Rainha dos Corações escrita por Angie


Capítulo 83
Reencontros | Henrik e Ingrid


Notas iniciais do capítulo

HOJE É QUINTA, HOJE É DIA DE RDC!
Sim, estamos oficialmente no PENÚLTIMO capítulo dessa fanfic (ainda temos o epílogo, se vocês quiserem contar como capítulo, acho que conta hahaha, então antipenúltipo). Depois de anos, enfim chegamos a esse grande momento. Estou até emocionada!

E por isso gostaria de pedir uma coisa a todos que ainda estão aqui me aguentando: mandem um sinal de fumaça. Eu sei que a Rosalie e a Ravena ainda estão aqui firmes e fortes, e sei também de algumas pessoas que ainda acompanham mas não têm mais acesso ao Nyah, e agradeço muito por todo o apoio. Mas quem mais está aqui? Alguém chegou recentemente e resolveu encarar os 82 capítulos já postados? Alguém lia anos atrás, se irritou com minha demora e parou de ler, mas agora voltou? Alguém aqui desde o início?
Podem mandar apenas um oi por aqui, ou algo em algum outro lugar (estou no Facebook, no YouTube e no ask.fm, os links estão nas notas da história). Matem a curiosidade dessa fanfiqueira hahahah

Agora sobre o capítulo: como vocês podem ver pelo título, depois de séculos (12 capítulos para Ingrid e 10 para o Henrik) estamos com Henrik e Ingrid novamente! Vamos poder ver como eles estão depois de passar um tempo fora da Dinamarca e, também, como eles estão lidando com todas as mudanças na família. Estou muito feliz por eles estarem de volta.

Espero de coração que vocês gostem!
xoxo ♥ ACE



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Vista de cima, Copenhague parecia vibrar naquele dia quente de maio. Diferente de quando Henrik deixara a capital dos dinamarqueses meses antes, quando a tristeza invernal ainda cobria o local, agora tudo parecia muito mais feliz. Já se aproximando da aterrissagem, o jovem Príncipe conseguia ver as árvores cheias de vívidas folhas — que contestavam com os galhos secos do inverno — que pintavam toda a cidade de verde. Mesmo sem poder vê-las, Henrik sabia que uma multidão de pessoas estava inundando as ruas dos bairros centrais aproveitando o calor inabitual. Era um dia agradável como tantos outros dias de maio pelos quais Henrik esperara ansiosamente na infância. Depois de passar meses em Lima, conhecendo os mais belos lugares, porém, nem o dia mais alegre na Dinamarca parecia ser suficiente para o jovem Príncipe.

Nos meses que passara no Império Latino Americano, Henrik conhecera possibilidades muito além de sua bolha na Dinamarca. Ao visitar as diferentes regiões do país com Luísa e seu pai, pôde vivenciar coisas que nunca poderia ter vivenciado na Europa. Aprendera sobre outras culturas, experimentara outros tipos de culinária e, principalmente, percebera como o mundo era grande. Com essa oportunidade ímpar, descobrira que não poderia se estabelecer em um único lugar por toda a vida. Precisava criar asas para voar. 

Não que ele não estivesse feliz por estar em casa novamente. Era óbvio que estava. Afinal, passara um longo período longe de sua família. Queria vê-los novamente, claro. Queria conhecer Isabella Aurora — sobre a qual todas as cartas que recebera nos últimos dois meses falavam — e contar todas as suas aventuras ao pai e à Saphira. Queria voltar ao local que chamava de lar. Mas a verdade era que, além de seu desejo de descobrir o mundo fora de Copenhague, algo a mais o fazia ficar relutante por sua volta: seu nervosismo.

Aquela era a primeira vez que voltava à Dinamarca desde que fora mandado a Lima. No tempo que esteve fora, Isabella falecera, e ele não tivera a chance de estar presente para dizer adeus. Não fazia ideia, assim, de como a família estava. Na sua longa viagem de volta à Dinamarca, imaginara diversos cenários para sua chegada, nenhum deles positivo. Primeiro, pensara que seria recebido por toda a família com expressões tristes. Depois, imaginara que apenas uma criada qualquer do Palácio estaria esperando por ele. Por último, em um outro extremo — mais provável, em sua concepção — pensou que não seria recebido de nenhuma maneira. Por isso, ficou chocado quando, ao descer do avião pela escada lateral, viu uma figura familiar encostada nos típicos carros pretos da Família Real.

