Espinhos, Veneno e Hogwarts escrita por Yukii


Capítulo 4
A herança do sangue Malfoy




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     - Você está lembrado que eu disse para praticar feitiços não-verbais, Potter?
     - Sim.
     - Sim, 'senhor'.
     - Não é preciso me chamar de 'senhor', professor.

- Harry Potter e o Enigma do Príncipe





     As semanas em Hogwarts passavam rápido para Rose e Albus, e ambos mal repararam que já haviam 3 semanas que estavam estudando no castelo. Eles estavam mais enturmados com os colegas da Grifinória, o que aliviou Albus, que sempre temera ficar isolado de todo o resto, por uma razão qualquer. Mesmo que isso eventualmente acontecesse, sabia que Rose estaria ao seu lado.

     O que Albus não percebeu é que as pessoas provavelmente nunca o ignorariam da forma que ele achava - além de ser conhecido como "o outro filho de Harry Potter", embora esse título fosse um pouco estranho, a personalidade do Potter cativava os colegas grifinórios. Ele fazia questão de escrever nas cartas para os pais o quanto estava feliz na Grifinória, junto com Rose e seus colegas.

     Scorpius, é claro, continuava amigo dos dois grifinórios, embora ultimamente ele agisse cada vez mais distante - pelo menos na opinião de Rose. A garota reparou que antes ele costumava tagarelar por bastante tempo com Albus na ponta da mesa da Sonserina, durante as aulas e em quaisquer outras ocasiões. Agora, porém, o sonserino parecia se esquivar dos dois colegas, murmurando respostas vagas e frias para ambos, ao que Rose agradeceu aos céus por pouco falar com aquele garoto estranho.

     Apesar da atitude de Scorpius lhe intrigar bastante, aquilo não permaneceu na mente de Rose por muito tempo. Ela estava determinada a não desapontar a reputação estudiosa de sua mãe, conquistada a tanto custo, e por isso gastava todos os minutos que podia estudando e revisando as matérias, por mais simples que estas fossem - graças a isso, não havia muito mais espaço livre na cabeça da garota para qualquer outra coisa. Uma ou duas vezes, ela tentara puxar assunto com Albus sobre o comportamento estranho de Scorpius, mas seu primo parecia não reparar nada de estranho na atitude do amigo.

     O assunto só voltou para a cabeça de Rose numa manhã cinzenta da última semana de setembro, o último sábado do mês.

     Os braços de Rose estavam carregados de grandes volumes empoeirados alugados da biblioteca há pelo menos uma semana, e ela caminhava com certo esforço pelo corredor comprido e deserto. Lá fora, além das enormes janelas de vidro e ferro, o céu estava empalidecido e cinza ao mesmo tempo, e um grupo de alunos se reunia a alguns metros do castelo, no grande campo de quadribol. Albus estava em algum lugar das arquibancadas, assistindo os testes de novos jogadores do time da Grifinória, dos quais ele ainda não podia participar, para seu imenso desgosto. Ele chamara Rose para vir junto, mas ela recusara o convite, alegando que precisava terminar o trabalho de Defesa Contra as Artes das Trevas que o prof. Harvey passara - o que era verdade.

     O prof. Harvey era um problema especial de Rose. Ele era o único professor que não a prestigiava pela sua inteligência nem pelo seu sobrenome - ele não a prestigiava por coisa nenhuma. De início, Rose achava que ela mesma deveria estar sendo meio impertinente nas aulas de Defesa Contra as Artes das Trevas, mas bastou algum tempo para que ela percebesse que Harvey simplesmente não conseguia gostar dela. Ele não era velho - era o professor mais jovem do colégio, no auge da idade adulta. Seu cabelo negro despenteado arrancava suspiros das alunas mais velhas, e sua atitude despreocupada misturada a um humor sarcástico e pungente surpreendia a maioria dos alunos. Rose não fazia questão de ser a aluna preferida de Harvey, mas tampouco queria ser tratada daquela maneira por um professor. Ele tinha um interesse especial de cobrar as tarefas dela mais do que a de qualquer outro aluno, e essa era a razão que levara Rose a alugar tantos livros na biblioteca após o trabalho ser passado; Harvey provavelmente leria os dois metros de pergaminho até o fim, linha por linha, procurando algum pretexto idiota para arrancar pontos da garota.

