Domingo/16 De Março

– Mei... Mei! – Lukas bate a porta do meu quarto como se quisesse derrubá-la.

– O que é? – abro a porta relutante, acabei de acordar e esse mané vem me perturbar.

– É que, bom eu estava tentando me lembrar de onde eu tinha visto aquela garota que sempre anda com você e eu finalmente lembrei! – ele está com uma revista na mão.

– Você estava falando com ela ontem... – murmuro. Ele é tapado.

– Não, eu sei que já vi ela bem antes disso.

– E onde foi? – sento na minha cama, cruzando as pernas como quem fala com uma criança que acaba de fazer cocô no chão da sala... Ou seria um cachorro...?

– Mas preciso confirmar, o nome dela é Ellie Christine? – ele fala. Ele estava paquerando ela ontem, mas nem sabe o nome dela?

– É, e se você estranhou esse segundo nome, eu também estranhei, por que não podia ser “Cristina” ou “Cristiana” tinha que ser “Christine” com esse monte de coisa e... – falo, mas ele coloca a mão na minha cara, esse gesto me faz entender que eu devo parar... Credo, até parece que sou um cão adestrado.

– Olhe aqui! – ele e entrega a revista.

É uma revista feminina intitulada “Charm”, é do tipo de revista adolescente comum, com horóscopo para saber sua alma gêmea, como perder alguns quilos sem dietas mirabolantes, dicas de roupa e maquiagem com opiniões masculinas sobre certos assuntos, toas essas porcarias estavam na contracapa, mas quando vejo a capa tomo um susto enorme, a modelo era muito familiar! Era Ellie! Estava super diferente daquela Ellie que eu estou acostumada a ver!

O cabelo preto dela está ondulado e com extensões que o deixa batendo na cintura, os olhos bem azuis e uma maquiagem preta brilhante, ela usa uma camisa rosa de botões com uma saia preta de babados com rendas. E no lado da capa te outros quadradinhos menores com fotos dela com roupas diferentes.

– Ellie?! – grito, eu sei que ela tinha me dito que era modelo, mas eu não imaginei que fosse de uma revista famosa (eu já tinha visto essa revista em algumas bancas, muitas vezes) – Então é verdade que ela é modelo.

– Lógico que é! – ele fala, passando algumas páginas para eu ver, nela em Ellie de vestido, com rabo de cavalo, com sapatilhas e botas, infinitas combinações de roupas e nas mais diversas poses sofisticadas – Ela é a aspirante a modelo mais famosa da revista! Já que ela é filha da ex-modelo francesa Angelic de la Blànc que agora é editora-chefe da revista ela ganhou muita fama.

Espere um pouco... Ellie é filha de uma ex-modelo francesa? E o nome dela é Angelic de la Blànc? Agora eu entendo o fato dos professores nunca chamarem o sobrenome de Ellie na chamada. E a amante do pai dela, também era francesa! Essa história é muito complicada, prefiro cookies.

– Sério isso? – falo.

– É, e como ela é a cara da mãe não é difícil descobrir o porquê, ela é incrível... – olho para Lukas e levanto uma sobrancelha... Primeiro o vídeo dançando “Hush Hush” agora isso? Eu não sei se ele quer namorar ela ou apenas pedir dicas de maquiagem.

Ah, agora eu sei porque Lukas gosta tanto da Ellie, em três ou quatro páginas tem fotos de Ellie com diferentes tipos de biquínis.

– E aí, Mei? Como se sente sabendo que uma garota apenas dois meses mais velha é completamente desenvolvida em atributos? – ele deve estar falando sobre meus não-desenvolvidos seios, mas também pode ser uma piada com a minha altura!

– Tenho até os vinte anos para crescer me desenvolver! – cruzo os braços.

– Olha a ficha dela! Ellie Christine de la Blànc, faz aniversário no dia treze de junho, mede um metro e sessenta e oito de altura e pesa cinquenta quilos, gosta de... – ele ficou falando várias coisas sobre Ellie, as eu pego a revista e passo mais algumas páginas.

– Ah há! Sabia! – digo quando vejo Elliot, o irmão mais novo de Ellie posando para fotos também, é incrível, como um garoto pode ser tão fofo? – Elliot Christopher, ah não! Nomes combinando? – leio – ele fez doze anos em fevereiro e mede... um metro e quarenta e oito?

– Pelo que parece o irmão de Ellie Christine não é tão desenvolvido como ela. – Lukas ri.

Mas tem algo que me chamou mais atenção nessa revista, a foto de uma quase evidente família feliz composta por três membros orientais e uma loira bonita... Essa combinação inusitada só é possível ser a família Sakai.