Henrik quase não a reconheceu à primeira vista. Ingrid estava com os cabelos consideravelmente mais curtos — um pouco abaixo de seu queixo — com uma parte presa em pequenas tranças, uma de cada lado. Ela trajava um vestido mídi preto de mangas curtas com uma tira na cintura que a fazia parecer mais madura do que o normal. Além da aparência alterada, porém, ela ainda tinha o sorriso de sempre. Ela ainda era sua irmã, mesmo depois de passar por tanta dor com a morte de Bella. 

— Não achei que você viria me buscar. Pensei que mamãe a mandaria de volta ao Palácio no exato momento em que colocasse os pés na Dinamarca — Henrik disse em tom de provocação logo depois de abraçá-la.

— Não posso sentir falta do meu irmãozinho? — Ela fingiu indignação, fazendo o mais novo rir. — E recebi algumas regalias por ter conseguido adiantar minha vinda.

— Não me surpreende nem um pouco que você já tenha dominado toda a Noruega. — Ele sorriu, pensando em como sentira falta da irmã mais velha. — Muito antes do que você imagina, será a nova Catarina, a Grande e realizará um golpe para tomar o lugar de seu marido no trono. 

Ao ouvir a risada suave de Ingrid como resposta, Henrik ficou feliz. Antes de vê-la, achava que ela ainda estaria no pico de seu luto, que ainda estaria extremamente triste. Quer dizer, ela provavelmente ficara inconsolável nos meses em que o jovem Príncipe estava em Lima — os primeiros meses sem Isabella. Mas, para ele, ver que a irmã estava se recuperando o deixava extremamente aliviado. Talvez tudo estivesse bem em Amalienborg, afinal. 

 — Vossas Altezas, está na hora de irmos — o motorista do carro anunciou, aproximando-se do Príncipe e da Princesa e abrindo a porta do carro para eles. — Temos de chegar a Amalienborg antes das 10 horas, 

— Vamos antes que Juliane, a Grande fique zangada — Ingrid sussurrou no ouvido do irmão enquanto empurrava-o levemente para dentro do veículo.

Depois de se acomodarem no banco de trás, o par de irmãos caiu em um silêncio confortável. Henrik aproveitou o que seriam seus últimos momentos de paz antes de chegar em Amalienborg — e ser bombardeado por perguntas da família — para observar sua cidade natal. Ao ver as tão familiares construções de tijolos aparentes tão comuns na Dinamarca, não pôde deixar de lembrar-se do Império Latino Americano, com sua arquitetura tão diversa. Em Lima, os prédios, herança do distante período colonial, tomavam conta da paisagem. Em Cusco, cidade de origem da mãe de Luísa, a falecida Imperatriz, as construções mais modernas se misturavam com as dos Incas. Em tantas outras cidades latinas, tudo era diferente. Depois de conhecer tantos outros lugares, Henrik via Copenhague com outros olhos. Continuava a achá-la linda, continuava a amá-la, mas por motivos muito diferentes. Agora ele a via pelo que ela era, não por ela ser a única coisa que conhecia. 

Perdido em seus devaneios, o jovem Príncipe nem percebeu quando o carro estacionou na frente de Amalienborg. Antes de desembarcar, ele olhou para Ingrid. Apesar de sorrir ao perceber o olhar do irmão sobre ela — como se tudo estivesse perfeitamente bem — ele percebeu um resquício de nervosismo em seus olhos. Ele esticou o braço para alcançar a mão dela, apertando-a para lhe dar apoio. Depois de balançar a cabeça em agradecimento, a mais velha desceu do carro, logo sendo seguida pelo irmão.

Diferente do esperado, nenhum membro da Família Real os esperava do lado de fora do Palácio. Apenas Iara Vikander, a chefe das criadas, estava parada, solitária, ao lado da porta lateral.

— Sejam muito bem-vindos de volta, Vossas Altezas — ela disse assim que Ingrid e Henrik se aproximaram. — O resto da Família Real está esperando por vocês dentro do Palácio, acompanhem-me, por favor.

