Convergente II escrita por Juliane


Capítulo 7
Ela




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Emma entra no quarto empurrando um carinho, que imagino conter alimentos. Não tenho fome, mas sei que preciso me fortalecer então a recebo de bom grado.

_ Bom dia menina!

Ela tem o hábito de me chamar de menina, não sei se é uma forma carinhosa ou se ela realmente não sabe o meu nome.

_ Bom dia Emma, eu me chamo Tris.

_ Sim, eu sei. - Ela fala sorrindo enquanto aproxima o carinho da cama. Ela segura uma alavanca que está presa a cama e então gira, de modo que a cama vai se levantando até que eu fique sentada. Interessante, não haviam camas assim nem no departamento.

_ Vejo que a menina gostou da cama! - Ela fala enquanto ergue a parte de cima do carinho e gira de modo que fique sobre o meu colo e então tenho uma mesa a minha frente!

_ Vocês tem coisas interessantes aqui. - Comento.

_ E como você está se sentindo esta manhã? - Ela fala e retira a tampa que cobre o meu almoço, um caldo verde nada apetitoso, um pequeno copinho com gelatina e um copo de água.

_ Me sinto bem, não tenho dores, mas ainda tenho dificuldade para ficar de pé.

_ Não me admira, a menina ficou mais de 3 meses deitada numa cama, se alimentando por sonda.

Ao passo que termina de falar Emma cobre a boca, como se estivesse deixado escapar algo que não devia. Eu a encaro sondando os seus olhos que ficaram desconcertados e estão girando para todos os lados menos na direção dos meus. Ela sabe muito mais do que eu pensava. Então imediatamente bolo uma estratégia, provavelmente não dê certo, mas por hora é tudo que consigo pensar.

_ Sim, o Dr. Wes me contou hoje pela manhã enquanto estávamos fazendo alguns exames. - Tento soar o mais segura possível e vejo que fui bem sucedida, pois ela me olhou nos olhos e sorriu.

_ O Dr. Wes lhe contou?! Fico feliz, eu na sua situação estaria curiosa para saber mais.

Minha situação? Qual a minha situação?

_ Sim, realmente estou, mas o Dr. Wes teve um compromisso e só poderá voltar sabe se lá quando - Digo abaixando os olhos de forma triste. Vejo que ela é muito sensível, quem sabe ela não resista e revele algo mais.

_ Menina, queria tanto ajudar, mas se o Dr. Wes souber que lhe contei algo eu perco meu emprego, e realmente preciso muito dele. Meu marido foi soldado do governo e numa batalha perdeu as pernas e ficou impossibilitado de trabalhar. O governo lhe concede uma pequena ajuda que não é suficiente para sustentar 8 crianças. - Ela diz com um sorriso encabulado no rosto e me pergunto, como uma senhora idosa, de 60 anos tem 8 crianças.

_ Oito crianças?

_ Sim! você deve estar pensando: uma mulher na minha idade com 8 crianças é estranho. Mas acontece que não são meus filhos biológicos, são filhos do coração. - Ela pára como se estive recordando de algo triste, sua feição é melancólica. Percebendo minha curiosidade, Emma puxa a mesma cadeira que o Dr. Wes usou se senta e diz.

_ Enquanto você almoça eu posso lhe contar uma história se assim você desejar.

Eu assinto com a cabeça, ansiosa por saber mais, pois sei que suas revelações embora não sejam sobre mim, podem me mostrar quem são estas pessoas, quem é este governo e de que forma trata os seus.

Ela faz um gesto para que eu coma então tomo uma colherada do caldo verde que para minha surpresa até que é saboroso. Emma dá um pequeno sorriso e continua.

_ Bem, você não deve ter conhecimento, mas há mais ou menos uns 3 anos atrás, depois alguns experimentos entraram em guerra, e New Jersey, a cidade onde morávamos foi devastada.

Ouço atentamente de forma que me esqueço de levar a colher até a boca e ela diz.

_ Estou distraindo você. Se não comer direitinho não conto nada.

