61ª Edição dos Jogos Vorazes escrita por Triz


Capítulo 11
Capítulo 11 - Semáforo e antena parabólica


Notas iniciais do capítulo

Here it is! Espero que gostem do capítulo!



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— Para onde vamos? — pergunto à Astrid, que reúne seus suprimentos com rapidez. — Não podemos ir aos celeiros, os Carreiristas estão lá.

— Geoff, a sorte tem que estar ao nosso favor. Não podemos fazer nada a não ser ir para lá, é só torcer pra não encontrar ninguém! Aqui a gente sofre muito com a chance de sermos atingidos por um raio.

— Ok.

As primeiras gotas de chuva pingam no lago, e em menos de dez segundos, a chuva se torna intensa. Imediatamente o nível da água do lago sobe de maneira assustadora, fazendo com que eu e Astrid tenhamos que correr o mais rápido possível. Fico na frente, correndo com minha velocidade máxima em direção aos celeiros, ignorando todos os tipos de dor que sinto no momento. O barulho das gotas de água atingindo as folhas me deixa cada vez mais angustiado.

Meu cabelo, já encharcado, começa a grudar no meu pescoço também molhado. Aliás, estou ensopado por completo, tanto que até entra água pelas minhas botas, molhando minha recém-colocada atadura. Depois de pensar nisso, lembro-me daqueles meus dedos do pé esmagados, e imediatamente eles voltam a doer com intensidade, diminuindo minha velocidade. Enquanto tento não soltar alguns palavrões, me concentro em não tropeçar no chão lamacento que faz meus pés deslizarem de uma maneira um tanto atrapalhada.

E, em uma fração de segundo, o céu brilha com força tão intensa que me deixa atônito. Aquele fio de luz prateada cortando a escuridão que é o céu chacoalha da minha cabeça até a ponta do dedão. O estrondo barulhento do raio vem logo em seguida, o que me faz dar um pulinho de susto. Viro-me para Astrid, que continua correndo atrás de mim, cobrindo as orelhas por culpa do estrondo:

— Não pare!

A vista dos celeiros à minha frente me alegra, embora talvez haja alguém esperando para me matar dentro de algum lugar. Há um celeiro de tamanho pequeno que talvez possa ser o suficiente para acomodar duas pessoas magricelas, porém só me resta mais um pouco de comida e não há a possibilidade de sair para uma caçada. O celeiro, com sua tinta vermelha toda descascada, possui o teto um tanto instável, tanto que ele se movimenta com a velocidade do vento, que aumenta a cada instante.

O vento então começa a me puxar, como se fosse me abduzir para lugar nenhum, reduzindo consideravelmente minha velocidade, que já estava baixa devido à dor no pé somada ao chão lamacento. Astrid acelera o passo e me alcança, correndo à minha direita enquanto nos aproximamos do celeiro. O mais estranho nessa situação é que o vento começa a fazer movimentos rotacionais, atraindo e puxando galhos e troncos para seu centro. Já posso começar a ver uma espiral formando-se atrás de mim, e também a ouvir o som de troncos enormes se partindo.

— É um ciclone! — Astrid grita, olhando para trás e tentando mover suas pernas curtas mais rápido. — Corra, Geoff!

O celeiro está muito perto, porém parece inalcançável à medida que a força do ciclone aumenta, diminuindo nossas velocidades. A porta dupla de madeira balança com a movimentação do vento, mesmo com o ciclone estando à vários metros de distância. Finalmente consigo puxar uma das maçanetas (que mais se parece com uma alça fraca de madeira), e abro a porta, arrastando Astrid para dentro comigo.

Desabo num canto e me sento encostado na parede. O barulho uivante do vento ao nosso redor me aterroriza e sacode as paredes feitas de madeira frágil enquanto tenho a sensação de que Astrid se encolhe ao meu lado. As gotas de chuva da tempestade e o clarão dos relâmpagos entram por uma fresta no teto. Aperto os olhos e espero o choque da espiral furiosa em meu canto, imaginando a cena do celeiro sedo arrastado até o centro do ciclone e depois, despedaçado, levando embora minha vida e a de Astrid também.

