Mirror, O Reflexo da Verdade escrita por Nynna Days


Capítulo 8
Capítulo 8


Notas iniciais do capítulo

Como prometido, o capítulo novo.

Desculpem pela demora em postar e pela ausência quinta feira. Estou cheias de provas essa semana e talvez só dê para postar no domingo que vem de novo. Não se desesperem.


#SintoQueSereiAmeaçadaNovamente


Aproveitem o capítulo.



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Tive a leve noção de que Mary estava falando comigo á algum tempo. Nadei para fora daquele mar de autopiedade e a encarei. Seus olhos se arregalaram por conta da raiva que meu corpo exalava. Como pude ser tão estúpido? Deveria ter corrido atrás de Aliel, mas estava com medo de ver a magoa em seus olhos escuros. Era culpa minha por ser tão humano.

“O que você disse?”, perguntei ainda inerte á tudo o que acontecia ao meu redor.

Mary engoliu a seco.

“Eu disse que você deveria ir atrás dela.”, desviou o olhar e encolheu os ombros, como se sentisse dores. “Não deveria ter dito que iria te beijar. Você é comprometido.”, ela suspirou. “Desculpe-me por isso.”

Gostaria de ter ficado e esclarecido as coisas, mas minha mente só estava focada em um objetivo: Encontrar Aliel. O remorso foi piedoso comigo e me poupou de sentir algo ao abandonar Mary sozinha e confusa. Meu corpo tremia e minha cabeça latejava. Era a pior pessoa do mundo. Olhei para cima, notando como as nuvens – antes inexistentes – se amontoavam, cinzas.

Balancei a cabeça. Estúpido. Estúpido. Estava demorando demais até que eu fizesse uma merda. Deve ter sido esse o motivo para que ninguém interferisse em nosso relacionamento. Os humanos cometem erros, nem que fosse um deslize. Eles aconteciam. E eu não era imune. Então, para que eles iriam se mexer para acelerar uma coisa inevitável? Todos lá em cima deveriam estar rindo de mim e comendo pipocas, assistindo meu desastre iminente.

Inúmeras opções de lugares surgiram em minha mente, durante minha busca. Se ela tiver realmente levantado voo, eu estaria muito ferrado. Mas, se ela agisse como uma humana comum iria querer desabafar com alguém. E quem seria melhor do que sua melhor amiga ex-Anjo? Não sabia se Caliel já havia voltado de férias, porém teria que arriscar.

Mellany atendeu a porta com a expressão confusa. Pelo jeito que seus cabelos cacheados estavam bagunçados e seus lábios levemente inchados, presumi que tinha interrompido alguma coisa. Entrei na casa, ignorando a falta de convite e meus olhos buscaram pelo cômodo por qualquer sinal da presença de Aliel.

“Sua mãe estava tão ocupada no hospital que se esqueceu de lhe dar educação?”, Mellany questionou parando na minha frente. Botou as mãos em meu peito, parando meus movimentos confusos. “O que aconteceu, Read?”

“Onde está Adriel?”

Os olhos cinza de Mellany se estreitaram, desconfiados. O desespero deveria ser bastante evidente em minha voz. Pois no segundo seguinte, escutei os passos do Anjo Caído vindo em minha direção. Seus cabelos estavam tão bagunçados quanto os de Mellany e seus olhos verdes expressavam a raiva por eu ter sido inconveniente.

Não dei tempo para que ele perguntasse algo. Fui a sua direção com passos decididos, quase sufocado com as batidas de meu coração agoniado. Segurei os seus ombros e sacudi-o. A surpresa me ajudou, devo admitir. Adriel era um pouco mais alto e encorpado do que eu.

“Você sabe onde está Aliel?”

Adriel deu um passo para trás e me olhou de cima a baixo.

“O que você fez?”

Gemi, passando as mãos por meus cabelos. Mellany parou ao lado de Adriel, nos encarando com as sobrancelhas juntas. Quase conseguia escutar as engrenagens rodando em sua mente. Quando a conclusão do óbvio finalmente a atingiu, ela arfou.

