– Isso não é justo! – Reclamei,assim que entrei na casa da Bi e do Pê.

Tudo começou na aula de teatro. Lucrécia e Edgar haviam decidido que no final no ano apresentaríamos o clássico Romeu e Julieta. Os papéis principais da peça já tinham sido definidos - Bianca seria Julieta,e um tal Henrique faria o Romeu -,porém fomos informados que eles mudariam algumas partes,acrescentando coisas novas e tornando o clássico um pouco mais moderno.

Uma das cenas que seria acrescentada na peça seria um dos sonhos que Julieta teria ao longo dos atos. Nessa cena,seu anjo da guarda apareceria para ela e lhe diria para não desistir do Romeu,ainda que ela tivesse que lutar contra tudo e todos.

De acordo com as mudanças,os professores escreveram alguns monólogos e começaram os testes para os novos personagens. Enquanto nós esperávamos,eles disseram que a participação de todos era fundamental e que tornaria a peça mais dinâmica.

Depois dos testes,ficamos esperando para ver os resultados. E eis a minha surpresa. De todos os papeis disponíveis,eu ganhei o papel de....

– ....Anjo? – perguntou Duca,sem entender a minha indignação. Realmente,era muita falta de sorte a minha. Não quero nem ver a reação do João,ele vai morrer de rir. – Não entendi o problema.

– É que....ah,deixa pra lá. – Tentei sair do assunto,afinal ia dar muito trabalho explicar que não tinha graça interpretar eu mesma.

– Mas pensa pelo lado bom Ka,nós vamos contracenar juntas! – Bianca me abraçou.

– E você vai ficar linda vestida de anjo... – Ouvi Pedro sussurrar,mais para si,mas eu ainda ouvi.

Senti meu rosto queimar,ainda não conseguia entender porquê isso acontecia toda vez que eu ficava perto do Pedro.

– Tá tudo bem,Ka? – Bianca perguntou.

– T-tá sim,Bi! P-porquê a pergunta? – tentei rir pra desfarçar,mas não deu muito certo.

– Porquê cê tá toda vermelha.... – E olhou para o irmão,sorrindo em seguida.

Duca tinha ligado a tv,e colocado em algum canal de luta.

– Ah não Du! Coloca no canal de moda,tá passando o desfile sobre as novas tendências do verão.

– Não sei pra quê vocês mulheres ficam dando trela pra esses lances. Cês tem que entender que a única roupa que o homem gosta de ver a mulher usar é aquela fácil de tirAI! – Gritou Duca,quando recebeu mais um pescotapa de Pedro.

– Olha o respeito,moleque solto! – Pedro disse,e Duca logo entendeu que ele havia visto os dois na praça no dia anterior.

– Se bem que,cê falou desfile de verão,né? Ver mulher de biquíni é comigo mesm-AI! – Gritou novamente,mas dessa vez quem lhe acertara em cheio era Bianca.

– E pra sua informação,nós mulheres não nos vestimos pra agradar homem nenhum,e sim pra nos sentirmos bem com nós mesmas. Se vocês gostam,é apenas uma consequência.

– Aham,sei... – ironizou Duca,fazendo Pedro rir. - Vem cá,não tem nada pra comer nessa casa não? – Duca perguntou,se levantando e indo até a cozinha.

– Não sei fera,dá uma olhada aí. – Pedro respondeu,mudando de canal.

– Mas é um crianção mesmo. – Bianca reclamou,quando Pedro dava risada de algum desenho que passava na tv. – Ô Pedro,me dá esse controle!

– Nem morto,esse episódio do Bob Esponja é muito engraçado.

Bianca tentou pegar o aparelho,mas Pedro foi mais rápido e escondeu dela,e ela sentou no sofá,de cara fechada.

– Por quê vocês não deixam a Ka escolher? – Duca disse,voltando para o sofá. – Ah,e não tem nada naquela cozinha. Vocês vivem de vento?

Pedro mandou o dedo do meio e eu peguei o controle,zapeando pelos canais.

– Nunca pensei que ia dizer isso,mas o jeito vai ser encarar a especialidade da Bianca.... – Pedro disse,rindo e Duca riu junto.

– Pode ser,até porque a Ka ainda não conhece. – Bianca respondeu,sem se importar com as zoações dos dois.