     Felizmente, seus dois metros de pergaminho já estavam completamente preenchidos com o dever sobre azarações físicas básicas e como evitá-las, e Rose aproveitava aquele meio de manhã para devolver todos os livros que alugara. No final do corredor, a Weasley já conseguia escutar o burburinho do Salão Principal, e sua barriga protestou de fome quando ela imaginou quantos lances de escada a separavam da biblioteca. Imaginando que poderia devolver os livros após o café da manhã, Rose dobrou o corredor e seguiu para o Salão Principal.


     O saguão estava deserto, exceto por uma figura que caminhava com certa dificuldade para as portas do salão. Reconhecendo os cabelos loiros que nunca conseguiam ficar arrumados, Rose constatou que aquele era Scorpius, embora houvesse algo de errado com ele - estava mancando.

     O grosso volume de Azarações Alérgicas para Principiantes escorregou do topo da pilha de livros que Rose segurava, e ela fez um movimento brusco para apará-lo. O som do livro se chocando com a mão aberta da grifinória fez Scorpius se virar rapidamente, de olhos arregalados, como se esperasse ver algum monstro.

     - Ah, é você, Weasley. - resmungou ele, antes de fazer meia-volta com o corpo para voltar a andar em direção ao Salão.


     - Seu queixo está machucado - observou Rose, mirando o arranhão largo que havia logo abaixo da boca de Scorpius.

     - Eu sei - replicou o Malfoy com leve sarcasmo.

     Ele se afastou, os passos desiguais ressoando no piso enquanto mancava. Rose franziu a testa, sentindo aquele ar de dúvida rodeá-la mais uma vez. Queria perguntar porque Scorpius não estava no campo de quadribol junto com Albus, mas a frieza do garoto para com ela ainda fazia uma certa aversão contra aquele garoto sonserino crescer em Rose. Assim, ela imitou o gesto de Scorpius e entrou no Salão, tomando cuidado para caminhar até a mesa da Grifinória sem derrubar nenhum livro.


     Na mesa comprida, apenas umas poucas garotas estavam sentadas - a manhã já estava no seu meio, afinal, e a maioria dos grifinórios estava ocupada assistindo aos testes de quadribol. Aproveitando-se dos bancos vazios, Rose atirou a pilha de livros no assento ao seu lado, e puxou a travessa com bacon para perto de si. Estava ocupada em adicionar leite no seu chá, quando uma voz arrastada falou em algum lugar próximo a ela:

     - Alugou toda a biblioteca, srta. Weasley?

     Rose mal precisou levantar a cabeça para enxergar o professor Harvey parado a poucos passos de sua mesa. O sorriso irônico dele era tocado pela ponta dos fios bagunçados do cabelo negro.

     - Não - respondeu a garota com simplicidade.

     - Não, senhor - corrigiu o professor.

     Rose fez uma careta. Ela não omitira a forma de tratamento propositalmente, apenas se esquecia de chamar aquele homem - que parecia uns dez anos mais jovem que seu pai - de senhor. Sentiu vontade de imitar a atitude de seu tio Harry, que, segundo seu pai, já passara por uma situação como aquela, e respondera algo que se punha numa altura perfeita para o sarcasmo de Damon Harvey.

     - Me desculpe, senhor - Rose respondeu-o sem entusiasmo.

     Harvey sorriu mais uma vez.

     - Não há problema, Srta. Weasley. Vejo pela quantidade de livros que se empenhou em fazer o trabalho que passei.

     - Perfeitamente, senhor.

     O professor rasgou mais um sorriso maldoso para ela, como se fosse alguma espécie de coringa de circo, e se afastou a passos lentos para a mesa dos professores. Rose girou os olhos, sentindo falta de James ao seu lado, que nunca perdia a oportunidade de fazer piadinhas a respeito de Harvey.