E no final da revista tem escrito em letras garrafais: NÃO PERCA! Na próxima edição de Charm, uma entrevista exclusiva com Dennis Sakai, filho do empresário Ryan Sakai, dono da maior empresa eletrônica internacional, o novo favorito a colírio, com fotos exclusivas e pôster além de um pôster autografado de Ellie Christine e mais produtos sobre a banda do momento... não vejo mais nada além disso... Entrevista exclusiva com Dennis? Que reviravolta foi essa? E as fotos exclusivas... Dennis vai num estúdio para fazer poses na frente de câmeras? Duvido muito... E o pôster? Quem vai querer uma versão ampliada de uma foto de Dennis?

– O que há com essas caretas? – Lukas pergunta, apertando meu nariz, dou um tapa na mão dele.

– Onde arrumou essa revista?

– Eu comprei... – ele fala na maior cara de pau – Quem juntar vinte edições seguidas da revista ganha o direito de visitar os estúdios da Charm. E eu gostaria muito de ver um ensaio fotográfico com modelos de biquínis.

– E quantas edições você tem até agora?

– Uma – ele fala alegre.

– Quando vai lançar a próxima edição?

– Só no fim de semana, mas eu não vou poder ir de imediato porque eu tenho aulas práticas na faculdade! E depois meu chefe disse que tenho que dar uma passada na loja! – ele fala, parecendo triste. – por que? Você vai comprar pra mim?

– É claro que não... – vou dizendo logo, mas será meio estranho eu ir comprar uma revista para mim mesma e poderia ser mal compreendido, podem pensar que eu só vou por causa das fotos e da entrevista com Dennis... E eu vou só por causa das fotos e da entrevista, mas ninguém precisa saber, né? – Eu posso, sim! Você me dá o dinheiro e eu vou comprar na... quando lança, mesmo?

– Sexta-feira... – ele sussurra.

– Vou na sexta! – falo e ele sai feliz.

Bom, vou esperar, talvez amanhã na escola eu pergunte a Dennis sobre essa entrevista, talvez eu fale com a Ellie sobre esse pôster e talvez eu fale com Hanna sobre... Hãn? Hanna! É isso!

*

Sim! Estou correndo, com a maldita revista na mão, em direção à mansão dos Sakai, é que, aconteceu de eu pegar o ônibus errado e ter ficado sem dinheiro – eu não devia ganhar dinheiro com bobagens – então o jeito foi eu tentar correr as nove quadras que ainda restam...

Ah, finalmente, em frente à porta da mansão Sakai, só vou tocar a campainha depois de recuperar o fôlego...

– Bom dia? – um homem vestido num smoking atende a porta de madeira entalhada.

– Hum, Hanna está...? – pergunto, totalmente recuperada.

– Ah, sim – ele sorri, – Vou chamá-la, entre senhorita.

Eu entro e ele me leva à sala de visitas, bom, tá aí outro cara bonito e com estilo, ele tem cabelos bem pretos e olhos azuis bem claros, tem o olhar sério, mas mesmo assim parece ser simpático, deve ser um excelente mordomo.

– Ela já está vindo... – o mordomo fala – Você quer um copo de água?

Acho que ele percebeu minha respiração dificultada pelo nervosismo, mas já que ele ofereceu...

– Quero, quero sim... – tudo bem que não foi a resposta mais educada do mundo, mas foi bem melhor do que só acenar com a cabeça, como eu pensei em fazer.

Ele me traz um copo d’água e eu tomo bem rápido, quase engasgando.

– Anna? – a voz que eu queria ouvir! – O que faz aqui tão cedo num domingo?

Eu me lembro de ter feito uma pergunta parecia a Dennis no domingo passado...

– Eu preciso falar com você sobre uma coisa...

– Que coisa? – ela senta no sofá, do meu lado, mas de frente pra mim, percebo que, mesmo com a cara de sono ela está ótima, com os cabelos bagunçados, mas de um jeito charmoso, esse povo rico tem um jeito próprio de viver que as outras pessoas, como eu, não conseguem compreender.

– Isso aqui – mostro a foto de “família” dos Sakai e falo da entrevista, conto tudo e ela apenas abre um sorriso.

– É verdade... – ela diz – Dennis esteve ocupado fazendo entrevistas e fotos na semana passada.

Por isso a minha semana foi tranquila e solitária, Dennis estava ocupado, assim como Ellie e todo o pessoal.

– Ah, tá, ótimo – penso no que vou dizer, mas é só isso... O que eu vou falar? “Ah, Hanna, eu acho que gosto muito do seu pseudo-primo retardado, e queria se você podia me ajudar a, quem sabe, sequestrá-lo e fazê-lo contar todos os seus segredos... Acho que ele contará qualquer coisa se esfregarmos um rabo de coelho na cara de bunda dele!”

De repente vejo alguém descendo as escadas, é Dennis e parece que ele acabou de acordar, qual é? É quase meio dia! Sei que estamos num domingo, mas... Mas nada, se não fosse por Lukas eu ainda estaria dormindo. Ele está com uma camiseta sem mangas, branca e uma calça de algodão frouxa, os cabelos estão bagunçados e a cara de sono dele é incrivelmente... fofa?