“Você fez merda, não fez, Read?”

Não respondi. Era óbvio que eles não sabiam onde estava Aliel. Tinha outros lugares para ir e não poderia perder nenhum segundo. Porém, antes que meus passos apressados e a urgência de meu corpo me levassem até a porta, senti a pequena mão de Mellany se fechando entorno de meu bíceps, impedindo minha saída imediata.

“Foi por causa de Mary, não é?”, ela perguntou. Abaixei os olhos, envergonhado por meu delito estar tão evidente. Adriel parou ao lado de sua namorada e me encarou confuso. Não tive a chance de me justificar antes de Brown abrir aquela enorme boca. “No casamento, eles tiveram um encontro típico de musical juvenil. Eu que interrompi. Mas sabia que ia dar merda.”, estreitou os olhos na minha direção, balançando a cabeça. “Só não sabia que seria tão rápido.”

Adriel ficou em silêncio, mas sua postura ficou rígida. Algum pensamento passou por sua mente e se evidenciou no brilho sombrio de seus olhos claros. Não tive o menor interesse de saber o que era e me afastei antes que um monte de acusações fosse jogado em cima de mim. Acusações essas, que já batiam e me corroíam.

O meu próximo destino – que deveria ter sido o primeiro – foi a igreja. Só havia me esquecido o pequeno detalhe de ser domingo. Empurrei a porta com força e fui encarado por inúmeros rostos carregando diversas expressões, que iam desde descrença até repreensão. Meus olhos se arregalaram, todavia não me desviei do meu destino em nenhum segundo.

“Desculpem.”, fechei a porta devagar. Olhei para o relógio, quase dando um tapa na minha testa. Era hora da missa. O padre não me era conhecido e não parecia nem um pouco satisfeito por ter sido interrompido. “Pode continuar, Padre.”

Contrariando toda a educação que minha mãe me ensinou, comecei a andar por entre os bancos e procurando por Aliel. O único resíduo de disciplina que ainda me restava, foi o de pedir licença a todos que estavam em meu caminho – sempre recebendo olhares hostis. Demorei quase vinte minutos fazendo aquilo e o padre pigarreou várias vezes, tentando chamar a minha atenção.

“Já disse que pode continuar, Padre.”, ressaltei quando estava passando pelo palco. “Estou apenas procurando uma coisa. E não, dessa vez não é paz de espírito e nem o Senhor lá de cima.”, apontei para o teto. Pausei por um segundo, tento a noção de que todos me olhavam e escutavam cada palavra que meus lábios teimosos proferiam. “De verdade, eu sou uma pessoa ruim. Deus deve estar tão puto comigo, que está fodendo minha vida de todos os jeitos e aspectos possíveis.”

O Padre parou tudo e arfou.

“Isso é sacrilégio, jovem.”, gesticulou para o altar atrás de si. “Estamos na casa do Senhor e você diz essas palavras de tão baixo calão? O que está fazendo aqui, afinal de contas?”

Teatralmente, coloquei uma mão em meu peito, fingindo estar arrependido.

“Me desculpe, Padre. Porém não disse nenhuma mentira.”, dei alguns passos para trás, querendo retomar ao meu objetivo inicial. “Estou procurando aquilo que o seu Senhor tanto teima em me tirar.”, dei mais olhada ao meu redor e suspirei angustiado. “E, infelizmente, não está aqui.”

Saí da igreja sendo alvo de cochichos e sussurros raivosos. Não vou dizer que fui a pessoa mais educada do mundo e que me arrependia de ter dito todas aquelas palavras. Não era um eufemismo. O Céu realmente estava tentando me tirar algo. Só que eles devem ter se esquecido de ler o meu histórico angelical.

Jeremy Read nunca desistia.

*********************

Minha próxima parada foi na casa do padre Joseph, onde Aliel “morava” nas horas vagas. Meus músculos queimavam, dando o primeiro sinal de exaustão e o suor já estava fazendo minha roupa grudar em meu corpo. Bati na porta, respirando com força e recuperando o fôlego. Ainda tinha mais um lugar para ir depois desse. Descansei minha mão na parede, sentindo meu coração batendo com tanta força que quase me sufocava.