Em silêncio, os dois seguiram a mulher até a sala de convivência. Assim que ela abriu a porta do recinto, Henrik conseguiu ouvir que todos os presentes se levantaram. Todos estavam ali. Seu pai, sua mãe, seu irmão mais velho, Laryssa e até mesmo a tia Hannah e Elisabeth — da qual ele teve de se esforçar para lembrar, já que, na última vez que a vira, ela era bem mais jovem.  Antes que alguém pudesse dizer algo, uma figura significantemente menor que as outras foi até os recém chegados em passos apressados — nunca correndo, já diria Juliane. Saphira pulou no colo de Ingrid e enterrou a cabeça no ombro da mais velha, que beijou seus cabelos carinhosamente e passou a mão por suas costas.

—  Estava com muita saudade de você, Gridy. Como seu cabelo está bonito! — a pequena disse, levantando a cabeça e sorrindo para a irmã. Logo depois olhou para o irmão com curiosidade. — Senti saudade de você também, Henrik. Parece que faz um século que não o vejo. Como foi em Lima? Papai me contou que lá eles comem porquinhos da índia! Você comeu?

— Foi muito bom. — A caçula esticou a mão para o irmão, que a segurou prontamente. —  O Império Latino Americano é exuberante. E sim, algumas regiões do país comem porquinhos da índia. É bastante saboroso. Mas você precisa ir lá para experimentar.

— Quando você se casar com a Princesa, podemos ir para lá todo ano, não podemos? — ela disse, fazendo Ingrid rir.

— Se acalme, Phinny. Primeiro precisamos passar pelo casamento de Alexander. — A mais velha sacudiu a irmã em tom de brincadeira.

— Falando nisso, há tantas coisas que vocês precisam saber! — Ela arregalou os olhos, animada. — Vocês sabiam que, no meu aniversário...

— Saphira, por favor, largue seus irmãos e deixe-os cumprimentar o resto da família. — Juliane interrompeu a filha caçula. — Você terá muito tempo para inteirá-los de todas as novidades daqui a pouco. 

Insatisfeita, Saphira desceu do colo de Ingrid. Os dois mais velhos, finalmente livres da empolgação contagiante da irmãzinha, então, cumprimentaram o restante da família. 

Depois de trocarem palavras cordiais, todos se sentaram para o chá — com os doces incríveis que as cozinheiras do Palácio preparavam. Por mais que quisesse apenas deliciar-se com a comida da qual sentira tanta falta, teve antes de responder a diversas perguntas. Como foi sua estadia no Império Latino Americano? Conheceu muitos lugares diferentes? Aprendeu a falar espanhol? E a mais frequente de todas, feita de diversas maneiras diferentes: Você se deu bem com a Princesa Luísa? 

Depois de muito se esquivar da pergunta principal sobre sua viagem, Henrik finalmente foi substituído por Ingrid no foco das atenções.  Sentada em um sofá do outro lado da sala com Saphira em seu colo e Elisabeth, Laryssa e Alexander a seu lado, Ingrid contava suas aventuras em Oslo. Juliane, já sabendo boa parte das histórias por conta de seus relatórios semanais, conversava calmamente com Hannah enquanto tomava chá. E Henrik, por mais que quisesse ouvir a irmã, apenas conseguia se concentrar em seu pai logo ao seu lado. 

— Eu gostaria de fazer um pedido ao senhor. — O Príncipe olhou para o Rei após longos segundos, finalmente tomando coragem para falar com ele. — Ou melhor, quero notificá-lo de uma decisão. Se não se importar, é claro.

— Sou todo ouvidos — o rei respondeu, apoiando o queixo nas mãos.

— Luísa e eu chegamos a uma conclusão mútua de que não nos casaremos, pelo menos não em um futuro próximo. Não me entenda mal, ela é uma menina incrível. Nós nos tornamos muito amigos nos meses em que estive em Lima. Ambos concordamos, porém, que somos muito jovens para ter um comprometimento tão grande. — Henrik observou o pai enquanto falava e, ao ver a expressão do pai, ficou nervoso novamente. — Eu sei que vocês planejaram tudo com o Imperador… Luísa prometeu-me que iria conversar com ele. Ela afirmou que ele aceitaria nossa decisão, já que apenas quer o bem da filha.

