Capítulo nove –

A sombra começou a tomar forma; no físico se parecia bastante com um sátiro, algo que visivelmente incomodou nosso bom Grover. No que o nosso amigo é gentil e amigável tanto em aparência quanto em seu interior, a sombra atrás da menina tinha de temível. Quando abriu a boca, o mesmo bafo podre que o antigo monstro colidiu com eles, a boca com dentes afiados, os chifres na testa eram longos e de aparência podre embora de alguma forma muito sólidos.

Thalia era para Luke a mesma de quando se conheceram, mas em condições diferentes. A saia xadrez estava no meio das coxas, as meias listradas até os joelhos, as pulseiras cheias de spikes e tachas nos pulsos. Sua postura era bem altiva para uma menina de apenas 12, 13 anos. Castellan quase não conseguia piscar, era a cópia do que Thalia era e podia ter sido se a condição do encontro deles tivesse sido outra.

Ela começou a andar, sendo seguida de perto pelo demônio-bode. Não piscava; retribuía em igual intensidade o olhar que Luke lançava a ela. Como se lembrasse do que aconteceu aqui, pensou.

–Eu conheço três de vocês; os outros são estranhos a mim. – os olhos percorreram a todos rapidamente, voltando a se focar no loiro – Por que eu voltaria? Respondam os três.

Ela andava de um lado para o outro, em círculos, dava a volta por entre eles. Não podia ficar parada; sua fragilizada alma não permitia-lhe descanso por mais que alguns segundos. Nico já se sentia tonta tentando segui-la. Jackson estava decepcionado por ela não se lembrar dele; eram primos, devia haver uma parte dela que se recordasse dele. As caçadoras se sentiam excluídas daquele momento; viam sua Tenente com admiração, mas esperavam, assim como Jackson, que ao menos um milésimo de Thalia as reconhecesse.

–Você... Você devia... – se engasgavam, mas não chegavam a uma frase.

–Viu? Não sabem me responder. Talvez eu não queira voltar a ser inteira! Vocês deviam ir embora! – ela virou-se para o lado contrário. O dêmonio-bode baliu de um modo terrível e medonho e seguiu junto a ela.

–Preciso que vocês distraiam esse bode e...

–Ele me dá medo.

–Luke estava falando, Grover. Mais educação, por favor! – clamou Annabeth.

–Obrigado, Annie – o loiro falou sem jeito – Como eu dizia, distraiam aquela aberração. Eu preciso chegar até ela e convencê-la a voltar.

–Como vai fazer isso? – Rachel brincava distraidamente com uma mecha de seu cabelo ruivo, mas olhavá-o com intensidade, pela primeira vez, sem corar.

–Eu... Eu não sei! Vou dar um jeito.

Não deu em outra. Assim que se aproximou demais dos dois, o demônio tentou atacá-lo; Grover pulou na frente amparando os chifres com os próprios braços. Aquela coragem teria um preço; e um preço alto. Os outros se aglomeravam em volta da besta enquanto Thalia e Luke se distanciavam um pouco.

–Thalia! Espere, por favor!

–Por quê? Talvez...

–Não me importam as dúvidas – ele parou de frente a ela; o espírito inquieto batia o pé no chão – Você é a coragem, não? Por que não quer se arriscar a voltar? Por que...

Ela olhou-o com tamanha intensidade que recuou assustado. Voltou a correr afastando-se dele; não parou para pensar, apenas correu atrás dela chamando-a pelo nome. Ela parou com um ofego de dor e respondeu a indagação muda no olhar do homem novamente a sua frente.

–Não posso me afastar dele – ela apontou para o demônio bode que acabara de derrubar Nico. – Ele faz parte de mim.

–Mas como...?

–Ele é a representação de um dos meus medos, os demônios que se escondiam sob meu olhar e que ninguém nunca foi capaz de decifrar. Não podem vencê-lo sem minha ajuda.

Estava em choque. Olhou da menina para o monstro que seus amigos enfrentavam; Grover tinha o braço inteiramente ensanguentado, Rachel estava caída no meio da rua, aparentemente, inconsciente. Os outros não estavam assim tão bem.