_ Desculpe. - Respondo enquanto levo a quarta colherada até boca ela sorri satisfeita e prossegue:

_ Eu trabalhava no pequeno posto de saúde que atendia a nossa população. Tínhamos poucos recursos, mas todos se ajudavam. Meu marido era da polícia local, mas quando boatos surgiram indicando que haveria um levante contra os líderes da cidade, ele foi recrutado pelo nosso então líder o presidente Richard Adams, que tempos depois soubemos que ele fazia parte do governo. - Ela faz uma pequena pausa procurando as palavras certas.

_ Nós não sabíamos que existia algo além da nossa cidade, tudo que nos ensinaram na escola era que houve uma guerra que dizimou o planeta e nossos ancestrais foram os felizardos sobreviventes e então elegeram aquela cidade, a popularam e viveram.

Eu não consigo evitar comparações com a nossa cidade. David havia dito que a nossa cidade foi o experimento melhor sucedido, pois foi dividido em facções, e os demais experimentos que não tiveram esse sistema acabaram extintos, não funcionaram. Mas apesar das facções era isso que nos era ensinado que o mundo havia ruído e que a razão das facções existirem era para que vivêssemos em paz.

Termino de tomar o caldo e passo a gelatina, esta é bastante gostosa, enquanto ela continua, seu olhar está distante como se estivesse vendo as cenas de um filme triste passarem na sua frente enquanto narra a sua trajetória até ali.

_ Mas haviam aqueles que estavam insatisfeitos com o pouco que tínhamos e julgavam Richard Adams um corrupto que preteria seu povo para o seu conforto. Apesar de achar o sistema injusto não cabia a mim questioná-lo. Mas os insatisfeitos começaram a se reunir e um dia se aventuraram fora dos limites da cidade e descobriram pessoas que viviam na Margem e não eram controlados pelo Governo. Pelo que soube suas condições eram precárias, mas eram livres e essa ilusão de liberdade cegou os insatisfeitos. Sabe menina, eu penso que longe do Governo como na Margem eles eram livres, mas de certa forma eram prisioneiros da fome e reféns daqueles que tinham forças para roubar, caçar e lutar para prover o seu sustento e garantir a sua "liberdade"

Enquanto ela fala eu lembro do dia em que visitei a Margem com Amah e George, havia miséria, havia hostilidade e tudo o mais faltava. Mas eles permaneciam ali porque não admitiam a condição de Geneticamente Danificados.

_ Menina, como você está se sentindo depois de comer? Emma quis saber.

_ Muito bem! Obrigada! Mas por favor continue, sua história é muito interessante.

Ela sorri e assente com a cabeça.

_ Os insatisfeitos voltaram a cidade, reuniram as demais pessoas que simpatizavam com a causa e contou as boas novas. O povo se revoltou por serem mantidos na ignorância. Então durante mais de um ano eles trabalharam pesado se reunindo secretamente, recrutando pessoas para o seu movimento, roubando armas da polícia, fabricando bombas, treinado combate corpo-a-corpo. Eles marcaram até a data para tomar a sede do presidente, mas parece que 3 dias antes do ataque o governo infiltrou informantes e com as suas descobertas de como, quando e onde seria o ataque o presidente resolveu agir antes e surpreender. A polícia foi recrutada e o governo mandou mais de seus soldados e na noite anterior ao ataque dos insatisfeitos o governo atacou, a briga foi feia, perdemos muitas vidas, e meu marido perdeu as pernas no confronto, uma bomba foi lançada muito próxima a ele e aí você pode imaginar.

A expressão de Emma é triste, seus olhos estão marejados e estou me sentindo culpada por exigir-lhe tanto, mas preciso saber tudo sobre o inimigo, como ele age quais são as suas estratégias. Só assim poderei traçar um plano de fuga e pensar em algo para salvar Chicago, pois pelo que ouvi, e me recordando o que o Dr. Wes falou, que Chicago ainda esta sob comando do Governo. Imagino que devem haver muitas pessoas infiltradas. Provavelmente eles ainda devem estar tramando algo para controlar ou corrigir os DGs.

