse uma humana e tivesse mentido para mim, seria perfeitamente razoável. Não era uma forma de amor, afinal? Um amor egoísta; e ainda assim amor. Se ela realmente estivesse com Jodi em sua cabeça o tempo todo e estivesse mentindo para mim, então visaria somente seu próprio bem. Ignoraria o sofrimento de Jodi e o meu. Mas também sofreria; com certeza Jodi faria de tudo para transformar sua vida em um inferno.

No entanto, ela teria aceitado uma forma de sofrimento somente por amor. Se ela se fosse, poderia construir uma nova vida em um outro planeta e encontraria a felicidade. Seria simples. Se tivesse ficado com Jodi em sua cabeça, no entanto, viveria uma vida de sofrimentos. E seria por mim; com certeza Sunny não era masoquista.

Portanto, se Sunny tivesse mentido, teria sido por amor a mim. E não para me fazer sofrer.

E ela não tinha me conquistado? Somente ela, não Jodi, não seu corpo? Tinha certeza de que se Sunny estivesse em qualquer corpo, eu me apaixonaria por ela. Costumava questionar o amor de Ian que tinha aceitado Peg em qualquer outro corpo; somente quando tive a oportunidade de me apaixonar por uma alma que pude entendê-lo.

Eu amaria Sunny em qualquer corpo.

Reformulei, portanto, a pergunta inicial: Se Sunny realmente tivesse mentido para mim, eu deixaria de amá-la?

A resposta era não.

E essa era a verdade imutável.


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Notas finais do capítulo

E entãããão? O que acharam? Digam-me suas opiniões!
Espero sinceramente que tenham gostado :3
Até sexta que vem :*