     Depois de comer tudo o que escolhera para seu prato, Rose lançou um rápido olhar para a mesa da Sonserina. Por um momento, não localizou Scorpius; depois, conseguiu enxergá-lo, cercado por um grupo de três ou quatro colegas da Casa, visivelmente mais altos que ele. Todos tinham sorrisos de escárnios semelhantes aos do prof. Harvey, mas Scorpius não sorria. Depois de alguns poucos minutos sendo observados atentamente por Rose, os sonserinos se dispersaram, deixando Scorpius sozinho em seu canto, encarando o prato vazio.

     O Salão estava quase vazio quando Rose se levantou com os livros, caminhando pelos corredores sombrios até a biblioteca. Depois de devolver todos os livros aos seus respectivos lugares - o que lhe valeu um olhar de ríspida aprovação dado por Madame Pince -, a Weasley voltou para o Salão Comunal da Grifinória, onde ela pretendia terminar os deveres de Herbologia e Feitiços. Afundada em uma das poltronas em frente à lareira apagada, Rose mal se deu conta do tempo passar, nem dos gritos animados dos primeiranistas que espiavam o campo de quadribol por uma janela aberta da torre.

     Seu estômago desconfortável lhe avisou que já era hora do almoço, o que fez Rose saltar da poltrona e fechar todos os livros e apontamentos. Depois de guardar tudo, ela seguiu pelos corredores de volta ao Salão Principal, num perfeito exemplo daquilo que James chamaria de uma manhã monótona, e, para ela, tratava-se de uma manhã produtiva.

     O cinza pálido estava mais claro, refletido no teto do imenso salão. Rose percebeu que a massa de gente concentrada ali era bem maior do que durante a hora do café da manhã, e logo avistou o braço de Albus acenando para ela de algum lugar da mesa da Grifinória.

     - Al! - Rose sentou-se em frente ao primo. - Como foi lá no campo de quadribol?

     Albus mastigou e engoliu o monte de torta de carne que tinha na boca, antes de responder:

     - É incrível, Rose! Você devia ter ido. É melhor do que assistir quadribol por gravações ou algo assim.

     - Eu tinha que terminar o trabalho de Defesa Contra as Artes das Trevas e as tarefas de Herbologia e Feitiços. Se eu bem lembro, você também não terminou - Rose censurou o primo com um olhar sério.

     Albus deu um sorrisinho.

     - Eu posso fazer isso depois, certo? Ainda é sábado, Rose. Além do mais, o prof. Flitwick nunca é rigoroso com tarefas.

     Antes que Rose pudesse responder, uma massa de grifinórios se juntou em volta de Albus, rindo e conversando com o colega sobre o que haviam visto no campo de quadribol. Mesmo sendo tímido e inseguro, Albus conseguia conquistar as pessoas muito facilmente - Rose se viu de volta em suas reflexões matinais, quando pensara como era surpreendente o quanto Albus era querido pelos grifinórios, e quantos amigos ele tinha. Aquilo era bom, mas a assustava um pouco. E se Al trocasse a sua companhia pelos novos amigos?

     - Você vai ver os testes depois do almoço, Rose? - a voz ansiosa de James perguntou, enquanto ele se aproximava e sentava-se ao lado da prima.

     - Onde você estava, James? Al chegou antes de você - comentou a Weasley, puxando uma jarra de suco de abóbora para perto de si.

     - Eu estava olhando o uniforme do pessoal do quadribol. - Os olhos de James brilharam, e ele sorriu. - Eu vou participar dos testes para artilheiro! Você vai me ver?

     Rose sorriu, lembrando-se de todas as vezes que escutara James falar sobre a sua ansiedade pelo início do ano letivo, quando finalmente teria chance de fazer os testes para participar do time da Grifinória, já que cursaria o segundo ano de Hogwarts.

     - Acho que vou. Mas primeiro tenho que terminar minha redação de Herbologia.

     James rolou os olhos.

     - Céus, Rose! Você fala como se fosse uma quintanista ou algo do tipo! Acredite, eu nunca fiz muitas tarefas no primeiro ano, e, olhe só, já estou no segundo. - ele se empertigou em cima da cadeira.

