Mais que o sol escrita por Ys Wanderer


Capítulo 12
Salvando


Notas iniciais do capítulo

Consegui postar mais rápido dessa vez! kkkk. Dedico esse capítulo aos fantasminhas que partem meu coração, pois leem a fic e não aparecem pra eu dar um oi!
Boa leitura!



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Samantha

Olhei para baixo mais uma vez. Quantos metros? Espero que haja curar e corta dor suficiente. Isso se eu sobreviver.

Respirei bem fundo, contei até três. E me soltei. Adam deu um grito que rasgou todo o ar.

Levou pouquíssimos segundos até o meu corpo atingir o solo. Um baque surdo se fez audível, acompanhando de um estalar de osso se partindo. Uma dor lacerou o meu corpo, se multiplicando em mini rasgos, fruto da queda de um dos espelhos sobre mim. Doía, mas ainda podia sentir todos os meus membros. Eu ainda estava viva. Como?

Abri lentamente os olhos e percebi que havia caído sobre algo, pior, eu estava entrelaçada em alguém. Oh, meu Deus, eu havia caído sobre alguém. Rezei para que não fosse Adam.

Mesmo com a visão embaçada pude ver que, quem quer que fosse, tinha se machucado muito mais, pois havia sangue no chão. Curvei-me dolorosamente e percebi que meu pé esquerdo estava em um ângulo completamente oposto ao natural. Cacos de vidros estavam presos em minha pele e ardiam feito brasa. Mas o que mais me chamou atenção foram os cabelos da pessoa a qual eu estava em cima. Eram de um vermelho vibrante que eu conhecia bem. "Só pode ser brincadeira" foi meu último pensamento antes de cair na inconsciência.

***

— Doc, ela está acordando. Vai ficar tudo bem não vai? — a voz suave de Adam me trouxe de volta à tona. Onde eu estava? O que estava acontecendo? Eu estava viva?

— Que susto você me deu, tampinha! — meu irmão exclamou me abraçando fortemente quando abri os olhos. Preparei-me para sentir dor, mas ela não veio.

— O que foi que houve? — perguntei ainda meio grogue.

— Você sofreu uma queda de uma altura bem considerada e se não fosse por Cal você jamais teria sobrevivido. Mas agora está tudo bem — Doc explicou com sua paciência invejável. — Os cortes foram ocasionados por um dos espelhos que se partiu em cima de vocês. Não se preocupe, todos os cacos foram retirados.

— Eu vou matar a Sheron! — gritei quando minha consciência clareou e lembrei o motivo de minha queda. Comecei a ofegar de ódio e Adam segurou minha mão. — Eu juro que quando eu sair daqui eu vou parti-la em duas! — A raiva quase não me deixava respirar. Doc apenas me olhou calado, sabendo que não devia se meter. Preocupado, Adam fez uma expressão para que eu me acalmasse.

Sentei-me no catre duro e percebi que embora minhas roupas estivessem muito manchadas de sangue minha pele estava intacta, contendo apenas cicatrizes rosadas. Tentei levantar, mas senti muito dor em meu pé esquerdo.

— Doc, eu ainda sinto dor — reclamei e ele fez uma cara de culpa.

— Eu sinto muito, Sam, mas o estado de vocês era bem ruim. Cal teve uma fratura no antebraço e bateu a lateral da cabeça. Você partiu algumas costelas e teve inúmeros cortes pelo corpo. Usamos quase todo o estoque de remédio apenas para curar vocês dois. Gastamos todo o restaurar para remendar o braço de Cal e as suas costelas, e não sobrou para usarmos em seu pé. Você terá que esperar pelo tempo do corpo — ele se desculpava, mesmo que não fosse sua culpa.

Balancei a cabeça e Doc se retirou antes mesmo que eu pudesse lhe agradecer. Adam começou a tagarelar e a se desculpar por não ter conseguido segurar a escada, todavia eu não conseguia ouvi-lo com clareza. Estava intrigada demais para prestar atenção.

— Relaxa, Adam, você não tem culpa. Está tudo bem — dei uma pausa enquanto analisava o ocorrido. — Tanta gente para eu atingir e eu fui cair logo em cima dele? — disse para Adam que me olhava tranquilo agora. — Eu bem que podia ter esmagado a própria Sheron.

