Dois de agosto.

“Querida Hope,

A previsão do tempo constatou que teremos uma grande nevasca nesse inverno, por isso desejo que você mantenha-se sempre agasalhada. Não seria muito legal te ver doente. Além de você não gosta dessa estação. Desculpe-me por enviar outra carta somente agora, mas acontece que eu tenho tempo somente nos finais de semana, o que significa que minhas cartas para você serão enviadas semanalmente.

Estou um pouco receoso no momento, já que você disse que não gosta dos meus bilhetes, então eu pensei: Será que devo parar com as cartas? Mas visto que isso é idiotice eu estou aqui escrevendo, e desenhando. Gostou dos meus desenhos? Sempre faço quando estou inspirado e esses momentos de inspiração vêm e vão a todo o momento, por isso sempre dou um jeito de aproveitar.

Gostou do presente que eu te dei? Foi difícil escolher, mas então a atendente da floricultura me disse o significado de cada flor que havia ali, por isso escolhi tulipas vermelhas, o significado se aplica bem ao que eu sinto por você.

Hope, as coisas aqui estão meio que difíceis para mim no momento. Estou triste e cansado, já que ando piorando um pouco minha relação com as pessoas ao meu redor. Isso é normal? Você se cansar de tudo? Se cansar das pessoas, de casa, da escola, do trabalho, dos seus passatempos, de ler, escrever, desenhar? Se cansar de tudo o que você gosta? É normal você ser incapaz de fazer coisas simples como: Abraçar, beijar ou até mesmo dizer coisas simples como: “Eu gosto muito de você”? Acho que estou perdendo um pouco o foco da minha carta, por isso peço que me desculpe, mas eu precisava desabafar isso com alguém.

Ora isso, eu, desabafando.

Hilário. Totalmente hilário se levar em conta a pessoa que eu sou.

Não sei se você sabe, mas eu tenho te observado mais do que o normal ultimamente e percebi que você é vinte e quatro horas fumando. Eu não me importo com o fato de que você fuma, longe disso, se você gosta eu não posso fazer nada, porém, você fumava apenas algumas vezes, raras, mas você tem fumado muito, tipo muito mesmo, o que me deixa angustiado. Eu gosto de você. Eu amo você. E não consigo me imaginar sem você. O que seria de mim se você desenvolvesse alguma doença por culpa do fumo? Hein? Já parou para pensar como sua família ficaria? Como seus amigos ficariam, principalmente a Lília? Como o queridinho capitão do time ficaria? E, já pensou, em pelo menos um segundo, como eu, um ser totalmente desconcertante e confuso, nos diversos sentidos, ficaria? Péssimo. Essa é resposta, todos nós ficaríamos péssimos. Por isso, peço que você pare e pense um pouco. Não estou querendo dizer que você é egoísta nem nada disso, apenas... pense, o.k?

Com amor, foda-se-esse-negocio-de-anônimo, Sr. Confuso. “

Quatro de agosto.

"Olá, Sr. Confuso

Não me surpreendo pelo fato de você saber que eu não me dou muito bem com o inverno, mas me surpreendi ao ler o seu pedido para que eu me mantenha agasalhada. Então, comprei uma touca e um cachecol, ambos da cor cinza. Cinza é minha cor preferida. Mas não aquele cinza sem graça ou prateado, aquele cinza que o céu fica ao por do sol. Quando o sol se põe, por um momento, ele deixa de ser azul e fica cinza, depois passa para ter pontos aqui e acolá de laranja. Eu adoro esse cinza, que são idênticos aos olhos da minha mãe.

Eu gosto muito dos seus desenhos e adorei o presente que você me deu. Irei procurar em breve o significado de tulipas vermelhas, eu prometo.

Se as coisas estão realmente ruins acredito que você possa confiar em mim. É, um cara como você, desabafando com Hope Adams é uma grande ironia, mas juro que estou falando sério. Espero que tudo fique bem com você. Estarei sempre aqui, a qualquer custo. Apenas escreva, sei que escrever para mim faz bem a você assim como eu receber suas cartas faz bem para mim.

Preciso lhe contar algo engraçado: Eu senti falta dos seus bilhetes. Sério. Eu estava me sentindo estranha e confusa, por causa de alguns acontecimentos recentes relacionados ao Tyler Paskin, o meu querido capitão do time de futebol. De qualquer forma, eu me encostei no meu armário e o abri, esperando ver um bilhete, para me sentir um pouquinho mais normal e menos confusa, porém, ao abrir, me deparei com um desenho que me deixou mais angustiada ainda. Um garoto sentado olhando para algo através de uma janela. Sei que era você, e sei que você reconfigurou todos os detalhes físicos para eu não poder identificar, mas por incrível que pareça eu encontrei pequenos detalhes interessantes: A forma do seu cabelo, os seus ombros e seu perfil. Relaxe, eu não vou te procurar por esse desenho, apenas estou contando algo, enfim, eu me senti angustiada porque dava para perceber que você estava triste naquele desenho, e apesar de não nos conhecermos eu fiquei triste por você, pelo que você está passando. Não volte a mandar bilhetes, por mais que eu tenha saudade deles, tenho que me acostumar com cartas e desenhos. Fica tudo mais encantador.