– E ela pode dar graças a Deus por isso. – Dessa vez quem disse foi Duca,se protegendo das almofadas que provavelmente Bianca jogaria nele.

– E qual é a especialidade da Bianca,gente? – perguntei.

– Macarrão instantâneo. – Bianca respondeu,orgulhosa.

– Mais popularmente conhecido como miojo. – E os dois riam enquanto Bianca revirava os olhos.

– Como se você soubesse fazer melhor,né Pedro? Vai te catar! – Bi gritou,e nós rimos.

– X –

Acabaram pedindo uma pizza,e assistiram a um filme que Karina escolheu. Duca e Bianca sentaram em um sofá e Pedro e Karina em um colchão,do lado dos dois. O filme se aproximava do final quando o guitarrista percebeu que seu celular tocava.

– Pô brother,atende logo esse troço. – Duca disse,dando pause no filme.

– Podem seguir,eu já volto.

Ele se levantou e foi até a cozinha. Pegou o aparelho,mas preferiu não tê-lo feito quando viu quem era no visor.

– Oi,Priscila.

– Oi,Pê. Tá tudo bem,amor? – Ele revirou os olhos para a última palavra. Não estava com paciência para aturar a menina a aquela hora,muito menos para brigar com ela.

– Tava tudo bem.... – sussurrou mais para si,mas ela ouviu.

– Tava? E por quê não tá mais? – Elaperguntou tentando esconder a raiva.

– Hã? Não te interessa,deixa pra lá. O que você quer,hein?

– Eu te liguei pra pedir desculpas por....hm,você sabe. – Tentou encurtar a frase,mas o guitarrista não iria deixar por isso mesmo.

– Não,não sei não. Será que dá pra me relembrar? – Indagou Pedro,com rancor nítido.

– Jura que cê vai me fazer dizer mesmo? – Ela não obteve resposta,e continuou. – Me desculpa por ter falado mal da sua banda,eu sei que é o seu sonho e blá blá blá,não fiz por mal. Satisfeito?

– Não.

– Ahh,não! Ai Pê,me desculpa poxa! – Choramingou falsamente a menina

Ela continuava a pedir desculpas repetidas vezes,tirando o menino do sério.

– Tá,tá bom Priscila. Já até esqueci isso. – Respondeu por fim,esquecendo não porque a perdoou,mas porque não queria lembrar-se mais dela pelo resto da noite.

– Boa noite,amor! – A voz melosa da garota era irritante,o que fez Pedro se questionar mais uma vez do porquê ainda estar com ela.

– Boa noite,Pri. – E finalizou a ligação.

Quando os créditos finais subiram no final do filme,Pedro percebeu que Karina,Duca e a irmã estavam dormindo. O lutador ressonava com a irmã a tiracolo,e ele se segurou para não tirá-la dali. Ele precisava conversar logo com o amigo.

E então ele a viu ali. Tão serena,tão pequena,tão....linda. Karina dormia em um sono profundo,podia facilmente compará-la a um anjo. Mais uma vez sentiu vontade de velar seu sono,como da vez em que dormiu na casa dela. Esforçou-se para conter a vontade de se aproximar dela e se afastou dali,indo até seu quarto e pegando o violão. Desceu as escadas e foi até a varanda,sentando nos degraus e dedilhando o violão.

A lua brilhava solitária no céu,acompanhada apenas de alguns pingos de luz. O brilho das estrelas,visto dali,parecia ser azul,a mesma cor dos olhos de uma certa loira que dormia em sua casa.

Largou o violão e suspirou. Por quê ele não conseguia parar de pensar nela? Ela lhe fazia bem,era outra pessoa quando estava perto dela. Karina estava em sua vida a pouco tempo,era verdade,mas conseguiu ocupar um grande espaço em sua vida e principalmente em seus pensamentos.

Ainda que não soubesse o porquê ,ele jurou para aquelas estrelas que não a deixaria sair de sua vida.

Com a imagem da menina em sua mente,pegou o violão e começou a cantar.

– Você me faz lembrar aquela música que eu nem me lembro agora. Você me faz pensar no poema que eu nunca escrevi....