— Sam, você não caiu em cima do Cal. Não foi um acidente — ele respondeu. Não compreendi.

— Como assim? Do que você esta falando?

— Quando você caiu Cal correu para debaixo dos espelhos para ajudar. Ele salvou sua vida — Adam proferiu como se fosse normal uma alma quase morrer para salvar um humano.

— Isso só pode ser uma piada sua — reclamei. Ele me olhou sério e só então acreditei. — Onde ele está? — perguntei e então minha visão ficou turva e as paredes começaram a girar.

— No quarto, descansando. Não fique preocupada, apesar de tudo ele já está bem — Adam respondeu me fazendo deitar devagar no colchão desconfortável.

Senti-me mal com o que Adam contou. Essas almas eram mesmo malucas. Eu havia tentado matá-lo e o ignorei todo esse tempo e em troca ele quase se sacrificou por mim. Será que as almas eram tão sonsas assim, ou dissimuladas? Cal não tinha nenhum motivo para me salvar. E se não tinha, então, por que o fez?

Doc voltou e me fez comer uma sofá rala, porém gostosa. Quando terminei ele expulsou Adam e disse que eu teria que descansar devido à grande quantidade de sangue perdida com os ferimentos. Como estava muito fraca não demorou muito para que eu conseguisse voltar a dormir.

Acordei com a sede e a fome massacrando o meu corpo. Eu estava péssima, com dores, sem tomar banho há horas e sem poder andar. Pela iluminação que adentrava os buracos no teto do hospital devia ser madrugada. Doc dormia em um dos catres e Adam ressonava baixinho, espremido ao meu lado. Fiquei com pena de acordá-los e decidi me levantar sozinha, uma tarefa difícil levando em consideração minha cabeça pesada e meu pé torcido.

— Precisa de ajuda? — Alguém que eu ainda não tinha notado a presença ofereceu. Apertei os olhos na escuridão e identifiquei-o.

— O que faz aqui, Cal? — perguntei, mas não saiu tão duro quando eu gostaria. Ele estava completamente curado e isso me aliviou. Se ele morresse todos iriam me culpar, então me tranquilizei ao vê-lo bem.

— Eu não consegui dormir e vim ver como você está — ele respondeu com naturalidade. — E então?

— Não, tudo bem. Eu posso me virar — rejeitei. Mas quando pus o pé no chão percebi que jamais conseguiria sair dali sem ajuda.

— Se você quiser algo eu pego para você — ele ofereceu mais uma vez. Eu estava suja de sangue, faminta e meu pé latejava. Não havia uma alma viva, sem trocadilhos, acordada na caverna a essa hora, não me restando saída. Era humilhante, mas não tinha como rejeitar ajuda.

— Eu preciso tomar banho e comer. Estou dormindo a quanto tempo? — perguntei.

— Já faz umas dez horas.

"Minha nossa", pensei. Verifiquei como ele poderia me ajudar a sair dali e só tinha uma solução. Droga.

Cal se aproximou de mim vagarosamente, como se eu fosse mordê-lo, e pediu permissão com o olhar para tocar em mim. Eu balancei a cabeça em concordância e ele pôs uma mão na minha cintura para me ajudar na locomoção. Seu toque me fez tremer levemente. Saímos do hospital em silêncio, comigo mancando em um pé só, auxiliada pelo braço da alma.

— Para onde? — perguntou.

— Para o meu quarto, preciso de uma muda roupa.

O caminho era longo e percebi que levaríamos uma eternidade para chegar nesse passo. — Droga — xinguei. — Desse jeito eu conseguirei chegar só amanhã.

— Eu sei uma maneira de chegarmos mais rápido — ele disse ficando frente a frente comigo.

— Como?

— Assim — respondeu me colocando no colo. Eu fiquei tão chocada com a sua atitude que nem consegui dizer nada. Cal parecia nem sentir o meu peso. Fiquei constrangida pela vulnerabilidade.

— Se você contar para alguém vai se ver comigo — articulei quando recuperei a fala. Ele sorriu.

