61ª Edição dos Jogos Vorazes escrita por Triz


Capítulo 21
Capítulo 21 - A verdade


Notas iniciais do capítulo

Feliz 2015!

Estou até com vergonha de aparecer aqui após tanto tempo sem postar. Mas realmente foi muito difícil manter as atualizações em dia com tantos eventos de final de ano. Fui viajar, e lá onde fui, não tinha wi-fi e o 3G era a pior coisa do mundo, então não tinha jeito de postar.

Esse capítulo foi escrito com muito carinho, porque conta toda a história do Geoff. Finalmente ele saberá o paradeiro de sua família. Boa leitura! o/



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Minha cabeça começa a girar, e eu sinto que a qualquer hora posso cair no chão. Minha irmã? Viva? Tenho tantas perguntas a fazer... eu nem sabia que tinha uma irmã! E, se ela está viva, pode muito bem saber onde estão nossos pais. Sierra continua me olhando fixamente, e eu apenas vou tombando para o lado, muito tonto.

— Certo — Dominique aparece, cortando os nossos olhares. — Temos muito a conversar e eu preciso de um copo de água. Vamos entrando?

Dominique passa no meio de nós, sacando do bolso a chave da casa. Ela a destranca num clique e entra, partindo diretamente para a cozinha. Apenas tenho a visão da sala e da cozinha, e ao me lembrar de que viverei ali para sempre, sorrio para o nada. Todos os móveis são lindos e rústicos, as estantes estão cheias de livros, as mesinhas decoradas com rosas brancas. A luz natural é confortável, passa pelas cortinas com delicadeza. Piso pela primeira vez em minha nova casa. Ao meu lado, Sierra me olha com a cabeça inclinada. Reviro os olhos.

— Entre logo.

— Com toda a licença.

Sierra senta-se no sofá principal da sala, que é forrado num tecido cinza macio, e é curvado ao redor de uma mesinha de centro. Me conforto em uma das poltronas ao lado do sofá, retribuindo o olhar curioso de Sierra. Percebendo melhor, ela se parece muito comigo. O formato de suas feições é semelhante às minhas.

— Por que, Sierra? — pergunto. — Por que apareceu só agora? Por que não me procurou nenhuma vez?

— Eu contarei a história inteira, e talvez compreenderá, irmão. Não pense que estou aqui por interesse à essa sua vida de vitorioso.

— Isso não me interessa agora — irritado, agarro os braços da poltrona, cravando as unhas no tecido. — Só quero saber mais sobre o meu passado. Minha infância inteira foi passada naquele imundo orfanato, onde eu não tinha contato com nenhum familiar. Eu fiquei sozinho por todo esse tempo! Por que não tentou me encontrar?

— E quem disse que eu não tentei!? — Sierra aumenta seu tom de voz. — Tenho vinte e cinco anos e venho te procurando desde os meus vinte. Fui naquele maldito orfanato, mas quando cheguei lá, você já tinha fugido!

— E por que não começou a procurar antes?

— Geoffrey, eu estava confusa demais! — ela aponta para seu próprio peito. — Precisava colocar as minhas coisas em ordem! Não podia ficar te procurando incansavelmente, pois infelizmente tenho uma vida também.

Nesse instante, Dominique surge da cozinha equilibrando uma bandeja com xícaras de chá, interrompendo minha discussão com Sierra. Admito que fiquei contente, afinal, não gostaria de brigar com a única pessoa da minha família que conheço. Mesmo tendo um começo ruim, não poderia deixar de saber a minha história.

— Bebam uma xícara de chá, vocês dois — Dominique entrega uma xícara a cada um de nós. Murmuro um obrigado, mas Sierra permanece com a boca fechada. Depois, Dominique se senta ao lado de minha irmã no sofá. — Agora, Sierra, minha querida, queremos saber sobre a infância do Geoff. Tenho certeza de que temos muitas perguntas a fazer, mas pode começar sua explicação da maneira que desejar.

Sierra tosse, limpando a garganta, e deposita a xícara de chá na mesa de centro.

— Para começar, Geoff, temos que voltar antes do nosso nascimento — ela explica, cruzando as pernas. — A história começa com uma jovem cuja beleza era indescritível, de cabelos castanhos claros lisos e longos e olhos azuis como o céu. Seu sorriso que mostrava seus dentes muito brancos chamava a atenção de muitos pretendentes no distrito inteiro. Era uma mulher jovem, que morava com pais autoritários que possuíam uma loja de artigos de luxo. Seu nome era Aedinia Albanus.