— E nós o seu, Henrik — Christian afirmou com firmeza. — Depois que Isabella faleceu, percebi que não consigo controlar o destino de vocês. Sua mãe também, na verdade. Nós não podemos controlar quem vocês amam ou como será o seu futuro. Tome Alexander como exemplo. Desde que ele nasceu, esperávamos que ele se casasse com uma princesa estrangeira. Anos depois, decidimos fazer a Seleção, esperando que ele encontrasse uma boa moça que seria a ponte entre a realeza e o povo. Ele acabou se apaixonando por Laryssa, que, para ser sincero, nunca seria nossa primeira opção por conta de tudo que ela passou. Mas, se não aceitássemos o destino que ele escolheu, perderíamos um filho. E uma nora extraordinária.

Os dois olharam para Alexander e Laryssa ao mesmo tempo. O casal, sentados um ao lado do outro, ouvia uma das histórias empolgadas de Saphira com as mãos entrelaçadas no colo dela — já com a cumplicidade de um casamento de anos. Henrik não conhecia Laryssa muito bem, afinal, deixara Copenhague ainda no princípio da Seleção, mas ela parecia muito simpática. Ele ficara verdadeiramente feliz pelo irmão ter escolhido com o coração, não com a Coroa. E ficava mais contente ainda pelos pais terem aceitado isso tão bem. 

— O que quero dizer com tudo isso é que nós lhe apoiaremos independente de qual for sua decisão. Se, daqui a alguns anos, você e Luísa decidirem que casar é uma boa escolha, estaremos felizes. Se não, também estaremos. — O Rei sorriu para o filho. — E se você não souber o que fazer, também estaremos ao seu lado. Você é muito jovem, ainda não precisa ter certeza de nada.

— Na verdade, pai, eu sei o que eu quero. Pelo menos por enquanto. — Ele mordeu o lábio inferior.

— Então, conte-me, quais são seus planos?

Henrik contou tudo para o pai, radiante por finalmente poder ser o escritor de seu próprio destino.

Дорогой Lara,

Finalmente cheguei em casa. E estou me sentindo um tanto dividido, tenho de admitir. É ótimo estar de volta, é claro. Ao mesmo tempo, porém, é estranho não ter Isabella aqui. Sei que já falei muito sobre isso — é o assunto de todas as minhas cartas, praticamente — mas agora que estou em Amalienborg, tudo se tornou ainda mais real. No Império Latino Americano, todo dia eu conhecia algo novo, seja um prato típico ou uma paisagem. Como também já disse, era tudo incrível. Assim, parecia que eu apenas estava de férias e que, quando voltasse, tudo estaria igual em Copenhague. Eu sentia a falta de Bella, mas, como estava longe, não senti a falta dela de verdade. Luísa bem me alertou que isso poderia acontecer...

E se você está se perguntando: nós decidimos que não vamos nos casar, pelo menos não em um futuro próximo. Ela é uma pessoa impressionante. Realmente desfrutei de sua companhia, nós nos tornamos bons amigos. Apesar disso, casamento não era a melhor opção para nós. E eu, na verdade, tenho planos muito diferentes para minha vida agora.

Não quero me casar com Luísa e nem com ninguém. Depois de passar meses em Lima conhecendo outras culturas, percebi que existe muito mais no mundo do que a Dinamarca e a Europa. Quero conhecer o mundo, ir além da visão de um príncipe. Quero conhecer outras pessoas e como elas veem o mundo. Então, assim que terminar meus estudos, vou fazer uma viagem por diversos países. Não sei bem os detalhes ainda, já que ainda tenho alguns anos pela frente, mas tenho certeza de uma coisa...

Gostaria que você fosse comigo. Não consigo pensar em alguém melhor com quem compartilhar isso tudo do que você. Você não precisa aceitar, se essa não for sua vontade. Mas faço questão de que você saiba que tenho o desejo de compartilhar esses momentos com você.

Então…

Vem comigo?

 

Henrik

♕♕♕

Ingrid deveria receber um prêmio por sua atuação naquela tarde. Antes mesmo de chegar em Amalienborg, quando encontrou o irmão mais novo no aeroporto, ela vestira uma expressão feliz, como se tudo que sentisse fosse alegria e alívio por finalmente estar em casa. Quando chegou ao Palácio, sorriu e abraçou a família, engajando em conversas animadas sobre seu tempo em Oslo e sobre as novidades em Copenhague. Para olhares externos, tudo estava bem: Ingrid finalmente se recuperara da traumática morte de sua irmã gêmea e estava pronta para seguir em frente. Mas a verdade era que a garota, ainda profundamente enlutada, não sentia nenhum pingo de felicidade. Suas emoções, mesmo que ocultas pela expressão alegre, eram uma confusão, um furacão que ela não conseguia controlar ou compreender. E tudo o que sentia apenas foi demonstrado quando ela chegou em seu quarto — horas depois da chegada, finalmente sozinha — deitando-se na cama em completo desespero.

