Era Uma Vez escrita por annaLI


Capítulo 3
Capítulo 3


Notas iniciais do capítulo

Demorou um pouco, mas aqui está o cap 3...



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    - Você deixou o pequeno Sora bem animado. – Kotaru comentou com ele, já à noite no quarto tirando os sapatos.


    - Aquela moça ruiva... é mãe dessas crianças?


    - Só da menor, a Satsuki. Os outros dois são irmãos, os pais deles morreram dois anos atrás. Asuka está aqui desde que Satisuki era um bebê... acho que se pode dizer sim que ela passou a ser como uma mãe para todos eles... Amanhã o dia vai ser agitado, vamos decorar a casa.


    - Decorar?


    - É, o natal é daqui há alguns dias...


    - Natal?


    - É, vai dizer também que não conhece o natal?... Bem, é difícil de explicar... acho que é outra coisa que você terá de descobrir sozinho.


    Como Kotaru tinha dito, todos estavam agitados no dia seguinte. Quando Syaoran acordou, encontrou-os na sala abrindo caixas e retirando a poeira de objetos estranhos para ele que tiravam de dentro delas. Não tinha sido preparada a mesa para o café, todos tinham nas mãos torradas, xícaras de chá ou outra comida que tinham pegado na cozinha.


     Alguém bateu na porta e a D. Hoshido correu para atender.


    - Bom-dia! – Era a princesa Sakura, com o rosto muito corado pelo vento lá de fora. – Já chegamos. – E ela deu espaço para a entrada de um enorme pinheiro, árvore que Syaoran já tinha visto algumas vezes em alguns lugares frios que conhecera.


    - Ai, está perfeita! – D. Hoshido colocou as mãos na bochecha sorrindo.


    Os homens que a traziam, depositaram-na bem no centro na sala. Estavam ajeitando para que ela ficasse devidamente em pé quando ele saiu de fininho para a cozinha. Se sentou na mesinha de lá e se serviu de torradas com geléia. Alguns minutos depois, Sakura chegou na cozinha também, sorrindo, disse:


    - Oi, posso me sentar com você?


    Ele só acenou uma vez com a cabeça e ela se sentou à frente dele, pegando também uma xícara e se servindo de chá.


    - Puxa, está bem frio, né?


    - Porque não me contou que era princesa?


    - Bem...


    - Não se incomoda que as pessoas não a tratem como devem?


    Ela ficou calada por uns instantes, passando geléia numa torrada.


    - Pra dizer a verdade, eu me incomodo mais que as pessoas sejam gentis comigo só por eu ser princesa. Sabe, é muito chato não saber quando as pessoas estão sendo verdadeiras ou... só estão querendo agradar.


    Syaoran parou por um instante, nunca tinha pensado algo assim, sempre só quis que todos fizessem o que ele quisesse e pronto, não dava a mínima para o que pensavam.


     - Você não precisa me tratar diferente, ok? – Ela completou, com um sorriso maior, ele não conseguiu evitar corar um pouco – Seus ferimentos estão melhores? Vejo que sua mão parece realmente boa. D. Hoshido me contou que o doutor veio ontem... e que você deu um grito quando ele pôs sua mão no lugar.


    - Aquele cara é um bruto.


    Da sala, eles ouviram D. Hoshido começar a cantarolar uma música bem alto.


    - Ai, eles começaram! Vamos lá. – Ela sacudiu as mãos e se levantou.


    - Eu não, vou ficar por aqui mesmo...


    - O quê? É claro que não, deixa disso, vamos logo! – Ela estendeu uma mão à ele – Vai ser divertido!


    Ele ficou uns segundos vendo-a sorrir, até responder, sem perceber direito o que dizia.


    - T..tudo bem.


    - Ótimo. – Sakura puxou a mão dele e o arrastou até a sala. Pegou uma das caixas no sofá e entregou a ele.


    - Pega, pendura elas na árvore.


    - Como?


    - De qualquer jeito. Como você achar que fica bonito.


    Ela pegou outra caixa e começou a amarrar laçinhos dourados por todo o verde do pinheiro.


    - Consegui umas receitas de faisão para o almoço de natal. – D. Hoshido comentava alegre.


    - Ai, eu adoro faisão! – Sakura falou – Posso vir para o almoço de natal?


    - Você não passa sempre as manhãs de natal com a princesa Tomoyo?


    - Sim, esse ano Tomoyo vem pra cá. Poderia traze-la também?


    - Oba! Vamos ter duas princesas no natal! – A pequena Satsuki falou.


    - A mãe dela não se importa? – Asuka perguntou.


    - Não, ela gosta que Tomoyo esteja comigo.


    - Então, tudo bem. – D. Hoshido respondeu, voltando a cantarolar.


    - Obrigada!... Syaoran, não precisa deixar uma bola debaixo da outra... aqui, olha como ficam mais bonitas espalhadas...Ai, desculpa, eu disse pra você arrumar como quisesse.