Eu sinto muito. Minha amiga Lília tem brigado comigo por culpa disso, ela acha que eu posso pegar câncer ou algo do tipo. Sophia, minha prima, às vezes ameaça contar para a minha mãe, mas sei que ela não é capaz disso. E tem o meu irmão, que me olha de forma estranha toda vez que me pega fumando dentro do banheiro. Na verdade Henry me olha de forma estranha por causa de qualquer merda, então não fico surpresa, mas a forma como todos eles me olha me deixam encabulada. Eu fumo quando estou agitada ou muito nervosa, e eu tenho estado assim ultimamente. Sinto muito. Eu paro para pensar às vezes sobre como as pessoas ao meu redor ficariam caso algo acontecesse, mas é inevitável não fumar. É bom. É viciante. Deixa-me calma. Faz-me pensar mais na vida. Prometo que irei passar a fumar apenas às vezes.

Obrigada por se importar comigo! Veja, estou começando a achar que você é um cara legal.

Até mais :]

Hope Adams. "

Oito de agosto.

"Querida Hope,

Hoje recebi minhas notas e percebi que fui mal em algumas matérias. Meus pais provavelmente irão me dar um bom sermão, mas eu infelizmente não sei o que posso fazer para melhorar. Simplesmente não consigo aprender. Prevejo notas ainda mais baixas nos próximos bimestres, mas contanto que eu não reprove está tudo bem.

Pela vista do meu quarto eu consigo ver tudo o que se passa na rua, ontem vi um casal de mãos dadas sentados na calçada. Eles pareciam tão felizes, entende? Ela ria e colocava a mão sobre a boca, tentando abafar o riso e ele a observava, com um sorriso de praxe. Eu senti inveja. Sim, inveja. Porque eu queria que aquilo estivesse acontecendo comigo, eu queria que fossemos nós ali, eu e você, sentados na calçada conversando por coisas bobas, eu diria algo que a deixaria constrangida, então você me daria um tapa no ombro e em troca eu lhe daria um beijo. Isso foi gay. Mas foi real, estou falando sério. Eu amo você, Hope. Você sabe disso. E como não podemos em, hipótese alguma tentar um relacionamento sério eu continuo aqui, olhando pela janela do meu quarto a vida dos outros, já que a minha não é interessante, a única coisa legal nela é você.

Comprei um CD novo da minha banda preferida, mas infelizmente não posso ouvir por motivos pessoais, por isso vou dá-lo a você. Não sei exatamente como, mas vou dar um jeito de lhe entregar. Você gosta de OneRepublic? Eu adoro, apesar de ninguém saber disso, nem mesmo meu melhor amigo. Gosto de ouvir nos meus fones de ouvido antes de dormir, olhando para o teto e recitando versos legais de livros e poemas que já li. Eu adoro ler, creio eu que é de família, já que todos aqui em casa também gostam. Espero que você goste, e recomendo que ouça Couting Star.

Com amor, foda-se-esse-negocio-de-anônimo, Sr. Confuso. "

Doze de agosto.

"Olá, Sr. Confuso

Tenho percebido que você não é tão confuso assim, já que eu de alguma forma consigo te entender. Porém gosto desse nome, e já que você prefere ser chamado assim, vamos continuar.

