Os últimos dias do ano passaram bem rápido. Claro que não haveria tempo de fazer uma roupa nova para Syaoran, por isso quando Sakura foi ao abrigo no dia seguinte ao do passeio deles até a beira da cachoeira, levar a roupa que ele usaria no baile, ela não explicou direito, nem ele perguntou onde ou com quem ela tinha arranjado. O fato é que no esperado dia, depois de vários ajustes, estava pronta para que ele a usasse.
A veste era preta com detalhes dourados bordados no colete de cetim e na borda da capa que ele acabava de colocar por cima do ombro diante do espelho. Ele pensou (e era verdade) no quanto aquela roupa ficaria incrível nele algum tempo atrás. Agora, diante de si mesmo no espelho, não conseguia parar de se sentir incrivelmente... ridículo.
- E então Syaoran? Abra a porta, a gente quer ver como ficou!!!!! – Eram as crianças da casa, muito animadas com a idéia de que Syaoran iria num baile com a princesa.
Syaoran abriu a porta rapidamente, indo para o quarto com passos pesados e falando irritado enquanto arrancava a capa ainda em seu ombro.
- Isso é ridículo!!! Eu decididamente não vou a esse baile!!!!!!!
- O que está falando???
- Você enlouqueceu????
Elas o seguiram e sentaram todas ao seu redor na cama.
- AH! – Ele tinha sentado apoiando a cabeça nas mãos – Mas que droga!!!!! – Completou com um soco numa das coxas.
- O que está havendo? – Asuka e D. Hoshido apareceram na porta com expressões preocupadas. – Syaoran...? Algum problema?
Syaoran virou o rosto.
- Ele disse que não vai mais ao baile. – Amaya falou chocada.
- Porque? – Asuka se aproximou deles.
- Simplesmente porque não tem cabimento! Que figura eu seria! Estou parecendo um palhaço.
Asuka lançou um olhar à D. Hoshido depois ficou observando Syaoran, que tinha se virado para encará-la, por um longo tempo, como se estivesse enxergando algo além da expressão extremamente irritada no rosto dele.
- Crianças, vocês poderiam pegar o espelho do banheiro para mim?
Sora, Amaya e Satsuki se levantaram depressa e foram fazer o que ela pedira, agitadas.
- Tenham cuidado! - D. Hoshido ainda disse antes de se retirar, um sorriso indecifrável no rosto.
- O que você vai fazer? – Syaoran perguntou à Asuka, ela também deu um sorriso, mas antes que respondesse, as crianças estavam de volta.
Asuka tirou tudo de cima do criado-mudo que ficava entre as duas camas, colocando lá o espelho e puxando um banco de um canto para frente do criado-mudo.
- Vamos, sente-se aqui. Eu volto já.
Syaoran achou aquilo muito estranho e esteve completamente sem ação até ela voltar alguns segundos depois segurando uma caixa pequena de madeira com flores entalhadas.
- Venha logo, sente-se aqui... por favor.
O príncipe se dirigiu meio hesitante ao banco.
- O que você vai fazer?
- Espere até ver... – Ela disse ainda sorrindo enquanto olhava o reflexo dele, já sentado de frente para o espelho. – Você tem olhos bem bonitos... vai estar parecendo um príncipe quando eu terminar...hmmm... seu cabelo está bem maltratado... talvez se eu aparar um pouco e depois...
- Ei! Não vai cortar meu cabelo! – Ele se levantou ao vê-la aproximar uma tesoura de sua cabeça.
- Fique calmo, não vou estragar, eu juro! Estou acostumada a cortar cabelos... sou eu quem corta os cabelos deles. – Ela apontou as crianças ainda em cima da cama assistindo a cena. – Não precisa se preocupar... – Syaoran foi voltando a sentar devagar no banco – Sei que não quer perder esse baile... – Asuka completou num quase sussurro, fazendo-o corar um pouco.
No chão iam caindo vários fios do cabelo branco, realmente bem maltratado, de Syaoran. Depois disso, ela o fez virar de frente para ela e passou um pente molhado, provavelmente não apenas com água, pelo cabelo dele. Terminando o “serviço”, afastou-se para ver o efeito de longe e abriu um grande sorriso, sendo imitada também pelas crianças.