    - Eu quero pôr a estrela esse ano! – Amaya disse fazendo biquinho.


    E Sora debochou com voz de falsete:


    - “Eu quero pôr a estrela esse ano!”. Sou eu que vou pôr! Você não passa de um bebê chorão!


    - Eu não sou chorona!


    - Não briguem meninos. – Asuka falou. – Quem vai pôr a estrela esse ano é o Syaoran. Ele acabou de chegar, será nossa maneira de dar boas-vindas.


    - O quê? Eu? Não, eu... acho que... os dois deveriam pôr.


    - Os dois?


    - É... ahn... cada um segura um lado da estrela, e...


    - Seria legal! – Amaya falou alegre. – Syaoran, você me levanta?


    - Ahn?


    - Querida, o Syaoran não... ele está se recuperando...


    - Tudo bem, acho que não estou tão acabado a ponto de não conseguir segurar uma garotinha.


    - Desculpe, não foi o que eu quis dizer...


    - Claro que não!... – Kotaru interveio – Tudo bem, então, Syaoran você levanta a Amaya e eu o Sora. Vamos.


==========


    Naquela noite, Syaoran não conseguia dormir. Sentia que algo o incomodava, mas não sabia explicar o quê. “Como se eu não tivesse nada que pudesse me incomodar”.


    Ele se levantou e foi até o banheiro, o que ele queria era se olhar no espelho. Desde que tudo aquilo lhe acontecera, ele evitava o máximo possível qualquer coisa que pudesse refletir sua atual aparência. Mas, naquela noite ele teve vontade de olhar melhor. Ele tentou de tudo, nada o fazia sentir mais apresentável. Por algum motivo, ele não parava de pensar nos olhos da princesa, era muito ruim que o vissem daquela forma.


    “Ah, até parece que esse é o maior dos meus problemas.”


    Irritado, ele saiu do banheiro batendo a porta. No caminho de volta ao quarto, outra porta do corredor foi aberta. O rosto da senhora que também morava na casa e que ele não vira desde o dia em que ficara conhecendo os outros moradores do abrigo. Lembrou-se de algo que ouvira numa conversa à mesa sobre alguém doente na casa, devia ser ela.


    Muitos anos mais velha do que ele aparentava, ela ficava em pé meio curvada e apertava bem os olhos para enxergar melhor.


    - Kijiura. – Ela disse com sua voz rouca, olhando pra ele.


    - Hã?


    - Eu sabia que você ia voltar. – Ele viu lágrimas caírem dos olhos dela.


    - O quê?


    Ela estendeu a mão e tocou o rosto dele.


    - Você está bem? Seu pai... ele vai ficar muito feliz em vê-lo.


    Da porta que ela deixara meio aberta, surgiu D. Hoshido.


    - Vovó, quando você acordou? – E dirigindo-se à Syaoran: - Desculpe, acho que ela está confundindo você com meu irmão, por causa das roupas. Foi ela mesma quem tricotou esse pijama. Vovó, vamos lá. Volte pra cama. – Ela se retirou segurando a senhora que continuava a olhar Syaoran com o rosto virado.


    “Eu, hein!”. O príncipe voltou ao quarto para tentar dormir.


    No dia seguinte, ele ouviu D. Hoshido dizer que sua mãe não pregara o olho depois daquilo e também não quisera comer. Syaoran quis perguntar uma coisa na hora, mas achou que não devia, esperou um momento no outro dia em que encontrou Kotaru sozinho lendo na sala de estar.


    - Afinal, o que houve com o irmão de D. Hoshido?


    - Ah, é uma história bem triste, ele e o pai morreram uns anos atrás. Eles moravam um pouco distante da cidade, tinham ido caçar nas montanhas e houve uma avalanche terrível. O pai eles encontraram o corpo, mas Kijiura não. D. Hoshido ainda era bem jovem, a mãe morreu quando ela ainda era criança e a única família que lhe restou foi a avó. D. Hidemi sempre acreditou que Kijiura não tinha morrido e, com o tempo, sua consciência foi fugindo, até que ela chegou ao ponto de não reconhecer ninguém ao seu redor, são bem raros os momentos de lucidez... Acho que foi muito mais para afastá-la de tudo que fazia sua mãe lembrar do neto e do filho que D. Hoshido aceitou se casar com um homem daqui da cidade e assim ela ficou conhecida aqui pelo sobrenome dele. O casamento deles durou muito pouco, um tempo depois de ele morrer eu vim morar aqui... – Depois de uma pausa, Kotaru voltou a falar – Nós éramos como vizinhos antes de ela vir morar aqui, depois que perdi minha família num incêndio, também vim morar aqui na cidade – Ele abriu o livro que lia e retirou um papel meio grosso, velho e amassado que estendeu a Syaoran.


