Criança Domesticada escrita por AneenaSevla


Capítulo 10
Um Filho Pródigo - Parte 1


Notas iniciais do capítulo

“Eu sei que mudanças podem ser assustadoras. Mas faz parte do crescimento. É assim que descobrimos como somos, e o que vamos ser.”
Miley Cyrus



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Anos depois, Alicia, agora uma moça aos seus tenros dezoito anos, liga para o velho Kyle, seu motorista. Ela estava agora na faculdade de Economia. E tinha se assegurado de que nem Clarice – que estava agora na aula da Faculdade de Direito, seguindo o sonho de ser detetive paranormal -, nem ninguém estivessem por perto.

Alguém atende do outro lado da linha.

– Licia? – é a voz dele.

– Oi Kyle, conseguiu o que eu pedi?

– Sim, acabei de receber da loja.

– Nenhum problema?

– Não senhorita, os vendedores sequer fizeram perguntas.

– Ok, te espero depois da aula. Tchau! – e sorriu. Fazia exatamente quatorze anos que Thomas tinha sido trazido por seu pai, e aquele monstrinho de metro e vinte tinha esticado para assustadores dois e quarenta de altura, ele quase batia a cabeça no teto da sua casa e tinha de se abaixar para passar pelas portas.

Naquele dia Thomas completava quinze anos, lógico que Alicia não ia deixar passar em branco.

Ao chegar em casa, Kyle lhe entregou o pacote, e ela disse para estar pronto depois das oito. O velho motorista assentiu. Ao passar pela porta, foi recebida pelas empregadas, quando ela perguntou sobre Thomas, lhe responderam:

– Senhorita – disse Fabienne – pelo amor de Deus, faça o seu… bicho… parar de mexer com as luzes da casa, isso assusta a… - ela ia dizer “a gente”, mas reformulou - as visitas…

Alicia gelou. E se Clarice tivesse chegado?

– Teve visitas hoje? Ai… Não…

– Na verdade nenhum, Senhora, eu estou apenas avisando logo por que o senhor seu pai vai receber alguns convidados esta noite, e…

– “Mantenha seu monstro longe”, ah tá, já entendi – ela se alivia do susto, e então ela anda até o quarto dela – eu vou sair depois com ele, e aí papai pode finalmente ser feliz sem minha presença…

– Sim senhorita – e Fabienne vai. Matilde perguntou o que ela queria para o jantar, ela respondeu que iria comer fora dessa vez. Se seu pai iria receber visitas, então o mínimo de perturbação era necessário. Pelo menos isso podia fazer.

Ela usava um conjunto com calça jeans colada nas pernas torneadas, e uma camisa longa preta com motivos dos pássaros raivosos, presa por um cinto fino na cintura delineada, e uma boina francesa decorava sua cabeça. Adicionando tudo isso, um par de botas de salto curto, ela adorou quando sua mãe lhe trouxera junto com a boina. Ela sempre trazia presentes, mas nunca ficava por mais de dois dias. Tudo bem, ela não se importava mais.

E ninguém fez perguntas quando ela passou com uma caixa preta, prateada, achatada e quadrada com os dizeres “Alfaiataria Sem Vincos” debaixo do braço.

Ao chegar e entrar no quarto, encontrou um Slender chamado Thomas ocupado, sentado na cadeira da escrivaninha, encarando firmemente o computador à sua frente, concentrado. Os tentáculos ondulavam pacificamente. As luzes piscavam de vez em quando, e a tela do computador chiava nervosamente, porém sem fazer quase nenhum barulho.

Ela pigarreou, pondo o pacote por trás das costas. Thomas? Ocupado demais?

Ele parou o que estava fazendo para encará-la, os membros negros dele - agora chegavam facilmente aos três metros de comprimento – se abaixaram, em seguida ondulando felizes, e ele esboçou um sorriso nos músculos da cara em branco.

Licia! Finalmente voltou. Tinha mudado muita coisa nele, inclusive a “voz” da sua telepatia – do agudo de criança passou para um tom bem mais grave, e ecoava na cabeça dela toda vez que ele falava. Eu acho que consegui fazer aquela coisa, tou quase entendendo como mexer nisso…

– Isso é ótimo! Daqui a pouco vai imprimir arquivos, sozinho. – Ela sorriu, se aproximando dele, depois dando um abraço por trás, com ele na cadeira – e sem precisar mexer no mouse!

Exatamente, ele disse com um sorriso nos seus pensamentos. Depois de um tempo entediante preso em casa, brincando com as coisas dela, ele descobriu que podia tentar “se comunicar” com as máquinas, uma vez ele conseguiu mudar os canais da televisão, deixando Alicia confusa até perceber o culpado. Quando ela saiu para a faculdade de manhã, ele tentou imprimir alguma coisa no computador, não deu muito certo, a máquina teve de ser reiniciada por erros nos dados – a famosa tela azul.

Ele se levantou, mostrando claramente a diferença de tamanho dos dois. A altura dela era exatamente onde ficava a barriga dele. Ela não crescera desde os treze. Alicia sorriu com cócegas quando ele tocou no rosto dela com um dos tentáculos. Ele era muito mais quente que ela, mas os membros extras tinham um toque mais suave, e a pele deles era fria ao mesmo tempo em que era quente por dentro.

– Ai, faz cócegas – ela tremulou rindo, depois afastando o tentáculo – Pare de brincar, eu tenho uma coisa pra você.

Oh, pra mim? Um presente? Os tentáculos dele ficaram mais animados ainda quando ele ronronou, enquanto ele se curvava para observar as costas dela. É esse pacote aí atrás de você?

Ela entregou o pacote a ele. É sim. Feliz Aniversário, Thomas.

