Como Treinar o seu Dragão Interior escrita por Kethy


Capítulo 10
Segredos de família


Notas iniciais do capítulo

Desculpem a demora, mas aqui está!

Pus assim porque, no primeiro filme e na série, só faltava uma briga corpo a corpo pela Astrid. Vocês devem saber dessa disputa meio injusta, já que o Soluço sempre vai conseguir o coração dela.



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As luzes das velas iluminavam a gruta. Cera vermelha e chamas dançantes, em volta de um círculo por fora e outro por dentro, com faixas que formavam uma cruz. Jaguadarte estava no centro segurando uma tigela de água. Ela picou seu dedo e o sangue pingou, fazendo o conteúdo dançar e se colorir da cor se misturar.

Era um ritual. A mulher de cabelos creme se inclinou na frente da tigela e viu o recado dos espíritos:

― Interessante... ― Ela examinou o que via. ― Há um menino. Ele é muito mais do que aparenta. Esse menino... tem a herança dos antepassados. Ele é poderoso! E também a chave para seu sucesso. Assim que virem sua face verdadeira, os seguidores de Stóico o abandonarão... e o seguirão para pôr um fim a esse legado.

Um sorriso se formou no rosto de Dazbogu, uma satisfação o tomou por inteiro. Tudo o que teria de fazer era encontrar esse menino e convencê-lo a mostrar quem era, seu plano estaria completo. Mas quem era?

― Quero o nome desse menino.

Ela riu sedutora e debochada antes de responder:

― Você é um tanto... "obrigado" a saber. Ele é seu sobrinho, o segundo filho de seu cunhado, o mais novo.

― Soluço? Mas ele é o primogênito. Como assim, "segundo"?

Outro riso.

― Os jovens não contam nada para os adultos, não é?

***

Então é isso... Eu estava sentada perto da praia, no meio da noite. A lua cheia já tinha completado uma volta no céu e ressurgiu prestes a se pôr novamente.

Apesar de ser um desejo dele desde sempre, com certeza me causava dores. O único lamento era não poder me despedir do meu pai e minha mãe;, o de Soluço também, mas decidimos fazer isso enquanto tínhamos tempo e não fosse tão duro.

Havia apenas a lua como fonte de luz. O nevoeiro fazia tudo ficar escuro. Três da manhã, coração batendo forte, frio nomeio das sombras, suor sem motivo escorrendo no rosto... Parecia que eu estava lá esperando a mais tempo do que realmente estava.

― Ele vem... Ele vem... ― repetia para mim mesma, rezando para que ele não tivesse ido e me deixado lá.

Foi quando finalmente eu vi aquele vulto alado, que reconheceria de olhos vendados: Soluço finalmente chegou, pareceu feliz mesmo de longe.

Esse seria o momento em que iríamos começar um novo capítulo juntos. Nosso único lamento era não nos despedir dos nossos pais, mas eles nunca poderiam entender.

Mesmo pensando muito nessas coisas, nada conseguiu estragar minha felicidade. Nada apagou meu sorriso. Nada me fez desistir.

Apenas, um monte de cordas vindas do vazio.

Elas vieram voando sem que ele visse. Enroscaram-se em suas pernas, pescoço e asas, fazendo-o cair na água da praia. Por sorte, não era funda o bastante para afogamento, mas ele se machucou. Corri ao seu encontro olhando para os lados, muito brava e preocupada ao mesmo tempo.

― Você está bem? ― Acariciei sua pele escamosa olhando em seus olhos verdes. Ele grunhiu, parecendo dizer "sim". ― Não se preocupe, tiro isso de você bem rápido.

Peguei minha adaga e comecei a cortar as cordas. A semelhança com a primeira situação me fez rir um pouco, mas sem perder o foco. Esforçava-me para terminar o serviço depressa, nem notei quando o primo dele apareceu atrás de mim, com o olhar desconfiado e bem confuso:

― O que. Você. Tá. Fazendo? ― ele disse pausadamente e calmo, mas me assustou a ponto de fazer a adaga escorregar da minha mão. Virei-me e respondi:

― Acontece... que eu peguei esse aqui primeiro. E você me atrapalhou. ― falei tentando ser convincente, mas logo percebi que o que eu disse para o que estava fazendo era um precipício.

― Não caio nessa. ― Infelizmente, até que Melequento era bem esperto quando queria ser. ― Reparei que você e o Soluço estão diferentes desde que foram buscar o dragãozinho imaginário dele. Parece que andam faltando às aulas direto, os dois estão muito dispersos. Agora tenta libertar o dragão e fala com ele?

Secretum meum in universa terra... {Meu segredo acabou...} ― Soluço murmurou naquela língua, eu não entendi, mas Melequento deu um salto para trás se assustando.

― Ele fala!

― Espera, você entendeu o que ele disse? ―Eu estava boquiaberta, será que todos entendiam o que ele dizia menos eu?

― Entendo... Espera ai, você não?!

― Não... ― Uma pausa. Uma luz se acendeu. ― Porque não sou da família...