A porta se abriu e me vi encarando os olhos escuros e preocupados do padre Joseph. Reprimi o rosnado de frustração. Só queria que aquela caça ao tesouro acabasse. Tomei fôlego mais algumas vezes antes de fazer a pergunta de um milhão de dólares.

“Aliel está aí?”

Ele ignorou minha pergunta, preocupado que eu fosse desmaiar.

“Entre, Senhor Read.”, ele indicou o caminho até a humilde e pequena sala de estar. Os sofás tinham a cor carvão se destacando com as paredes beges. Me joguei na poltrona, passando o dorso de minha mão por minha testa e limpando o suor em minha calça. “Vou pegar um pouco de água.”

Balancei a cabeça, me pondo de pé novamente.

“Não, não precisa.”, apressei-me em negar, mesmo que minha garganta protestasse. “Só quero saber onde Aliel está. Tenho que encontrá-la a qualquer custo.”

Hesitante, Joseph entendeu minha recusa a água e voltou para o sofá, querendo me ajudar. Seus cabelos escuros se mesclavam com fios brancos, explicitando sua idade avançada. Quebrando o tabu de que os padres viviam com aquela bata ridícula todos os dias da semana, trajava uma camisa social branca e calça jeans um tanto que surradas. Era assim que eles passavam seus dias de folga então.

“Não vi a Guardiã Aliel.”, ele confidenciou, parecendo decepcionado por não poder me ajudar. “Já foi até a casa de Caliel?”

Assenti. Meus pés já me movendo em direção á saída.

“Talvez ela esteja resolvendo algum assunto...”, ele tentou justificar.

O interrompi.

“Obrigado pelo ajuda, Padre.”, abri a porta e um vento bateu com força em meu rosto, assim como o cheiro de chuva. Estava perto do limite. “Meu tempo está acabando.”

As pesadas nuvens que se juntavam era uma prova consistente para o meu argumento. E antes que as próximas palavras de Joseph me atingissem, meus pés já tinham voltado a trabalhar, correndo em direção ao apartamento antigo apartamento do Aliel, que agora estava abandonado. As escadas foram meu maior desafio. A fadiga me cegava e tudo o que meu corpo suplicava era por descanso. Sabia que teria calos quando tirasse os tênis.

Bati na porta de Aliel com tanta força, que três vizinhos saíram para me perguntar se poderiam me ajudar. E sempre que relatava estar a procura de uma garota com a descrição de Aliel, eles diziam que ela havia se mudado fazia um tempo e que desde daquele dia, nunca mais tinham a visto. Claro que não eles não iriam vê-la. Se ela quisesse, poderia ficar invisível e passar por eles com cautela.

Por isso fiquei mais alguns minutos torturantes ali, esmagando minha mão na porta e quase implorando para que Aliel abrisse. Encostei minha orelha na madeira, procurando por qualquer indício de sua presença, mas escutei o silêncio absoluto. Haviam se passado quase vinte minutos até que me dei por vencido e deixei meus ombros caírem, desistindo.

Aliel só iria aparecer quando quisesse. Poderia procurá-la até nos confins da terra e ela continuaria a um passo na minha frente. Tive uma última esperança ao caminhar para casa de cabeça baixa. Voltei a me sentar naquele banco onde, horas atrás, estava a ponto de fazer a maior burrada da minha vida. Puxei o celular do bolso e liguei para o seu.

Óbvio que iria cair na caixa de mensagem.

“Anjo, sou eu.”, disse com a voz baixa e arrastada. Passei a mão por meus cabelos escuros, afastando alguns fios dos meus olhos. “Você tem que me dar a chance de me explicar. Nada aconteceu. Nada poderia acontecer. Eu estou com você. Sou seu.”, fechei os olhos tentando evitar que a dor se espalhasse por todo meu peito e me deixasse em estado de torpor. “Disse-te que meu coração era seu e me recuso á recebê-lo de volta. Ligue-me, por favor.”