–Sabe por que vim parar aqui? Sabe por que a coragem voltou para cá? – ela olhava com um lindo brilho no azul de seus olhos; indicou um lago cristalino não tão longe, onde, anos atrás, Luke sabia, eles haviam se beijado pela primeira vez. Aquele lugar era tão marcante para ele quanto para ela – Eu... Thalia precisou de muita coragem para beijá-lo, para corresponder. – ele tentou falar, mas o espectro o impediu – Thalia viu a mãe se entregar ao desespero por culpa de um amor. O medo dela de passar pelo mesmo tinha que ser quebrado para que pudesse ter acontecido o que aconteceu. Foi o meu maior ato de coragem... – ela estava aparentemente melancólica, aparentemente parada, mas se mexia e com insistência; Luke estava em choque: aquele beijo havia representado tudo e muito mais para a ela – Agora estamos despedaçadas.

–Thalia... – Luke não terminou; o grito de Dália chamou a atenção. Foi jogada na frente de um carro que passava. A força do impacto fez o pára-brisa trincar. Luke só esperava que a menina ruiva tivesse saído do asfalto...

–Eu quero voltar, Luke. – ele olhou com felicidade, mas ela olhava-o com dor – O tempo para que eu e as outras partes permaneçamos “vivas” está acabando e quando acabar...

–Não! – ele deu um passo à frente – Vou trazê-la de volta, é uma promessa.

–E quantas promessas você já quebrou? – ele ficou mudo, arrependido, incapaz de dizer algo em sua defesa – Sou apenas uma parte e não me lembro com precisão, mas sei. Eu sei, Luke. E você sabe?

Ela não deu tempo para que formulasse uma resposta. O espectro estava reduzido a uma fumaça verde e espessa, brilhante e cheirosa que com lentidão adentrava a pedra. O riso da criança se fez ouvir e então a última fala da menina.

E você sabe? Luke segurou o amuleto quente. O que isso significa? Terei que desvendar outro mistério? O que eu deveria saber? Errei, e muito, mas... Não havia “mas”. Ele a amava, mas, em expressões populares, pisara na bola. Não tinha uma justificativa que quisesse dar para isso.

O monstro havia explodido tal como o outro, sujando a todos. Um homem de quarenta anos tentava socorrer a caçadora desacordada e, conforme se aproximava, Castellan via que a ruiva continuava no chão. Por um milagre de Apolo ela não havia sido atropelada, mas havia sido por centímetros. No ombro do sátiro havia um buraco do tamanho de um chifre e dele muito sangue escorria banhando sua pele a atingindo de um tom escuro de vermelho.

–Meu deus! Mas que situação... Maria, rogai por nós! Apenas crianças! – o homem exclamava aflito. À medida que se aproximava, notava que a situação era séria.

Jackson cambaleou e caiu no chão. Traumas visíveis ele não apresentava, mas isso não significava que eles não existissem. Annabeth tentava puxar a inconsciente Rachel para seu colo. Amber e Priscila (a 3ª caçadora que só quisera revelar seu nome no final da viagem) atravessavam a rua, as pernas bambas, moles o suficiente para que caíssem e não levantassem, mas precisavam ajudar a irmã caída.

Já ao lado de Jackson, Luke ajudou-o a se levantar e tentou olhar para tudo menos para o ferimento de Grover, a inconsciente Rachel e a aparentemente morta Dália.

–Onde está Nico? – perguntou começando a ficar aflito. Notou algo branco e pálido se movendo embaixo do carro. Luke voltou a deixar Percy no chão e foi ajudar o filho da Morte a sair de baixo do veículo; como ele havia ido parar lá era um mistério até para o próprio. Em menos de dez minutos duas viaturas estavam lá os socorrendo. Não deu em outra: foram todos encaminhados para o hospital mais próximo, Luke sendo o único adulto, era o responsável por todos ali e, odiando admitir para si mesmo, sabia que todos demorariam no hospital.

Demorariam a encontrar outra parte dela. A parte que ela sabia que seria a mais difícil. Não importava tanto assim as palavras bonitas da cigana, a próxima podia conter um traço sim de lealdade, mas Luke podia sentir que a próxima... Fogo. A próxima será a pior. Imprevisível como o fogo... Explosiva como o fogo, as chamas agressivas do ódio e da raiva.