As lembranças que Amalienborg trazia eram dolorosas demais para a jovem Princesa. Tudo naquele Palácio lembrava sua tão amada irmã. Todos os cantos tinham o cheiro dela. A todo lado, ela estava em uma foto, sorrindo ingenuamente sem saber de seu destino funesto. Ingrid não conseguia dar um passo naquele sem se lembrar de Bella, sem que uma onda angustiante de sentimentos envolvesse seu corpo, paralisando-a. Ela queria estar apenas feliz por estar em casa e por rever a família, porque, de fato, estava. Todas as outras emoções — toda a tristeza pela partida de Isabella — porém, a impediam.

Meses antes, ela nunca poderia imaginar que se sentiria assim por estar no lugar onde cresceu. Quando Ingrid deixou Copenhague para ir a Oslo pela primeira vez, ficou triste. Não queria deixar sua casa, sua família e, principalmente, Isabella. Não conseguia imaginar sua vida longe de Amalienborg. Na segunda vez que deixou a cidade, ir embora era a coisa que mais queria. Não aguentava mais ficar ali, queria fugir. Assim, a Noruega tornou-se seu refúgio, um sinônimo de paz em meio ao caos. Enquanto estava lá, a Princesa tentava não pensar em seu luto. Tentava, ao máximo, focar apenas nos estudos. Aprendera norueguês em tempo recorde, impressionando a todos os seus professores. Fora a melhor aluna de sua classe, um fato que causou inveja em outros estudantes que trabalharam anos para chegar ao topo do ranking escolar. Tornara-se praticamente melhor amiga da irmã de seu pretendente, Caroline Mathilde, de apenas cinco anos. Passara horas conversando e jogando xadrez com Magnus — que era surpreendentemente agradável para um garoto adolescente — quando ambos estavam livres de tarefas escolares. E passeara pela bela capital dos noruegueses mais vezes do que poderia contar. Dessa maneira, sua mente estava ocupada demais para pensar em Isabella. Parecia até que os acontecimentos do ano anterior foram apenas um pesadelo e que tudo, na verdade, estava bem.

Agora, porém, deitada em sua cama em Amalienborg, ela não conseguia se esconder de sua triste realidade. Isabella estava morta, e nada poderia ser feito para mudar isso.

Ingrid abraçou a si mesma com força, como se a irmã ainda estivesse ali para consolá-la. Sentia lágrimas escorrendo lentamente por suas bochechas, mas não fez questão de limpá-las. Depois de horas fingindo que estava bem, seu corpo parecia querer entrar em combustão, queimar-se com todas as tristezas presas dentro dele. E agora, sozinha, sem o risco de preocupar sua família, a jovem Princesa finalmente deixou todos os sentimentos ruins transparecerem. Chorou até que não houvesse mais lágrimas. Soluçou até que seu diafragma pedisse uma pausa. Envolveu seus braços até que os dedos deixassem marcas avermelhadas. Ficou em sua verdadeira forma: um caos em pessoa.

Depois de longos minutos em completo silêncio, na companhia apenas de suas mágoas, Ingrid ouviu a porta ranger, anunciando a entrada de alguém. Em passos lentos e cautelosos, a recém chegada se aproximou da cama e sentou-se aos pés da Princesa sem dizer nada. Por alguns instantes, a menina não se deu o trabalho de olhar quem era. Não queria descobrir quem estava a observando em um de seus momentos de maior fragilidade. Na verdade, estava torcendo para que, depois de não receber resposta alguma, aquela pessoa apenas simplesmente deixasse o quarto. Entretanto, parecia que isso não ocorreria. A visitante permaneceu ali, sem esperar por uma resposta.

— Ingrid, querida… — disse uma voz feminina, fazendo com que Ingrid se encolhesse ainda mais na cama. — Está tudo bem se sentir triste, você não precisa fingir que está bem apenas para nos agradar.