- Certo, agora está pronto para um baile!
Syaoran se virou depressa para o espelho e chegou a se impressionar um pouco. Não estava exatamente bonito ou jovem, mas com certeza seu rosto agora combinava muito mais com a roupa que vestia.
- Tenho certeza que vão pensar que você é algum duque ou conde... – Sora comentou.
Antes que ele dissesse qualquer coisa, a porta do quarto se abriu e D. Hoshido entrou, dizendo que uma carruagem o esperava lá embaixo. Ela também impressionou-se com o resultado do trabalho de Asuka e sorriu entregando a Syaoran a capa que juntara do corredor, onde ele tinha jogado com seu acesso de raiva mais cedo.
Com a capa por cima do ombro, ele ficou ainda melhor e todos chegaram a bater palmas, enquanto ele se retirava sorrindo.
Já lá no andar de baixo, um homem de libré lhe fez uma reverência antes de abrir a porta da luxuosa carruagem parada à porta da casa. Seu interior era todo acolchoado em salmão. No entanto, não era a princesa que o esperava lá dentro.
- Você!? – Exclamou Syaoran.
- Como vai? – O jovem homem loiro lhe acenou em cumprimento sorrindo. – A princesa Sakura pede mil desculpas, mas teve que partir bem cedo, você a verá logo mais. Venha, entre logo.
Syaoran entrou e sentou-se de frente para ele, meio irritado. A porta foi fechada e eles começaram a se movimentar.
- Ela disse que não queria que o príncipe Touya o chateasse e pediu para que você fosse comigo e eu desisti de ir com o rei e os outros nobres para estar aqui com você.
Syaoran não disse nada, afastou a cortina vermelha que cobria uma janelinha ao seu lado direito, vendo as casas da cidade passarem cada vez mais rápido. Por algum tempo só se ouviu o chacoalhar da carruagem até Fay voltar a falar:
- Nossa, você caprichou no visual!..Está um perfeito cavalheiro... – Depois de uma pausa, ele se recostou no assento, entrelaçando as mãos, sem tirar os olhos de Syaoran. – Você não vai me deixar falando sozinho o caminho todo, né? – Nenhuma resposta ainda, Syaoran parecendo não se importar com o que ouvia – Você acha que eu fui o culpado pelo seu acesso de raiva com a princesa da última vez?... Foi bom que tudo deu certo no final, hein?... Na verdade... eu diria que foi ótimo.
- Porque tinha que ter me lembrado daquilo aquela hora? – Syaoran finalmente virou o rosto na direção de Fay, encarando longamente os olhos azuis à sua frente. – Você sabia qual seria minha reação, não é?
- Eu não faço idéia do que você está falando. – Fay respondeu, sacudindo a mão.
- Você não me engana.
- Sabe qual é o seu problema? Você pensa demais o tempo todo. Devia só relaxar um pouco de vez em quando. – Dizendo isso, ele apoiou as pernas à frente, do lado de Syaoran, apoiando a cabeça por trás com as mãos e continuando a falar depois de uma risadinha: - Se o fato de eu ter dito aquilo o fez se lembrar de algo em que já vinha pensando, apenas foi antecipado o que aconteceria de qualquer jeito... Eu lhe poupei tempo, devia me agradecer...
- Se queria realmente me poupar tempo, devia, no mínimo, ter dito o que eu devo fazer...
- Aí eu não estaria lhe poupando tempo, pelo contrário, já não lhe expliquei isso? – Fay falava como quem tentava corrigir uma criança levada, fingindo estar zangado e depois voltando a sorrir.
- Hum, aposto que você nem sabe. – Syaoran tinha voltado a contemplar a paisagem do lado de fora, provavelmente já tinham saído dos limites do país de Clow, apesar da paisagem não ter mudado muito. Os dois permaneceram em silêncio por mais um tempo, até Syaoran falar, ainda olhando para fora: - Já sei que magia não é algo que as pessoas sabem que existe em Clow, por acaso você a pratica escondido?
Fay deu uma risada mais alta.
