Criança Domesticada escrita por AneenaSevla


Capítulo 4
O Presente Mais Estranho Do Mundo


Notas iniciais do capítulo

"Os homens compram tudo pronto nas lojas... Mas como não há lojas de amigos, os homens não têm amigos."
Antoine de Saint-Exupéry



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Ao ser retirado o pano, o monstrinho grunhiu, e a menina deu dois passos para trás com o susto, seu sorriso desapareceu quase que instantaneamente. Ela não gritou, mas olhava fixamente para aquele… garoto… completamente desprovido de rosto além de alguns músculos visíveis...

O monstrinho fixou a atenção nela, e ficou encarando a menina… uma fêmea? Tão pequena… seria um filhote? Ele não ousou se aproximar, mas ficou atento a cada movimento, mais curioso do que temeroso, como ele estava dos outros maiores.

Ambos ficaram se encarando por dois longos minutos, até que o pai interrompeu o silêncio.

– E então, filha? – ele olhava com uma curiosidade que deixava transparecer em seu rosto categórico e quase impassível.

– Pai… o que é isso? – a voz dela estava monotônica, como quem estivesse altamente confuso pelo que via…

O homem não pôde deixar de rir. Os dois – menina e monstrinho – olharam para ele. Uma confusa, outro, alarmado.

– Sabia que ia perguntar – o homem então se aproximou da jaula. O pequeno se encolheu para o lado enquanto o homem pousava a mão numa das barras – este aqui, filha, é um espécime raríssimo de um monstro que vive nas densas florestas frias do norte. É desconhecida, mas pelo que eu soube, eles são inofensivos quando não provocados.

– Ah… - a menina olhou para o bicho, um pouco menos desconfortável, e se aproximou da jaula enquanto o pai se afastava – ele é feio… e magricela…

– Bem… não posso fazer nada quanto a isso… porém os tratadores não me disseram nada sobre o que ele comia, eu pretendo descobrir isso… - e entregou uma maçã à menina – bem, agora vamos decidir… que nome você dá para ele?

Ela olhou para o monstrinho, enquanto pegava a maçã e a colocava no bolso do short. De pé na jaula, segurando as barras, os braços longos… ela não pensou em nenhum que combinasse com ele, até que veio uma ideia.

– Ele vai se chamar… Thomas.

– Thomas? – o homem estranhou – mas não era o nome do seu urso?

– É, mas ele fugiu, não merecia esse nome – ela fez careta, cruzando os braços – esse é o verdadeiro Thomas, se ele ficar.

– Entendo… Thomas então – o magnata encolheu os ombros - ele é todo seu… só… tome cuidado com ele. E ele é bem leve, você pode levá-lo para onde quiser no carrinho. – olhou no relógio, quase oito e meia – bem, querida… agora terei de ir dormir… meu voo sai amanhã às sete, e tenho de me organizar para dormir e acordar cedo…

– Já vai viajar? – ela olha para o pai, pareceu tristonha. O monstrinho olhando para ela ainda viu-a ir atrás do pai, mas ainda conseguia ouvir a conversa claramente – Tão cedo? Mas chegou antes de ontem!

– É querida, tenho realmente que ir… há uma viagem de negócios importante, tenho de fazer uma venda de um castelo escocês, sua mãe já está lá, esperando por mim…

– Mas, mas… - o tom de voz era triste, o Sr. Oakley interrompeu:

– Sem “mas”, querida… - o tom de voz ríspido repentino fez a menina parar – e vá brincar com seu bichinho, papai está muito ocupado.

Uma aura de silêncio tomou conta da menina ao ver o seu pai indo embora para o quarto. De novo?

Ela voltou para a sala onde a jaula estava em silêncio. Olhou para o monstrinho, que desde momentos atrás estava quieto. Este virou a cabeça um pouco para o lado, assumindo uma expressão que a menina interpretou como dúvida.

– Que foi? – ela o atacou com uma raiva crescente, mas na verdade se sentiu um pouco amedrontada. A criatura era assustadora para ela.

Ele se afastou de leve, tão assustado pela agressividade da voz dela quanto ela do não-rosto dele. A menina então o encarou com curiosidade.

– Ei… Até que você não é tão assustador assim… - ela se aproximou da jaula, ele encostado à grade oposta a ela. Ele era pelo menos uma cabeça mais alto que ela – Você deve estar com sono… Vamos pro meu quarto, não é muito bom a gente ficar aqui na sala, não é mesmo? – ela então empurra a jaula até um elevador. Seu quarto ficava no segundo andar, e ir arrastando a jaula pelas escadas não era nem um pouco conveniente, por isso seu pai o instalara.