 Ao reconhecer a voz da mãe, algo se acendeu dentro de Ingrid. Não era nada como a tristeza com a qual lidara por tanto tempo, era algo completamente diferente. Era algo que queimava, algo que a fazia querer gritar até seus pulmões explodirem. Era raiva.

— Saia daqui! — a mais nova gritou, sem mudar de posição. — Se quiser que alguém fale comigo, mande qualquer outra pessoa. Papai, Alexander e até mesmo Laryssa, não me importo quem seja, desde que não seja você!

A Rainha ficou em silêncio, esperando pacientemente a filha se acalmar. A raiva de Ingrid, porém, não poderia ser dissolvida.  Ela precisava ser expelida.

— Você nunca se importou conosco. Alexander sempre foi seu favorito, e Saphira só recebia atenção porque precisa de cuidados especiais. Isabella e eu sempre fomos as suplentes, as filhas mulheres que você nunca quis. — Ingrid trazia muita raiva em sua voz. — Assim que atingimos a idade certa, você fez questão de nos arrumar maridos, como se quisesse se livrar de nós. E, quando Isabella desviou do destino que você planejou, você nos separou. Não me diga que essa foi a melhor ideia que veio a sua mente! Pode admitir, você nunca gostou de Bella.

Vendo que a mãe continuaria calada, a Princesa resolver continuar. 

— Você ficou feliz com a morte dela, essa é a verdade! 

Apenas depois de proferir aquelas palavras — tão cheias do ódio que a consumia — Ingrid percebeu a gravidade do que dissera. Quase que imediatamente, então, ela girou a cabeça para olhar para a Rainha. A mulher mais velha tinha lágrimas tímidas nos olhos, coisa que a Princesa jamais presenciara. Ver a mãe assim por sua causa fez com que ela se sentisse a pior filha do mundo.

— Eu me arrependo de ter separado vocês. Nenhuma das duas merecia isso. E eu mereço essa acusação. —  Ela respirou fundo antes de continuar, como se tentasse segurar as lágrimas mais violentas que se formavam em seus olhos. —  Mas você não pode dizer que eu fiquei feliz. Não poderei aceitar. Por mais que eu me irritasse com Isabella constantemente, eu nunca desejaria sua morte. Eu sei que você está com raiva de mim, e com razão em alguns pontos, e que eu posso parecer a vilã da história, mas não se esqueça que eu era mãe de Isabella. Sou mãe de Isabella. Sou mãe de vocês duas. E o amor de uma mãe é inexplicável, você não poderia entender.

Ao ouvir as palavras da mãe, Ingrid ficou ainda mais arrependida. Como pôde ser tão insensível assim?

— Eu sofri muito, mais do que você poderia imaginar. Apesar de ter um motivo bélico por trás, nossa ida à Skagen foi planejada porque eu não aguentei ficar em Amalienborg. Seu pai e seus irmãos, por mais que tenham ficado muito tristes, aguentariam ficar aqui. Mas eu não quis. Era muito doloroso. — Quanto mais a mãe falava, pior Ingrid se sentia pelo que dissera. —  Eu me arrependo de ter separado vocês duas precocemente, mas, nos dias que sucederam o atentado, fiquei feliz por tê-la mandado embora. Assim, você nunca precisaria sentir o que eu senti.

Ingrid entendia a mãe, afinal, ela sentia o mesmo. A diferença era que, enquanto a Princesa tivera a oportunidade de fugir dali nas piores fases do luto, a Rainha tivera que ficar em Copenhague. Ela tinha que ficar, afinal, ainda tinha o marido e os outros filhos. Não poderia deixar a dor consumi-la. No fim, sua decisão errônea de separar as gêmeas precocemente acabara comprando tempo para Ingrid se recuperar longe do lugar que a trazia tantas lembranças. Com a realização, se envergonhou de ter acusado a mãe de ter ficado feliz pela morte de Bella. Além de insensível, ela era uma ingrata. Não conseguia nem mais encarar a mãe.  

— Eu sei que é difícil, meu amor. É quase impossível, na verdade. Mas nós estamos todos juntos nessa. —  A Rainha acariciou as costas da filha com carinho. — Não reprima seus sentimentos. Raiva, tristeza, aflição. Você pode compartilhar tudo conosco. 

Assim que Juliane terminou de falar, Ingrid se ergueu da cama e abraçou a mãe. Com esse singelo toque, ela finalmente se sentiu para chorar abertamente, não mais guardando toda a mágoa que sentia apenas para si. 

