Bastarda escrita por Lena Saunders


Capítulo 10
Aquele do Sangue


Notas iniciais do capítulo

Olá, leitores lindos do eu coração S2
Sei que demorei muito mas alguns problemas na minha vida pessoal me deram um bloqueio criativo gigantesco, além de me tomarem muito tempo.
Tentarei retornar com as postagens semanais, embora não possa prometer nada.
Não fiquei tão satisfeita quanto gostaria com esse capítulo, mas acho que deu para o gasto. No próximo, muitas coisas serão explicadas e concluirei essa pequena "aventura" da Kyra.
Muito obrigada por ler, aguardo seu comentário.
~Lena



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Não ousei dizer nenhuma palavra.

– Bem, você espera aqui que eu vou verificar os outros. - Ele anunciou, como se eu realmente pudesse sair andando por aí. Bem, eu podia, mas ele não precisava saber disso. - Dor, faça aquele estúpido dragão marinho cuidar dela.

Após uma discussão baseada em resmungos, o homem e o dragão terrestre saíram, me deixando com um dragão marinho. E, no meio de toda essa confusão, tudo em que eu conseguia pensar era o quanto aquele dragão era lindo.

Um pouco menor do que um cavalo, suas escamas esverdeadas pareciam espelhos e seus olhos eram profundamente azuis. Ele parecia triste, prestes a chorar. Eu disse a primeira coisa que passou pela minha cabeça.

– Nós não choramos.

O dragão inclinou a cabeça, confuso com o que eu dissera. Diferente do outro, esse não parecia perigoso. Era quase adorável, o que era ótimo porque eu precisava sair dali.

Normalmente eu teria optado por uma saída mais silenciosa, mas eu estava sem tempo. Joguei minha cadeira para trás, com o máximo de forca que consegui e orei aos deuses para que seu material fosse tão fraco quanto parecia. Ele era.

A cadeira se estraçalhou sob meu peso.

Ainda com as mãos amarradas, me levantei, encarando o dragão. Eu estaria morta se ele decidisse me atacar. Mas, ao contrário do esperado, ele parecia mais confuso do que sanguinário. Tudo bem. Eu precisava do machado.

Lutei inutilmente contra as cordas e percebi que nunca escaparia dali. Minha tentativa de fuga provavelmente só irritaria mais o homem.

O dragão se levantou e caminhou até mim, suas patas levantando muito alto, como as de Valkíria quando ela era menor. Segurei a respiração, esperando pela mordida que não veio. Ele arrebentou as cordas com suas pequenas garrinhas.

– Ah. Obrigada. - Eu disse, surpresa.

Afaguei a cabeça dele e obtive um leve ronronar como resposta. Se parecia com o de Valkíria. Eu iria voltar para ela.

Apoiei minhas mãos nas rachaduras da parede e impulsionei o meu corpo alto o bastante para alcançar o machado.
Abri a porta com cuidado, amaldiçoando as dobradiças barulhentas.

Olhei sobre meu ombro e vi o pequeno dragão encolhido no mesmo canto de antes, com a cabeça baixa.

– Você que vir também? - Sussurrei. - Eu te ajudo a achar seu cavaleiro.

Os olhinhos dele se encheram de lágrimas novamente e ele caminhou desajeitadamente atrás de mim.

Haviam mais algumas portas e eu não sabia qual delas dava na saída. Atrás da primeira porta pude ouvir o som de uma conversa baixa e resolvi não arriscar. A segunda estava completamente silênciosa. Era uma boa chance.

Eu pensei que fosse morrer quando vi o que havia lá. Senti mais medo do que eu havia sentido em toda a minha vida.

Cinco ou seis corpos estavam espalhados pelo chão, mas eu não me importava com eles.

Pendurado pelos pulsos, estava Aires, com sangue escorrendo por seu pescoço e peito.

E o meu sangue pareceu sumir de minhas veias. Me tornei surda e cega para o resto do mundo. Tudo o que eu podia ver era seu sangue, vazando pouco a pouco.

Saltei pelos corpos mecanicamente, sem pensar no que estava fazendo. Arrebentei as cordas grossas com o machado e amparei o peso de seu corpo quando ele caiu.

O coração ainda batia. Ele estava vivo. Eu o faria continuar assim. Fiz o caminho de volta até a porta do cômodo e prestei mais atenção dessa vez.

O rosto repleto de sardas de Gale me encarava, com os olhos e a garganta abertos. Pobre Gale.

Mas eu não tinha tempo para lamentar por ele.

Continuei arrastando o corpo do garoto de quatorze anos, tropeçando em meus próprios pés. O pequeno dragão marinho carregou meu machado segundo minhas instruções. Ele parecia assustado, mas contente. Subitamente me perguntei onde estaria seu cavaleiro.

A porta se fechou com uma batida forte e eu me virei apenas para ver um pequeno dragão de ar encostado no canto da sala, me encarando com furia. Ele deslizou no ar até mim, suas escamas quase transparentes se movendo com graça, provavelmente reivindicando o corpo de Aires. Mas não esperei para descobrir seus objetivos.

Larguei o corpo no chão e puxei meu machado da boca do dragão d'água. Eu nem sequer tentara me defender mais cedo, mas agora Aires estava em risco. Ele era menor que Valkíria e eu sabia lutar contra dragões.

Não olhei para trás, para a cabeça decepada do dragão, enquanto caminhava para fora.

Quase me senti mal por tê-lo matado e pensei na dor que seu cavaleiro devia ter sentido. Tarde demais para o remorso.