O monstrinho – agora chamado de Thomas - mais uma vez sentiu o mundo se mover, e ele não gostava nem um pouco disso. Encolheu-se e segurou a cabeça, tremendo. Alicia percebeu isso.

– Nossa… o que há com você? É apenas um elevador… - mas não compreendeu, e arrastou a jaula para fora assim que as portas se abriram.

Ela o levou até o quarto dela. Era uma suíte enorme, tinha uma cama de dossel grande no meio, atrás dela uma janela com cortinas roxas. De um lado, uma mesa de madeira negra cheia de livros e materiais escolares, as cadeiras também de madeira negra e assento branco, tudo isso junto de uma estante larga cheia de livros, a maioria infantis e intocados; perto disso, uma escrivaninha com espaço para três cadeiras tinha toda uma sorte de equipamentos eletrônicos, entre eles a tablet dela, um notebook e um conjunto de som, bem como um monte de CDs e pen-drives, além de uma luminária-lava com tons de cores verdes e azuis.

Do outro lado, um sofá e uma poltrona roxos com uma mesa de centro e um tapete de fibras sintéticas, e duas portas: uma delas levava ao banheiro, outro, ao closet. No teto, um pequeno lustre de acrílico segurado por um forte cabo de aço pelo teto altíssimo de madeira. Este tinha pelo menos três metros até a cumeeira do telhado.

Thomas mais uma vez ficou admirado com o que percebeu. Alicia achou engraçado o jeito com que ele virou a cabeça pros lados, ele logo a encarou. Ela olhou pra ele também.

– Você fala? – foi a primeira coisa que perguntou. Thomas virou a cabeça pro lado – Assim, falar, botar a boca assim – ela apontou a própria boca e balbuciou – bla bla bla…

Thomas estranhou um pouco, mas encolheu os ombros e abriu a pele, o som de algo se rasgando arrepiou a espinha da menina, e quando ele mostrou a boca, cheia de dentes afiados como os de um tubarão, ela caiu para trás com o susto.

– Buah, buah, huah – ele balbuciou, com uma voz rouca, mas estranhamente fina para um monstro. Alicia olhou estupefata, depois riu.

– Uou! – ela se levantou – Você tem uma boca! – Olhou para a pequena maçã que o pai lhe dera, e a tirou do bolso, oferecendo a ele – Então quer dizer que você come… quer?

O pequeno demônio franziu as sobrancelhas, e pela primeira vez pôs uma mão para fora da jaula, intencionando pegar. A menina aproximou a mão e ele, tremido no começo, rapidamente pegou a maçã e a aproximou do nariz, farejou e, fazendo um estranho sorriso, comeu a maçã toda de uma vez, quase sem mastigar. Ela riu um pouco.

Ele lambeu as bordas da boca – que não tinham lábios – e a fechou, a pele rapidamente regenerando para a cara lisa de antes. Ela olhou maravilhada, os olhos dela brilhando.

– Que legal! Por isso que todo mundo diz que você não tem – Thomas olhou para ela, virando a cabeça para o lado e erguendo um músculo da sobrancelha - Espera um pouquinho – e ela sai do quarto, descendo as escadas até a cozinha. Thomas estranhou, mas logo compreendeu quando ela voltou momentos depois com os braços cheios de maçãs e peras – aqui para você – e ela os deixou perto da jaula, pegando uma maçã e comendo.

Thomas ergueu as duas sobrancelhas nuas. Ela estava dando comida pra ele? De verdade? Pôs uma mão para fora, e hesitou antes de pegar, encarando-a. Ela empurrou as frutas para ele, se afastando um pouco. O monstrinho então pegou uma maçã, abriu a boca e a comeu, pegando outras duas e as devorando. Ela sorriu.

– Pode comer tudo, é seu – ela então terminou a maçã, pegou a última do chão e a ofereceu. Ele pegou sem problemas e praticamente a engoliu. Lambendo as bordas da boca com a língua, fechou-a e se sentou, ronronando satisfeito, a mão na barriga. Ela sorriu com isso.

– Você realmente é bem legal – ela se aproxima devagar – Eu… posso te tocar?

Ela aproxima a mão dele, para dentro da jaula, e Thomas fica parado, se sentando direito, ainda um pouco desconfiado… Alicia pôe a mão na cabeça dele… a pele era altamente lisa e macia, e apenas um pouco mais quente que a dela. Ele sente a mão dela, também macia, e agradável inclusive.

A menina sorri, e começa a acariciar a cabeça do monstrinho, que passa a ronronar, pela primeira vez em muito tempo se sentindo relaxado.

É… ela não parecia uma ameaça para ele.


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Notas finais do capítulo

Gostaria de saber como está o andamento da história... tou indo muito rápido?



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