Convergente II escrita por Juliane


Capítulo 44
Capítulo 44 - Ela




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/544355/chapter/44

Analiso por um um breve instante o homem sentado a minha frente em sua elegante poltrona. De pernas cruzadas, saboreando lentamente sua xícara de chá. Ele lembra vagamente a imagem do meu pesadelo, porém essa sua amabilidade desconcertante parece beirar as raias da loucura e me deixa em estado de alerta. Se eu não conhecesse toda a sua crueldade precedente poderia confundi-lo com algum tipo de santidade, pois tudo nele parece imaculado, o terno bem cortado e incrivelmente branco, assim como os cabelos bem penteados e crescidos até os ombros a barba bem cortada e igualmente branca, os olhos quase inocentes são de um azul tão familiar. Chega a ser assustador.

_ Bem, Senhor Presidente... Acho que mereço algumas explicações.

_ Explicações? É tudo que você quer minha querida Beatrice?

_ Sim! Quero entender por que está me tratando assim, por que poupou a minha vida, quando na verdade sempre fui uma pedra no seu sapato que poderia facilmente ter sido eliminada.

_ Então é isso que você pensa?! - Ele diz e parece chocado.

_ Me desculpe Presidente, mas até onde sei, fui eu quem disparou o soro da memória no DAG, arruinando os planos de David de reiniciar Chicago, que imagino ter tido o seu aval.

_ David, era um estúpido presunçoso, deveria tê-lo executado há muito mais tempo.

_ O que o Senhor quer dizer com era?

_ David está morto. No dia em que você foi conduzida a base ele foi julgado e condenado por mim. Crime contra a família presidencial. Ele teve muita sorte, se você não tivesse sobrevivido o grau de tortura teria sido infinitamente maior. -Família presidencial? O que ele quer dizer?

_ Presidente, o que o senhor quer dizer com família presidencial? Qual nosso grau de parentesco?

_ Minha querida, eu sou seu avô. - Ele diz e sorri, com uma amabilidade que meu primeiro impulso é correr em sua direção para lhe dar um abraço e quem sabe me aninhar em seu colo, mas então me lembro do quão serpentino ele é e que esta não é uma reunião de família.

_ Você? Como assim? Você é o pai da minha mãe, Natalie Prior? - Digo pensando imediatamente em Wes e como isso talvez explicaria o fato do presidente o ter aceito na base desde pequeno...

_ Não, na verdade sou pai de Andrew. Você não vê a semelhança? - Ele diz erguendo as sobrancelhas.

_ Vou lhe mostrar algumas fotografias de quando eu era mais jovem e você verá como seu pai e eu nos parecíamos muito.

Ainda estou processando a informação.

_ Mas como, como isso aconteceu?

_ Bem, imagino que você já tenha idade suficiente para entender como as coisas funcionam e embora eu não aprove, sei que você está de namoro com aquele rapaz que por sinal é muito velho pra você...

_ Eu sei como essas coisas funcionam, quero dizer, como é que seu filho foi parar em Chicago? E meus avós? Eu não os conheci, mas meu pai falava deles como se tivesse sido criado pelos seus pais.

_ Ele foi criado pela mãe biológica. Sua avó me deixou, ela fugiu, estava grávida. Poucas semanas de gravidez, não sabíamos.

_ Por quê?

_ Ela não concordava com meu estilo de vida, era uma idealista...

_ E por que você não a deteve?

_ Minha querida Beatrice, você conhece o amor, eu movi o céu e a terra para tê-la de volta. Mas ela escondeu-se e antes que eu pudesse encontrá-la, como uma afronta ao tratamento que eu dava aos rebeldes ela tomou o soro da memória e apagou tudo, absolutamente tudo que vivemos. E de que me adiantaria tê-la ao meu lado se nossa história nada significaria para ela? - Era o que Tobias quase chegou a fazer, mas por amor e não por vingança ou qualquer motivo torpe. Foi por não conseguir suportar a dor da minha perda. Mas não fez. Graças a Deus! Quase posso imaginar o tamanho do seu pesar...

_ E depois disso, o que aconteceu?