- Puxa, era disso que eu estava falando quando disse que você pensa demais... Não, eu não a pratico escondido, quer dizer... como você disse, as pessoas não acreditam em magia nesse país, para muitos é algo que só existe me estórias... Mas no país de onde eu vim, a coisa era muito pior, eu era perseguido por isso e... – Ele tinha assumido um ar bem sério – Bem, o rei deste país me acolheu aqui, ele disse que, para não criar confusão, isso deveria ser como um segredo, mas que no castelo eu seria livre para praticar meu dom e, como gratidão, também resolvi fazer uso desse dom para proteger as pessoas do país de Clow. Apenas ele e a rainha sabem de toda a verdade. – E voltando ao seu ar de riso habitual: - Ou seja, eu não deveria estar falando disso com você. Mas, tudo bem, né? Se você não me delatou até agora, sei que não vai me delatar.
- Pra quê eu o faria? Não ganharia nada com isso.
- Obrigado. – A carruagem foi diminuindo a velocidade. Pela janela, Syaoran pôde ver muitas casas bem parecidas com as do país de Clow, com a diferença de que ali a cidade se erguia por entre os montes, não se conseguia avistar qualquer lugar totalmente plano. – Bem-vindo ao país Daidouji. Eles tinham atravessado os portões e agora estavam de frente a escadaria de um castelo também bem parecido com o do país de Clow, só o que os diferenciava era um ou outro detalhe na arquitetura.
Fay entregou o que deveria ser o convite a um dos guardas posicionados por toda a escadaria e eles avançaram pelas largas portas abertas no fim da escadaria. Viram-se diante de um grande salão bem iluminado e decorado com vários tipos de flores e panos de veludo vermelho. O ambiente era preenchido pelo som de conversas e risos misturados ao de uma música animada sob o som da qual várias pessoas dançavam.
- Oiê!! – Fay parecia ter reconhecido algumas pessoas reunidas ali perto. Elas acenaram de volta e, depois de Syaoran ser apresentado, todos começaram a comentar como estavam gostando da festa.
De repente, o som de cornetas fez todos pararem o que estavam fazendo e olharem na direção da escadaria no fim do salão que revelou uma mulher ruiva e muito bonita de ar imponente num vestido dourado e tiara na cabeça anunciada como a rainha Sonomi. Logo atrás dela, vinha outra mulher e duas adolescentes. A mulher tinha cabelos longos e ondulados, sendo também muito bonita, ao seu lado a princesa Tomoyo, dessa vez com os longos cabelos negros soltos e ao lado desta, o coração de Syaoran começou a bater mais forte quando reconheceu a princesa Sakura. Como as outras, ela também usava uma tiara, seu vestido era um tanto diferente dos que todas as outras mulheres usavam. A saia tinha duas camadas, uma cor-de-rosa claro que ia até a cintura e terminava num babado branco, revelando a parte de baixo num tom rosa mais escuro, na parte de cima haviam traçados de cada lado com fios no tom mais escuro de rosa que também era a cor de um laço grosso na cintura.
As três tinham no rosto o que parecia um ar de riso olhando para a mulher que ia à frente, todos batiam palmas e fizeram reverências assim que elas terminaram de descer. Sakura olhava ao redor e Fay levantou um braço bem alto para chamar sua atenção, ela foi na direção deles com um sorriso.
As pessoas com quem Fay estivera conversando cumprimentaram a princesa e depois Fay as induziu a ir com ele cumprimentar a rainha Sonomi, deixando Syaoran e Sakura a sós. Por trás de Sakura, ele ainda piscou para Syaoran antes de ir.
- Me desculpe, eu tinha dito que viríamos juntos, mas Tomoyo me pediu para vir aqui cedo experimentar essa roupa que ela tinha feito para mim.
- Tudo bem... ela FEZ essa roupa para você?
- Sim, Tomoyo é meio obcecada com algumas coisas... – Ela respondeu com um sorriso amarelo. – Mas, nossa! Estamos falando de mim e você está perfeito com essa roupa! – Ela exclamou, olhando-o de alto a baixo. – E você ajeitou o cabelo?
- Foi a Asuka...
- Ela fez um excelente trabalho! Ficou ótimo!
O comentário deixou Syaoran muito vermelho. De repente, Sakura pegou a mão dele, dizendo:
- Quer vir aqui um momento?... Meus pais disseram que querem conhece-lo.
- Ah... certo. – Syaoran respondeu, já acompanhando Sakura.

Continua...