Spirit Bound - o Recomeço escrita por Bia Kishi


Capítulo 22
Capítulo 22 - O Monstro em Mim


Notas iniciais do capítulo

Sentado no banco do Bentley, vendo a aurora no horizonte eu pensei em minhas opções. Depois de tudo, restavam apenas duas. Eu poderia aceitar o fato de que era dependente dela e permitir que ela me ajudasse, assim talvez eu conseguisse me lembrar o que era felicidade; ou poderia eliminá-la na próxima vez em que a encontrasse - porque eu a encontraria - e resolver todos os meus problemas. Talvez eu encontrasse a felicidade deste jeito também, ou talvez eu apenas me aproximasse mais do monstro que um dia eu odiei.



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Não foi muito fácil recuperar algo que eu já tinha perdido á algum tempo - minha coragem. Então eu deitei na cama e fechei meus olhos, procurando por Lissa, no fundo de nossa ligação.

            Tudo que eu pude ver foi escuridão. Escuridão e uma sensação de conforto, amparo - Lissa estava sendo abraçada por alguém. Foquei meus pensamentos um pouco mais. Não era Christian. O cheiro de tabaco e whisky não negavam - Adrian.

            Quando minha mente clareou o suficiente para que eu entendesse a situação, percebi que Adrian a estava confortando. Lissa não estava descontrolada ou nervosa, ela estava triste. Triste e preocupada. Preocupada comigo. Adrian a estava abraçando e ela estava com o rosto enterrado em seu suéter de cachemire.

            Por um momento eu me deixei ser Lissa. Deixei-me abraçar por Adrian. Deixei-me confortar por ele. Adrian era bom, justo, honesto, e acima de tudo, Adrian gostava de mim. 

            Por um momento eu quis gostar dele na mesma intensidade, na mesma proporção; mas não pude. Sentimentos são coisas difíceis de explicar. Não se pode comandar. Relaxei um pouco mais e deixei que minha consciência fosse a de Lissa. Ela estava triste, mas sentia-se tão amparada pelos braços de Adrian que eu quase senti ciúmes. Não sei se dela, ou dele, mas o fato é que por mais que Lissa e Adrian fossem amigos, vê-los assim tão próximos era realmente estranho.

            Se por um lado era estranho vê-los juntos, por outro eu pensava exatamente o contrário - Lissa e Adrian eram tão parecidos que certamente seriam grandes amigos. Minha cabeça rodava em torno de sentimentos desconhecidos e eu não conseguia me concentrar.

            Adrian deslizava cuidadosamente as mãos em meus cabelos, ou nos dela - eu não sabia mais. Uma Lágrima pequena e quente rolou na face dela, ou na minha -            Eu também não sabia mais.

-           Ela está bem Liss. Eu sei que está.

            As doces palavras eram carregadas de carinho e aconchego.

            Eu abracei meu próprio corpo, sentindo a sensação dos braços de Adrian em volta de mim.

-           Sinto falta dela.

            As palavras de Lissa foram como um golpe dentro do meu peito.

            Eu queria dizer que sentia o mesmo, queria dizer que também sentia falta dela que a queria comigo. Desta vez, a lágrima que rolou foi dos meus próprios olhos, e eu sabia.

            Uma, e outra, e outra - por alguma razão elas não queriam parar.

            Abri meus olhos e voltei á realidade do quarto escuro em que eu estava. Levantei depressa, secando meus olhos e vesti a roupa novamente -  havia um Strigoi sem nenhuma paciência esperando por mim.

            Andei pelo corredor escuro e sombrio da velha casa em que estávamos escorando pelas paredes - meu pé ainda doía bastante e meu corpo ainda estava cheio de machucados, o que incluía a laceração que Ian havia feito em meu pescoço.

            Quando saí pela porta da frente, encontrei Dimitri encostado no Bentley.