_ Eu a reconheci nos monitores da sala de controle, a minha Margareth vivendo em Chicago como se eu não existisse, como nós nunca tivéssemos de fato existido. Casada com um idiota qualquer e com uma barriga proeminente anunciando uma gravidez adiantada. Quando a vi o ódio tomou conta de mim. Pensei em dizimar a cidade toda, em acabar com ela. Mas ela trazia uma esperança no ventre... A criança, só poderia ter sido gerada por nós, enquanto vivemos juntos aqui neste Bunker... Sua avó adorava esta biblioteca, Beatrice. - Ele olha em volta e muda de assunto bruscamente, como somente um louco faria.

_ E você simplesmente deixou que outro homem criasse o seu filho? Por quê não reivindicou seu lugar?

_ Mas é claro que não. Providenciei para que a minha Margareth amargurasse o resto de seus dias só, onde sua única companhia foi o filho, até o dia em que este completou 16 anos optou por deixar a mãe e a sua facção de origem e viver com os abnegados. Seu pai herdou a minha inteligência, mas era tão idealista quanto a mãe. Alguém como ela nunca conseguiria voz ativa numa facção como a Erudição. Foi um tremendo erro ter me abandonado em prol de uma causa pela qual ela nunca teve forças para lutar. Prova disso foram suas escolhas deturpadas para aliança.

_ Mas ela estava sobre influencia do soro da memoria, como poderia saber. - Tento argumentar.

_ Tola, minha querida Beatrice, sua avó era uma pobre tola idealista. Mas eu nunca deixei de amar aquela mulher e acho que vou amar pelo resto dos meus dias.

_ Sabe o que realmente não consigo entender? O senhor fala em amor, diz que amou essa mulher, lamenta que não conheceu o filho mas teve a chance de impedir uma chacina e não o fez, por quê? - Cuspo as palavras empregando todo o ressentimento que estou sentindo.

_ As coisas não são tão simples minha querida... Mais chá? - Ele diz calmamente enquanto serve mais uma pouco de chá em sua própria xícara e começo a sentir os primeiros sintomas de descontrole surgindo em ondas pelo meu corpo.

_ Não! O que eu quero é entender como alguém tão poderoso como o senhor foi capaz de deixar que matassem o filho que o senhor nem pôde conhecer!

_ Minha querida, não me acuse de ser negligente!

_ Pare de me chamar de sua querida! Você nem me conhece! - Eu grito perdendo de vez o controle.

Ele por sua vez mantém a calma e a tranquilidade, como se eu nada tivesse dito.

_ Beatrice, como já havia lhe dito, a história é longa e por enquanto você tem apenas uma versão dos fatos portanto eu devo lhe parecer um monstro odioso. Você conhece a fábula da Chaupeuzinho Vermelho?

_ Mas o que isso tem haver?

_ Conhece?

_ Sim.

_ Pois então minha querida neta, você conhece a versão dos fatos da pobre menina que deve cruzar a floresta para levar doces para sua vovozinha, mas é ludibriada pelo lobo mau. Mas agora chegou a hora de conhecer a versão do lobo, que talvez não seja tão mau quanto tenham pintado durante todos esses anos...

_ Onde o senhor quer chegar com tudo isso?

_ Bem, quando descobri a traição de Margareth, nossa criada Sophia me serviu de consolo, se é que você pode compreender. Mas ela nunca pôde preencher o vazio que Margareth deixou. Nas poucas vezes em que estivemos juntos ela engravidou e deu a luz a uma memina a qual batizei de Amélia.- Ele faz uma pausa, toma um gole do seu chá enquanto eu olho em expectativa, tentando reunir as peças desse quebra-cabeças, imaginando onde eu me encaixo nisso tudo.

_ Sophia continuou ocupando seu lugar de empregada e Amélia foi criada como minha filha legítima, não a reconhecia como mãe, pelo menos não que eu soubesse. Desde de pequena foi uma criança difícil e rebelde, quando completou 14 anos me convenceu de que estava pronta para estudar na Base com os demais. Eu achei que alguma disciplina militar poderia ajudar. Foi aí que todo o problema começou. A garota conseguiu burlar a segurança, aprendeu a pilotar motocicleta e fugia com frequência para a margem onde acabou se envolvendo com um dos filhos do líder da revolução. E como se não bastasse a maldita engravidou. - Ele suspira e balança a cabeça negativamente e descasa a xícara na mesinha de apoio.