— Desculpe-me, mãe. Eu não queria ter lhe ofendido assim. Eu só… — Ela soluçou no ombro da mais velha. —  Eu só queria trazê-la de volta. Queria tanto tê-la aqui agora.

—  Está tudo bem, filha. —  A voz da Rainha era suave, quase um sussurro. —  Eu também queria ter esse poder.

As duas ficaram abraçadas até que as lágrimas da Princesa cessaram. Vendo que a filha já estava mais calma, a Rainha a soltou, segurando suas mãos com carinho.

—  Amalienborg pode parecer um lugar sombrio para você agora, mas, aos poucos, nós estamos nos recuperando. Em parte por conta da nova integrante da família — a Rainha disse com cautela. —  Se você estiver pronta, podemos ir lá para que você a conheça. Acho que isso pode alegrar um pouco os ares.

Ingrid pensou por um tempo. Pelas esporádicas cartas que trocara com o irmão mais velho, sabia que ele decidira criar a criança com Laryssa, sua futura esposa.  Não poderia negar: quando recebeu a notícia do nascimento da sobrinha, ficou dividida. Em um primeiro momento, ao ler o nome da menina, pensou que ela era uma substituta para Isabella. Uma linda, fofa e rápida substituição para a maior perda daquela família. E não queria, sob nenhuma circunstância, que a irmã fosse substituída tão cedo assim. Assim, poucas horas depois de receber a carta de Alexander no início de março, a Princesa fez com a informação o que fizera com muitas outras no período em que esteve em Oslo. Ignorou-a. 

Ao chegar em Copenhague, porém, foi atingida em cheio pela realidade. Apesar de o bebê de um pouco mais de dois meses de vida não estar presente na recepção de Henrik e Ingrid naquele dia, ela era, com certeza, um dos assuntos principais. A pequena Saphira apenas conseguia falar como Isabella Aurora era linda e como já parecia rir quando alguém fazia alguma gracinha. E Ingrid não poderia ignorar o sorriso radiante de Alexander ao contar sobre a filha. Então, apesar de ter ignorado a sua existência por tanto tempo, estar rodeada por pessoas que amavam aquela menininha tanto a fazia querer conhecê-la. 

— Estou pronta. — Ela balançou a cabeça afirmativamente. — Não vejo a hora de conhecê-la.

Mãe e filha se levantaram ao mesmo tempo. Assim que ficaram de pé, Juliane colocou um dos braços protetoramente em volta dos ombros da filha, dando-lhe forças. Mesmo depois de tudo que dissera, a mãe estava ali, caminhando ao seu lado. Ingrid não poderia se sentir mais grata. As duas seguiram juntas pelos corredores do Palácio, indo até um corredor que não era estranho à Princesa.

Assim que elas pararam em frente à porta já aberta do cômodo, Ingrid o reconheceu. Era o berçário de todas as crianças da Família Real — levemente remodelado desde a última vez que fora usado nove anos antes. Apesar de não se lembrar de quando ela e a irmã gêmea estiveram ali, tinha memórias claras de quando Saphira era um bebê. Recordava-se de como ela, Bella e Alexei gostavam de ir ali depois das aulas e de como faziam todo o tipo de gracinha para fazer a caçula rir. Agora, ao ver um Alexander sorridente surgir de dentro do quarto, em uma posição completamente diferente da que ocupara quase uma década antes, Ingrid não pode evitar de se sentir melancólica. Como as coisas haviam mudado... 

Ao ver os olhos inchados da irmã, a expressão do Príncipe Herdeiro tornou-se preocupada. Antes de dizer qualquer coisa, ele olhou para a mãe como se perguntasse “tem certeza?”. Como resposta, obteve apenas o sorriso da mãe, encorajando-o a seguir em frente. Alexander, então, se aproximou. Ele envolveu a mais nova em um abraço muito mais verdadeiro do que o que dera algumas horas antes, quando ela ainda usava sua máscara falsamente alegre. Agora, ele a via como ela realmente estava, como ela realmente se sentia. E saber que — mesmo ela estando naquele estado caótico — ele estava ali por ela a tranquilizava.