            Olhá-lo, ainda que eu soubesse o que ele havia se tornado, era a visão mais confortante da minha vida. Dimitri ainda era o homem que eu amava e isso não mudaria com o tempo. Tudo que eu precisava fazer era encontrar uma maneira de ajudá-lo, ou de ajudar a mim mesma; ou os dois. Ajudar Dimitri ajudaria tanto á mim mesma que eu nem sabia mais qual era o verdadeiro propósito.

            Firmei meus pés no chão e caminhei - o mais próximo do normal possível - até o Bentley. Dimitri não me ajudou, nem sequer abriu a porta para mim. Eu me sentei no assento ao lado do motorista e Dimitri ligou o carro.

            A estrada era sinuosa e escura e eu não fazia a menor idéia de onde estávamos. Tudo que eu conseguia ver era a neve caindo do céu e manchando o vidro do carro. Não tínhamos musicas bregas tocando, nem mesmo um som. Era apenas o silêncio da minha própria respiração - porque o Strigoi que estava ao meu lado não respirava mais. 

            A viagem que fizemos até o hotel, em nada me fazia lembrar a última vez em que eu havia ido á algum lugar com Dimitri. O motor rugia em alta velocidade e as árvores ao redor da estrada passavam como um borrão pela janela escura. Meu coração estava acelerado e meu nível de adrenalina em quantidades catastróficas.

 

                                                        ***

 

            Quando eu a deixei sozinha no quarto, uma parte de mim ficou com ela. Uma parte de mim jamais a deixaria, e o que mais me incomodava era entender a razão.

            Ela estava machucada e frágil e eu queria tanto ajudá-la. Na verdade eu queria com uma intensidade desconhecida até mesmo por mim. 

            Eu havia amado Rose uma vez, á muito tempo. As coisas não eram mais assim. Eu não era mais assim. 

            As coisas mudam. Eu mudei. Ela mudou. Então porque será que o que eu sentia não mudava?

            Eu sou um Strigoi. Um Strigoi morto e sem coração. E sem alma - eu repetia as palavras em minha mente e me concentrava para que elas se tornassem verdade dentro do meu coração. Um coração que não batia mais. Um coração escuro e sombrio e sem vida, que continuava acelerado pela garota boba e petulante que tentava se vestir sozinha naquele quarto.

            Cruzei meus braços sobre o peito e esperei. Ultimamente em minha "não-vida" era isso que eu fazia - esperar. Por mais que eu tivesse a eternidade aos meus pés, esperar me parecia tão fraco e eu sempre fui prepotente demais para aceitar que qualquer um governasse minhas decisões.

            Levantei meus olhos e olhei ao redor. O vento chicoteava a neve, arremessando pequenos flocos brancos por todo o meu campo de visão. A casa estava em ruínas, mas ainda assim era bonita. A construção ficava no topo de uma montanha, e da entrada podia-se ver o bosque lá em baixo. Árvores grandes e cobertas de neve branca. Um tapete branco em minha frente.

            Lembrei-me de outros tempos. Lembrei-me de como costumava me divertir com ela. De como era bom não pensar. Não pensar em minha vida, não pensar em minhas responsabilidades, não pensar no passado. Ao lado de Rose eu sempre me sentia livre. Estar com ela era como voar.

            A neve debaixo dos meus pés era branca e fofa. O mesmo tipo de neve que ela havia usado para fazer os anjos no chão. Eu sorri. Não poderia deixar de sorrir lembrando-me de como era bom. 

            Sacudi a cabeça e voltei meus olhos para dentro da casa - as coisas haviam mudado para mim e quanto antes eu entendesse isso, antes eu poderia superar meu maior inimigo. Ela.

            A figura começou a aparecer em meu campo de visão.

            Segurando nas paredes, ela tentava caminhar o mais despreocupadamente possível, eu quis sorrir - ela era tão parecida comigo ás vezes. Deixei que meus olhos encontrassem o chão e parassem de se preocupar com a maneira como ela se locomovia, isso não era problema meu.