— Deixe-me adivinhar — arrisco. — Essa tal de Aedinia era nossa mãe.

— Exatamente — responde Sierra. — E, como eu disse antes, ela era muito bonita e tinha muitos pretendentes. E era rica, também, o que chamava ainda mais atenção. O problema é que Aedinia não dava a mínima para isso, para ela todos os homens eram iguais. Com exceção de um.

— O seu pai? — pergunta Dominique.

— Sim. Theodore Monroe. Um homem pobre e sedento por aventura, de cabelos dourados e olhos azuis. Se conheceram na loja dos pais de Aedinia, quando Theodore tentou furtar um colar de pérolas para conseguir comprar comida. Foi amor à primeira vista, e nossa mãe não sabia o que fazer por se apaixonar por um criminoso. Theodore foi o lado aventureiro que nossa mãe jamais tinha visto antes. Os dois passaram a se encontrar todos os dias.

— Deve ter sido muito difícil para a nossa mãe por se apaixonar assim, dessa forma — falo, encarando os meus próprios pés. — Mas ela contou para seus pais que estava com um criminoso?

— Contou, mas eles não aceitaram de maneira alguma, e a coitada apanhou muito, ficou cheia de hematomas e cortes. Aedinia, revoltada, fugiu de casa com Theodore na mesma noite, para o outro lado do Distrito 5. E lá, viveram por anos, e nunca mais quiseram saber sobre os nossos avós. E então nós aparecemos na história. Eu nasci sete anos antes de você, e a nossa vida em família era incrível.

— O nosso pai deixou a vida de criminoso? — pergunto.

— Nossa mãe fez uma promessa com ele e Theo parou. Arranjou um emprego, sustentava a nossa casa e ainda passava um bom tempo com a gente. Amava a mamãe mais que tudo nesse mundo, eu me lembro bem disso. E nós eramos seu tesouro. Mas tudo começou a mudar quando o papai desapareceu.

— Peraí, como assim desapareceu? Foi sequestrado? — Dominique olha séria para Sierra. — Ou começou a roubar outra vez?

— Pior — Sierra encara o chão. — Ele foi pego pelos antigos companheiros de quadrilha dele, que o denominaram traidor. Esses caras fizeram lavagens cerebrais nele usando veneno de teleguiada, tornando-o agressivo e autoritário, e depois de algumas semanas o despejaram de volta em nossa casa. Mamãe descobriu isso ao ver que ele possuía várias marcas de picadas pelo corpo, por pouco Theodore não morreu. Ela ainda acreditava que ele tinha uma pitada de sanidade dentro de si, então não desistiu.

— Sofreu por nada.

— Não é nada, Dominique — minha irmã estreita os olhos. — Aquela mulher encontrou em nosso pai o que nunca viu antes. Era seu porto seguro. Enfim, Theodore ficou louco ao passar dos anos. Batia, espancava e maltratava Aedinia, e ela ficou cheia de hematomas e machucados horríveis. Ela sofria, chorava em seu canto, mas nunca deixou de amar o marido. Nunca iria desistir do amor de sua vida. O que mais doía era que, quando chegava da escola, via mamãe encolhida num canto, escondida de nosso pai, que corria atrás dela com um pedaço de madeira nas mãos. Ela suplicava à ele que se lembrasse do passado, enquanto você chorava, indefeso, no fundo.

— E nosso pai chegou a nos ferir? — sinto um certo frio no estômago.

— Quando eu não fazia alguma coisa direito, sim. Mas ele nunca tocou em você, te considerava invisível.

— Ok, mas agora eu quero saber como foi que nós paramos no orfanato.

— Nós, não. Você.

— Quê? — eu e Dominique gritamos em uníssono. Sierra aproveita e bebe mais um pouco de chá antes de falar.

— Não coloque a culpa em mim, ok? — ela se defende, apoiando a xícara de volta na mesa de centro. — Foi culpa do nosso pai. Aliás, foi culpa dos antigos companheiros dele que o transformaram num monstro.

— Por que? — pergunto, agarrando os braços da poltrona com ainda mais força. — O que ele fez?

— Um dia, quando ele estava batendo na nossa mãe, decidi interferir. Estava farta de vê-la sofrendo daquela maneira dolorosa — ela me observa como se fosse a coisa mais gratificante do mundo o fato de eu estar vivo. — E ele ficou louco comigo. Me encheu de murros e chutes, e mamãe ficou louca e acabou desferindo um pontapé na cabeça de nosso pai.