Funguei, passando o pulso no meu nariz e discando outro número.

“Sarah?”

Escutei uma leve agitação no fundo da ligação, como se alguém estivesse discutindo. Fiz uma careta já imaginando que Sidney estaria envolvida com isso. O leve baque da porta foi a única coisa que antecipou sua voz um pouco alterada.

“O que você fez?”

Estiquei minhas pernas, soltando um bufo.

“Para estar me ligando, alguma coisa muito séria aconteceu.”, ela explicou. Assenti, mesmo que ela não pudesse ver. “Não acredito que você magoou Aliel de novo, Jeremy. Sei que vocês tiveram muitos altos e baixos, só que vocês ás vezes ultrapassa sua cota de...”

“Você a viu, Sarah?”, a interrompi irritado por conta da bronca.

Isso me trouxe uma lembrança longínqua. Minutos depois do nascimento de Jane e do susto de ela ser ruiva. Eu e Aliel ficamos caçoando que aquilo era um castigo por toda a maldade que tinha feito com Sarah. Ou talvez fosse um alerta para que eu pegasse leve com a namorada de meu amigo. Qualquer que tenha sido a razão, minha relação com Sarah tinha sofrido alterações positivas.

Ela suspirou.

“Não, não a vi, Jeremy.”, ela pausou por um segundo e imaginei que estivesse se sentando. “Olhe, não quero ser chata com você nem nada do tipo. Só que Aliel é minha amiga, e você... Bem, Jeremy, você me tratava como ninguém até eu começar a namorar seu amigo. Por isso espero que me entenda por ser rude.”

Eu entendia, de verdade. Só que a última coisa que queria fazer naquele momento era ter uma “D.R” com a namorada do meu amigo. Bati a mão em minha coxa, me impulsionando a levantar e arrastei meu corpo derrotado no caminho para casa. Toda minha roupa pesava em meu corpo e almejava um banho.

Respirei fundo.

“Tudo bem, Sarah.”, arrastei as palavras e minhas pálpebras pesaram, mostrando que meu cansaço era alarmante. “Vou dar um tempo para Aliel, mas se a encontrar, por favor, diga que precisamos conversar.”

“Vou dizer, Jeremy.”

Desliguei o celular sem me despedir. Quase o batente de minha porta enquanto a destrancava. Tirei o tênis na entrada, segurando-os com a ponta dos dedos. Lancei um sorriso caloroso e forçado á Dara, encontrando minha mãe na sala. Ela estava ninando Jane e sussurrando uma canção. Se não estivesse me sentindo tão perdido, teria prazer em observar a anã dormindo mais uma vez.

“Jerry.”

Revirei os olhos com o chamado de minha mãe e retornei. Ela tinha posto Jane no carrinho e me encarava com os olhos azuis piedosos. Levantou-se, pegando em minha mão e revelando toda a sua preocupação. Fiquei confuso.

“Aliel está te esperando no quarto.”, ela murmurou. “Parece chateada com algo. E pela sua cara, acho que tenho razão. Vou até o hospital levar Jane para o check up mensal. Espero que se resolvam.”, me deu um beijo na bochecha e um olhar solidário.

Mal esperei que ela fechasse a porta atrás de si antes de correr escada a cima. Uma nova descarga de adrenalina preenchendo minha corrente sanguínea e uma remessa de esperança envolveu meu coração. Empurrei a porta do meu quarto, fazendo-a bater contra a parede e quase voltar em meu rosto. Afastei-me, adentrando a escuridão do meu quarto até que meus olhos se adaptassem.

Meu peito se aliviou ao encontrar Aliel sentada na minha janela e olhando para o céu que ameaçava entardecer. Era loucura que tudo aquilo tivesse acontecido em poucas horas. Dei um passo na sua direção, alertando-a de minha presença. Seus ombros se tencionaram e ela abaixou o rosto por alguns segundos angustiantes. Seu cabelo escuro cobriu sua face, me impedindo de ver seus olhos.