– Anna? – ele fala, parece que finalmente me viu. Os olhos dele vão direto pra revista na minha mão, o que me faz sentar nela, imediatamente.

– Bom dia – falo, sem graça.

– Não aguentou me esperar ir à sua casa e teve que vir me buscar...? – ele pergunta.

– Desculpe, mas ela veio para me ver, e não para ver você – Hanna fala, cheia de si.

– Eu preciso ir, obrigada pela a ajuda Hanna – digo, pego a revista rapidamente e saio correndo.

O que eu faço? Eu não posso chegar simplesmente e dizer: “Quero saber sobre sua entrevista na Charm, hum, Colírio, hein...?” e dar um tapinha no braço dele como se concordasse! E é claro que não concordo! Se ele vai aparecer numa revista dessas... Ele vai sofrer pelo resto da vida!

E a Ellie? Ela é filha da dona da revista! Posso pedir pra... Esquece, não posso chegar na Ellie e dizer: “Será que você pode descolar a nova edição da revista da sua mãe pra eu poder ver umas coisinhas...?” Eu sei que ela não gosta disso, ela pode até revidar o tapa que eu dei nela naquela noite, no shopping.

E a Mandy? Posso falar com ela! Ah, nem pensar! Ela é boazinha demais, e o que ela pode fazer?

E Gabriel...? É! Não, não posso fazer isso... Ah! Que droga, não posso envolver ninguém nesses esquemas!

Ah, eu não acredito que vou fazer isso...

Tento me lembrar do caminho e parece que dá certo, vou memorizando minhas frases prontas, nada pode dar errado.

Cheguei! Toco a campainha e uma mulher loira atende.

– Oi, – ela parece que se lembra de mim, só esqueceu meu nome, ah... então não é só minha mãe.

– Anny! – Kate vem correndo me abraçar quando me vê.

– Oi, Kate, – falo, bagunçando os cabelos loiros dela. – oi, Dona Jane, Gabriel está?

– Ah, sim! Sim, ele está, entre mocinha... – ela diz. – Gabriel, visita!

Entro na casa, está perfeitamente igual desde a última vez que vim aqui, Gabriel está na cozinha, comendo torradas, e parece que estava ouvindo música já que tem um headphone no pescoço dele.

– Oi, Mei – ele sorri, – quer?

– Ah, não obrigada! – digo.

– Fique à vontade, querida – a mãe dele sorri, colocando a mão no meu ombro – Gabriel, voltarei as cinco, cuide-se!

– Aonde elas vão? – noto a grande boia na cintura de Kate.

– Minha mãe vai levar Kate ao clube da escola, é assim todo domingo... – ele morde a torrada. – É estranho, você nunca veio aqui... Bom, uma vez, mas foi só.

– É que eu preciso de ajuda... – falo, esperando que ele me xingue de retardada por insinuar que só o procuro quando quero algo, mas ele não diz nada então continuo – Você e Ellie estão muito próximos, então pensei que talvez você soubesse onde fica o estúdio da “Charm”, é urgente.

– A revista? Não é muito longe! Podemos ir de bicicleta, chegamos em quinze minutos – ele diz. Espera, bicicleta?

– Ah, não... Eu não... Sabe, de bicicleta eu não posso... – não posso porque não sei andar de bicicleta.

– Você não vai pedalar – quando vejo, ele já está saindo de casa com uma bicicleta – sobe aí – ele fala depois de trancar a porta, me indicando a garupa.

– Mas...

– Sobe logo, não vamos cair – subo na garupa, relutando um pouco, e com razão, ele sai em disparada e eu grudo na cintura dele com os olhos fechados, é por isso que eu não sei andar de bicicleta, a sensação do vento na cara, pedalar e essas coisinhas nunca me agradaram.

Depois de quinze minutos nós chegamos ao estúdio, é uma correria só, foi fácil entrar, Gabriel é bonito, ele disse que era um modelo substituto, reserva e tudo mais, e eu? Bom, sorte que estavam fazendo umas fotos da moda infantil, eu disse que eu era uma das modelos.

Ganhamos crachás e andamos um pouco, Ellie tem que estar aqui, ou qualquer outra pessoa, eu não pensei muito bem.

– Vai me contar porque estamos aqui – Gabriel pergunta só agora.

– Você topou isso tudo mesmo sem saber os prós e os contras...?

– Sim – ele sorri, mas não dá tempo de contar nada porque um homem gordo comum crachá escrito “Ruanildson” está parado na minha frente.

– Venha comigo – ele me chama, e eu vou... Gabriel faz o mesmo, ele nos leva a um camarim. Ah, não...

– Muito bonito... – ouço uma voz familiar. – Vocês entraram aqui sorrateiramente e agora vão pagar o preço – ela aparece, vestida com um roupão amarelo.

– Pagar – engulo em seco... –... o preço? – eu não tenho mais dinheiro!