Meu Deus! Como ele pode chamar a própria filha de maldita?!

_ Claro que estou resumindo a história, porque a diaba sabia dissimular como ninguém. Eu descobri tudo muito tempo depois. Ela estava grávida de gêmeos e mesmo assim quando a capturamos conseguimos apenas Amélia e um dos bebês, a sua prima Perséfone. Do outro não tive notícias, ela morreu negando sua existência, disse que a criança havia morrido no parto.

_ E o pai das crianças?

_ Bem, ele foi morto antes que nascessem. - Ele fala em mortes como se fossem um simples efeito colateral à sua contrariedade...

_ Mas o que isso tem haver com Chicago e a morte dos meus pais?

_ Vingança dos descendentes... Sofremos um ataque no mesmo período em que vocês estavam em conflito. O plano deles era aproveitar a distração dos conflitos que estavam ocorrendo em Chicago mas os nossos alarmes soaram antes. Sinto muito. - Ele abaixa os olhos e fita os próprios sapatos brancos e impecáveis. Tenho a impressão de ver lágrimas cintilarem em seus olhos, mas logo afasto a ideia, deve ser fruto da minha imaginação.

_ Descendentes?

_ Sim, os rebeldes retaliando a morte de Amélia e do amante.

Minha cabeça lateja, é muita informação para processar. Estou preocupada com Tobias e Enrico. Não sei exatamente onde estão, se já acordaram ou se foram conduzidos ao hospital, queria ter notícias dos outros, mas temo que o Presidente não me deixará sair daqui tão cedo.

_ Presidente, gostaria de saber qual a minha condição aqui, estou livre para partir?

_ Beatrice, ainda não estou pronto para deixá-la partir. Ainda há muito a ser dito. Tenho certeza de que quando você conhecer toda a minha versão da história você ficará do meu lado e assumirá a sua posição de direito neste governo.

_ Presidente, preciso ao menos saber se meus amigos estão bem.

_ Eu costumo cumprir com as minhas promessas. Veja: - Ele aperta um botão e uma imagem holográfica de Tobias e Enrico deitados lado a lado em camas de hospital surge bem a minha frente, eles ainda dormem mas pelo menos agora estão sob a supervisão de Wes. Ele aperta mais uns comandos no pequeno teclado branco posicionado sobre a mesinha de apoio entre nós e outras imagens surgem mostrando Cara e Christina ainda no hospital e depois no alojamento dos recrutas em camas próximas, Zeke e Caleb dormem tranquilamente.

_ Okay. - Estranho, parecem tranquilos demais mesmo sabendo que eu não voltei da expedição.

_ Desculpe Presidente, mas como podem estar tão tranquilos sabendo que eu não voltei da expedição?

_ Creio que os dois que a acompanharam estão sedados ainda e os demais foram libertados sem maiores informações. Amanhã você mesma pode gravar um comunicado e mandar para eles, se preferir é claro.

_ Gostaria de ver aquelas fotos das quais o senhor falou.

_ Ah sim. - Ele aperta mais alguns botões e algumas imagens surgem no centro da sala.

Um rapaz de estatura mediana cabelo castanhos e olhos azuis, nariz delgado e muito parecido com meu pai posa para a foto de braços cruzados num elegante terno azul. Um click e a imagem muda para um jardim onde uma moça de cabelos longos e dourados sorri sentada num balanço. Mais um click, a mesma moça agora com uma flor no cabelo, sinto calafrio percorrendo meus ossos, eu quase reconheço aqueles olhos. Click, o jovem casal na biblioteca, click, ela escova os longos cabelos em frente a uma linda penteadeira... De repente as imagens findam ele muda o comando e novas imagens surgem e outra Margareth aparece no centro da sala... Com os cabelos curtos.... Espera, eu reconheço essa mulher...

_ Edith Prior!


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Convergente II" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.