     - Eu não acho certo deixar as tarefas para depois. - Rose fez uma careta, e olhou para Albus, que conversava com o bando de colegas. - Pelo visto, isso é um mal de família.

     - O Al é engraçado, não? - James riu. - Eu imagino o desespero dele se tivesse caído na Sonserina. Mas, por Merlin, ele faz sucesso na Grifinória. Acho que ele roubou minha luz. - ele finalizou a frase com uma careta de desgosto.

     Rose não pôde deixar de rir, e continuou a conversar com o primo enquanto almoçavam. Em determinado momento, o assunto pendeu para o lado da Sonserina mais uma vez, quando James mencionou o sonserino que Ted Lupin havia esmurrado no ano anterior, e Rose se lembrou da cena com Scorpius naquela manhã mais cedo. Virando-se, ela constatou que o Malfoy não se achava na mesa, e não se lembrava de tê-lo visto quando chegara ali para almoçar.

     - O que está vendo aí, Rose? - questionou James, acompanhando o olhar da menina.

     - Nada. - Rose franziu o cenho, pensativa. - O amigo de Al, Scorpius, ele não está na mesa.

     - Ah, o Malfoyzinho - brincou James, voltando-se para seu prato. - Sinto pena dele. Como alguém pode disperdiçar um almoço tão bom? Se ele não se apressar, seus coleguinhas verde e prata vão acabar com todo o purê de batatas.

     Mas o almoço terminou, e não havia o mínimo sinal de Scorpius. A maneira como a Weasley fora tratada por ele naquele dia não fora esquecida pela garota, e ela perguntou-se que coisas suspeitas Scorpius estaria armando. Bem, seu pai estava certo mesmo em querê-la distante dele, talvez.

     Rose só conseguiu se levantar da mesa depois de prometer a James trinta vezes seguidas que iria ver seu teste para artilheiro; o Potter ainda tentou convencê-la de rezar para que todos os outros caíssem da vassoura antes dele, mas foi em vão.

     Ao subir para a Torre da Grifinória, Rose tentou fazer o possível para terminar sua tarefa de Herbologia o mais rápido que podia, para que James não ficasse desapontado com ela. Após passar vinte minutos riscando o pergaminho, Rose finalmente conseguiu terminar a redação sobre ervas soníferas e seus efeitos em bruxos, o que a fez guardar os livros e sair do Salão Comunal em direção ao campo de quadribol.

     Enquanto Rose caminhava por um corredor especialmente longo e cheio de quadros, ela podia ver o movimento que havia lá fora, com a retomada dos testes da Grifinória. Estava prestes a dobrar em um corredor lateral esquerdo para chegar às escadas, quando um grito sufocado despertou sua atenção.

     O som viera de algum lugar à direita, por detrás das paredes cheias de quadros. Rose piscou, assustada, encarando um quadro de freiras carmelitas. Sempre fora orientada a não se meter naquilo que não era da sua conta, mas o barulho era assustador demais para que ela simplesmente ignorasse. E Rose Weasley não era o tipo de pessoa que negava ajuda a alguém por medo ou o que quer que fosse - como seu pai dizia, ela tinha coragem que valia por dez bruxos.

     Cautelosamente, ela espiou os quadros um a um, indagando-se se o barulho viera dali. Mas boa parte dos quadros estava adormecida, e suas vozes eram mais baixas do que a voz daquele grito. Enquanto encarava um espaço liso da tapeçaria, Rose ouviu risadas, mas não eram risadas comuns - eram risadas frias que fizeram seus braços se arrepiarem, o tipo de risada que, provavelmente, o prof. Harvey seria capaz de dar em um dia que ela deixasse de entregar tarefa.

     Voltando alguns passos, Rose divisou uma entrada de corredor à direita que passara despercebida a seus olhos. Sem hesitar, ela se enfiou na extensão escura do corredor, certa de que os sons haviam vindo dali. Uma lamúria baixa e um som de algo sendo chutado confirmaram suas suspeitas.