E como eu queria

Que você só me dissesse sim

Pra nunca mais me esquecer, ser meu bem querer

E juntos até o fim

– Mas é um mentiroso mesmo!

Uma voz o assustou,fazendo-o largar o instrumento e virar-se para ver a dona daquela voz inconfundível.

– Karina?

– Diz pra mim que não gosta de cantar mas sai no meio do filme e vem cantar sozinho na varanda,no meio da noite. – Ela se sentou ao lado dele.

Ele riu da indignação dela.

– Nossa,cê tem razão. Descobriu meu segredo,mocinha! O que eu vou fazer agora? – Ela riu,iluminando ainda mais aquela noite. – Digamos que as aulas na Ribalta me incentivaram um pouco.

Ela fitava o céu com certa inquietação,e Pedro se pegou curioso para saber o que se passava na mente dela.

– O que você tanto olha aí hein?

– Nada,só tô aqui pensando como o céu visto daqui de baixo é mais bonito.... – Ela disse sem pensar,e Pedro a olhou,confuso.

– E você por acaso já viu o céu lá de cima? – Riu o guitarrista,e Karina se tocou do que havia dito.

– Erm,não né? – Abraçou os joelhos e encarou os pés. – Mas me conta,por quê não terminou de ver o filme com a gente?

Karina percebeu que o menino mudou de expressão,substituindo o sorriso por um semblante cansado.

– É complicado.... – disse simplesmente,tentando não cruzar seu olhar com o dela. – A Priscila ligou,pra me pedir desculpas pela briga.

– E porque isso é difícil pra você?

– É porque.... – Uma vontade repentina de dizer que não era na namorada que ele pensava todas as noites o atingiu,mas ele se conteve. – Acho que não sei porque ainda estou com ela.

– Pedro.... – sua voz saiu como um sussurro. – Você a perdoou?

Ela não queria ouvir aquelas palavras,mas ainda assim elas vieram.

– Sim. Ela insistiu,eu não queria prolongar....

Ele ainda falava,mas ela não ouvia mais. Um misto de raiva e decepção tomou conta da pequena loira,e ela nem tentou evitar. Não sentia raiva apenas da menina,mas dele também. Quando é que ele ia ver que seu lugar não era com Priscila?

Ela se esforçou para lembrar que abrir os olhos de Pedro era uma tarefa dela,mas já era tarde. Uma chuva repentina,seguida de trovões e relâmpagos começou de imediato,tirando a garota de seus pensamentos.

– Ai meu Deus..... – Pedro ouviu a menina dizer.

– Calma,é só chuva. Vem,vamos entrar. – Pegou o instrumento e esperou a garota entrar,fechando a porta em seguida.

– Você não entende,o João,ele vai me matar.... – Ela ainda dizia,quando chegaram a sala.

– E o que o João tem a ver com isso,Ka? – Ele estranhava a confusão da loira.

– Ahn,nada. Deixa pra lá.

Ela se sentou no colchão onde estava antes e ele estava no sofá.

– Melhor a gente ir dormir,amanhã é o dia da festa e eu tenho que ir cedo pro ensaio da banda.

Ela assentiu,mas não conseguiu voltar ao sono sem antes fazer um pedido.

– Pedro.....canta pra mim?

A tristeza que ela via agora tinha ido embora. Ele sorriu sincero e começou a dedilhar o violão.

– Demorei muito pra te encontrar,agora eu quero só você....

Teu jeito todo especial de ser

Eu fico louco com você

Te abraço e sinto coisas

Que eu não sei dizer

Só sinto com você

– Meu pensamento voa de encontro ao teu,será que é sonho meu? – Cantou,rindo da cena diante dele.

Deitada no colchão,Karina voltara a dormir. Ele não pode evitar sorrir com a cena.

Largou o instrumento no sofá,se levantando e indo até a menina. Uma ideia lhe veio a cabeça,e ele mandou a consciência pra longe,seguindo seu instinto.

Deitou-se ao lado da menina,e passou a velar seu sono. Ela se remexeu ao lado dele,e acabou se aproximando do guitarrista. Pedro sentiu a menina encostar a cabeça em seu peito e a trouxe mais para si,fechando os olhos em seguida.

Pelo menos naquela noite,ali,naquele momento,ela seria só dele.