Mas o vento decide mudar de direção, e ouço-o ficando cada vez mais fraco, o que também faz as paredes pararem de chacoalhar. Abro os olhos e estico a cabeça para fora, observando o ciclone se deslocar para outro celeiro, despedaçando-o. Suspiro. Astrid ainda está encolhida em seu canto, o rosto enterrado nas mãos, completamente encharcada por culpa da chuva.

— Pode abrir os olhos — digo à ela. — O ciclone já foi.

— Ufa — responde, levantando a cabeça. Ela começa a observar o celeiro à nossa volta. — Ainda bem que esse lugar não é tão pequeno.

— É.

Por dentro, o celeiro parece maior. Ele é pequeno, porém é bem extenso, e talvez essa possa ser a nossa base, apesar de ser um lugar perigoso se considerarmos que os tributos podem tentar se refugiar aqui à qualquer instante. O chão é da mesma madeira das paredes e do teto: aquela velha e desgastada, que range toda vez em que é tocada. Há uma pilha de feno espalhada em um canto, talvez um bom lugar para dormir.

Checo minha mochila, e mais uma vez tenho que me conter para não ter outro ataque de raiva: ela está completamente alagada, com a água estragando todo o meu estoque de alimento. Não sei por onde a maldita chuva entrou, porém parece que esqueci a mochila aberta para que todos os rios do planeta desaguassem nela. Uma barrinha de cereal boia em pedaços na água.

— A comida está bem? — ela pergunta.

— Não, tudo está alagado! A comida, o meu cobertor, as facas, minha atadura novíssima. Pelo menos água não será um problema.

— A gente poderia sair pra caçar.

— Não dá, com essa arena toda alagada, os animais podem ter se escondido. Sem falar que ainda podemos encontrar com outro tributo. Somos quantos ao total?

— Onze — ela olha para cima, pensando nos nomes dos tributos. — Cinco Carreiristas, você, eu, os primos, Graham e Roseline. Hoje ninguém morreu, a não ser que algum canhão tenha soado durante a tempestade e não ouvimos. Mas conte-me, foi responsável por alguma morte até agora?

— Somente uma. Anya, a garota do 4, me encurralou no banho de sangue, mas consegui dar a volta por cima e atacá-la. Você matou alguém?

— Ninguém. Não tenho arma para isso.

— Oh. Pegue uma faca, então. Estão dentro de um estojo na mochila.

Enquanto Astrid revira a minha mochila, alguém escancara a porta, invadindo o celeiro. Levanto-me, agarro a faca do meu cinto e Astrid se encolhe no canto, procurando rapidamente o estojo dentro da mochila. A figura ruiva em pé diante de nós, que reconheço como o garoto do Distrito 4, Lars, segura uma faca comprida na mão.

Lars é veloz. Ele avança em mim com tamanha velocidade que nem tenho tempo de pensar no que fazer. Seu facão passa zunindo acima de minha cabeça, então apenas agacho para me esquivar do golpe. Decido atacá-lo por baixo. Minha faca passa perto de sua perna, porém Lars as afasta antes mesmo que eu possa causar algum dano, tentando mais uma vez me acertar com o facão. Desvio para o lado, visualizando apenas algumas gotas de sangue voarem do meu ombro até o chão. Um rasgo superficial e comprido se abre da parte de cima do braço direito até o cotovelo, o que faz minha jaqueta virar praticamente um trapo. Ainda bem que o corte, apesar de comprido, não é profundo, porém isso não deixa de me preocupar. Lars ainda tenta me acertar pelo menos umas três vezes, que apesar de desviar com sucesso, me cansa ainda mais.

Infelizmente ele me dá outro golpe, mas com o cabo do facão. Ele acerta minha têmpora, me deixando temporariamente confuso, só que ainda bem que não estou sozinho — ao contrário, já estaria morto.

Astrid finalmente encontra sua faca e parte para cima de Lars, atingindo suas costas, o que o faz urrar de dor, porém isso não é o suficiente para derrubá-lo. A faca comprida passa de raspão pela cabeça de Astrid, abrindo um corte enorme em sua testa, porém sem profundidade. Com a faca fincada nas costas de Lars, Astrid fica desarmada, portanto dá um passo para trás, recuando.

Lars ergue seu facão numa tentativa de atingir Astrid, que é mais rápida e gira para o lado, me dando tempo extra para atingi-lo nas costas inúmeras vezes com minha faca. O sangue atinge meu rosto como um jato avermelhado terrível, e também mancha o chão e se mistura com a água da chuva. Lars então fica com os olhos vidrados, e seu corpo começa a desabar para o lado.