     O corredor no qual Rose entrara estava deserto, e ela não conhecia muito bem aquela parte do castelo. A única coisa que podia deduzir era que aquele corredor levava às masmorras, devido à sua inclinação brusca e à iluminação precária. As paredes estavam completamente lisas, exceto por uma porta de sala entreaberta do lado esquerdo.

     - Você acha que alguém vai conseguir lhe escutar daqui? - questionava uma voz agressiva vinda de dentro da sala. Rose aproximou-se, hesitante. - Continue a gritar, fedelho imbecil.

     Fez-se um momento de silêncio, enquanto uma voz sufocada tentava murmurar alguma coisa. Seguiu-se então um barulho forte de soco, um gemido contido e uma explosão de risadas.

     - Vocês ouviram? Ele estava tentando dizer que os amigos dele iam ajudá-lo! - comentou a voz agressiva, sendo seguida por mais um bando de risadas esganiçadas. - Quem são seus amigos, hein, servo do diabo? Você acha que aqueles imbecis do Potter e da Weasley são seus amiguinhos? Acha que vão te salvar do seu próprio sangue imundo? Responda, nojento!

     Rose sentiu um calafrio horrível percorrer seu corpo ao ouvir seu sobrenome ser pronunciado junto com o de Al e James. Alcançando a brecha das dobradiças da porta, ela pôde ver um grupo de seis sonserinos segurando um menor pelos cabelos, enquanto distribuíam socos e pontapés no mesmo. Os cabelos loiros que escapavam por entre os dedos do maior foram reconhecidos por Rose.

     Era Scorpius.

     Ela não fazia ideia do porquê de ele estar apanhando para um grupo de colegas da sua mesma Casa, mas sabia que não poderia assistir e não fazer nada - tampouco tentar fazer algo por si mesma, visto que ela não passava de uma primeiranista com varinha contra seis varinhas de garotos mais velhos que ela. Tentando expulsar os sons de dor que Scorpius fazia ao receber socos e chutes, a garota disparou pelo corredor, correndo para longe da sala e indo em direção ao campo de quadribol, seu destino original.

     Rose não tinha um plano na cabeça. Não nascera para salvar ninguém do perigo, mas esperava que Albus pudesse lhe ajudar de alguma forma. Ela quase tropeçou nas escadas vivas de Hogwarts, e atravessou o saguão sem demora. Uma vez fora do castelo, Rose continuou a correr, a grama se prendendo nos seus sapatos, enquanto seus olhos estavam fixos nos três aros chamativos do campo de quadribol.

     - Rose! - gritou o primo, assustado, ao sentir a Weasley se chocar contra suas costas na arquibancada. - O que houve? Por que você está com essa cara?

     - Scorpius... - foi tudo o que ela conseguiu falar, no primeiro momento, ofegante pela corrida. Depois, continuou: - Scorpius está... está levando uma surra de uns garotos, Al.

     Albus empalideceu.

     - Como... o qu...?

     - Não temos tempo, Al! - insistiu a Weasley, agarrando a mão do primo. - Temos que chegar até ele, e...!

     Rose não precisou terminar a frase; por maior que fosse a sua aversão a Scorpius e seu jeito arrogante, ela não queria vê-lo espancado. Não importava se ele havia feito algo para merecer aquilo ou não, Albus e Rose estavam dispostos a ajudar o colega.

     Albus seguiu a prima pelo gramado e pelos corredores escuros, aliviado por ter sua varinha largada no bolso. Não sabia muito bem o que ia fazer, mas, como dizia seu tio Rony, uma varinha bastava em oitenta por cento das situações. Bom, as outras vinte por cento deveriam requerer um cérebro, e, nesse caso, Rose estava ali.

     - Parece que você não aprende mesmo com todos esses murros, né, Malfoy? - questionava um dos seis sonserinos quando Rose e Albus estancaram atrás da porta, ofegantes, pensando no que fazer. - Você é um maldito.

     Mais alguns socos se seguiram a essa frase. Rose sentiu seu corpo suar frio e seu estômago revirar, e Albus enterrou as unhas na palma da mão com força, a raiva se misturando ao choque.