Estou perdida nos meus pensamentos então me dou conta de que Emma está ali, sentada olhando para mim com expectativa.

_ Nossa, eu realmente sinto muito. Mas você não me contou como conseguiu os seus oito filhos. - Digo, embora eu até imagine como, mas acredito que falar nas crianças vai suavizar um pouco a tristeza que vejo nos seus olhos.

_ Sim, já estava quase esquecendo. - Ela diz visivelmente mais contente a nuvem de tristeza em seus olhos parece estar se dissipando. Posso perceber que ela realmente os ama a tal ponto deste sentimento suplantar qualquer tristeza.

_ Seus pais estavam envolvidos no levante. Eles foram levados para o posto de saúde como forma de proteção e também para que fizéssemos curativos em pequenos cortes e escoriações.

_ Eu os tratei os médicos estavam ocupados demais tratando dos feridos de guerra e mais e mais corpos se acumulavam nas ruas e calçadas, as crianças estavam assustadas. Então passei toda a noite com eles contando histórias e tentando acalmá-los. No dia seguinte quando o confronto chegou ao fim, médicos do governo chegaram, equipes de enfermeiros também. Eles montaram tendas e começaram a atender os sobreviventes que eram poucos e também alguns profissionais se encarregaram de identificar os corpos. E ao final do dia tinham um número absurdo de mortos, mais da metade da população da cidade. E das 15 crianças que passaram a noite no posto sob os meus cuidados 8 ficaram órfãos. Os representantes do governo estiveram no posto para identificar os órfãos e encaminhá-los para orfanatos. Isso me cortou o coração, 3 deles eram irmãos e provavelmente seriam separados, os demais não tinham mais idade para serem adotados então tomei a melhor decisão da minha vida. Adotei todos, as 8 crianças! - Emma fala com orgulho e alegria e eu entendo muito bem seus sentimentos.

Ela realmente é uma pessoa boa. Será que o Dr. Wes também tem uma história semelhante? Penso e chego a conclusão de que é pouco provável, tendo em vista que ele está estudando meu cérebro como se eu fosse um ser de outro planeta, ele me trata como um experimento e não como uma pessoa. Alguém assim não pode ser realmente bom.

_ Então é isso! Emma interrompe meu raciocínio.

_ Que lindo gesto, você os salvou. Digo e não faço isso premeditadamente para agrada-la, com o intuito de obter mais, mas porque realmente acredito nisso.

_ Não, Beatrice. Foram eles que me salvaram. - Ela diz com um sorriso no rosto e é a primeira vez que me chama pelo meu nome. Nesse momento um pensamento atravessa a minha mente: Essa senhora escolheria a Abnegação e viveria feliz com a sua escolha. Essa conclusão faz com que eu a admire ainda mais.

Ela levanta recolhe a mesa e se vira para sair mas eu a interrompo:

_ Emma, como foi que o Governo lhe deu a custódia das crianças?

Ela dá de ombros e responde:

_ Eles são considerados geneticamente danificados, os orfanatos estão lotados deles e eu uma pobre senhora idosa, enfermeira, que não teve qualquer relação com o levante, que mal poderia causar?

Ela tem razão. David considerava os GDs inferiores, assim como o governo, então realmente não seria difícil delegar seus cuidados a uma Senhora Idosa, dede que essa estive bem de baixo dos seus narizes.

_ Que bom! Fico feliz por você.- Respondo sorrindo ela devolve o sorriso e me diz:

_ Vou indo, já devem ter sentido a minha falta. Mais tarde quando eu trouxer o seu jantar mostro uma foto das crianças e falamos mais sobre eles.

_ Emma, obrigada. - Falo com a gratidão estampada em meu rosto.

Ela pisca para mim, sempre sorrindo e desaparece através porta. E eu fico aqui, olhando para o nada e desta vez não é porque não tenho opção, mas porque tenho muito em que pensar.


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Notas finais do capítulo

Gente, estou escrevendo para outros 3 sites de Fics. Adoro o Nyah! Mas para que eu continue postando aqui também, peço por gentileza comentem. Obrigada mesmo!!
Bjs



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