— Astrid, termine com isso — digo à ela.

Então ela retira a faca que estava presa nas costas de Lars e o atinge na parte de trás de seu pescoço. O tiro de canhão anuncia sua morte.

— Precisamos afastar esse corpo daqui — diz ela, arfando enquanto limpa o sangue de sua testa com a manga da jaqueta. — Ajude-me a rolá-lo para o lado de fora. Fica mais fácil pro aerodeslizador buscar.

Fazemos isso de maneira muito rápida, porém complicada, já que tenho um rasgo gigantesco no meu braço e Astrid, um corte na testa que a deixa confusa. A garra do aerodeslizador puxa para cima o corpo de Lars, enquanto observo algumas gotas de sangue pingarem daquela enorme altura. Então o aerodeslizador se vai, levando consigo algumas nuvens acinzentadas, deixando o sol dar uma clareada na arena.

Tudo virou lama: as plantações, o solo, os caminhos de terra. Quanto às árvores, quase nada restou, apenas galhos partidos ao meio e troncos totalmente acabados e caídos ao chão. Os celeiros ficaram parcialmente destruídos ou completamente arrasados, com materiais espalhados por todos os cantos.

— Os celeiros são poucos agora — digo à uma Astrid que enrola ataduras em torno da cabeça para estancar o sangramento. — Estamos ferrados.

— É claro — responde. — Isso foi uma boa estratégia do Marcel Fitzpatrick. Ele não queria nos matar, e sim destruir os celeiros para que tivéssemos que sair e, ocasionalmente, achar outros tributos — ela bufa como um cavalo enfurecido. — Babaca.

— Não se exalte — o sangue que vaza pelo meu braço finalmente me incomoda. — Hã, sobraram ataduras aí? Tem um rasgo quilométrico no meu braço.

— Claro.

Começo a enrolar a atadura ao redor do meu braço. Porcaria, sou destro! Por que Lars me acertou bem no braço direito? Será difícil lançar uma faca assim, o movimento do braço certamente ficou limitado, e minha próxima tarefa é descobrir como posso me virar sem minha principal atividade. Se ao menos algum patrocinador fosse bondoso...

Coloco minhas coisas mais perto do sol para secarem. Mesmo com a noite chegando, é mais aconselhável ter coisas secas o mais cedo possível.

Astrid se joga na pilha de feno do canto do celeiro, as ataduras de sua cabeça já tingidas de vermelho. Ela encara o teto, murmurando palavras inaudíveis. Talvez esteja falando consigo mesma. Junto-me à ela naquela enorme pilha, que é bem macia comparada ao duro chão da floresta em que dormi por tantos dias. Você sabe que a situação é ruim quando vê uma pilha de feno como a cama mais confortável do mundo.

— Precisamos dar a volta por cima — começo dizendo, mesmo sabendo que nesse momento Astrid fala consigo mesma. — Temos que caçar, buscar algum tipo de remédio e também bolar aquele seu plano, sabe?

— Shh — ela rebate.

— Ok.

Sem contestar, levanto-me novamente e ando em círculos pelo celeiro. Sei que Astrid está pensando naquele plano dela, então decido não perturbar, afinal minha sobrevivência de certo modo depende daquilo também. Ou ela pode simplesmente estar passando mal por culpa do corte. Que seja. É preciso deixá-la em paz por um tempinho.

Um reflexo prateado no piso marrom chama a minha atenção. O facão de Lars manchado com sangue brilha, como se estivesse atraindo-me em sua direção, então decido examiná-lo. A lâmina é comprida, mas não o suficiente para ser considerada uma espada, e além disso ela é um pouco curvada. O cabo fica em minhas mãos confortavelmente, tanto que me arrisco em tentar golpear o ar para testá-la.

Minha boca forma um perfeito "O". Essa arma é incrível.

Como meu braço começa a doer, decido parar por um momento. Olho para aquela fresta no teto e reparo que nenhuma luz entra mais por ela, então concluo que a noite chegou. Mesmo com o dia passando tão rápido, Astrid nem ousa desviar-se de seus pensamentos, o que me faz pensar que ela está finalmente montando um plano.