     - Você podia ter entrado para qualquer outra droga de Casa, não podia?! - berrou o garoto agressivo que Rose escutara da primeira vez. - Podia ser um daqueles lufos retardados. Ou um grifinóriozinho defensor dos fracos. - Algumas risadas se seguiram ao tom debochado do garoto. - Quem sabe você tivesse cérebro até para ser um daqueles da Corvinal. Mas, não! Você tinha que se meter na nossa Casa. Tinha que destruir a nossa reputação de sonserinos, que levamos anos para consertar, tudo graças ao seu pai e os amiguinhos dele!

     Fez-se silêncio. Rose ouvia um som forte e entrecortado, que parecia ser a respiração de Scorpius. Albus nunca se sentira tão horrorizado na vida.

     - Você não tem coragem de responder, não é? - disse outro dos garotos, fazendo algo que soou como uma pisada no pé do loiro. - Você é um covarde, igual ao seu pai.

     - Meu pai não é covarde - sussurrou Scorpius com dificuldade. Ouviu-se um gemido fraco quando ele foi acertado por mais um soco, e Rose teve que segurar Albus pelo braço.

     - Deixe-o falar, Rawells - disse o mesmo sonserino que estava falando antes de Scorpius. - Seu pai não deve ter te contado, né, Malfoy? Bem, meu pai me contou. Ele contou que seu pai servia ao pior bruxo de todos, que foi temido durante anos. Lord Voldemort. - um silêncio frio pairou no ambiente. - Sim, aquele mesmo que estudamos na História da Magia. Porém, quando esse mesmo bruxo começou a ser rebaixado por Harry Potter, o pai do seu amiguinho Potter, seu pai foi um dos covardes que recuou, fingindo não servir ao mal, ao diabo. Era um covarde, igualzinho a você.

     - Meu pai... não é... covarde - resmungou Scorpius. A frase lhe rendeu alguns chutes.

     - É isso que dá você deixar esse pirralho abrir a boca, Foster - disse Rawells, o garoto de voz agressiva. - Apenas batam nesse idiota. Quem sabe, assim conseguimos que o papaizinho tire ele da escola, com medinho que o filho fique muito machucado. Aí poderemos ficar em paz de novo, sem um Malfoy para sujar a Sonserina.

     Os sons de socos e chutes recomeçaram, entrecortados pelos sons de dor emitidos por Scorpius. Dessa vez, Rose não fez nada para impedir que Albus saltasse de seu lugar e invadisse a sala, com a varinha em punho. Um segundo depois, a Weasley estava atrás dele, apertando a varinha nos dedos também.

     O baque da porta sendo empurrada despertara os sonserinos.

     - Oi, Potter! - exclamou Rawells em tom de deboche. - Estávamos falando do seu pai agora mesmo! Quero dizer, acho que tem alguém aqui que não tem mais condições de falar - ele apontou para os lábios inchados e roxos de Scorpius, devido aos inúmeros socos recebidos no rosto, e os comparsas de Rawells riram da piada.

     - Solte-o - pediu Albus num tom mais corajoso do que ele mesmo se sentia.

     - Claro, Potter, vamos fazer isso, somos todos seus empregados. - disse Foster ironicamente. Depois, acrescentou: - O que diabos você tem na cabeça? Acha que devemos obediência a você por ser filho do cara que matou o famoso Lord Voldemort?

     - Nós não queremos nada, apenas deixem ele em paz, por favor - pediu Rose, sua voz saindo trêmula. Não se sentia muito corajosa para confrontar aqueles garotos, mas não queria ficar simplesmente quieta num canto.

     - Oh, todos os salvadores estão aqui! - debochou Rawells, arrancando risadas dos companheiros. - Weasley e Potter, os famosos primeiranistas. Sendo sincero, o Malfoy aqui também é famoso, mas por razões não tão boas assim.

     Os sonserinos riram ainda mais alto. Atirado num canto entre a parede e o chão, Scorpius mirava os amigos, surpreso.

     - O que ele fez de errado, para merecer apanhar assim? - quis saber Albus, apertando a varinha.

     - Nada que diga respeito a grifinórios, Potter, mesmo que seja um filho de Harry Potter. - disse Foster em tom arrogante. - É uma questão de honra. Vocês não são da Sonserina, jamais entenderiam.