— Será nosso segredo.

O caminho inteiro o único barulho audível eram os passos de Cal e nossas respirações. Para me equilibrar acabei colocando os braços ao redor do pescoço dele e o cheiro dele me desconcertou. Por alguns instantes nossos olhares se cruzaram e pude vê-lo em detalhes pela primeira vez. Eram de um azul cor do céu, circundado pelo prata indicativo das almas. Eram olhos bonitos. A pela branca cheia de sardas, a barba rala. Com a sonolência do balançar nem percebi que me aconcheguei na curva do seu pescoço.

— Chegamos — ele me despertou e me senti extremamente envergonhada. Desci de seu colo num pulo e entrei num pé só em meu quarto. Cal pacientemente me esperou e me levou para a sala de banhos. Quando entramos percebi que ele ficou tenso e me senti culpada, pois ele havia salvado a minha vida apenas algumas semanas depois de eu quase matá-lo.

Que mundo estranho.

Cal me depositou carinhosamente na borda da fonte e saiu, dizendo que me aguardaria lá fora. Limpei-me o melhor que podia e depois de me trocar o chamei. Esperei alguns segundos e ele voltou.

— Está tudo bem? Sente alguma dor? — sua voz era tranquila, mas ele parecia realmente preocupado. Senti remorso por ter tratado-o tão mal nas últimas semanas.

— Por que me salvou? — fui direto ao assunto, não gostava de rodeios. Como Cal foi pego de surpresa, demorou a responder.

— Não sei. Achei que era certo. Você parece ser especial... para o seu irmão. Eu não gostaria que você morresse — ele pareceu sincero.

— Eu tentei... matar você. Te ignorei esse tempo todo. Achei que me odiasse.

— Eu nunca odiei você, Samantha — ele respondeu. — Você só estava se defendendo. E entendo como deve ter sido difícil para você aceitar viver conosco.

— Mesmo assim — procurei o que dizer, no entanto não achei nada. — Eu...

— Está tudo bem agora — Cal se aproximou um pouco e a pouca luz em seu rosto fez o reflexo em seus olhos brilharem com mais intensidade. Pela primeira vez na vida não senti medo ao ver esses reflexos.

— Então eu acho que te devo um pedido de desculpas — pronunciei envergonhada. Eu podia ser dura, mas sabia ser justa.

— Não se sinta obrigada.

— Não estou me sentindo, eu jamais faço qualquer coisa obrigada. Então... me desculpe. Por tudo. E... obrigada por salvar minha vida.

Cal sorriu para mim e me senti mais leve. Bom, se todos confiavam nele eu também daria um voto de confiança.

Fui carregada mais uma vez até a cozinha e ele preparou uma boa refeição para nós. Comemos em silêncio e nem percebemos quando algumas pessoas começaram a chegar, o dia já estava amanhecendo. Alguns perguntaram como nós estávamos e se espantaram ao nos ver comendo juntos. Quando terminei, a cozinha já estava parcialmente cheia.

Demorou duas semanas para o meu pé se curar sozinho, não havia remédios e ninguém queria sair para uma incursão ainda. A movimentação da mudança da célula de Nate poderia ter chamado atenção dos buscadores e por isso estavam todos esperando a poeira baixar. Nesse tempo apenas ajudei na cozinha e não fiz muita coisa interessante. Quanto a Sheron, estava apenas esperando o momento certo para acertar minhas contas com ela.

Por causa do meu acidente eu agora estava mais tolerante com as almas que moravam aqui. Elas não me incomodavam mais. Tanto.

 

*

 

— Sam, como está o seu pé? — Jamie me perguntou enquanto lavávamos a louça. Melanie limpava, eu enxaguava e ele secava.

— Meu pé está melhor do que nunca, Jamie. Hoje vou massacrar vocês. Avise o Kyle para levar lencinhos, pois hoje ele vai chorar como jamais fez antes!

— Vai sonhando, Sam. Meu time é o melhor — Jamie zombou. Ele era um garoto muito esperto. Melanie gargalhou quando ele disse “é o melhor”, fazendo-o ficar emburrado.