Finalmente vejo uma luz entrar pela fresta, mas reparo que é o hino quando ouço-o tocar. Espio o céu por um instante, vendo o sorriso de canto de rosto e os olhos mortais de Lars aparecerem na luminosidade, desaparecendo em seguida. O céu volta a ficar escuro, mas ainda bem que a luz da lua ainda tem uma boa luminosidade, tanto que faz as esmeraldas da minha pulseira de serpente brilharem. A única morte foi de Lars, então é um Carreirista a menos. O que me preocupa é que os outros podem estar atrás de quem matou o garoto do Distrito 4. Viro-me para Astrid:

— Alguém tem que montar guarda hoje. Os Carreiristas podem querer vingar a morte de Lars.

— Eu fico. Pode deitar.

— Me acorde quando precisar. O plano vai bem?

Astrid finalmente foca seu olhar em mim.

— O plano não vai nada bem. Não há nenhum tipo de coisa que possamos utilizar para derrubar os Carreiristas de uma só vez, o que está me levando à loucura. Não quero ter que matar um por um. Em uma edição passada dos Jogos, um tributo eletrocutou vários de uma vez! Um plano genial! E por outro lado não consigo pensar em nada. Precisamos encontrar alguma coisa. Pense comigo... o que encontrou nessa arena que possa ser mortal?

Esfrego o meu queixo, pensando.

— Ah, encontrei umas galinhas esquisitas, com uns dentes afiados e que rasgaram minha carne.

Seus olhinhos se iluminam na noite escura.

— Bestantes!

— O que?

— Animais geneticamente modificados pela Capital. Costumam colocá-los nas arenas, mas alguns fogem para as florestas dos distritos. Há alguns insetos assim no Distrito 6, e sabemos muito bem que temos que passar longe porque são bestantes. Minha irmã já foi picada e nasceu uma bolha nojenta em seu pescoço, precisou de muito tempo para sarar. Enfim, eu dei de cara com cabras bestantes que saltavam o dobro de seu tamanho, então é possível que existam mais assim na arena, não?

— Pois é. Animais de fazenda, sabe? Vacas, patos, ovelhas... — faço uma pausa. — Mas no que você estaria pensando?

— Se de algum jeito desse para atrairmos esses animais para cima dos outros tributos seria incrível.

— Podemos sair amanhã para caçar e procurar bestantes, se quiser.

— Mas é claro! Então durma, ficarei acordada pensando no plano. Obrigada pela ajuda, Geoff — seus dentes brancos contrastam com o escuro quando ela sorri.

— Não há de quê, mas lembre-se de que não precisa ficar pensando em tudo sozinha. Somos uma dupla, lembra? — pergunto ao mesmo tempo que sorrio e me enfio no monte de feno do seu lado. — Semáforo e antena parabólica.

— Aham! Mas é claro que sim!

— Então boa noite, Astrid.

— Boa noite, Geoff.

[...]

Quando acordo noto que o clima está mais quente que o normal, bem abafado. Isso é ótimo, porque talvez as minhas coisas tenham secado, e quem sabe não sobrou algum alimento?

Giro meu corpo na pilha de feno, mas com bastante dificuldade, porque sempre que acordo, todos os meus machucados doem de uma só vez. Depois de conseguir me colocar em pé, pego o facão e cubro os olhos para me proteger da luz solar que entra pela fresta.

Que estranho, Astrid não me acordou pela madrugada para montar guarda... deve ter caído no sono. Ainda bem que os Carreiristas não nos acharam, porque eu definitivamente não quero morrer durante o sono. É como morrer sem perceber, sem ter tempo de se despedir do mundo. Não acredito em vida após a morte, talvez vaguemos como fantasmas pelo mundo, mas não há como saber, então não seria nada legal não ter consciência da morte.

Deixando os assuntos místicos de lado, decido acordar Astrid. Viro-me para o lado e meu coração acelera como nunca antes fez.

Ela não está em nenhum lugar.


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Notas finais do capítulo

E aí, o que será que aconteceu com a Astrid? Ela morreu, abandonou o Geoffrey ou fugiu? Saberão só semana que vem!

Espero que tenham gostado. Não se esqueçam de comentar, e aos leitores fantasmas: não tenham vergonha! Até o próximo o/