     - Se você não é capaz nem de explicar a razão de estar fazendo isso, então ela não deve ser tão sólida assim - provocou Rose, sentindo que estava passando dos limites.

     Foster abriu a boca para falar, mas Rawells foi mais rápido.

     - Você acha que consegue nos fazer falar com esse argumento barato, Weasley?

     - Qual o problema de falarem as razões que levam vocês a baterem num garoto muito menor que vocês? - indagou Rose, caminhando lentamente para ficar ao lado de Albus, a varinha em punho.

     Rawells girou os olhos.

     - Está bem, Weasley, eu posso explicar. Mas não reclame se o seu cérebro ligeiramente avantajado não conseguir compreender. - o sonserino olhou-a com desprezo. - Você e seu excelentíssimo primo devem saber como a Sonerina é mal-vista nesta escola, certo?

     - Sim, mas o que isso... - começou Albus, sendo interrompido por Rawells:

     - Não é uma fama que veio gratuitamente, Potter, assim como a fama de salvador do seu pai não veio do nada. Essa fama vem graças a pessoas como o pai do nosso amigo Malfoy aqui - ele puxou Malfoy pela gola e o sacudiu levemente -, que fazem besteira além da conta e depois não dão as caras. Depois do fim da última guerra contra Voldemort, nós, sonserinos, estávamos com o nome mais sujo do que nunca. Covardes. Seguidores do mal. Comensais da Morte. Era isso que as pessoas da nossa Casa tinham que escutar, sempre. E estamos tendo que suportar desaforos desse tipo graças a um maldito Malfoy, servidor das trevas, que caiu na nossa Casa. Anos trabalhando para manter alguma reputação defronte a todo esse pessoal, e vem alguém como ele empodrecer a nobre ordem de Salazar Slytherin! - Rawells cuspiu aos pés de Scorpius.

     Albus piscou, surpreso. A fama podre da Sonserina vinha desde muito tempo, e nos últimos tempos, ela não melhorara nem um pouco. Pessoalmente, Albus achava que aquilo não poderia piorar, nem que o pai de Scorpius fosse algum maníaco enlouquecido por doces ou algo do tipo. Apesar disso, preferiu guardar suas ideias para si.

     Foi Rose quem falou.

     - E que culpa Scorpius tem pelo o que seu pai fez?

     Os sonserinos riram.

     - Quem é você para falar, Weasley? - Foster ainda ria enquanto falava. - Você só ganha algum crédito aqui porque é uma Weasley, certo? Graças aos seus queridos pais traidores de sangue.

     - Meus pais não fizeram a vida deles pensando na fama que me dariam - protestou Rose, sentindo-se mais corajosa a cada palavra impensada que dizia. - E Scorpius não tem culpa de ter caído na Sonserina.

     - "E Scorpius não tem culpa de ter caído na Sonserina" - imitou Rawells com voz de falsete, fazendo os colegas explodirem na gargalhada. - Talvez você devesse levar uma surra junto com o nosso amigo Malfoy para aprender, Weasley.

     Rose sentiu suas orelhas esquentarem, e Albus passou a frente dela, erguendo a varinha. Suas mãos tremiam, mas não de medo, e sim de raiva.

     - Deixem a Rose em paz, e larguem Scorpius - disse o Potter com uma voz firme.

     - Já disse que não aceito suas ordens, Potter! - berrou Rawells, puxando a própria varinha. - Vamos ver se você honra o nome do seu pai. Expelliarmus!

     Albus não conseguiu reagir ao feitiço, mas graças a uma leve estocada feita com a varinha por Rawells, o feixe de luz vermelha passou por cima do ombro do Potter e atingiu Rose em cheio no braço, fazendo ela colidir com a parede.

     - Rose! - gritou Albus, virando-se bruscamente.

     No seu canto da parede, Scorpius mirava tudo com olhos arregalados de terror, ambos fixos no cabelo castanho de Rose espalhado pelo chão. Ele não conseguiu emitir nenhum som com a boca quando Rawells agarrou-o pelos cabelos e o levantou.