Alexander, então, conduziu a irmã mais nova para dentro do quarto. A poucos passos da entrada estava a noiva do irmão com um sorriso tenro no rosto. Ela havia trocado de roupa desde a recepção, trajando agora um confortável vestido verde claro que a fazia ficar com a aparência ainda mais meiga. Apesar de não ter tido a oportunidade de conviver com ela, Ingrid gostava da futura cunhada. Laryssa parecia tão doce, tão inocente, mas tinha uma história inimaginável de força e superação. Mesmo sendo quase um ano mais nova que a Princesa, era uma fonte de admiração. Quando a futura Princesa a abraçou — como se dissesse “vai ficar tudo bem” — Ingrid sentiu-se aliviada. Naquele momento, teve certeza de que era ela que tinha sorte por receber Lary em sua família, não o contrário.

— Ela está muito ansiosa para conhecê-la. Eu sei que ela ainda não fala, mas, como mãe, posso dizer por ela. — As duas moças riram juntas. — Venha.

Laryssa pegou a mão de Ingrid e a conduziu até o berço sobre o qual ela e Isabella se debruçaram por horas quando Saphira ainda era um bebê, ignorando todos os conselhos da mãe. Nove anos depois, ele não era mais utilizado por uma magra e minúscula menina de olhos azuis e cabelos loiros e, sim, por uma de cabelos castanhos escuros vestida com um macaquinho azul-celeste. Os olhos verdes — que provavelmente mudariam com o tempo — estavam bem abertos observando tudo em sua volta e surpreendendo Ingrid. Sorrindo para a filha, Laryssa a pegou no colo.

— Depois do que aconteceu a sua irmã, quis homenageá-la. Porém não queria oficializar sem contar para você antes. —  Laryssa disse, balançando a menininha suavemente. —  Isabella Aurora é o nome que eu quero dar a ela. Eu sei que ele pode trazer sentimentos dolorosos para você, mas ao mesmo tempo, queria que ele fosse o símbolo do nosso passado e do nosso futuro.

— É lindo, Laryssa, de verdade. Isabella ficaria honrada. Mas… —  A Princesa pensou na amada irmã gêmea enquanto olhava para o bebê. — Vou ficar apenas com Aurora por enquanto. Um novo amanhecer, para mim e para ela. Não estou pronta para relacionar minha sobrinha a uma ferida que ainda não curou completamente.

Laryssa sorriu, indicando que compreendia. Com o tempo, Ingrid se acostumaria a chamar a menininha pelo primeiro nome. Afinal, Isabella também trazia lembranças muito felizes. Por enquanto, porém, enquanto a ferida do luto não estivesse completamente curada, assim estava bom. Ela poderia até se tornar a tia legal, tal qual Thyra, que chamava os sobrinhos pelo segundo nome.  

 — Quer segurá-la? — Laryssa perguntou.

A Princesa fez que sim com a cabeça. Com cuidado, Laryssa colocou a filha nos braços da futura cunhada. Assim que sentiu o peso daquela pequena criatura, Ingrid sentiu algo que não sentia havia muito tempo: esperança. Por muito tempo, Amalienborg trazia apenas lembranças dolorosas. Mas aquela garotinha parecia iluminar tudo novamente. Ela era a certeza de que, com o tempo, tudo ficaria bem.


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Notas finais do capítulo

E aí, gostaram?

Sobre o Henrik: Voa passarinho! hahaha Eu gosto muito desse "fim" para o personagem do Henrik. Ele começou a fic como um príncipe meio "esquecido" e terminou assim, querendo conhecer o mundo por si próprio (e com Lara a seu lado #Larink especialmente pra Queen). Imaginem o que quiserem dessa grande viagem, que eu imagino que vai ocorrer daqui uns 4 ou 5 anos no tempo da fanfic.

Sobre a Ingrid: Eu sinceramente AMEI escrever a cena da Ingrid e da Juliane brigando, porque me lembrou muito das brigas que eu tenho com minha mãe (por motivos bem mais brandos, diga-se de passagem). Eu (quase) sempre falando algo do qual me arrependo profundamente e fico triste por dias por não saber como fazer as pazes. Por sorte, essa parte foi rápida aqui. Para mim, foi uma cena muito forte.

Minhas aulas remotas voltaram, então não posso garantir um capítulo tão rápido assim. Mas aguardem mais um pouquinho que só faltam DOIS capítulos!

Obrigada por ainda estarem aqui! Nós vamos colocar um ponto final nessa história!

Até o próximo,
xoxo ♥ ACE



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