“Aliel, eu...”

Ela levantou os olhos, me fazendo tropeçar em minhas palavras. Havia tanta dor ali fui obrigado á recuar. Minha Guardiã se levantou da janela e caminhou na minha direção. A dor foi subitamente substituída por um vazio tão profundo, que tive que desviar o olhar para não cair naquele abismo. Tudo nela parecia programado, como se estivesse no piloto automático.

“Desculpe-me por aquilo na praça.”, me apressei em dizer. Ela parou de andar e me encarou, esperando. Engoli a seco, procurando argumentos que pudesse justificar o que tinha acontecido. “Eu errei. Não sei o que houve comigo. Quando percebi estava...”, dei de ombros. “Sei que estamos passando por uma fase difícil, mas estou disposto a lutar por você.”, dei um sorriso fraco. “Prometo me redimir diariamente por ter sido criado de um jeito tão imperfeito.”

Aliel continuou me olhando e piscando aqueles olhos incrivelmente escuros para mim. Seus lábios pressionados em uma expressão rígida e as mãos entrelaçadas nas costas. Movido pelo impulso, me aproximei de seu corpo e a abracei. Fechei os olhos, sentindo seu perfume intoxicando e afetando todos os meus instintos mais primitivos. Tive que recorrer ao bom senso para impedir de fazer mais uma burrada.

Ela não retribuiu o abraço, parada exatamente como antes. Seu corpo estava tão tenso que era fácil confundi-la com uma estátua. Meus dedos roçaram seus cachos e os enrolaram. Sorri, gostando da suavidade e a maciez contra minha pele. Cedo demais, Aliel recuou se afastando de meu toque.

Aquele mau pressentimento ressoou em minha mente, fazendo minha cabeça latejar.

“Eu te desculpo, Jeremy.”, ela assegurou. Passou a língua pelos lábios e aquele rastro de dor voltou por seus olhos por um curto instante. O vazio e a frieza assumiram seu lugar definitivo. Ela soltou o ar e ergueu a cabeça, decidida. “Mas não podemos lutar em uma batalha perdida. Sabíamos que isso nunca funcionaria e fui tola ao deixar passar dos limites.”

Estava enlouquecendo. Só poderia ser.

“Temos objetivos, origens e destinos diferentes.”, ela continuou ignorando meu arfar de espanto. Minhas pernas bambearam diante do choque e me sentei na cama, pousando o rosto nas mãos e balançando a cabeça. Aliel não parou, esquecendo-se da piedade. “O Céu estava certo. Ficar perto de você só me mostrou o quanto é errôneo o que estamos fazendo. Aquilo que aconteceu na praça foi uma prova suficiente de que nunca teríamos um futuro. Estou longe de dar tudo o que você quer e deseja. E vice versa.”

Só queria que ela parasse por um segundo e se ouvisse.

“Nasci de um humano para cumprir uma missão. Estar envolvida romanticamente com você está me desviando e me jogando cada vez mais em um precipício que não estou pronta para pular. Sinto muito por ter dado a ilusão de retribuir os sentimentos humanos. Foi meu maior pecado e sei que em breve pagarei por ele. Só que agora resolvi fazer a coisa certa.”

Destruir meu coração? Porque está fazendo do jeito certo.

“Serei sua Guardiã e me manterei longe de sua vida amorosa.”, sua voz falhou por um segundo, fazendo-me erguer os olhos. Ela estava de costas para mim, respirando fundo. Então, sentindo meu olhar, se virou. Fria. Distante. Vazia. Uma casca. “Até porque, o Céu decidiu que está na hora de você se ligar com uma humana. Mandaram um Cupido e em breve vocês estarão juntos.”, deu um sorriso forçado. “Seu nome apareceu na Lista, Jeremy.”

Não aguentava mais ouvir todas aquelas merdas sendo jogadas na minha cara de uma vez. Balancei a cabeça, não crendo em meus ouvidos e meu cérebro. Levantei-me altivo e andei com firmeza até ela estava. Seu sorriso sumiu no instante em que pressionei meu corpo no seu. Todo o desespero dissolvido em raiva.