— Coitada — murmura Dominique, seu rosto demonstrando pena.

— Foi aí que começou a coisa mais horrível que vi em minha vida. Ele correu até a cozinha, pegou uma faca e voltou ao nosso quarto no segundo andar. Entrei em desespero e acabei congelando, mas o erro foi que nossa mãe resolveu enfrentá-lo. Estava cansada de apanhar dele e, mesmo acreditando que ele ainda a amasse, decidiu dar um ponto final na história. Aos berros, nossa mãe gritava para te pegar e fugir de casa, mas eu não conseguia. Foi terrível.

— E o que aconteceu com ela? — pergunto.

— Ela berrava para o nosso pai para que se lembrasse de nossa família. E ele, furioso, correu para cima dela com a faca. Atingiu-a na primeira vez na barriga, e ela gritou, gritou muito, enquanto caía na própria poça de sangue. Eu, já com você no colo, comecei a chorar desesperadamente, horrorizada com a barriga aberta de Aedinia. Mas não parou por aí, nosso pai continuou a esfaqueá-la até parar de gritar, e atingiu sua face, seu pescoço, seu peito... até ela virar apenas uma massa coberta por sangue... atingiu-a umas vinte, trinta vezes...

Sierra, com os olhos inchados, derruba algumas lágrimas, que pingam no vestido azul.

— Eu estava morta de medo, e queria que nosso pai parasse antes de nos machucar, porque ele já nos olhava com sede de sangue. Por um acaso, havia uma vela em cima da cômoda. Sem medo, derrubei-a e enxerguei o fogo tomar conta do quarto aos poucos. Eu te agarrei firme e corri até a escada, o nosso pai ainda estava no quarto com o corpo de nossa mãe, em meio às chamas que começaram a avançar, ferozes. Você tossia muito devido à fumaça, então comecei a descer os degraus mais rápido... o papai vinha atrás, mas o fogo já tinha tomado grandes proporções e a estrutura da casa estava fraca. Aos poucos, o segundo andar começou a desabar. O teto pareceu estar bambo, e então a nossa casa foi desmoronando... o segundo andar caiu com papai no meio dos destroços. Eu e você já estávamos quase fora de casa quando o papai nos olhou com pena e chamou pelos nossos nomes, como se tivesse nos reconhecido... eu nunca me senti tão culpada em toda a minha vida — ela faz uma pausa para fungar o nariz e limpar as lágrimas com as costas da mão. — Ele finalmente tinha voltado à si, mas segundos depois, o restante da casa caiu. Theodore morreu na hora. Você saiu em segurança, mas uma estrutura de madeira atingiu minha cabeça. Eu... me desculpe, sinto muito mesmo por isso...

Sierra passa a chorar mais ainda. Ela esconde o rosto nas mãos, e seu cabelo muito dourado gruda na sua face molhada. Sinto um frio na barriga, só de pensar que havia presenciado um assassinato antes mesmo de ir aos Jogos. Aedinia Albanus Monroe era uma mulher de coragem, sem dúvidas.

— Vai com calma... — digo a ela, com a voz aos poucos falhando. — Podemos fazer uma pausa se quiser. Admito que é uma história chocante, sim... nunca imaginaria que tudo isso tivesse ocorrido.

— Eu nunca esquecerei... e sinto uma certa empatia com você, por causa dos Jogos — Sierra levanta o rosto avermelhado. — Ambos vivenciamos momentos terríveis e extremamente violentos... mas, bem, vou continuar a contar... enfim, fui acertada na cabeça e, naquela hora, os vizinhos já circulavam aos montes a nossa casa. No momento em que fui atingida, você já estava a salvo, mas eu fui parar no hospital. E foi aí que nos separamos. Você foi levado ao orfanato, e eu fiquei internada por semanas. Havia perdido a memória com a pancada, e só conseguia me lembrar de meu nome. Quando saí, uma enfermeira do hospital resolveu me adotar, e é claro, eu nem lembrei de você. Minha vida era boa na casa nova, a minha família me deu muito carinho. Só fui recuperar minha memória anos depois...

— E, quando se deu conta de que tinha um irmão, ele já havia fugido do orfanato — completo-a.