Eu fui boa em muitas matérias, na verdade em todas. Sempre fui uma boa aluna, minhas notas normalmente são A, me esforço bastante para isso, para essa obtenção de nota alta. Pena que meu irmão não é assim. Quando eu cheguei em casa e mostrei as notas aos meus pais eles ficaram tão felizes, Sr. Confuso! Eles disseram estar orgulhosos de min. Eu fiquei até mesmo emocionada e cheguei a chorar. Sentamo-nos no sofá e ficamos esperando Henry chegar com os resultados. Ele não demorou muito. Em silêncio ele chegou, em silêncio ele ficou. Ele tem estado assim, calado, nem mesmo para me alfinetar mais ele abre a boca. Raramente o vejo sorrir. Ele de afastou do Tyler, melhor amigo dele e a única pessoa a qual ele continua a mesma é a Sophia. Nossos pais acreditam que ele esteja passando por algo difícil, ou que ele tenha algum problema maior. Mas não quero me aprofundar nesse assunto, então continuando: Minha mãe pediu as notas e ele as mostrou a ela. Quatro notas baixas. Quatro. Muito baixas. Meu pai começou a dizer diversas coisas enquanto minha mãe dizia que ele estava de castigo, sem celular, sem computador, sem sua maquina de escrever, sem a Sophia, sem videogames, sem nada, durante duas semanas. Ele apenas continuou quieto, ouvindo e assentindo. Até aí estava tudo bem. Mas então meu pai puxou a orelha do meu irmão e deu um tapa ali em seguida. Eu fiquei imóvel. John nunca havia batido em nós, nunca. E lá estava ele, arrastando Henry pelas escadas enquanto eu e mamãe corríamos tentando impedi-los. O que me deixou ainda mais chocada foi o fato do Henry não protestar, ele parecia saber bem o que iria acontecer. Meu pai entrou no quarto e trancou a porta, com eles dois lá dentro. Do lado de fora eu e Cassie batíamos na porta, ela chorando desesperada. Então ouvimos o som de cinto, e foram diversas lapadas, uma atrás da outra. O sinto de John parecia um chicote. E eu sabia que Henry chorava, sem fazer barulho, mas chorava. Depois de um tempo meu pai abriu a porta do quarto com uma expressa o séria e disse "Ele mereceu. Não só pelas notas, mas por muitas coisas" e saiu, eu e mamãe entramos no quarto e Henry estava jogado no chão, um filete de sangue saindo do seu nariz, ele ria e chorava ao mesmo tempo, totalmente bizarro. Suas costas estavam em carne viva e havia hematomas por todo pedaço de pele. Nunca me senti tão estranha como naquele momento. Minha mãe me expulsou do quarto e começou a cuidar dele. Fiquei nervosa do lado de fora, e então fumei. Fumei no corredor, pouco me importando se meu pai veria ou não. Eu estava fazendo aquilo embaixo do seu nariz, para ver se ele teria coragem de me bater como bateu em Henry. Ainda estou abalada com isso. Meu emocional está acabado. Sinto muito. As coisas aqui também estão péssimas.

Fico feliz por você ter imaginado nós dois dessa maneira tão intima, e por um momento ao ler a sua carta deixei a minha paixão por Tyler de lado e pensei: "Por que não?", por que seu "amor" por mim é errado e você acredita que não podemos tentar?. Não responda, estou fazendo essas perguntas retoricamente, não quero saber a resposta, quero apenas guardar para mim mesma. Apenas tenho a lhe dizer que por mais gay que essa sua confissão tenha parecido eu acredito que ela é real, que seu sentimento por mim é real, apesar de eu não poder retribuir. Veja bem, eu não quero me envolver demais. Com nada nem com ninguém. Tenho medo. Não sou corajosa o suficiente para ir até o fim com certas coisas, então se prepare sempre para o pior de mim, sempre. Sempre para o fato de que eu posso do nada desistir de coisas que gosto. Veja, eu não sou ninguém especial, tenho um metro e cinquenta e sete, tenho um rosto comum no meio de diversas pessoas. Então para que ir fundo em algo?.

Novamente repito: Não responda. Nunca recebo uma resposta satisfatória e acabo me magoando, ninguém entende, então não responda.

Será um prazer ouvir OneRepublic, não tenho uma banda preferida, mas escuto diversos estilos. Eu sou assim, diversificada.

Notei que você melhorou bastante a sua caligrafia e gostaria de parabeniza-lo por isso, você me mostrou de alguma forma que presta bastante atenção em mim, e o fato de você realizar o que eu pedi me deixou bastante satisfeita.

Todos na sua casa lê? Sério? Isso me lembra que eu tenho uma curiosidade: Você tem irmãos? Muitos amigos? O que você mais gosta de fazer e o que menos gosta? Desculpa pelas perguntas, mas é que a cada dia quero saber mais sobre você.

Na minha casa a única pessoa que não ler é Henry, nunca vi ele lendo algum livro ou algo do tipo, mas minha mãe sempre nos influenciou. Temos uma biblioteca no escritório do meu pai, que é enorme, as vezes sento-me em uma poltrona e leio um livro qualquer durante horas. Ler faz parte de mim.

Até mais, :]

Hope Adams. "

Vinte e dois de agosto.

"Querida Hope,

Está tarde e frio, eu deveria estar dormindo, já que tenho prova amanhã. Porém estou sem sono e o que pode fazer eu me distrair é ouvir OneRepublic ou escrever para você, estou com um problema no ouvido e não aguento ouvir nem ao menos um chiado. O que me resta a fazer é escrever. Falando em escrever, tenho pensado em ser escritor. Acho que não daria certo, mas não custa tentar. Eu iria escrever sobre drama, mistério e terror, típico de "The Walking Dead - O caminho para Woodbury". Daria certo. Ou não. Falta apenas eu me preparar mentalmente. Seu irmão escreve? Ou ele tem uma maquina apenas por enfeite? Gostaria de saber.