Dessa vez, arrastei Aires pelo corredor, até a última porta. Era a saída, afinal.

Continuei arrastando-o pela areia, tentando não cair em cima dele. Agora havia outro problema para resolver: como eu sairia dali.

Dessa vez, ouvi os passos ecoarem atrás de mim. Me virei de uma vez, soltando o corpo de Aires e me joguei na direção do dragão marinho, pegando o machado.

Uma garota corria em minha direção, com os cabelos negros chacoalhando com o vento. Ela era muito alta para a idade que aparentava e possuía os olhos cruéis do homem que me pusera em cativeiro.

Comecei a girar o machado, pronta para descê-lo contra seu pescoço, mas notei seu desespero.

– Nos leve com você, por favor.

– O que? - Parei o machado no ar, encarando a garotinha ofegante que parara de correr.

– Para qualquer lugar, por favor. Apenas não nos deixe aqui.

– Ãh... Quem são "vocês"? - Perguntei, procurando mais alguém com os olhos.

– As Calísyadas.

– Ah. Isso explica tudo.

Recuei até o corpo caído de Aires, mantendo o contato visual com a garota. Se Aires estava aqui, seu dragão também deveria estar. Astryd nos levaria de volta, eu apenas precisava encontrá-la.

– Espere. Por favor. - Ela parecia desesperada. - Ninguém nunca sai e...

Repentinamente o pequeno dragão de escamas esverdeadas se jogou na areia, convulsionando, com sangue escorrendo por sua boca.

Larguei o machado e me ajoelhei ao lado dele.

– O QUE ESTÁ ACONTECENDO?! - Gritei.

– Ele está mudando. - A garota pareceu mais pálida repentinamente. - Nós precisamos sair daqui. Agora.

Ela se abaixou ao meu lado e pegou o corpo de Aires. Acho que rosnei instintivamente para ela, o machado parecendo mais atrativo em minha mão.

– Olhe, nós precisamos ir. Quando isso acabar ele pertencerá a Yaffar e se ainda estivermos aqui, estaremos mortas.

Olhei para o pequeno dragão a minha frente. Ele, de certa forma, fora vital para que eu chegasse até ali.

Mas então olhei para o corpo de Aires, mole e coberto de sangue, sendo levantado pela garota.

A vida é feita de escolhas.

Levantei o outro braço dele e, juntas, o carregamos para longe do dragão.

– Precisamos encontrar abrigo no alto. Dor não nos encontrará lá.

Nós amarramos o corpo de Aires com cipós e o içamos em uma árvore alta. Impulsionei a garota para cima e nao me surpreendi ao ver que ela era uma boa escaladora. Vi sua mão esticada, pronta para me puxar para cima.

Apesar de a areia supostamente amortecer os passos, as pessoas da ilha aparentavam ter dificuldade em andar silenciosamente. Eu o ouvi chegar e me virei, com o machado em mãos.

O homem dos olhos cruéis desceu a espada na minha direção, mas eu desviei bem a tempo, fazendo-o atingir a árvore. Vi a garota, metros acima, segurar o corpo de Aires, evitando que ele caísse.

O homem tentou me atingir mais algumas vezes e eu desviava sem pensar. Eu senti a sensação de euforia se espalhar, correndo por minhas veias e preenchendo meu corpo, minha alma.

Meus reflexos se tornaram mais ágeis e eu já não pensava no que fazer. Meu corpo desviava sozinho e meu braço girava o machado, tentando acertá-lo.

Não demorei para perceber que ele estava apenas me distraindo até seu dragão chegar.

Mas o meu foi mais rápido.

Valkíria praticamente pousou em cima dele, derrubando-o contra o chão. Eu não sabia dizer se o sangue era dele ou dela.

Os dois rolaram, um sobre o outro e, assim que Valkíria saiu de cima dele, eu desci meu machado, cortando-o do pomo de Adão ao umbigo.

Ficamos ali, paradas, eu e ela, olhando para as tripas dele, que saltavam para fora em um retrato quase poético.

Treze anos. Meu primeiro assassinato. Não. Não foi um assassinato. Ele me ameaçou, a defesa foi legitima. Treze anos e a primeira vida que tirei não me trouxe peso algum. Pelo contrário.

Valkíria se inclinou sobre o corpo e respirou brutalmente no rosto do cadáver. Vi os espinhos que surgiam em sua cabeça e desciam até cauda brilharem, um a um. Impressionante.

A calma chegou tão repentina quanto a quanto a euforia.

A garota pulou da árvore, caindo ao meu lado.

– Eu não acredito. Você o matou. Você realmente o matou.

E então, seus braços estavam ao meu redor, apertando-me a ponto de machuca minhas costelas. Ela não parava de sorrir, era quase assustador.

Descemos o corpo de Aires enquanto a garota, Falk, aparentemente, tagarelava incessantemente.

– As meninas não vão acreditar quando eu contar que você o matou! Nós estamos livres!

– Me perdoe pela ignorância, mas de quem, diabos, você está falando?

– Das minhas irmãs.

Dito isso, ela levou dois dedos à boca e assoviou, alta e sonoramente.

Vi as cabeças surgirem das copas das arvores, uma após a outra, como bolhas em uma panela fervendo. Mais de trinta delas.

Todas pertenciam a corpos femininos. Todas tinham o mesmo cabelo liso, profundamente negro e os mesmos olhos cruéis que agora me encaravam.


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