     - E agora - falou o sonserino maior em tom de escárnio -, está na hora de continuar a dar nossa lição nesse pirralho de Malfoy. A não ser, é claro, que o nosso amigo Potter queira seguir os passos da prima e levar um feitiço na telha para aprender.

     Os outros riram abobadamente, enquanto Rawells batia a cabeça de Scorpius contra a parede e apontava a varinha em seu queixo, gritando um feitiço qualquer que abriu um corte fundo no queixo do garoto, sobrepondo-se ao outro que já havia ali.

     Rose começava a se levantar, tonta pela pancada, apalpando a cabeça para ver se não ficara machucada. À sua frente, ela reconheceu Albus, sentado no chão de forma estranha, os olhos vidrados de terror enquanto observava os garotos abandonarem as varinhas e começarem a chutar Scorpius em seu canto.

     - Al! Al! - Rose sacudiu o primo, tentando sobrepor sua voz aos berros de incentivo e risadas dos garotos. - Al! Precisamos fazer alguma coisa! Scorpius está... está...

     Mas Albus não respondia. Ele parecia ter entrado em algum tipo de estado de choque, causado pela visão de seu amigo sendo impiedosamente chutado e espancado por algo que não merecia, e sua prima jogada num canto qualquer, como se estivesse morta.

     - Al, eu estou bem, agora levante-se! - insistiu a Weasley, em tom exasperado. - Se não fizermos algo, Scorpius vai acabar mal!

     A varinha pendia frouxa entre os dedos de Albus. Rose observou os dedos dele se apertarem em torno da madeira, enquanto seus olhos permaneciam estáticos e um pouco arregalados. Rose chamou-o mais uma vez, mas Albus não lhe deu atenção. Em vez disso, ele ergueu o braço na altura do ombro, e, mirando o vulto corpulento de Rawells com a ponta da varinha, murmurou com a voz rouca:

     - Crucio.

     Foi em tom tão baixo que Rose mal conseguiu decifrar o que o primo havia dito. Em um momento, ele estava parado, parecendo congelado. No outro, sua varinha estava erguida, e Rawells se contorcia de dor à sua frente. Albus levantou sua varinha, fazendo o sonserino flutuar no ar enquanto berrava e se mexia, inquieto. Os olhos dele continuavam vidrados, e seu rosto não demonstrava nada em especial. Os colegas de Rawells, liderados por Foster, deram gritos assustados e se enfiaram num canto da sala, enquanto Rawells continuava flutuando a três metros de altura do chão. O feitiço não durou mais de dez segundos; quando Rose deu por si, Rawells já estava no chão.

     O rosto de Scorpius estava tão pálido que parecia brilhar. Rose voltou-se para o primo, sentindo seu coração dar marteladas violentas de susto e medo. Albus estava parado, estranhamente ofegante, piscando várias vezes.

     - O que... eu... Scorpius... Rose... - ele lançou olhares vagos e assustados para os colegas, enquanto sua testa suava. - O que há de errado?

     Rose não respondeu. Sentia suas entranhas geladas. Albus olhou para frente, e pareceu assustar-se ao ver Rawells ofegando de dor à sua frente, tentando se levantar sem nenhum resultado.

     - Ele... quem o...? - os olhos arregalados de Albus miraram o garoto atirado no chão, depois, a varinha. Seus olhos se arregalaram ainda mais, e ele perguntou, em voz baixa e horrorizada: - Não fui eu que fiz isso, certo? Eu... lembro de algo assim, mas... não fui eu, certo?

     Rose apenas olhou-o assustada, sem saber o que responder. Do outro lado da sala, Scorpius olhava nervoso para algo além deles, deixando o sangue escorrer por seu queixo, sendo seguido no olhar pelo grupo de sonserinos restantes. A Weasley se virou para ver o que eles viam, e deparou-se com Neville, parecendo dez vezes mais chocado que todos eles juntos. O que mais preocupava Rose era saber há quanto tempo o professor estava vendo aquilo.

     Neville disse em uma voz vaga:

     - Albus, Rose, Malfoy, todos vocês... acho melhor virem comigo.

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