Afterlife - o Despertar escrita por vtrpotter, Sparky


Capítulo 2
Passeio


Notas iniciais do capítulo

A partir de agora, eu formulo e Sparky escreve.



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Quando eu despertei, a luz que penetrava pela janela deixara de ser amarelada, assumindo um pálido tom azulado. Eu havia dormido até o anoitecer; eu podia ver pela janela a lua já alta no céu. Me sentei no sofá e olhei em volta.  Tudo estava exatamente no mesmo lugar desde que eu adormecera. As mesmas paredes descascadas, os mesmos móveis empoeirados. O cheiro de poeira e mofo invadiu minhas narinas, um pouco mais intenso do que eu me lembrava. Meus olhos aos poucos se acostumavam com o negrume noturno. Logo, eu já via tudo claramente, como se fosse dia. Estranho.

Eu não tinha a menor idéia de como fora parar ali. Mas também tinha a sensação de que não fora levado por alguém. Minhas memórias da noite anterior continuavam meio vagas; não conseguia me lembrar do que acontecera comigo, ou com aquelas pessoas estranhas. Me levantei lentamente e cruzei o quarto tentando não fazer barulho. Mesmo que aquela casa fosse de fato desabitada, acho que não seria uma boa idéia sair me arriscando. O assoalho desgastado e apodrecido não rangeu sob meus pés, como que pensei que fosse acontecer. Novamente, era como se eu não tivesse peso.

A primeira coisa que senti ao pisar fora da casa foi a suave e fresca brisa da noite. Não estava frio, nem calor. Observei as redondezas. Tudo era muito similar ao que eu me lembrava de quando vivo, porém aquelas casas pareciam ter perdido uma luta contra o mais formidável oponente: o Tempo. O que me fazia pensar: onde estou? E mais importante: QUANDO? Aquela sensação de que muitos anos haviam se passado voltava a me incomodar.

Caminhei cautelosamente pelas ruas. Parecia um estranho e louco déjà vu; eu já havia passado naquele lugar. Mas ao mesmo tempo, eu não conseguia me lembrar quando. Nem como. E conforme eu ia olhando, uma agonia estranha ia se instalando em meu peito. Como se eu estivesse em perigo, como se eu precisasse me proteger de alguma coisa. Porém, assim que o déjà vu se foi, com ele foi a agonia.

Então eu os vi.

Montes e montes deles, uns em cima dos outros. Imóveis, mortos como deveriam estar.

Carbonizados.

Eu fui me aproximando vagarosamente dos cadáveres; o fedor de putrefação chegou ao meu nariz enquanto eu ainda estava a uma grande distância do amontoado de corpos. Quanto mais perto eu chegava, pior ficava. Não só por causa do cheiro, mas também porque era uma cena horrenda de se ver. Grande parte dos cadáveres parecia ter tido sua cabeça violentamente arrancada, assim como braços, pernas e pedaços aleatórios. O chão estava manchado de sangue escuro e podre em vários pontos. E eles estavam completamente queimados, em carne viva. Ocorreu-me que o sol fora responsável pelas queimaduras. Com certo receio, estiquei minha mão e virei uma das cabeças para ver seu rosto.

Era a garota que mordera meu braço.

Quase instintivamente, afastei-me do monte. A cabeça caiu e rolou até meus pés.

O que – ou quem – quer que tivesse feito aquilo, eu era muito sortudo de ter escapado.

Ainda um pouco abalado, deixei os corpos para trás. Corri rua abaixo, numa velocidade surpreendente; até me assustei um pouco com a distância que cobri em tão pouco tempo. E eu não me cansava. As casas começavam a rarear e prédios um pouco mais altos despontavam no horizonte. Eu estava entrando no centro comercial.

Que não era nada diferente em termos de completo abandono.

A única coisa que eu ouvia era o sopro do vento. Havia alguns papéis jogados no chão, me lembrando de todo aquele movimento em prol da preservação do meio ambiente. Também vi alguns carros parados, amassados, às vezes com os vidros estilhaçados ou uma porta arrancada. A cada passo que eu dava, mais forte ficava a impressão de que o mundo havia acabado e haviam esquecido de me avisar. Principalmente quando mais mortos começaram a aparecer.

Por vezes, os mortos eram quase apenas ossos, como se houvessem sido devorados por algum animal feroz. Porém, alguns – que tinham aquela mesma aparência macabra dos que haviam me atacado – tinham inúmeras marcas de tiros no peito e na cabeça. O que me fazia acreditar que não era o único lutando por sobrevivência.

Mas uma hora o número de carcaças semi-devoradas começou a aumentar; os loucos estavam deixando um rastro. E eu não queria dar de cara com eles novamente.

Um dos prédios – que deveria ter no máximo oito andares – estava com a porta da frente completamente escancarada. Destruída, melhor dizendo. O último andar deveria ser um bom lugar para observar as redondezas. Se eu conseguisse descobrir o local exato no qual aquelas criaturas se encontravam, eu poderia facilmente evitá-las. Entrei no edifício, saltando por cima de alguns destroços, e me dirigi às escadas, supondo que os elevadores não deveriam estar funcionando. Consegui subir por três ou quatro andares, porém não havia como subir mais a partir daquele ponto. Uma boa parte do teto e das paredes havia desmoronado, destruindo a continuação da escada.

