Três dias se passaram desde o dia na chuva. Karina estava voltando da aula de teatro,mas dessa vez caminhava sozinha pelos corredores.

Bianca ainda estava no auditório,fazendo um teste para a peça de teatro da Ribalta. A menina havia confessado a Karina estar tensa para o teste,pois teria que disputar o papel com Jade,filha da professora de teatro. A bailarina era até talentosa,mas tinha medo que o parentesco da menina falasse mais alto na hora da escolha.

Duca estava no treino de Muay Thai,e Pedro....aonde ele estaria? Perguntou ela para si mesma,quando ouviu o som de uma guitarra vindo de uma das salas vazias do colégio.

Viu Pedro no palco,com a guitarra. Ao seu lado,estavam dois meninos e uma menina,que ela percebeu tocar bateria. Sentou-se em uma das cadeiras do fundo,para que não pudessem vê-la ali. Uma menina cantava uma música que ela lembrou ter ouvido outro dia com Bianca,mas ao contrário da versão original,ela desafinava a cada nota.

– E essa foi a última. – Ouviu um dos garotos dizer,enquanto uma garota saía do local. – O jeito vai ser chamar a Joaquina,galera...

– Não,isso nem pensar! – Ouviu Pedro dizer,enquanto guardava a guitarra. – A gente pode fazer mais testes,sei lá.

– O problema é que a festa é em dois dias,não vai dar tempo,Pedro.

– Mas que hora pra Sol sair da banda,hein. – Reclamou a baterista.

Viu um dos professores de música passar pelo corredor e se dirigir ao palco.

– Fala,galera! Tudo pronto pra sábado?

– Fala aí,Nando. Não tá não,porque graças a Sol ainda não temos uma vocalista....

– Olha Pedroso,se vocês tem ou não uma vocalista eu não sei,mas a tiete já tá garantida! – Disse e Pedro riu.

– Ah,é? Aonde? Porquê eu não tô vendo não. - brincou o guitarrista.

Nando nada respondeu,apenas apontou para uma garota nos fundos do auditório. Pedro não demorou muito para entender o que o professor havia dito,e sorriu para a menina,que lhe respondeu a altura.

Tocaram mais algumas músicas antes de ir,dessa vez com o professor no vocal. Despediu-se da banda e de Nando,mas quando se virou para a saída,ela não estava mais lá. Uma vontade repentina de vê-la tomou conta do guitarrista,e a decepção de perceber que ela não estava mais ali o atingiu em cheio. Pegou sua guitarra e saiu do auditório.

Passou pelos corredores a procura de Bianca,mas ela não estava mais lá. Resolveu pegar o celular para ligar para a irmã,mas tateou o bolso e não o encontrou. Lembrou ter deixado no palco,perto de alguns instrumentos.

Mas,ao chegar lá,não pode deixar de sorrir para a cena que acabara de ver. Sentada na beirada do palco,de olhos fechados,Karina cantava,balançando os pés ao ritmo da música.

– X –

Tudo o que eu não queria aconteceu. Ele havia me notado ali,nos fundos do auditório. Eu quis fugir,sair dali,mas quando ele sorriu pra mim....foi inevitável não sorrir de volta.

Enquanto ele tocava,as palavras de João em atingiram em cheio. Eu tinha que ficar atenta aos meus sentimentos,e não podia negar que ver Pedro sorrir pra mim acelerava meu coração em um ritmo totalmente descompassado. Resolvi sair dali antes que pudesse dar um nome aquela sensação,e ficar sozinha com ele no momento não era uma opção.

Saí em disparada pelos corredores,até sentir meu corpo esbarrar em outro no meio do caminho.

– Ai! Não olha pra onde anda não,garota?

– Erm,desculpa...

Mas logo me arrependi do que disse,quando percebi quem era.

– Ah,é você.- Disse Priscila,ignorando o que eu havia dito. – A nova amiguinha do Pedro,né? - Sua voz destilava ironia e eu tive que me segurar para não fazer um raio cair na cabeça dela.

– Vem cá,você viu meu namorado? Eu procurei ele no auditório e não achei.

