Hoje é apenas mais um daqueles dias frios, frio exatamente como aquele dia em que tudo começou.

Dizem que "Os fins justificam os meios", mas eu não sei se nada do que eu passei poderia justificar a situação deplorável na qual eu me encontro agora.

Tenho nojo de mim mesma. Meu fedor me causa repulsa, as feridas me doem por todas as partes, os cortes estão inflamados e tem um aspecto esverdeado detestável.

E aqui estou eu, no convés, imundo, de um navio cargueiro.Jogada como alguém jogaria um saco de lixo na beira da calçada. Estamos navegando há dias, sabe-se lá quantos.

Esses homens estranhos falam uma língua mais estranha ainda. Não consigo entender o que dizem, um dialeto estranho para alguém como eu, não é de se admirar que eu não entenda.

Minha cabeça dói, e sabe Deus - se Ele realmente existe -, o quanto rogo para conseguir sobreviver. Não para voltar para casa como muitos diriam, jamais... Mas acontece que voltar para casa é algo que eu já não desejo faz algum tempo, talvez seja o medo da rejeição. Talvez.

Passei por tanta coisa, tantas feridas que se fecharam, feridas que uma a uma deixaram uma cicatriz.

Já não posso lutar por sobrevivência como antes, não tenho mais forças para isso, estou fraquejando, e não sei se me recuperarei. Não tenho medo da morte, de forma alguma, sei que falando desse jeito parece que tenho medo de partir, mas não, pelo contrário. Sempre almejei a morte como alguém em um deserto almeja por um pouco de água.

Mas neste momento a morte é um luxo, o qual não posso me dar.

Meus olhos se fecham devagar, minha mente divaga entre mundos paralelos. E antes que meus olhos se fechem por completo consigo captar a figura de um homem se agachando a minha frente. Um rosto familiar, eu reconheço este rosto... E em um último pensamento consigo identifica-lo: Ah! Simon!