Pela primeira vez naquela noite, parei. Parei para pensar. Tentar entender. O mundo que eu encontrara após pular daquela janela não era o mundo do qual eu saíra depois de morrer. Isso eu já sabia. Talvez até fosse o mesmo, na essência, mas a realidade na qual se encontrava era outra. Cidades completamente abandonadas? Sol que queima como fogo? Pessoas estropiadas e deformadas que gemiam e se arrastavam como se sentissem muita dor e atacavam qualquer coisa viva que entrasse em seu caminho?

Esses pensamentos, de certa forma, me incitaram a continuar minha busca. Juntando um pouco de coragem, espiei pelo grande buraco que dava para o exterior. Quem sabe eu conseguiria terminar a subida pelo lado de fora. De onde eu estava, queda seria quase igual à da noite anterior. O medo passou. Olhei para cima e vi aqueles cilindros finos de metal que serviram para dar suporte à parede de concreto enquanto ela ainda estava inteira. Se eu me pendurasse neles, poderia continuar subindo pelas saliências das janelas.

Eu nunca tinha praticado Le Parkour antes. Sempre achara muito interessante, mas jamais pensara em fazer eu mesmo. Agora, com o fato de que cair não iria me matar, eu estava fortemente inclinado a fazê-lo. Estralei meus dedos, me preparando para a ação, e me posicionei a alguns metros da viga. Um salto deveria ser suficiente para alcançá-la.

Corri para tomar impulso e pulei, mais alto do que esperava. Por pouco não seguro no suporte, mas consegui ficar pendurado por uma mão. Estranhamente – como muitas coisas que aconteceram desde que acordei – meu braço não doeu e a palma de minha mão não ardeu como acontecia quando ficava segurando algo com muita força. Eu não fazia esforço nenhum para ficar ali. Distribuindo meu peso nos dois braços, fui escalando pelas barras de metal até chegar ao concreto da parede. Tateei pelo lado de fora até encontrar um parapeito de janela, e em seguida me pendurei nele.

Um vento gelado bateu nas minhas costas, mas eu não senti frio. Forcei-me para cima até poder alcançar a divisória com uma das mãos, e novamente era como se eu não estivesse fazendo força alguma. Fiz o mesmo para então segurar na parte superior da janela e apoiar meus pés no parapeito. Aquilo era emocionante. Mesmo sabendo que não havia nenhum perigo em cair, ainda existia aquela sensação de desafiar o perigo. Rapidamente me acostumei com o ritmo da subida e ia praticamente saltando de janela em janela. Me sentia o próprio Homem-Aranha.

Cheguei ao topo do edifício pouco tempo depois. Não estava nem um pouco cansado. Estranho. Caminhei pelas beiradas, observando a cidade a minha volta. Tudo parecia tão vazio, tão... Morto. E nem sinal daqueles loucos. O lugar continuava silencioso e parado. Nada se movia. Quilômetros e quilômetros de pura quietude.

Levei a mão ao rosto com menção de ajeitar meus óculos.

Foi então que me lembrei que estava sem óculos.

E me ocorreu um pensamento: como demônios eu estou enxergando? E enxergando tão bem?

Eu usara óculos desde meus oito anos. Sem eles, não enxergava um palmo a frente do nariz. Na verdade, mal enxergava um dedo. Então como eu via tudo tão claramente agora, sem eles? Mais um dos acontecimentos estranhos e inexplicáveis. Mas eu não podia reclamar.

Fico imaginando que surpresas esse novo mundo ainda me reserva.

De repente, ouvi o zumbido de algo cortando o ar muito rápido. Menos de um segundo depois senti um forte impacto bem no meio de minhas costas, que me lançou para frente numa velocidade vertiginosa e arrancou um grito gutural de minha garganta. Aquilo fora um tiro? Eu não sentira a perfuração de uma bala, mas tinha quase certeza que tinha sido atingido pelo disparo de uma arma. Fui arremessado do topo do edifício para uma queda espetacular. Eu ia girando no ar conforme tentava retardar meu inevitável encontro com o solo. O vento batia em meu rosto violentamente, e eu já esperava que meu ‘pouso’ fosse ser um pouco mais difícil.

Ao tocar o chão, tentei me manter de pé, mas meus joelhos falharam. Caí e rolei por alguns metros, sentindo minha roupa rasgar em contato com o asfalto. Minha pele ardeu, mas não senti nenhum sangue escorrendo. Enquanto tentava me recuperar do tombo, ouvi passos na distância. O dono deles parecia estar correndo. Apoiado em meus braços, vi uma silhueta se formar no meio do breu. E nas mãos dessa silhueta, uma sniper apontada diretamente para mim.

Uma pancada forte na testa. Tudo ficou escuro. A última coisa que me lembro foi de ter escutado a voz distorcida da silhueta dizer algo como “Que diabos... Esses bichos estão ficando cada vez piores.”


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Notas finais do capítulo

Até o próximo capítulo o/



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