— Mel, você vai engolir essa sua risada — o garoto ameaçou brincando. Nós então nos entreolhamos e fizemos aquela pausa dramática antes de cairmos todos na risada outra vez.

— É a primeira vez na vida que eu vejo você rindo — alguém disse e não reconheci voz.

— Oi, Aaron — Jamie o cumprimentou e eu dei de ombros.

— É que eu não gosto de rir sem motivo — retruquei mal-humorada.

— Calma, Sam.

Eu não queria encher-lhe de perspectivas, por isso optei por rejeitá-lo. Samantha Collins não poderia gostar de ninguém, ainda mais com essa vida cheia de perigos pra eu me preocupar, mas ele parecia pensar diferente, achava que de alguma forma todos tínhamos que recomeçar. Mas eu não pensava assim, os sentimentos utópicos ficaram para trás no momento em que perdi tudo. Recolhi a louça que já estava limpa e resolvi levá-la logo para Trudy guardar. No meio do caminho percebi alguém atrás de mim.

— Por favor, Aaron — eu repeli quando percebi que era ele. Não havia outra forma de afastá-lo. Isso seria melhor, assim logo ele desistiria da ideia de se aproximar de mim.

— Fica fria, só quero te fazer companhia.

— Eu não quero companhia hoje, obrigada — eu disse firme, minhas palavras ecoando no corredor parcialmente escuro.

— Por que você me trata dessa forma? — ele perguntou pegando no meu braço e não gostei do contato. Na verdade, eu não gostava de ter contato físico com ninguém, exceto com meu irmãozinho. No mesmo instante deixei de sentir culpa por ignorá-lo.

— Porque você é o único aqui que ainda não entendeu que eu gosto de ficar sozinha — respondi.

— Isso não é saudável — ele continuou, sua mão ainda no meu braço. O toque não era bruto nem me machucava, porém estava me incomodando muito.

— Me solta — falei já com raiva, minha respiração entrecortada. —  Agora!

— Você não está ouvindo o que ela está dizendo? — um desconhecido disse e Aaron soltou meu braço imediatamente. Espantei-me ao ver que era Cal, a voz dele estava mais grave do que eu era acostumada ouvir.

— Saia daqui, alminha, não se meta, senão...

— Senão o quê? — Cal cortou se colocando a minha frente. — Você vai agredi-la? Uma vez você me disse que eu não era homem. Está a fim de que eu te prove o contrário?

Cal não parecia ele mesmo enquanto me defendia. Parecia tão... humano. Ele se agigantou perante Aaron, que ficou visivelmente assustado com a atitude inesperada para uma alma.

— Eu jamais faria isso com ela — Aaron disse. — Não pense que é melhor do que eu por ser alma.

— Eu não acho que sou melhor do que você por ser alma, mas me acho sim um homem bem melhor do que você — Cal enfrentou. Aaron apenas ficou em silêncio enquanto ele retirava a caixa com louças de minha mão e com a outra me puxava para longe.

— Desculpe, Sam. Você sabe que eu não sou capaz de nenhuma violência gratuita, mas não consegui segurar — Cal tentava se justificar enquanto seguíamos no corredor escuro que levava para a cozinha. Achei engraçado.

— Fique calmo. Isso é normal. Sempre nos sentimos mal diante de alguma injustiça. Assim como os humanos podem ser cruéis, eles podem se doar para outras pessoas e defendê-las com unhas e dentes — disse e ele parou. Eu havia o comparado com um humano e não sei se ele viu isso como um elogio. Só então percebi que ainda estávamos de mãos dadas.

— Obrigada — larguei sua mão e ele coçou a cabeça, desconcertado. — Por me defender — agradeci por cortesia. Não que eu precisasse ser defendida, pois se Aaron tentasse algo mais no mínimo eu arrancaria a cabeça dele.

— Não há de quê — ele respondeu feliz e sabe-se lá por que minha respiração ficou irregular. Nós sorrimos um para o outro e apenas seguimos em silêncio.

Mas esse silêncio não era desagradável.


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Notas finais do capítulo

E ai, pessoal, o que acharam desses dois? Será que tem futuro? Deixem vossas opiniões! kkkk Beijos e até a próxima!



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