Uma sensação de medo se apoderou de mim quando eu fatalmente me aproximei dela,o mesmo mal estar do dia da foto. Ignorei meu coração apertando e respirei fundo,não iria fraquejar logo agora.

Em outra situação,eu diria não e seguiria meu caminho. Mas eu não podia deixar ela fazer mal a Pedro,então menti.

– Na verdade,vi sim. Ele foi pra casa do Nando,parece que ele e o pessoal da banda vão ensaiar umas músicas novas com ele,algo assim.

Ela pareceu concordar e saiu da minha frente,sem me agradecer. Agora vinha a parte mais difícil,achar o Pedro. Eu não tinha ideia de onde ele poderia estar e por onde começar a procurar. Pensei em ligar para ele quando vi um rosto conhecido em meio aos alunos.

– João! - Gritei,e ele veio em minha direção.

– Oi Ka,a Bianca me disse que você ainda tava a....

– Agora não! Me diz,você viu o Pedro? – perguntei,tentando ignorar aquela sensação ruim.

– Vi sim,por que?

– Então me diz,antes que aquela Priscila vá atrás dele!

– Tá acontecendo alguma coisa,Karina?

– Não,é que... – Não ia adiantar nada esconder isso dele,então eu contei. – Eu esbarrei com ela pelo corredor,e menti pra afastar ela do Pedro,mas eu não faço ideia de onde ele pode estar e....

– Calma! Ele vai voltar pro auditório,me explica isso depois. E pode deixar que dela eu cuido.

Sorri em agradecimento e corri para a sala de onde havia acabado de sair.

Quando eu cheguei,ele ainda não estava lá. Caminhei até a beirada do palco e me sentei,cantarolando alguma música dos humanos que havia ouvido com a irmã dele,meus olhos fechados.

Estava perdida em meus pensamentos quando ouvi uma voz conhecida ecoar pelo lugar.

– Então quer dizer que é assim? A senhorita vem me ver,sai antes do ensaio acabar e volta,do nada?

Abri os olhos e tive a melhor visão de todas: ele sorria pra mim. Seus olhos quase fechavam quando ele sorria,tornando aquele gesto ainda mais único.

– Pedro! – sorri de volta.

Me guiei pelo impulso e o abracei,jogando todas as minhas tentativas de me manter longe dele no lixo. Eu precisava daquele abraço,não podia negar aquilo.

– Que bom que você tá bem....tá tudo bem,né? – Me soltei do abraço e fitei seus olhos castanhos.

Senti ele retribuir meu olhar antes de me responder.

– Ei,calma. Tá tudo bem sim. Aconteceu alguma coisa?

– Erm,não.... – menti. – Eu só tive um pesadelo,devo ter ficado meio impressionada,só isso.

– Hum,sei. – Ele me olhou meio desconfiado e eu apenas desviei o olhar,rindo em seguida. Acho que eu não era mesmo boa em contar mentiras.

Subimos no palco e vi ele pegar o celular que estava em um canto e guardar no bolso.

– Eu não acredito. – Ouvi ele dizer quando viu uma guitarra que estava ali. – O Nando só não esquece a cabeça porque está grudada no pescoço. – Riu e pegou o instrumento. – Mas já que está aqui...

Percebi que seus olhos brilhavam enquanto ele dedilhava a guitarra. Seus dedos já pareciam conhecer aquelas notas de cor.

– Adorei te ver tocar hoje. – Disse,e dessa vez nenhuma palavra era mentira.

– E aí,eu mando bem ou não?

– É,não toca mal não.... – brinquei,rindo logo em seguida.

– Hahaha,engraçadinha. – Ele agora se aproximava de mim a passos lentos. – Eu não sabia que você cantava.

Me assustei com suas palavras e ele percebeu.

– Não adianta negar,eu te ouvi quando cheguei.

– E você gostou?

– Não sei,não consegui ouvir direito....

Eu tentava entender sua resposta quando ele se afastou e colocou um microfone em um pedestal.

– O que quer dizer com isso?

Estava óbvio o que ele queria,mas ainda assim só acreditei quando ouvi dele.

– Canta comigo,Karina.