Ele num movimento muito mais rápido que o normal pegou a caixa e foi se sentar na cama dela, para abri-lo. Alicia ficou parada por um tempo. Como ele…? Aí ela se aliviou. Duh, ele é um Slender, não fazer isso é o anormal.

Ele retirou a tampa e os papeis celofane prateados, ondulando de alegria. Quando ele finalmente desempacotou, se Thomas tivesse rosto, estaria totalmente perplexo com o que encontrou.

Licia… isso é… ele levantou a roupa, para ver melhor. Um terno totalmente preto, as mangas alongadas para caber em seus braços e buracos desenhados para se esconderem quando os tentáculos fossem guardados nas costas. Junto com tudo isso, uma gravata vermelha brilhante, um par de sapatos pretos lustrosos e um conjunto com três camisas brancas. Tudo feito sob medida.

– E então? – ela finalmente perguntou, ao perceber o silêncio vindo dele. Até que ela sentiu os seus pensamentos. Um turbilhão de sensações, a maioria delas muito boas. Ela finalmente entendeu, ele estava sem palavras.

Ele sempre tinha usado uma camisa social e calças jeans, obviamente que trocando toda vez que ele crescia, e como ele já estava quase adulto – se já não era, Alicia não sabia quase nada sobre sua espécie – Alicia resolveu “seguir” um pouco a tradição e dar-lhe motivos para ser um Slender de respeito. Sem falar que a gravata vermelha era altamente elegante.

Ela se sentou ao lado dele na cama, sorrindo. Há um tempo aprendeu a apreciar aquela cara lisa, movendo os músculos ao demonstrar expressões. E ele já não era mais tão feioso, nem tão magricela – tinha alguns músculos aparentes nos braços finos – e era altamente forte, uma vez ele levantou a cama com uma mão sem esforço, quando procurava uma lagartixa que foi pra baixo da cama.

– Todo seu. – Alicia disse depois de um tempo – Por que não experimenta?

Ele soltou o terno, e de repente um dos tentáculos a prendeu, seguido de outro, e a trouxeram mais para perto. Ela por um momento se assustou com isso, até que ele demonstrou que era somente para um abraço, quando ele a trouxe para junto de si. Ele ronronava muito feliz. Obrigado… foi tudo que ele conseguiu dizer. Ela o abraçou junto.

– De nada, Thomas… - ela respondeu – vista, eu quero te levar pra algum lugar…

O quê? Quer dizer que eu vou sair também? Ele ondulou os membros negros.

– É… achei que seria injusto te deixar aqui – ele virou a cabeça em duvida – Qual é; você tá quase adulto, tem de sair um pouco, aprender como é o mundo. Acredito que até os da sua espécie fazem isso.

Minha espécie… ele abaixou a cabeça. Será que eles são tão maus quanto dizem? Quanto Clarice diz?

Alicia sentiu a tristeza dele. Ela não queria que ele ficasse assim. Não hoje.

– É claro que não! – ela exclamou, abraçando-o – se fosse assim, você seria mau também, não?

Eu não sei. Eu fui criado por humanos. Sem ofensa, mas acho que eu sendo… como posso dizer… domesticado… não ajuda em muita coisa.

– Entendo… - ela olhou para o terno, e suspirou – mas acho que não vai fazer mal nenhum você sair um pouco. Não vamos para nenhum lugar com humanos, é perigoso, mas você pode ir para qualquer lugar que quiser.

Ele a encarou, depois olhou para cima, pensativo, os tentáculos enrolando e desenrolando na ponta.

Eu… Quero ir à floresta.

À floresta?

Eu nunca fui a uma… Dizem que é meu habitat natural, então, uma vez na vida não vai fazer mal, não é?

Alicia sorriu. Ele não sabia, mas ele era o único que conseguia tirar sorrisos tão facilmente dela. À floresta então. Agora vá se vestir, Kyle está nos esperando lá embaixo.

E ele a soltou, indo vestir feliz seu mais novo presente.

Sean? Hellen chamou, procurando-o pela casa.

Ele apareceu perto dela, na mesma hora ele sentiu que ela estava inquieta. Alguma coisa…?

É aquilo outra vez… Ela se tremeu, tristeza passando para a euforia, numa mistura dos dois. Mas desta vez, está mais forte! Ele está voltando!

Sean ficou animado pela primeira vez em muitos anos. A melhor notícia que ele poderia ter recebido, aliás.

E o que estamos esperando? Vamos buscá-lo!

Mas no mesmo momento em que iam encontrá-lo, Sean parou. Havia pressentido algo.

Eles de novo… Ele encarou a fêmea. Não posso ir, estão invadindo de novo…

Ela ficou triste. Sean deixe-os… é a você que eles querem…

E se eu deixo, eles começarão a bagunçar, logo não restará uma árvore sequer. Ele suspirou, depois a abraçou, com braços e tentáculos. Vá, antes que ele suma de novo e nos preocupe por mais tempo. Você já sofreu demais, e eu não suportarei mais tempo com você assim.

Ela assentiu. Não havia outro jeito, e Sean tinha razão. Quase sempre ele tinha.

Tudo bem, eu vou… ela ajeitou a gravata dele. Cuide-se, eu voltarei assim que puder.

Ele a soltou, e ela pegou seus pertences humanos, sumindo em seguida. Ele suspirou mais uma vez, então estralou os dedos. De volta aos negócios, ele disse enquanto desaparecia, para a escuridão da mata. Fazer o que sempre fazia.

Expulsar a praga.


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Notas finais do capítulo

Primeira parte postada, logo mais colocarei a segunda - Já estou trabalhando, mas não garanto o dia que vou postar. Té mais!



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