— Exatamente. Mas quando te vi na Colheita, mais velho e em um estado lastimável, meus olhos se encheram de lágrimas. Fui correndo em direção ao Edifício da Justiça do Distrito 5, mas quando cheguei lá, você já tinha ido embora. Torci tanto por você nesses Jogos que achei que tinha ficado louca. E, aliás, a sua pequena aliada, Astrid, me lembrava alguém muito especial com seu jeito inteligente e inocente. Faz alguma ideia de quem seja? — ela abre um sorriso.

— Nossa mãe...

— Na mosca, Geoff. Astrid parecia ser a reencarnação dela, porque a personalidade de ambas era muito parecida. Não achei que foi só coincidência vocês terem se encontrado, não.

Sinto uma lágrima deslizando pela minha face. Minha mãe... parecida com Astrid? Por algum motivo, senti como se tivesse realmente conhecido Aedinia e sua personalidade encantadora. E, agora, havia perdido as duas heroínas de minha vida. Meu pai também era um herói, sim, o único problema foi o veneno que manipulou sua mente.

Contenho as lágrimas rapidamente, após ver que Sierra ainda mantinha o sorriso no rosto.

— E como foi sua vida depois da sua adoção, Sierra? — pergunta Dominique.

— Foi muito boa, apesar do trauma! — seus olhos se iluminam. — Estudei e me tornei uma médica, assim como minha mãe adotiva. Hoje em dia, tenho uma filha pequena de dois anos, e ela é muito fofa. Seu nome é Aurora, loirinha de olhos verdes, como o pai dela.

— Eu sou tio? — meus olhos se arregalam, em surpresa. — E você é casada?

Sierra solta uma risada calorosa.

— Sim e não. Na verdade, eu e meu amado Garret estamos preparando a cerimônia de casamento para semana que vem. Considere-se convidado, maninho.

Olho para a expressão curiosa de Dominique.

— E Nique pode vir também — convida Sierra.

— Nós aceitamos, certo? — viro-me para Dominique.

— Acho que a Capital vai me deixar ficar mais alguns dias no Distrito 5, sim — ela sorri. — Aposto que será o máximo, mas preciso trazer algumas roupas. Geoff, querido, passarei alguns dias em sua casa — apenas fiz que sim com a cabeça. — Mas me conte Sierra, como é seu vestido?

— Ah, é encantador...

Enquanto as duas conversam os detalhes do casamento (coisas desinteressantes como a cor das decorações, centros de mesa ou coisas do tipo), fico remoendo em meu cérebro toda a história contada por Sierra. Foi um choque e tanto. Sinto como se Aedinia fosse uma nova figura heróica para mim, deu sua vida para salvar duas inocentes crianças; e Theodore, um lutador, que no fundo nunca se esqueceu na família.

Minha vida foi inteira de complicações. Passei esses horripilantes sufocos enquanto ainda era bebê, perdi meus pais, fui maltratado no orfanato, vivi na rua morrendo de fome, entrei nos Jogos, perdi a garota que amava e não tenho mais uma perna.

Mas ver Dominique ali, conversando com Sierra tão naturalmente, me deu a impressão de que estava em família pela primeira vez. Que, agora que descobri que tenho uma irmã e uma sobrinha, teria alguém para me confortar nos momentos mais difíceis. E, além do mais, tenho Dominique, que posso reencontrar toda vez em que for à Capital como mentor; e meu fiel companheiro Castiel, que neste momento se enrosca na minha perna falsa, estranhando o toque metálico.

Todos esses momentos de dor e tristeza em minha vida continuam me marcando, e tenho certeza de que será assim até eu morrer. Só que, há algum tempo, prometi a mim mesmo ser forte. Seria forte por Castiel, Dominique, Sierra, a pequena Aurora, Astrid, e por todos os que me auxiliaram no meio de tantas dificuldades. E isso significa que toda vez em que estiver me sentindo deprimido, tentaria ao menos forçar um sorriso.

Afinal, por mais que parecesse, eu não estava sozinho. Nunca estive.


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Notas finais do capítulo

O próximo capítulo já é o último... sentirei saudades de todos, mas fico feliz por escrever essa fic e também por fazer novas amizades com os leitores!

Até o próximo o/

Ah, e gente, eu realmente não faço ideia de quando o próximo sairá. Vou estar fora do Brasil por quinze dias, sem poder escrever ou postar. E, se eu demorar para responder os comentários, também peço desculpas. Bem, vamos torcer para que não demore muito o3o