“Eu não acredito que você está desistindo de nós, Aliel.”

Ela desviou os olhos castanhos que tanto expressaram amor nos meses anteriores, talvez sentindo alguma parcela da dor que fazia meu peito latejar e se comprimir. Continuei esperando que ela lutasse. Ou que aquele indício de sentimento retornasse.

Nada. Sua voz estava vazia e inflexível.

Como a voz de um anjo deveria ser.

“Você sabia que esse dia chegaria, Jeremy.”, balançou a cabeça e suspirou. “Meu lugar não é com você. E a Lista é uma prova disso.”

Fiquei tão abismado com todas as revelações feitas – e por suas atitudes em relação a isso – que abaixei minha guarda, dando uma brecha para que ela fosse embora. Meu cérebro despertou o restante do meu corpo para a realidade que foi jogada na minha cara. Estava perdendo Aliel e ela havia desistido de tudo.

Tive correr escada a baixo para alcançá-la. Sorte que meu pai estava de plantão no hospital e Dara já tinha ido embora. Não queria que ninguém me visse segurando o choro e disposto a implorar para que minha namorada... Correção: ex-namorada não me abandonasse. Meus olhos ardiam e minha garganta parecia mais seca do que quando eu estava correndo. Meu peito tremeu, antecipando o pesar.

Quando Aliel estava a centímetros da porta, segurei-a pelo braço. Ela se afastou, como se meus dedos fossem tóxicos. A raiva me capturou. Agarrei os meus cabelos com força, não ligando para a aflição física. Queria me concentrar em algo que me fizesse esquecer a angústia que tomava meu interior. Por fim, vi todo o meu progresso em ser um garoto bom – beirando o angelical – regredindo.

“Que se foda o que a Lista diz...”, puxei-a contra mim. Precisava de uma reação humana. Seus olhos queimaram contra os meus e suas mãos se espalmaram em meu peito. Queria que constatasse as batidas descompassadas de meu coração. “Eu amo você, Anjo.”

Dizer aquelas palavras em alto e bom som me fez sentir liberto. Todo aquele tempo, prendi as emoções e os sentimentos no fundo do meu peito, impossibilitando sua liberdade. Eles lutaram e quando abaixei a guarda e percebi tudo o que estava perdendo, eles se guiaram até alcançarem minha boca para finalmente serem ouvidos. Poderia ter sorrido, se Aliel não tivesse balançado a cabeça com exasperação e se soltado dos meus braços com urgência.

“Esse sentimento vai passar, eu prometo.”, ela sussurrou com um fio de voz. Me deu as costas, pondo a mão na maçaneta e abrindo a porta. “Quando menos esperar, nem se lembrará de que me disse isso.”

Irritado, retruquei.

“Porque humanos esquecem com muita facilidade não é?”

Ela virou o rosto o suficiente para que eu visse seu sorriso amargo.

“Exato, Jeremy.”, ela suspirou e se pôs para fora. “Isso, e porque vocês morrem.”

E saiu, me deixando afogar em um mar de dúvidas e raiva. Com lágrimas quentes escorrendo por meu rosto, entrei no quarto. Me esforçando ao máximo para ignorar o barulho ensurdecedor da chuva contra minha janela.


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Notas finais do capítulo

Não me matem! Todos, conhecendo a Aliel e sua ligação com o Céu, sabiam que ela faria exatamente isso.

Próximo capítulo é um dos meus favoritos.

Prévia:

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“Pare de ser hipócrita.”, gritei para o nada me movendo até a janela e batendo com o punho no vidro. “Não chore por algo que você não ama. Que se foda todos vocês.”
A raiva me tomava em níveis avassaladores. Quando dei por mim, estava me movendo por todo o quarto destruindo qualquer prova ou resíduo de lembrança de algum momento feliz entre mim e Aliel. Minha mão latejou quando atravessou o vidro da janela e o sangue manchou o assoalho. Sangue e lágrimas criavam um rastro atrás de mim.

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Até o próximo