            Ela abriu a porta e entrou em silêncio - o que não era típico dela. Eu permaneci da mesma maneira, olhando a estrada á minha frente.

Se Rose pudesse imaginar, se tivesse alguma idéia de como eu tinha coisas para dizer. Ela não podia. Ela nunca saberia. Estando longe dela seria mais fácil controlar esse sentimento estúpido que insistia em tomar conta dos meus atos. O problema, é que eu não queria. Não queria estar longe dela. Não queria deixá-la ir.

            Apertei meus dedos na direção do carro e me concentrei mais nos flocos de neve. Meu pé estava o mais fundo que o pedal do acelerador permitia. Eu não queria ver a estrada, não queria ver Rose, Não queria ver nada.

Minutos depois, tudo havia ficado para trás. O carro estava estacionado em frente ao hotel, o dia estava começando a nascer. Meu tempo estava terminando. Fechei meus olhos e por um momento, um único momento, eu quis ficar. Quis que tudo fosse como antes. Eu quis. Eu não pude.

            Minhas mãos escorregaram contra minha vontade e encontraram as dela. A garota não as afastou. Ao invés disso, ela entrelaçou os dedos nos meus, cuidadosamente; como se o frágil fosse eu, e não ela.

            Meus dedos se deixaram sentir. Sua pele quente e macia entre eles. A sensação de tocá-la. De mais uma vez, tocá-la. Eu não pude resistir, não sabia como, não queria.

            Meu rosto foi se aproximando do rosto dela, mais, mais, até que não sobrava espaço. Meus olhos estavam nos olhos dela, minha boca a centímetros. Eu sentia seu hálito quente, sua pulsação.

            Enquanto meus dedos apertavam os seus eu me aproximei mais. O homem que eu havia sido um dia queria tomar conta de mim novamente, eu permiti.

            Toquei o rosto da garota com a ponta dos meus dedos, enquanto sentia sua mão em minha outra mão. Ela deslizou o rosto em meus dedos frios e gemeu.

-           Dimitri.

            Dimitri. Meu nome. Apenas um nome, mais um. Um nome tão comum nesta parte do mundo que eu não deveria ter sentido nada, mas senti. Ouvi-la murmurando meu nome baixinho fez com que todo o desejo que eu sentia por ela explodisse em um rompante de descontrole. Eu a beijei. Eu a beijei  mais. Eu a segurei junto ao meu corpo sem deixar que nem um centímetro dela ficasse afastado de mim. Ela retribuiu.

            Seus braços se entrelaçaram em minhas costas e ela me beijou. Forte e decidida ela entregou-se aos meus carinhos.

            Eu quis fugir. Eu tentei. Não dela, mas de mim mesmo. Eu não pude. Por mais que eu me sentisse forte e suficiente, aquela garota estava lá para me dizer o quanto eu estava errado. Por mais que eu quisesse afirmar para mim mesmo o contrário, Rose sempre estaria lá para me dizer o quanto eu era fraco e o quanto dependia daquele sentimento estúpido para continuar existindo.

            Eu a soltei sem querer, ela se demorou em me soltar. A garota desceu do carro sem dizer uma única palavra, eu também permaneci em silêncio.

            Ela caminhou para dentro do hotel sem olhar para trás, eu a vi desaparecer nas portas de vidro.

            Sentado no banco do Bentley, vendo a aurora no horizonte eu pensei em minhas opções. Depois de tudo, restavam apenas duas. Eu poderia aceitar o fato de que era dependente dela e permitir que ela me ajudasse, assim talvez eu conseguisse me lembrar o que era felicidade; ou poderia eliminá-la na próxima vez em que a encontrasse - porque eu a encontraria - e resolver todos os meus problemas. Talvez eu encontrasse a felicidade deste jeito também, ou talvez eu apenas me aproximasse mais do monstro que um dia eu odiei.


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