― Como assim?... ― Seu medo estava estampado em seu rosto, ri um pouco, mas até que eu entendia. Eu fiquei assim, foi?

Virei-me para Soluço que conseguiu compreender minha expressão. Fechou os olhos e sua pele ardeu em uma chama branca e brilhante; aos poucos as asas, as patas, o pescoço e as escamas iam sumindo e voltando a ser apenas pele humana. As cordas foram ficando frouxas e ele ia se libertando, enquanto isso, Melequento olhava forçando a vista como se quisesse acreditar no que via.

A transformação se completou, Soluço deveria estar molhado, mas apenas suas botas estavam por tocarem as ondas. Seu sorriso zombava do semblante de apavorado do primo que não demorou cinco segundos para gritar. Não contive a risada. Que exagero!

Apontando e alternando o olhar entre seu primo e eu, ele começou a fazer perguntas como um louco.

― Você...? Como é que...? Por que...? ― Ele fez uma pausa. Pareceu entender de repente, como se aquilo fizesse todo o sentido do mundo. ― Isso explica muita coisa...!

Depois de uma história muito longa ― até tentando explicar coisas que nem sabíamos direito ― parece que conseguimos esclarecer metade do assunto, o suficiente para ele saber que essa metade vinha da parte de sua família. Deu para perceber certa culpa em seu olhar, imaginando se já não havíamos matado algum ente querido. Senti certa pena dele.

― Mas olha, quanto menos pessoas souberem disso será melhor para todos nós. ― Soluço finalizou a resenha olhando firme para o primo.

― Como assim?! Todos tem que saber! ― Ele se levantou. ― Eu vou lá contar pro Bocão, como já devia ter feito!

Não! ― Soluço o fez cair sentado no chão. ― Não pode fazer isso! Não conte nada!

― Não me venha com ordens, rapazinho! ― Levantou-se novamente. ― Se nós contarmos a alguém podemos arranjar um jeito de resolver, então você seria...

― “...Infeliz pelo resto da vida dele.” ― completei me lembrando do que ele disse mais cedo. ― Ele nunca foi feliz. Não como humano, pelo menos.

― Nunca?... ― Melequento perguntou, não sei por que, surpreso.

― Óbvio que não. Nunca fui feliz aqui ― Soluço completou com olhar triste. ― Lembra-se de quando você me protegia? Daquelas vezes que você batia em todo mundo que me incomodasse?

― É, lembro... ― Ele coçou a cabeça com um riso nervoso.

― Então quero que faça isso de novo. Somos uma família, e o que significa “família”?

― “Laço eterno e amor para vida, sem abandonar ou esquecer.” ― suspirou. ― Tá legal... Eu guardo o seu segredo. Mas... ― Essa ênfase assustou. ― Você não pode fugir. “Tem problemas, lute”. Não é o que você dizia pra mim?

Soluço coçou a cabeça e teve que concordar.

― Tá. Mas alguém tem que avisar ao Olavo, eu deixei ele há uns vinte minutos daqui.

― Volta logo ― eu disse zelosa, com medo de que outro caçador com insônia estivesse à espreita. Ele beijou meu rosto, tomou à forma de dragão e voou. O beijo deixou Melequento meio cabisbaixo.

Assim que Soluço foi, decidi satisfazer minha curiosidade.

― Como assim “você o protegia”?

― Não é muito comum, né? ― Ele riu. ― Começou há um tempo: fui desafiado a roubar o colar de ouro de Hagnar: o Feroz. Tinha uma lâmina no meu peito, outra no meu pescoço e outra nas minas costas. Daí surgiu uma quarta espada, era o Soluço. Todo sem jeito, mas foi uma grande luta. Parecia que tínhamos ensaiado. Eu já não era o melhor primo do mundo, mas a partir daquele dia nos tornamos amigos. Ele era filho do chefe, tinha tudo o que pedia quando pequeno, mas nunca tive inveja dele. ― Uma pausa no discurso, ele ficou novamente cabisbaixo. ― Até um dia... em que vimos algo. Nossa! Era o verdadeiro retrato da beleza. Queríamos aquilo ao mesmo tempo.

― E o que era?

― Bom... Você. ― Outro momento de silêncio. ― Brigamos feio naquele dia, nunca mais fomos os mesmos, a amizade acabou. Parei de protegê-lo, ele parou de me defender... e cada um tomou seu caminho. Boa noite...

O observei indo embora chocada. Quer dizer que eu atrapalhei tudo? Eu? Será que até mesmo sem querer eu destruía a felicidade dele?

Soluço perdeu seu amigo por minha causa, outra amostra dos seus sacrifícios por mim, mas agora haveria recompensa.

Chega de lágrimas por minha causa, chega de corações partidos e chega de segredo. Hora de por meu plano em ação e acabar com o sofrimento dele para sempre.


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Notas finais do capítulo

PS: Simbad, Lilo & Stich, A Noiva Cadáver e A Pequena Sereia



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