    - Essas eram minha mulher e minha filha. – Era uma pintura que mostrava uma mulher de cabelos loiros amarrados num coque segurando os ombros de uma menina de uns quatorze anos. – Apesar de ter sido feita um tempo antes de morrerem, elas não estavam muito diferentes. Minha menina ia casar, ela estava muito feliz...


    - Elas morreram num incêndio?


    - Sim, foi terrível... provavelmente começou pelo andar de baixo, elas não tiveram tempo de escapar... minha filha ainda sobreviveu ao incêndio, mas não resistiu... – Ele sacudiu a cabeça e guardou de volta a pintura no livro – Agora, eu tenho uma nova família... é isso mesmo. Esse lugar se tornou muito mais que um abrigo pra quem não tem para onde morar, é um lar para aqueles que procuram o aconchego de uma família... Ah, me desculpe, devo estar aborrecendo você com essa história... mas a verdade é que todos aqui tem alguma história terrível para superar. – Ele concluiu com uma espécie de risada amarela.


    O príncipe ficou calado olhando o chão.


    - Você, Syaoran, também perdeu sua família?


    - Eu... perdi o meu pai quando eu era muito pequeno... mas nunca tinha parado pra pensar nele... – Ele não falou mais nada.


    D. Hoshido vinha descendo as escadas com uma bandeja na mão, quando passou por eles, viram seus olhos vermelhos e úmidos. Ela foi até a cozinha e Kotaru foi atrás dela. Uns instantes depois, Syaoran também se levantou e ouviu o que falavam pela porta entreaberta.


    - Ela se recusa a comer... não sei mais o que fazer – D. Hoshido falava entre soluços. – Ela está muito fraca... se continuar assim...


    - Fique calma, vai ficar tudo bem...


    Ela continuou chorando por mais um tempo, até Syaoran ouvir uma inspiração forte e imaginar que ela secava as lágrimas.


    - Ai, eu tenho que fazer algumas compras para as comemorações de amanhã. Vou até o mercado.


    - Eu acompanho você, vai precisar de ajuda para trazer tudo.


    - Obrigada. Eu só vou buscar minha bolsa e meu casaco. – Ela nem percebeu Syaoran escondido atrás da porta que ela abrira. Ele correu e se sentou num dos sofás na sala, pegou um livro na estante e fingiu que lia quando Kotaru apareceu, instantes antes de partir com D. Hoshido.


    Asuka e as crianças tinham saído. Ele foi até a cozinha, D. Hoshido tinha deixado a bandeja com mingau que trouxera de volta em cima da mesa. Ele ficou olhando por uns instantes, ainda pensando no que Kotaru acabara de lhe contar, até se decidir e pegar a bandeja. Andou devagar até parar em frente à porta de onde ele vira sair a mulher que o confundira com seu neto. Bateu duas vezes antes de abrir a porta. O quarto era um pouco maior do que aquele em que ele dormia, tinha uma cama de solteiro e outra de casal, onde a mesma senhora estava agora deitada, coberta com o lençol olhando fixamente o teto. Pareceu não perceber que alguém entrara até ele estar ao seu lado. Deixou a bandeja no criado-mudo e se sentou na beirada da cama dela. Os olhos dela voltaram a se apertar para tentar vê-lo melhor como naquela noite e ela disse devagar:


    - Querido, você mudou tanto... deve ser por isso que sua irmã não acredita que é você... mas eu sei... eu sempre soube... – Ela passou a mão no rosto dele e deu um sorriso.


    - ... Voc.. Vovó... precisa comer... eu só voltei pra ver se estava bem... aqui. – Ele pegou a bandeja e levou até a boca dela uma colher cheia. Sem deixar de olhá-lo, ela tomou.


    - Ela está preocupada, porque se recusa a comer?


    Ela continuou tomando o mingau em silêncio apenas observando-o e continuou assim até o prato esvaziar, meia hora depois. Daí, ela tomou a mão direita dele entre as suas mãos e falou:


    - Me perdoe por aquele dia... não deveria ter permitido que ele o levasse, você era tão jovem, ainda não tinha idade para caçar... – Ela baixou a cabeça e começou a chorar.


    Depois de pensar um pouco no que fazer, Syaoran pôs sua outra mão por cima das mãos dela e disse:


    - Tudo bem, ficará tudo bem se me prometer uma coisa.


    - O quê?


    - Que daqui em diante vai viver sua vida sem pensar no passado e tentar ser feliz.


    - Ah, meu filho, no fundo continua o mesmo... todos esses anos... por favor, pegue meus óculos para eu dar uma boa olhada em você.


    O príncipe se levantou e saiu depressa do quarto depois de dizer:


    - Poderá me ver melhor em breve.


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Notas finais do capítulo

O capítulo já está maior do que devia, então por enquanto é só Obrigada pelos reviews.