Você assisti séries, Hope? Isso é algo que não sei em relação a você. Eu sei muitas coisas ao seu respeito, mas ao mesmo tempo não sei coisas relativamente bobas. Assisti animes, ou sei lá? Não assisto animes, mas costumo ver séries.

Desculpa-me por deixar você assim, sem respostas, mas não posso dizer minha justificativa para nosso amor não dar certo. Você não pode retribuir esse amor. A verdade é que você não conseguiria. Além de que, você tem esse sentimento pelo Paskin, acredito que ele seja um homem de sorte apesar de ele não saber disso. Ou talvez ele saiba, e goste de você da mesma forma que você gosta dele. Procure saber. Ter ao seu lado uma pessoa que retribui um sentimento é algo bom. Estou sendo masoquista ao falar isso, já que é ruim até mesmo ver você conversar com o Tyler, mas eu não ligo, se você está feliz, eu também estou.

Fiquei triste por você e seu irmão. Não acredito que castigo físico seja o certo, só não culpe o seu pai, não fique magoada, porque para ele isso infelizmente é o correto. Pelas suas cartas pude notar que vocês dois não se dão muito bem, mas calma, talvez seja igual seus pais disseram: Ele esteja passando por alguma fase difícil, deem um tempo a ele.

Não tenho irmãos, mas quando era criança eu queria, mas minha mãe não queria engravidar novamente e agora aqui estou, sozinho ser ter um sentimento fraternal por alguém. Tenho amigos, mas não muitos. Apenas o necessário. O que mais gosto de fazer é desenhar e o que menos gosto é viajar de carro, eu tenho estomago fraco, acabo sempre vomitando ou com ânsia de vomito durante todo o caminho.

Hope, descobri que estou muito sedentário, por isso vou passar a fazer algum esporte, mas não quero futebol, por causa do Tyler. Consegui um emprego, também, mas não quero que você saiba, porque... Sei lá, pode levantar suspeitas. Mas lá é bom, e todos gostam de mim, me sinto bem.

O sono chegou, então está na hora de eu me despedir.

Com amor, foda-se-esse-negocio-de-anônimo, Sr. Confuso. "

Vinte e sete de agosto.

"Olá, Sr. Confuso

O inverno acabou! Tem noção do quanto estou feliz? Do fato de eu estar sorrindo para o sol com braços abertos? Pois é. Já estou desde já aguardando a primavera, andar por aí fazendo poses nas praças e tirar uma foto ao lado de flores e mais flores. Estou animadíssima.

Desculpe-me por responder somente agora, mas acontece que fui para o Shopping com a Sophia. Você deveria conhece-la, ela é legal e chata ao mesmo tempo, Henry a adora. E quando chegamos eu fui dormir na casa dela, e fiquei lá durante três dias seguidos, aí quando voltei para casa sua carta ainda continuava na caixa de correio. Estou guardando suas cartas dentro de uma caixa uma em cima da outra, enlaçadas por um laço bem feito, já que minhas amigas às vezes querem ler o que você escreve para mim, porém não quero compartilhar com elas algo que é entre você e eu.

Depois que li a sua carta percebi o quão próximos nós dois estamos. Você acabou se tornando um grande amigo para mim, confio em você. E por falar em amigo, David tem estado estranho, calado e observando as coisas ao redor mais atentamente. Sinto que ele se afastou de mim, e isso me deixa tremendamente magoada, pois tenho certeza que não fiz algo a ele. Estou cansada disso, cansada de ser deixada de lado. Não gosto disso. Então peço que prometa para mim que nunca irá me abandonar.

Não sei se Henry escreve ou não, normalmente ele está sempre sentado apenas encarando a maquina e fazendo anotações em um caderninho, mas nunca de fato o vi escrever. Ele ganhou a máquina do meu avô ao falecer, e acho que ele apenas continua com ela em memorial a ele.

Não assisto séries, pois não tenho paciência para acompanhar cada episodio. E fico feliz por você não saber sobre certas coisas sobre mim, isso te torna mais humano e menos irreal, deixando-me mais aliviada, parando de pensar que talvez você só seja coisa da minha cabeça.

Ontem eu vi você.

Eu vi. De madrugada. Uma criatura parada na minha caixa de correios, talvez checando se eu havia recebido alguma carta. Você estava lá, eu sei que era você. Com um moletom grosso preto, o capuz puxado para cima, cobrindo seu cabelo e seu rosto. Eu estava te observando, você cruzou os braços e ficou com o rosto virado para a rua, depois virou para a minha janela. A luz do meu quarto estava apagada e a cortina fechada, eu olhava você por uma brecha. Você ficou lá, com as mãos agora dentro dos bolsos. Eu queria tanto que o seu capuz caísse e eu pudesse ver seu rosto.

Até mais :]

Hope Adams.”